Polícia Federal

Folha de S. Paulo: Bolsonaro escolhe diretor da Abin para comandar a Polícia Federal

Alexandre Ramagem é homem de confiança do presidente e de seus filhos, tendo chefiado a segurança de Jair na campanha de 2018

Julia Chaib, Gustavo Uribe e Renato Onofre, da Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro escolheu o diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Alexandre Ramagem, para o comando da Polícia Federal.

Segundo aliados do presidente e integrantes da PF, até a noite desta sexta-feira (24), era certo que ele assumiria a chefia da corporação.

Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, chegou a ser cotado para o cargo, mas hoje teria mais chances de assumir o Ministério da Justiça ou da Segurança Pública caso Bolsonaro confirme uma separação da estrutura atual da pasta.

Ramagem, o escolhido até a noite desta sexta-feira para ser diretor-geral da PF, é homem de confiança do presidente Bolsonaro e de seus filhos.

Delegado de carreira da PF, ele se aproximou da família Bolsonaro durante a campanha de 2018, quando comandou a segurança do então candidato à Presidência após a facada que ele sofreu em Juiz de Fora (MG).

O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) é um dos seus principais fiadores e esteve diretamente à frente da decisão que o levou ao comando da agência de inteligência em junho passado.

O aval do “filho 02” foi conquistado durante a crise política que levou à saída do ex-ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz. Ramagem atuava como assessor especial da pasta e se manteve fiel à família.

Santos Cruz caiu após ataques da ala ideológica do governo e do chamado gabinete do ódio comandado por Carlos Bolsonaro.

No início de março, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ex-secretário geral da Presidência Gustavo Bebianno afirmou que um delegado da PF participou da tentativa de montagem de uma Abin paralela por iniciativa de Carlos Bolsonaro.

Questionado sobre se o delegado seria o atual diretor da Abin, Alexandre Ramagem, Bebianno preferiu não responder. “Eu lembro o nome do delegado. Mas não vou revelar por uma questão institucional e pessoal”, disse o ex-ministro, em entrevista exibida no dia 2 de março.

Bebianno disse que o episódio aconteceu nos primeiros meses do governo, quando Carlos Bolsonaro apareceu com os nomes de um delegado federal e de três agentes que fariam parte de uma suposta Abin paralela.

A afirmação só foi desmentida quatro dias depois. Em nota, o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual a Abin é subordinada, afirmou que a acusação era um "devaneio de amadores".

"[O diretor] Aproximou a Abin da Polícia Federal, com ganhos evidentes para o Sistema Brasileiro de Inteligência. Transmitiu a seus subordinados uma nova concepção de inteligência, ágil e focada na informação tática, capaz de competir com a rapidez da internet, reduzindo o preciosismo em prol da velocidade. Abin paralela é devaneio de amadores", concluiu Heleno.

Bebianno morreu doze dias depois ao sofrer um infarto em sua casa em Teresópolis (RJ).

A troca da Abin não foi decidida por Heleno e, sim, por imposição do presidente Jair Bolsonaro. Na época, o ministro-chefe do GSI afirmou que a mudança foi “sem traumas” e feita “por orientação” de Bolsonaro “buscando uma nova situação para inteligência”.

No início do governo, Carlos Bolsonaro chegou a criticar internamente a Abin por não acompanhar “com a velocidade necessária” as informações nas redes sociais.

Ao assumir o cargo em junho do ano passado, Ramagem afirmou que as prioridades seriam o fortalecimento do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), o resgate da Escola de Inteligência (Esint) e o investimento em inteligência cibernética.

Na posse, o presidente Bolsonaro apontou a instituição como um dos pilares do seu governo. “Grande parte do destino da nossa nação e das decisões que eu venha a tomar partirão das mãos dele [Ramagem] e de todos que estão aqui, estamos no mesmo barco e juntos vamos construir um novo Brasil”, disse, em 1º de janeiro de 2019.

Delegado da Polícia Federal desde 2005, Ramagem comandou, de 2013 a 2014, a Divisão de Administração de Recursos Humanos e a de Estudos, Legislações e Pareceres, de 2016 a 2017.

Atuou ainda na coordenação de grandes eventos realizados no país nos últimos anos, como a Conferência das Nações Unidas Rio+20 (2012), a Copa das Confederações (2013), a Copa do Mundo (2014) e a Olimpíada do Rio (2016).

Em 2017, Ramagem integrou a equipe responsável pela investigação e inteligência de polícia judiciária na Operação Lava Jato. Em uma das ações que comandou, a Operação Cadeia Velha, ocorreu a prisão de integrantes da cúpula da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Em 2018, antes de atuar na segurança de Bolsonaro, assumiu a Coordenação de Recursos Humanos da Polícia Federal, na condição de substituto. Após a eleição, em janeiro de 2019, foi para Secretaria de Governo e, de lá, para a Abin.


Ricardo Noblat: Governo quer digital da esquerda na faca

À procura de outra conclusão para o atentado a Bolsonaro

Sem essa de que Adélio Bispo, o pedreiro desempregado que esfaqueou Jair Bolsonaro em Juiz de Fora, agiu sozinho, por vontade própria e que sofra de doença mental como atestaram 7 peritos indicados pela Justiça Federal.

Busque-se para o caso uma solução plausível que não seja essa, recomendou o general Otávio Rêgo Barros, porta-voz da Presidência. O segundo inquérito feito pela Polícia Federal está perto do fim e o governo se recusa a aceitar seus resultados.

Para o governo, só existe um resultado plausível: ex-filiado ao PSOL, Adélio tentou matar Bolsonaro a mando da esquerda, e ponto final. Do contrário, como justificar a narrativa sustentada até hoje por Bolsonaro e seus devotos de que por pouco a esquerda não o matou?

A narrativa serviu para que o candidato se elegesse, e serve agora para que o presidente governe em oposição à esquerda. Sem a facada, Bolsonaro teria dificuldades para se eleger. Sem a impressão digital da esquerda na faca, terá dificuldades para governar.

Falou-se muito do PT como dependente de Lula, e isso está certo. Os devotos de Bolsonaro resistem a ideia de que ele seja dependente do PT. É o que ele é. Boa parte dos 58 milhões de votos que obteve foi de eleitores que queriam derrotar o PT e não necessariamente elegê-lo.

É de se ver como desatará esse nó o ministro Sérgio Moro, ao qual se subordina a Polícia Federal. Até aqui, ele tem se comportado como um fiel vassalo do presidente.

Calma, dará errado

E viva a Mangueira!

Prognóstico cada vez mais compartilhado pelos cariocas sempre que se fala sobre o futuro do governo de Wilson Witzel, o juiz federal que surfou na onda bolsonarista para se eleger: “Fique tranquilo, não dará certo”.


O Globo: Presidente da CNI é preso pela PF em operação sobre fraude envolvendo Sistema S

Polícia Federal investiga fraudes em contratos com recursos públicos do Ministério do Turismo e ações do Sistema S

Por Gabriela Valente, de O Globo

BRASÍLIA — A Polícia Federal deflagrou hoje operação que tem entre os alvos o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson de Andrade. Uma ordem de prisão temporária de Andrade foi expedida pela Justiça Federal de Pernambuco. Andrade foi preso hoje pela manhã na sede da CNI. A operação investiga fraudes envolvendo desvio de recursos do Sistema S no estado. No total estão sendo cumpridos dez mandados de prisão temporária.

Segundo a PF, na ação batizada de "Operação Fantoche", um grupo de empresas atuaria desde 2002 executando contratos vinculados ao Ministério do Turismo e entidades do Sistema S. Os contratos serviriam para encobrir desvios de recursos. A PF estima que os envolvidos teriam recebido repasses de R$ 400 milhões.

"A atuação do grupo consistia na utilização de entidades de direito privado, sem fins lucrativos, para justificar celebração de contratos e convênios diretos com o Ministério e Unidades do Sistema S. Tais contratos, em sua maioria, voltados à execução de eventos culturais e de publicidade superfaturados e/ou com inexecução parcial, sendo os recursos posteriormente desviados em favor do núcleo empresarial por intermédio de empresas de fachada.", diz nota da PF.

Ao ser preso, Andrade saiu acompanhado do superintendente jurídico da instituição. Em Brasília, a Polícia Federal interditou todo o sétimo andar da CNI, onde funciona o departamento financeiro da instituição.

Na reunião que estava marcada para esta terça-feira na CNI, a diretoria discutiria, segundo fontes da instituição, justamente um posicionamento para o Sistema S no novo governo de viés liberal e que pretende diminuir a carga tributária sobre a indústria. As federações do sistema sobrevivem com contribuição das empresas do setor.

A operação mobiliza 213 policiais federais e 8 auditores do Tribunal de Contas da União com para cumprir 40 mandados de busca e apreensão e dez mandados de prisão temporária em Brasília, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo , Paraíba, Mato Grosso do Sul e Alagoas.

Empresas fantasma
O delegado federal Renato Madsen, que participa das investigações, pontuou que as empresas são investigadas pela criação de fachada para dificultar possíveis investigações.

— Eles criaram empresas sem fins lucrativos para dificultar a investigação do TCU. Queremos investigar até que ponto esse esquema partiu do sistema S daqui e reverberou em outros estados.

O delegado explicou que as investigações começaram há alguns anos, a partir de uma empresa que recebia dinheiro para realizar eventos culturais:

— A investigação começou há alguns anos, a partir de uma empresa que estava recebendo grande parte de recursos para eventos culturais. Percebeu-se que esses valores estavam superfaturados e que foram criadas empresas de fachada. Conseguimos identificar também que o dinheiro não era destinado totalmente a essas produções culturais — disse Madsen.


O Estado de S. Paulo: Oito funcionários da Vale são presos; mandados são cumpridos em MG, SP e RJ

São cumpridos também 12 mandados de busca e apreensão. Pedidos de prisão foram feitos pelo Ministério Público Estadual de Minas e estão relacionados com a tragédia em Brumadinho

Por Renata Batista , Juliana Diógenes e Daniela Amorim, de O Estado de S.Paulo
RIO E SÃO PAULO - Oito funcionários da Vale foram presos na manhã desta sexta-feira, 15, em Minas Gerais e Rio de Janeiro. As prisões foram em Belo Horizonte (MG), Itabira (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Ao todo, são 14 mandados de busca e apreensão, e oito de prisão. O pedido foi do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).

O rompimento da barragem de Brumadinho, no dia 25 de janeiro, deixou 166 mortos e 147 desaparecidos até esta quinta-feira, 14, segundo números atualizados da Defesa Civil de Minas Gerais.

Entre os presos, estão quatro gerentes (dois deles, executivos) e quatro integrantes das respectivas equipes técnicas. Segundo o MPMG, todos são diretamente envolvidos na segurança e estabilidade da Barragem 1. As prisões temporárias foram decretadas pelo prazo de 30 dias.

Um dos presos nesta sexta-feira é Alexandre Campanha, executivo da Vale, que foi preso na região centro-sul de Belo Horizonte, em Minas Gerais. Ele prestou depoimento em 7 de fevereiro à força-tarefa que investiga o rompimento da barragem 1 na Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Campanha foi citado pelo engenheiro Makoto Namba, da Tüv Süd, que disse ter se sentido pressionado pelo executivo a assinar documento atestando a estabilidade da barragem. Em depoimento, Campanha negou ter travado o diálogo com o responsável pelo laudo da barragem.

Alexandre Campanha é gerente executivo corporativo da Vale e, segundo depoimento de Namba à Polícia Federal, fez pressão para que assinasse o documento. "A Tüv Süd vai assinar ou não", teria dito Campanha, segundo Namba.

O engenheiro, então, disse ter respondido que assinaria se a Vale adotasse recomendações que fez em revisão periódica de junho de 2018. Namba afirmou ainda ter assinado o laudo e que se sentiu sob risco de perder o contrato.

Busca e apreensão
Segundo o Ministério Público, foram, ainda, alvos de busca e apreensão nesta sexta, em São Paulo e Belo Horizonte, quatro funcionários (um diretor, um gerente e dois integrantes do corpo técnico) da empresa alemã TÜV SÜD, que prestou serviços para a Vale, referentes à estabilidade da barragem rompida. Também foi cumprido mandado de busca e apreensão na sede da empresa no Rio de Janeiro.

Em nota, a Vale informou que "está colaborando plenamente com as autoridades" e que "permanecerá contribuindo com as investigações para a apuração dos fatos, juntamente com o apoio incondicional às famílias atingidas."

Questionada pelo Estado, a Vale não respondeu se os funcionários terão respaldo jurídico.

Procurada, a TÜV SÜD ainda não se manifestou.

A operação contou com o apoio das Polícias Militar e Civil do Estado de Minas Gerais e, ainda, com atuação dos Ministérios Públicos dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Todos os presos serão ouvidos pelo Ministério Público Estadual, em Belo Horizonte. Também são apurados crimes ambientais e de falsidade ideológica.

Presos
Veja a lista dos presos:

Joaquim Pedro de Toledo

Renzo Albieri Guimarães Carvalho

Cristina Heloíza da Silva Malheiros

Artur Bastos Ribeiro

Alexandre de Paula Campanha

Marilene Christina Oliveira Lopes de Assis Araújo

Hélio Márcio Lopes da Cerqueira

Felipe Figueiredo Rocha

Outras prisões
Esta não é a primeira vez que são presos funcionários da Vale por suposto envolvimento no caso Brumadinho. Em 29 de janeiro, dois engenheiros da empresa alemã TÜV SÜD que atestaram a segurança da barragem e três funcionários da Vale foram presos por suspeita de homicídio qualificado.

Eles foram soltos uma semana depois após decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os magistrados não viram fundamentos legais que justificassem a prisão temporária dos presos.

A decisão colocou em liberdade os engenheiros André Jum Yassuda, Makoto Namba, Rodrigo Artur Gomes de Melo, gerente executivo operacional da Vale, Ricardo de Oliveira, gerente de meio ambiente da Vale, e Cesar Augusto Paulino Grandchamp.

Troca de e-mails
A Polícia Federal identificou em e-mails trocados por funcionários da Vale e da consultoria alemã Tüv Süd que a empresa de mineração já sabia de problemas com sensores da barragem.

No depoimento aos policiais, ao ser questionado sobre o que faria se tivesse um filho no local e soubesse das informações contidas na troca de e-mails, Namba disse que o mandaria sair imediatamente. E afirmou que acionaria a Vale para disparar o plano de emergência.

A barragem de Brumadinho se rompeu em 25 de janeiro. Os e-mails foram trocados entre os dias 23 e 24, antevéspera e véspera da tragédia e citam dados “discrepantes” colhidos no dia 10 de janeiro, ou seja, 15 dias antes da tragédia.


El País: A caótica prisão de Lula hipnotiza o Brasil

Após 50hs de expectativa, ex-presidente começa a cumprir pena em meio a tensão entre manifestantes

Por Regiane Oliveira, Gil Alessi e Marina Rossi, do El País

Um dia dramático, caótico e histórico. Todos os adjetivos cabem para falar da saga do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste sábado, 7, que começou logo cedo com uma ato religioso no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, e terminou numa cela de 15 metros quadrados na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O Brasil assistiu ao longo do sábado, em tempo real, ao ex-presidente mais popular da democracia recente chegar à prisão. Popular, claramente, para o bem e para o mal. Lula saiu literalmente carregado nos braços do povo em São Bernardo, e amargou uma recepção hostil com incontáveis fogos de artifício quando o bimotor que o levou de São Paulo à capital paranaense pousou no aeroporto Afonso Pena. Para finalizar, na chegada à sede da PF o petista pôde ver, da janela do helicóptero que o conduzia a seu destino final, sua militância ser massacrada por bombas de gás disparadas pela polícia. Um capítulo melancólico de um personagem que ganhou projeção mundial.

Foi uma jornada de sobressaltos, com uma militância arisca e indignada, que chegou a cercar o portão do sindicato para evitar a saída do ex-presidente e derrubar as grades num movimento furioso impedindo a saída de Lula. As lideranças petistas precisaram intervir avisando que o tempo acordado com a PF estava se esgotando. "A PF deu meia hora para nós resolvermos. Ou Lula será responsabilizado", alertou a senadora Gleisi Hoffmann de cima do caminhão de som. Chegou-se a cogitar que a parede humana que impedia a saída de Lula fazia parte da estratégia do ex-presidente para evitar ser preso. Hoffmann explicava à militância que se Lula não saísse ele poderia receber uma ordem de prisão preventiva e ser prejudicado em sua batalha jurídica para tentar reverter a prisão.

Diante de uma multidão enfurecida, e correndo contra o relógio para se entregar, Lula protagonizou uma cena antológica: deixou o prédio emblemático para sua carreira política a pé por volta das 18h40, para chegar a um carro da Polícia Federal. Abriu caminho entre a militância que, momentos antes, tinha impedido seu carro de deixar o local. Em meio ao tumulto, o petista se entregou para cumprir, embora com atraso de 26 horas, a ordem de prisão decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.

O ex-presidente seguiu assim, sob custódia policial, em um carro que o levaria à sede da PF para fazer exames de praxe, antes que ele fosse encaminhado a Curitiba. As TVs cobriam o trajeto com imagens aéreas, numa transmissão ao vivo, vista por milhões de brasileiros. Metade deles celebrava, a outra, se entristecia. Ninguém indiferente. A saga que durou quase 50 horas — Lula chegou ao sindicato na quinta-feira por volta das 20h após a inesperadamente rápida determinação de Moro — teve espaço ainda para um discurso derradeiro, no qual Lula admitia sua ‘morte política’, ao menos por enquanto.

Após uma longa expectativa desde que chegara ao sindicato na noite de quinta-feira, ele falou ao público presente, depois da missa celebrada no próprio sindicato em homenagem a sua mulher, Marisa Letícia, que completaria 68 anos neste sábado. Com o mesmo estilo que marcou sua trajetória de mais de 40 anos de vida pública, Lula permitiu-se um último ato catártico, em que desafiou os que ele considera seus algozes: o Judiciário, a mídia e aqueles que não queriam que ele fosse candidato a presidente.

Inflamado e com a voz rouca, fez do procurador Deltan Dallagnol um de seus principais alvos. “Eu não posso admitir um procurador que fez um powerpoint e foi pra televisão dizer que o PT é uma organização criminosa que nasceu para roubar o Brasil e que o Lula, por ser a figura mais importante desse partido, o Lula é o chefe, e portanto, se o Lula é o chefe, diz o procurador, ‘eu não preciso de provas, eu tenho convicção”, disse ele, ironizando uma frase que na verdade Dallagnol nunca verbalizou. “Eu quero que ele guarde a convicção deles para os comparsas deles, para os asseclas deles e não para mim”, discursou ele.

Em outro momento, criticou a imprensa pelo excesso de ataques que recebe. “Tenho mais de 70 horas de Jornal Nacional me triturando. Eu tenho mais de 70 capas de revista me atacando. Eu tenho mais de milhares de páginas de jornais e matérias me atacando. Eu tenho mais a Record me atacando. Eu tenho mais a Bandeirantes me atacando, eu tenho a rádio do interior me atacando. E o que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam mais cresce a minha relação com o povo brasileiro”, ironizou.

Foram 55 minutos de discurso para o público presente, que ouvia entusiasmado e gritou em coro “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. A descarga de adrenalina, no entanto, acabou contagiando militantes que protagonizaram cenas de hostilização de jornalistas que faziam a cobertura do último dia de liberdade de Lula, tanto no sindicato de São Bernardo, como no aeroporto de Congonhas e em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba. Entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se manifestaram sobre os relatos de agressão aos profissionais de comunicação. “Conclamamos políticos e líderes de movimentos a colaborar para garantir a integridade física de quem participa da cobertura dos atos de hoje”, divulgou a Abraji.

“Não quero ser foragido”
Até o discurso de Lula, havia dúvidas se ele de fato se entregaria à Polícia ou se estenderia a corda, inclusive sob o risco de receber a ordem de prisão preventiva, o que lhe tiraria o direito de pedir um novo habeas corpus para sair da prisão. A dúvida foi dissipada durante seu discurso, quando ele admitiu que atenderia o mandado de prisão. “Se dependesse da minha vontade eu não ia, mas eu vou porque eles vão dizer a partir de amanhã que o Lula está foragido, que o Lula tá escondido, e não! Eu não estou escondido, eu vou lá na barba deles pra eles saberem que eu não tenho medo, que eu não vou correr, e para eles saberem que eu vou provar minha inocência”, disse ele para alívio do Brasil.

O tom de desafio do ato em São Bernardo, porém, viria a se dissipar assim que ele entrou no carro da Polícia Federal que o esperava perto do sindicato. De lá, ele se viu perseguido pelas mesma imprensa que atacara quando passou no prédio da PF em São Paulo para exame de corpo delito, até chegar ao aeroporto de Congonhas. Lula saiu de bimotor para Curitiba, onde chegou por volta das 22h20. O ex-presidente foi transportado de helicóptero para a superintendência da PF, onde vai cumprir a pena de 12 anos e um mês por ter recebido um apartamento triplex no valor de 2,4 milhões de reais da empreiteira OAS por favorecê-la em contratos da Petrobras, segundo a Justiça. Lula sempre rebateu que o apartamento não era dele, uma vez que não estava em seu nome. Mas ele nunca convenceu o Judiciário.

Chuva de bombas
A chegada à República de Curitiba, apelido ironicamente dado por Lula, foi como ele deveria esperar: hostil. Nos arredores do aeroporto Afonso Pena, e em vários bairros da cidade, fogos de artifício comemoravam a chegada do maior troféu de Sérgio Moro, ou, nas palavras de Lula “o sonho de consumo” do juiz. De lá ele embarcou em um helicóptero rumo à sede da PF onde iria começar a cumprir pena. As imagens de TV mostravam Curitiba com um caos no trânsito devido a protestos na chegada da persona non grata para a capital que se orgulha de liderar a Lava Jato.

Ainda assim, uma manifestação de apoiadores do ex-presidente aguardava, desde as 14h, sua chegada em volta do prédio da PF. Os vermelhos estavam separados por dois cordões policiais e cerca de 100 metros dos verde-amarelos, estes em número bem reduzido. Apesar do momento dramático para a maior liderança do PT, a militância tentava se manter animada ao longo do dia, cantando músicas de Geraldo Vandré e velhos sambas de Clara Nunes. Dezenas de estudantes secundaristas participaram do ato - muitos deles veteranos da onda de ocupações escolares que varreu o Estado em 2016.

Assim que o helicóptero do ex-presidente tocou o heliponto do prédio da PF, vieram as bombas: ao menos 10, disparadas do estacionamento do edifício em direção ao ato de apoio a Lula. Segundo os bombeiros, oito pessoas ficaram feridas sem gravidade por estilhaços. A reportagem não presenciou nenhum ato dos manifestantes que justificasse a medida repressiva, e a Polícia Federal não se manifestou até o momento sobre o episódio. Depois do tumulto, os senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, que seguiram do ato de São Bernardo para Curitiba, se uniram ao que restou do protesto para anunciar que a cidade da Lava Jato vai ser também “a capital da resistência".

Colaborou Afonso Benites


Míriam Leitão: Os sinais da operação

A Operação Skala trouxe muitos sinais, e nenhum é bom para Temer. O presidente Michel Temer foi duas vezes denunciado pelo Ministério Público, é investigado pela Polícia Federal e ontem a Procuradoria-Geral pediu a prisão de 13 pessoas ligadas a ele, algumas são seus amigos de longa data. Das duas primeiras denúncias ele conseguiu se livrar através de estratagemas no Congresso. Há pouco mais de 10 meses ele se tornou um presidente encurralado.
A operação Skala trouxe muitos sinais e nenhum é bom para o governo Temer. O primeiro é que todo o esforço que Temer fez para bloquear no Congresso as duas primeiras denúncias da Procuradoria-Geral da República não o blindaram. Venceu as batalhas, mas não a guerra. Ele conseguiu derrubar as duas denúncias porque há no Congresso um sentimento de autoproteção, muitos dos que votaram a favor dele são alvo, ou temem ser, da operação anticorrupção.
O segundo é que ao contrário do que foi dito pelo ex-diretor da Polícia Federal Fernando Segovia, o inquérito contra Temer não está em vias de ser arquivado por falta de conteúdo probatório. Se as evidências não fossem fortes, a PGR não pediria as prisões dessas 13 pessoas e o ministro Luís Roberto Barroso não as teria concedido.
Terceiro sinal é que se os indícios de corrupção se tornarem mais robustos, Temer pode vir a enfrentar uma terceira denúncia. As duas primeiras foram feitas por Rodrigo Janot. A defesa aproveitou erros cometidos pelo ex-procurador-geral e o envolvimento do seu antigo assessor Marcelo Miller com o grupo JBS para tratar as denúncias como parte de uma perseguição pessoal ao presidente. Se houver nova denúncia, ela será apresentada pela procuradora Raquel Dodge, da qual se dizia, indevidamente, que fazia parte do esquema para reduzir a pressão do Ministério Público sobre os políticos.
As autoridades parecem trabalhar com a tese da continuidade delitiva porque estão sendo avaliados fatos muito anteriores ao mandato,  de recebimento de propina, através de pessoas ligadas a ele, desde os anos 1990. Só essa continuidade permitiria que ele fosse denunciado agora por fatos que aconteceram antes do seu mandato. É por isso que o rastro seguido pelos investigadores é de negócios no Porto de Santos, em cuja gestão o presidente Temer sempre teve influ- ência, através de seus indicados. E o elo de todo esse passado ao presente é o objeto central da investigação: o suposto favorecimento da Rodrimar no decreto dos Portos.
Os investigadores estão montando um quebracabeças que junta as várias vezes em que o presidente foi citado: nas delações de executivos e proprietários da JBS, na delação do doleiro Lúcio Funaro, na operação controlada em torno de Rocha Loures na qual o então assessor presidencial foi gravado em conversa com o executivo da empresa portuária.
A operação Skala mirou pessoas que estão inequivocamente ligadas ao presidente, como o ex-assessor presidencial e amigo de décadas José Yunes e o homem de confiança coronel João Batista Lima, deixando claro quem é que está no foco principal da operação.
Desde o dia 17 de maio do ano passado, há pouco mais de dez meses, a presidência de Temer tem estado encurralada. Naquele dia foi divulgado o teor da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista com o presidente no Jaburu. Há momentos em que o cerco parece mais fraco e há dias, como o de ontem, em que a pressão fica maior, mas desde aquela data o governo entrou em outra frase e se enfraqueceu. A reforma da Previdência, que estava para ser votada, entrou em agonia e assim ficou por meses até ser deixada de lado. Ontem foi um dia em que o governo até teve uma vitória na economia. Contra todas as previsões o leilão de petróleo foi bem sucedido e arrecadou R$ 8 bilhões, mas este é um governo marcado pelas suspeitas de corrupção pretéritas e presentes.
O sinal mais importante dado com as prisões de ontem é o de que o movimento de combate à corrupção continua forte e atuante e que o alvo da operação Lava-Jato nunca foi apenas um partido ou uma tendência política, mas a corrupção esteja onde estiver.

O Estado de S. Paulo: ‘Alguns delegados da PF tiveram desvios político-partidários’, diz Segovia

Novo diretor-geral da corporação nega ter ‘padrinhos’ e afirma que operações da instituição são ‘todas blindadas’

Fabio Serapião, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Indicado para substituir Leandro Daiello, diretor-geral da Polícia Federal mais longevo do período democrático, o delegado Fernando Segovia rechaça a possibilidade de pressões políticas interferirem nas investigações em andamento, promete dar mais velocidade aos inquéritos contra políticos e afirma ter como meta de gestão a unificação da corporação responsável pelas maiores operações de combate à corrupção do Brasil.

Segovia falou ao Estado na sede da PF, em Brasília, na tarde desta terça-feira, 14.

O novo diretor da PF negou indicação política de seu nome para o cargo e disse que não tem relação com o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e com o ex-presidente José Sarney, ambos do PMDB. Sobre o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, o delegado afirmou que a relação se deu por causa de um convite para criação de um gabinete de segurança institucional na corte.

Sobre a gestão na PF, o delegado disse que pretende dar um “upgrade” na equipe que cuida dos inquéritos de políticos para que eles tenham a mesma velocidade das investigações conduzidas na primeira instância. “Como há essa demanda reprimida dentro do STF (Supremo Tribunal Federal) e a necessidade que se tragam essas investigações na mesma velocidade das outras, talvez haja necessidade de reforço nessas investigações.”

ESTADO – O senhor é apontado como apadrinhado político do ministro Eliseu Padilha, do ex-presidente José Sarney e do ministro do TCU Augusto Nardes. Qual sua relação com eles?

FERNANDO SEGOVIA – Não tenho relação nenhuma nem com o ministro Padilha, nem com o ex-presidente Sarney. O ministro Nardes conheci em missão na África do Sul. Ele foi trabalhar lá, como eu era adido policial, foi pedido que eu fizesse trabalho de apoio e segurança. Eu o acompanhei, conversamos vários assuntos e quando a gente voltou para o Brasil o ministro conversou com o Leandro Daiello sobre a possibilidade de eu ajudar no TCU para que fosse feito lá um gabinete de segurança institucional. O ministro Nardes conversou com o ministro Raimundo Carreiro, presidente do TCU, e me chamaram no gabinete para falar sobre a importância da criação do gabinete de segurança. A partir dessa conversa o ministro Carreiro veio na PF, conversou com Daiello e acertaram minha ida para o TCU. Foi feita a formalização na época do ex-ministro Osmar Serraglio, só que quando ia começar a rodar o documento, o ministro Serraglio caiu. Quando ele caiu, o ministro Raimundo ficou esperando um novo momento para haver essa nova agenda, mas nunca houve. Nesse meio tempo conheci o ministro Nardes, fui na casa dele uma vez, em um jantar, falamos sobre segurança institucional e nada mais do que isso. Já o ministro Padilha eu não o conheço pessoalmente. Conheci no Palácio do Planalto quando teve a confirmação da indicação. Fui apresentado e conversamos uns dez minutos. Dizer que eu sou apadrinhado do Sarney, eu não o conheci em momento algum quando estava no Maranhão, encontrei com ele uma única vez aqui em Brasília em uma solenidade.

ESTADO – A casa em que o sr. morava no Maranhão não era de pessoas ligadas a Sarney?

SEGOVIA – Cheguei no Maranhão e a superintendência tinha lá uma pessoa que falou: temos aqui duas imobiliárias que podem atender o senhor. Saí com minha esposa na época e a gente foi rodando e olhando as casas. No final a gente achou essa casa. Saber quem construiu, onde foi feita, pelo amor de Deus.

ESTADO – Onde e quando foi o encontro com o ex-presidente Sarney?
SEGOVIA – Não lembro. Acho que foi no Congresso, na época ele ainda que era senador. Naquelas galerias do Senado, quando eu estava ainda fazendo, acho que a PEC 37. Faz muito tempo.

ESTADO – A quem se deve sua indicação?

SEGOVIA – Até eu fiquei intrigado para saber como foi essa construção toda. Quem me contou foram algumas pessoas daqui (PF) mesmo. O doutor Daiello, que estava querendo a transição porque estava cansado, resolveu mandar uma lista para o ministro da Justiça com os nomes de delegados que poderiam suceder-lhe. O Daiello escrevendo a lista colocou primeiro os da sua diretoria, depois os superintendentes regionais e, por fim, os adidos policiais. Eu estava retornando naquela época e ele falou: ‘Dos adidos só tenho um: o Fernando Segovia’. Eu fui o 9.º nome dessa lista que saiu daqui e foi parar no Ministério da Justiça.

ESTADO – O senhor credita a quem essas afirmações sobre seu apadrinhamento político?

SEGOVIA – Eu credito a maioria dessas informações a pessoas que não queriam me ver sentado aqui como diretor da PF. É muito mais fácil você dizer que o diretor-geral é ligado ao Sarney porque haveria uma resistência ao meu nome. Isso era uma pecha que os meus opositores, que não queriam me ver sentado nessa cadeira, tentaram.

ESTADO – Quem seriam esses opositores ao seu nome?

SEGOVIA – Ganhei muitos inimigos aqui dentro porque penso, justamente, em união. Penso em uma PF unida, sem distinção de cargos e categorias. Leia-se, claramente, dentro do campo profissional. Cada um tem seu lugar dentro da corporação. Enquanto alguns acham que mandam na corporação e que os outros são serviçais. Eu acredito em equipe e que todos aqui fazem parte de um grande time que chama PF.

ESTADO – O que o ministro Torquato Jardim disse ao senhor nas conversas?

SEGOVIA – Ele quer primeiro o fortalecimento da PF como um todo. Principalmente uma projeção maior da PF no cenário internacional. Essa visão macro é muito mais importante hoje, porque o crime transacional tem de ser combatido com mais força. Essa visão míope que temos tido nos últimos anos de olhar o problema só na raiz, não estamos vendo o macro. Não adianta apreender fuzil no Rio de Janeiro se você não parar o fluxo de fuzis chegando.

ESTADO – Como está sua relação com o ministro da Justiça?

SEGOVIA – Por incrível que pareça, eu tenho conversado com o ministro raramente. Hoje (terça-feira) eu estou indo lá conversar com ele. É uma dinâmica muito simples, o ministro falou: ‘A porta está sempre aberta’, então quando eu precisar é só eu chegar lá que a porta estará aberta. É uma relação muito tranquila e muito aberta.

ESTADO – Foi dito que o ministro tinha preferência pelo delegado Rogério Galloro. Isso causou estresse na relação de vocês?

SEGOVIA – Não. Eu acho que houve talvez uma manipulação. Eu e o ministro da Justiça trabalhamos tranquilamente, sem nenhum problema. A gente trata de alguns assuntos e pensamentos na área de segurança pública.

ESTADO – Como foi sua conversa com o presidente Michel Temer?

SEGOVIA – O presidente Michel Temer me chamou no sábado à tarde no Palácio do Jaburu. Ele queria conversar sobre alguns temas da PF e saber o que eu achava. A ideia é que a PF cumpra fielmente a Constituição e todas as leis. A gente percebe que algumas investigações ao longo da história da PF tiveram alguns desvios dentro das linhas investigativas. Alguns delegados nossos tiveram alguns desvios no sentido, eu diria, até político-partidários. Então há uma necessidade muito grande de que a PF tenha um trabalho muito profissional que busque somente a verdade. Tudo o que a gente fizer tem que ter o eixo da legalidade e não desviar qualquer tipo de ação da PF, até porque o ano que vem é delicadíssimo por questões político-partidárias. A gente vai ter que trabalhar no limite da lei, para que não haja nenhum tipo de desvio. Por isso vai haver um controle em todas as superintendências, para que nenhuma superintendência, nenhum delegado, possa vir a tentar fazer nenhum tipo de ação que desvirtue ou atrapalhe o processo eleitoral do ano que vem.

ESTADO – Como o senhor pretende lidar com a Lava Jato? Pretende mudar as equipes?

SEGOVIA – Equipe pode mudar? Pode. Eu não costumo interferir em equipe. Eu tenho a minha equipe, eu nomeio os meus diretores, os meus superintendentes. Agora quem meus diretores colocam nas equipes deles e quem meus superintendentes colocam nas equipes deles eu não, vamos dizer, eu não interfiro. Exceto se eu vir que é um problema sério. Se pega uma pessoa e coloca muito errado em determinado ponto eu posso intervir, porque eu tenho que zelar pela administração como um todo.

ESTADO – O senhor pretende blindar as investigações?

SEGOVIA – Hoje todas as operações são blindadas. A investigação policial é sigilosa, o que vai guardar qualquer blindagem é o sigilo. Temos que trabalhar em silêncio, discretamente, investigando seriamente, colhendo provas da maneira que o Código Penal e a Constituição demandam. No momento certo, quando houver a maturidade da operação e houver necessidade, quem vai determinar a quebra do sigilo é o juiz. Então, foi até a pauta da conversa que tive com doutora Raquel Dodge (procuradora-geral da República) em que fomos uníssonos sobre o que vai nos blindar é o nosso trabalho.

ESTADO – Até 2007, as investigação de combate ao crime organizado ficavam centralizadas em Brasília e depois foram descentralizadas. O senhor pretende manter assim?

SEGOVIA – Já existem dentro das superintendências delegacias especializadas em combate ao crime organizado, elas vão coordenar essas operações nos Estados e o dr. Eugênio (Eugênio Ricas novo diretor de Combate ao Crime Organizado), que será o grande gestor, vai coordenar e controlar essas operações. Então há todo um sistema de controle, feedback e retroalimentação do sistema. Temos hoje uma demanda represada de inquéritos e investigações dentro do STF. E houve até um reclame de alguns ministros de que as investigações estão lentas, talvez seja o momento de a PF, quem sabe, dar um upgrade na equipe de investigações do STF para que haja uma velocidade.

ESTADO – Como será esse controle?

SEGOVIA – Quando eu uso a palavra controle ela vem da administração. Das definições de controle como ferramenta de gestão, não é um controle de coerção, não vou estar verificando rumos. Não é controle de conteúdo, é o controle de prazos, de gerir os dados.

ESTADO – O senhor disse que pretende dar um ‘upgrade’ nas investigações de pessoas com foro privilegiado…

SEGOVIA – Como há essa demanda reprimida dentro do STF e necessidade de que se tragam essas investigações na mesma velocidade das outras, talvez haja necessidade de reforço nessas investigações.Vamos sentar com o dr. Eugênio Ricas, que deve assumir na semana que vem, e ele que vai fazer essa análise para ver se há ou não necessidade de reforço.

ESTADO – O que a classe política deve esperar da sua gestão?

SEGOVIA – O que todos esperam é que a PF seja Republicana, que ela siga a Constituição Federal. Não fique fazendo, como já aconteceu, pirotecnia para que alguns delegados ou procuradores se promovam com base das investigações. Isso já aconteceu, em que alguns tentavam ganhos políticos e até candidaturas em cima de operações da PF. A PF tem que ser isenta, principalmente, no processo eleitoral que vai se iniciar.

ESTADO – Na Lava Jato houve algum tipo de atuação político-partidária?

SEGOVIA – Existem rumores, existem pessoas quem falam de alguns casos, especialmente, de um grampo na época do (Alberto) Youssef e parece que a PF tem algumas investigações na Corregedoria. Mas todas essas suposições estão sendo averiguadas. Qualquer desvio de conduta de delegado nosso nós faremos averiguação.

ESTADO – O Ministério Público Federal levou ao Supremo Tribunal Federal o pedido para que PF não possa fazer delação. Acha que o MPF pode concordar em PF fazer delação?

SEGOVIA – Talvez até concorde. Essa questão de delação é pontual. Temos milhares de inquéritos, porque teria que ser sempre um procurador da República a ter esse tipo de trabalho, um delegado nosso poderia auxiliar. Até porque está na lei, foi colocado lá pra isso porque a gente sabe que é melhor todo mundo trabalhar junto em prol da investigação criminal. A delação é uma ferramenta de investigação, então não pode ser confundida com o monopólio de um dos lados.

ESTADO – O senhor disse que pretende mudar todas as diretorias da PF. As 27 superintendências terão novos chefes?

SEGOVIA – Nas superintendências também vão ser feitas algumas mudanças, porque são cargos de confiança. Cargos de confiança você entrega para pessoas em que você confia e que têm o perfil daquela administração. Então o que acontece? Como meu perfil não é muito parecido com o do doutor Leandro Daiello, acho que vou procurar pessoas mais alinhadas ao meu perfil, ao meu estilo de administrar. (…) A partir da tarde do dia 20 e o dia 21 inteiro vou ter reunião com cada um dos superintendentes regionais, vou ter uma conversa com cada um deles sobre a permanência ou não de cada um deles à frente da superintendência. Devo exonerar os que não coadunam com a maneira com que eu vou gerir e os que eu achar que devo manter, vou mantê-los na equipe.

ESTADO – Como pretende unificar a PF?

SEGOVIA – Tive um conversa com todas as associações, sindicatos, e fui claro: ‘Olha, houve esse tempo de divergência na PF, só que a partir de agora estamos abrindo um novo tempo’. (…) Estou nomeando uma nova assessora parlamentar na PF, que vai ficar responsável pela coordenação de um grupo de trabalho que vai compor com todas as associações e sindicatos da PF, e a gente vai reunir todas as demandas, para que a gente coloque numa mesa de negociação com todas as associações. Tudo que houver uma concordância, tudo o que for proposta comum que vai colocar nessa mesa de negociação, vai receber a chancela da administração.

ESTADO – Um dos motivos das brigas é para que outras carreiras, não só delegados, possam ocupar cargos de chefia.

SEGOVIA – A gente vai fazer uma equipe, inclusive um de cada categoria, vai haver agente, escrivão, papiloscopista, perito. Vai ter um de cada dentro da assessoria parlamentar, mas todos trabalhando no projeto conjunto.

ESTADO – O senhor é favorável a retirar da PF alguns setores como passaportes, controle de armas e produtos químicos, o que vem sendo chamado de modernização?

SEGOVIA – Isso não é modernização. As pessoas que tentaram me derrubar ou quiseram criar histórias contra mim para que eu não conseguisse alcançar a cadeira de diretor-geral são as que promovem esse tipo de desagregação. Isso para mim é uma grande estratégia até para destruir a PF. Porque a PF tem uma estrutura constitucional, de agência de Estado que vários países no mundo gostariam de ter. A PF foi concebida como uma polícia do Brasil e ela é.


Ricardo Noblat: Geddel fez por onde ser preso novamente

Com mais um pouco, a segunda prisão, esta manhã, em Salvador do ex-ministro Geddel Vieira Lima teria vindo tarde. Ele abusou de fazer por onde ser preso outra vez. É verdade que cumpria prisão domiciliar sem a tornozeleira eletrônica a que estaria obrigado.

A nova prisão não será tão rápida quanto foi a primeira. Ele amargará muito tempo de cadeia na condição de reincidente. Como amarga em Natal, Rio Grande do Norte, seu amigo e ex-colega de governo Henrique Eduardo Alves, que jaz esquecido.

A descoberta de oito malas e de seis caixas com R$ 51 milhões em um apartamento em Salvador foi mortal para Geddel. Não pela quantidade de dinheiro em si mesma assombrosa. Mas porque a impressão digital de Geddel foi encontrada em parte das cédulas.

Batom na cueca! A caça ao batom foi o principal motivo das 14 horas ininterruptas levadas pela Polícia Federal para contar o dinheiro. Procuravam-se impressões digitais, datas de emissões das cédulas, tudo o que pudesse ligar Geddel ao tesouro. Bingo!

Mas teve mais. Além do dono do apartamento, outra pessoa confirmou que o espaço havia sido cedido a Geddel. E ele passou senhas incorretas do seu celular para a Polícia Federal e se recusou a fornecer sua digital para que acessassem o aparelho.

Por fim, o homem que deixou a Penitenciária da Papuda em Brasília depois de 13 dias recluso e que assegurou estar disposto a colaborar com as autoridades deu sinais claros de que poderia fugir do país, segundo concluiu a Polícia Federal.

Além de corrupção, Geddel também poderá ser processado por tentativa de obstrução da Justiça. De pouco adiantará que chore como já o fez antes de ganhar o direito à prisão domiciliar. A cruz de isopor que carregava virou uma cruz de ferro.

 

 


Lúcio Flávio Pinto: Corrupção, buraco sem limite?

A revista Época considerou Aldemir Bendine o 32º brasileiro mais influente em 2009. Ele acabara de assumir a presidência do Banco do Brasil, onde trabalhava há 31 anos. O presidente Lula (no cargo havia seis anos) lhe deu a missão de recuperar a mais antiga instituição financeira do país. Na época, ainda o maior banco brasileiro (perdeu a posição a seguir para o Itaú).

Bendine se saiu tão bem que, quatro anos depois, o portal iG o elevou para a 11ª posição entre os mais poderosos. Já a revista Istoé Dinheiro lhe deu o título de empreendedor do ano nas finanças nacionais. Dois anos depois, a presidente Dilma Rousseff o designou para a maior empresa do Brasil, a Petrobrás.

Na época, ele teria que fechar o balanço do segundo semestre de 2014, que a PriceWaterhouse se recusara a avalizar sem a inclusão do prejuízo de 6,2 bilhões de reais causado pela corrupção dentro da companhia, que resultara no início da Operação Lava-Jato, em março de 2014. Bendine fechou as contas, com o maior prejuízo da história, de R$ 21 bilhões.

Fez um emocionado e emocionante discurso saudando a nova fase, que voltava a dar dignidade à empresa e aos seus funcionários. A fase negra passara, assegurou ele, do alto dos seus 50 anos e 37 vida pública como técnico, formado em administração pela PUC do Rio.

Teria continuado à frente da Petrobrás se a presidente Dilma Rousseff não tivesse sido derrubada pelo processo de impeachment. Saiu da Petrobrás quando Michel Temer assumiu a presidência da república. Ainda assim, Bendine podia ter se aposentado com uma biografia brilhante e digna.

Ao invés disso, ele foi preso pela Polícia Federal. Ficará em prisão temporária por cinco dias, por ordem do juiz Sérgio Moro, no 42º capítulo da Lava-Jato. Uma versão inteiramente oposta à da história oficial de Bendine circulava pela força-tarefa da LJ havia mais de dois anos.

A história se baseava nos depoimentos de Marcelo Odebrecht e de um importante executivo da sua empresa, Fernando Reis. Em delação premiada, eles admitiram que pagaram propina a Bendine, depois de tentarem resistir a investidas que ele vinha fazendo para receber dinheiro ilícito.

Primeiro, se oferecendo para facilitar o refinanciamento de dívida de subsidiária da empreiteira. Depois, no golpe mortal, ameaçando prejudicar a empresa junto à Petrobrás, com quem ela mantinha alguns dos seus maiores contratos.

Bendine começou a receber o pagamento parcelado (de 15 em 15 dias) dos três milhões que a Odebrecht finalmente aceitou lhe fazer um mês depois de assumir a presidência da estatal do petróleo e antes da cena armada para demarcar a volta da Petrobrás a um padrão de decência. Nessa época, o nome dele já estava na agenda das investigações. Era certo que a polícia chegaria a ele.

Chegou pelo receio de que ele fugisse para o exterior, aproveitando-se da condição de filho de italianos (como outro integrante do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato). Bendine estava com passagem marcada para Portugal hoje.

Será que um cidadão com a trajetória do ex-presidente de duas instituições tão poderosas como a Petrobrás e o Banco do Brasil, que decide sobre centenas de milhões ou mesmo bilhões de reais, é capaz de se sujar por fração desse volume de dinheiro e pôr a perder o conceito (mesmo que falso, mas com aceitação pública) criado ao longo de quase quatro décadas de vida?

Impressionante e assustadora se tornou a corrupção no Brasil. Espantosa, se a versão que levou Bendine à cadeia for mesmo a verdadeira. Uma corrupção cujo fundo não tem fim. Quanto mais se cava, mais fundo surge. Nesse ritmo, até onde irá o Brasil para identificá-la e colocá-la sob um padrão de dignidade autêntico, não a simulação de Bendine & Cia?

 

Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

 


Eliane Cantanhêde: Em causa própria

Congresso prepara ‘surpresas’ contra a Lava Jato e a favor dos parlamentares

O Congresso Nacional já está levando palmadas da Lava Jato, broncas da opinião pública e notas baixas nas pesquisas, mas aproveita o recesso para fazer mais peraltices. Como o Estado vem antecipando, os parlamentares tentam usar a reforma política e a reforma do Código Eleitoral para favorecer os alvos da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal.

Um dos exemplos mais lustrosos é a tal “emenda Lula”, que aumenta de 15 dias para oito meses o prazo em que os candidatos às eleições já de 2018 não podem ser presos, a não ser em flagrante delito. Oito meses é uma eternidade. Principalmente para cometer crimes impunemente.

Quem assume a ideia é o relator da comissão especial da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), e fica evidente a intenção de garantir duas blindagens para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o único nome que os petistas de fato consideram para 2018. De um lado, dificultaria a prisão de Lula. De outro, garantiria a sua candidatura.

O argumento de Vicente Cândido é realista: caso aprovada, a mudança não beneficiaria apenas Lula, mas dezenas, ou centenas, de candidatos que estão com a PF, o MP e a Justiça no cangote. Logo, ele prevê um acordão para a votação em plenário. E nós, o que prevemos? Que haverá dezenas, ou centenas, de candidatos pintando e bordando por aí, ilesos.

A outra bondade coletiva gestada no Congresso, conforme o Estado de ontem, é numa outra comissão, a do Código de Processo Penal. Se nunca aprovou e até articulou estraçalhar as dez medidas anticorrupção sugeridas por procuradores, a Câmara agora tenta partir para cima de três pilares da Lava Jato: a delação premiada, a prisão preventiva e a condução coercitiva.

O relator é o deputado João Campos (PRB-GO), que pretende apresentar seu parecer em agosto, para votação em plenário já em outubro. Isso, claro, é só uma esperança dele e dos interessados diretos, que temem justamente as delações, prisões e conduções coercitivas. É improvável, porém, que haja clima para passos tão ousados na contramão da opinião pública.

Além dessas mudanças, há outras no Congresso sob encomenda para favorecer os próprios parlamentares. Exemplo: o projeto de parcelamento e perdão de dívidas tributárias e previdenciárias. Pois não é que os deputados e senadores que vão votar esse negócio de pai para filho devem R$ 532,9 milhões à União? Se isso não é legislar em causa própria, é o quê?

Essas iniciativas caracterizam o típico corporativismo, ou espírito de corpo, já que a maioria dos partidos (incluindo todos os maiores) e grande parte da Câmara e do Senado são atingidos pela Lava Jato e temem as novas delações que estão sendo negociadas principalmente com a Procuradoria-Geral da República, mas também com a Polícia Federal – caso do publicitário Marcos Valério, pivô do mensalão.

Não custa lembrar que iniciativas anteriores para livrar políticos ou para limitar as investigações não deram certo. A gritaria da sociedade foi mais forte e os parlamentares foram obrigados a voltar atrás na descaracterização das dez medidas anticorrupção, na nova lei de combate ao abuso de poder e na inclusão de parentes de políticos nas benesses da repatriação de recursos ilegais no exterior.

Ou seja, por enquanto, as ideias das comissões são apenas ideias, rascunhos que podem ser muito bem alterados antes de ganharem corpo e serem submetidos aos plenários para virarem lei. E não serão aprovadas se a sociedade, escaldada que está, ficar alerta e de olho vivo. Mais uma vez, é melhor prevenir, enquanto são só projetos, do que chorar sobre o leite derramado, depois da aprovação no Congresso.

 

 


O Estado de São Paulo: Uma Justiça sem obsessões

Editorial

Na segunda-feira passada, foi cumprida a ordem de prisão preventiva do sr. Geddel Vieira Lima, decretada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal (DF). Como é de conhecimento público, a biografia do preso não inspira especial confiança. Geddel é alvo de denúncias desde os 25 anos de idade, quando foi acusado de desviar dinheiro do Banco do Estado da Bahia (Baneb). Depois esteve envolvido no escândalo dos anões do orçamento, no qual foi inocentado, e em acusações de mau uso de verbas do Ministério da Integração Nacional. Agora, a Justiça investiga sua atuação como vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF) durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Segundo a delação do sr. Lúcio Funaro, Geddel teria recebido R$ 20 milhões a título de propina por sua participação em esquema de favorecimento a algumas empresas.

Diante de um caso grave assim, era de esperar um estrito cumprimento do processo penal. No entanto, a leitura da decisão da 10.ª Vara Federal do DF revela uma perigosa interpretação da lei e da delação premiada, que, em última análise, afeta as garantias individuais de todos os cidadãos.

Como motivo fundamental para a decretação da prisão, o juiz indica “o recente fato de Geddel Vieira Lima ter entrado, por diversas vezes, em contato telefônico com a esposa de Lúcio Bolonha Funaro, com o intuito de verificar o ânimo do marido preso em firmar acordo de colaboração premiada (...) o que pode caracterizar um exercício de pressão sobre Lúcio Funaro e sua família”.

Ao aplicar a lei dessa forma, entendendo que uma conversa sobre possível delação de um réu é sinônimo de obstrução da Justiça, o juiz inverte a lógica da delação premiada, como se a obtenção de um acordo de colaboração com a Justiça fosse um direito inexorável do Estado. Se, como é óbvio, não cabe às autoridades exigir a realização de um acordo de delação premiada, não se pode criminalizar toda e qualquer ação que tente impedir uma delação.

A ser correta a aplicação dada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira – e que tem sido pleiteada em diversas esferas pelo Ministério Público –, a opinião de um familiar de um preso para que ele não faça acordo de delação premiada deveria ser considerada obstrução de Justiça, já que estaria dificultando o trabalho das autoridades policiais. Naturalmente, essa interpretação é abusiva e fere as garantias individuais.

Como todo acordo jurídico, o termo de colaboração premiada pressupõe a liberdade entre as partes. E se cada um é livre para ponderar se deve ou não fazer um acordo de delação premiada, também é igualmente livre para receber conselhos, sugestões e ponderações de quem quer que seja. Em sentido estrito, a interpretação da lei que baseia a ordem de prisão de Geddel conduz a uma criminalização da liberdade de expressão.

Logicamente, qualquer tipo de coerção é ilegal. Caracteriza uma violação da liberdade individual, a merecer pronta atuação do Estado. No entanto, as autoridades persecutórias, Polícia Federal e Ministério Público, precisam provar a existência dessa eventual coação. Uma conversa não é, necessária e automaticamente, uma coerção.

No caso em questão, até o juiz admite a falta de provas de uma eventual coação, pois na mesma decisão que manda prender o sr. Geddel autoriza a apreensão dos celulares do político “pela necessidade de buscar elementos quanto à sua atuação (...) no que pertine a contatos com a esposa do réu Lúcio Funaro e investigado na Operação Cui Bono”. Ora, atirar antes e perguntar depois não é uma boa forma de conduzir processo penal.

Seria equívoco não pequeno se o desejo de combater a corrupção e a impunidade levasse a um descarte paulatino da lógica e das garantias do processo penal. A delação premiada deve ser instrumento de auxílio à Justiça, e não uma obsessão que faz inverter o ônus da prova, excluir a presunção de inocência e transigir com as condições para a prisão.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-justica-sem-obsessoes,70001876968

 


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria

À luz dos fatos recentes, combinemos assim: senador pedir R$ 2 milhões a empresário para pagar despesas com advogados não é nada demais. Só interessa a eles.

Não importa que o dinheiro tenha sido entregue dentro de uma mala, sem registro da transação. E que a irmã do senador tenha tentado, mais tarde, vender ao empresário um imóvel da família a preço exorbitante. Assunto particular, ora essa...

Combinemos também que deputado filmado pela Polícia Federal correndo com R$ 500 mil dentro de uma mala só revela o quanto é inseguro circular livremente em locais públicos de qualquer grande cidade.

É verdade que o dinheiro lhe fora dado como pagamento de propina. Mas acabou devolvido. Em troca, o agora ex-deputado está proibido de sair de casa à noite e nos fins de semana. Não está de bom tamanho?

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que devolveu o mandato ao senador escreveu que a trajetória política dele é elogiável, que ele tem fortes ligações com o Brasil e que só ao Senado cabe punir os seus, preservando-se o equilíbrio entre os poderes da República.

É irrelevante, de certo, que o mesmo ministro, há alguns meses, tenha afastado do cargo o presidente do Senado. Acabou desautorizado por seus pares.

Não é vedado a um juiz pensar, hoje, de uma forma e amanhã de outra. O ministro que mandou prender o ex-deputado da mala, por exemplo, disse que o fez porque ele “prosseguiria aprofundando métodos nefastos de autofinanciamento em troca de algo que não lhe pertence”.

Certamente a prisão foi relaxada porque o ex-deputado desistiu de aprofundar seus “métodos nefastos de autofinanciamento”. Passou o perigo, pois.

O senador agora reconciliado com o mandato funcionou como âncora para impedir que seu partido abandonasse o governo. Se tal ocorresse, o governo retaliaria liberando votos para cassar seu mandato.

De volta às funções, e por coerência, o senador atuará com mais desenvoltura ainda para que o presidente da República denunciado por corrupção passiva continue firme e forte como deve ser.

Infelizmente para o governo, o ex-deputado da mala não poderá ajudá-lo a sobreviver mesmo que débil. Pegaria mal vê-lo arrastar-se por aí com uma incômoda tornozeleira eletrônica.

Sua maior contribuição à estabilidade das instituições será manter-se calado. Por coincidência, nada mais do que coincidência, foi libertado poucos dias depois de avisar que estava disposto a delatar. Era o que faltava...

Celebremos o que há de mais positivo. Por folgada maioria de votos, o STF validou a delação dos executivos do Grupo JBS que ameaça a sorte do atual e dos ex-presidentes Dilma e Lula. Quer dizer: segue valendo a lei das delações assinada por Dilma e depois amaldiçoada por ela.

A decisão do tribunal deixou entreaberta a porta para revisão de delações contaminadas por ilegalidades. Quais? Qualquer uma. Não lhe parece justo?

O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em setembro, já teve seu substituto escolhido – a procuradora Raquel Dodge, de notável biografia e desafeta dele.

Foi o segundo nome mais votado por seus colegas. O primeiro, irmão do governador do Maranhão, adversário de José Sarney, era a favor da cassação de Temer. Foi o ministro Gilmar Mendes que sabiamente aconselhou Temer a escolher Raquel.

Espera-se que o juiz Sérgio Moro condene Lula, esta semana. Então o país poderá respirar aliviado. Não é?

* Ricardo Noblat é jornalista

Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/meus-textos/noticia/2017/07/para-estancar-sangria-03-07-2017.html