Polícia Federal

Merval Pereira: Sinais de alerta

A operação policial no Palácio Laranjeiras, residência oficial dos governadores do Rio, faz parte de um amplo mosaico de combate à corrupção que é bem vindo, mas traz consigo a desconfiança de que a Polícia Federal esteja sendo usada para objetivos políticos depois da mudança de chefia recente.

O fato de que esta é a segunda vez em pouco tempo que um governador do Rio recebe a visita da Polícia Federal em sua casa - o outro, Pezão, foi levado preso de lá - diz muito sobre a deterioração da política do Estado, onde milicianos e trambiqueiros de diversos naipes dominam os serviços terceirizados, especialmente os da Saúde, numa perversão que não parou no governo Sergio Cabral.

Os trambiqueiros são os mesmos, Mario Peixoto tinha ligação antiga com o governo anterior, e já na campanha sua presença no entorno de Witzel foi denunciada pelo também candidato Romário. Milícias disputam os poderes entre si, federal e estadual.

Os indícios contra o governador do Rio, Wilson Witzel, sempre foram muito fortes desde o inicio, quando ele desmontou o sistema unificado de polícias do Rio na Secretaria de Segurança organizado pelo militares durante a intervenção, e voltou a aceitar indicações políticas para o comando de batalhões, segundo informações das autoridades da época. O interventor foi o General Braga Neto, que hoje ocupa o Gebinete Civil da presidência de Bolsonaro.

Mas o presidente Bolsonaro festejar com risadas e dar os parabéns à operação da Polícia Federal tem o mesmo efeito dos cumprimentos e elogios ao procurador-geral da República, Augusto Aras, ao visita-lo de surpresa para elogiar de corpo presente os “formidáveis” membros do Ministério Público.

Com atitudes como essas, Bolsonaro pressiona publicamente órgãos de Estado que são autônomos e precisam demonstrar essa condição em situações delicadas, como, por exemplo, recolher o celular de uma autoridade. Ontem, os celulares e computadores do governador do Rio Wilson Witzel foram confiscados pela PF com a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por que então é considerado pelo governo federal uma ofensa a simples menção à possibilidade de confiscar o celular do presidente da República, a ponto de o General Augusto Heleno dar-se ao desplante de soltar nota oficial, respaldada pelo ministro da Defesa, ameaçando com uma crise institucional “de consequências imprevisíveis”?

O mesmo General, juntamente com seus colegas de farda Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, sentiu-se ofendido quando o mesmo ministro Celso de Mello convocou-os para deporem como testemunhas e, no documento de convocação, havia o aviso de praxe de que se não comparecessem no dia marcado poderiam ser levados a depor coercitivamente debaixo de vara.

Todo cidadão brasileiro recebe intimações nesses termos, por que os generais não poderiam também serem tratados como cidadãos comuns? Sentem-se “mais iguais que os outros”, lembrando George Orwell na Revolução dos Bichos? Essas suspeitas tornam nubladas operações que podem ser corretas, no meio de uma confusão política enorme.

Que o Palácio do Planalto sabia da operação no fim de semana parece não haver mais dúvidas, e não apenas porque a deputada Carla Zambelli deu com a língua nos dentes e antecipou em entrevista operações contra governadores.

Assessores próximos do presidente da República comentaram com amigos a possibilidade de prisão de Witzel no sábado. A suspeita de que a nova direção da Polícia Federal está satisfazendo a “curiosidade” do presidente Bolsonaro, especialmente no Rio de Janeiro, é o efeito colateral dessa ação, o que pode ser mortal para a nossa democracia.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, soltou ontem uma nota oficial sóbria mas enérgica, cujo núcleo é a defesa da tese democrática de que ordem judicial se cumpre, e que a relação entre os poderes não pode estar ameaçada por sentimentos espúrios.

É preciso decifrar em que pé está a interferência de Bolsonaro diretamente na Polícia Federal, especialmente no Rio. Muita coincidência que tudo em primeiro lugar aconteça no Rio. A primeira decisão do novo diretor da PF foi a troca do superintendente do Rio, a primeira operação foi aqui também. É preocupante imaginar que o presidente esteja constrangendo Polícia Federal, procuradoria-geral da República e Ministério Público. Pode ser perigoso para a democracia.


Elio Gaspari: O mistério da demissão de Queiroz

Ex-assessor foi exonerado após encontro cinematográfico de auxiliares de Flávio com delegado da PF

A entrevista do empresário Paulo Marinho à colunista Mônica Bergamo recolocou no centro da mesa a mesma pergunta: por que o presidente Jair Bolsonaro demitiu seu chevalier servant, o ex-PM Fabrício Queiroz, no dia 15 de outubro de 2018, uma semana depois do primeiro turno da eleição e duas semanas antes do segundo?

No mesmo lance, dispensou também a filha de Queiroz. Se eles fizeram algo de errado, nunca se soube. Ela ganhava R$ 10 mil mensais no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro e ele recebia R$ 9.000 servindo ao seu filho Flávio, que acabara de ser eleito senador.

Desde os primeiros dias do governo de Bolsonaro conhecem-se as movimentações financeiras de Queiroz.

Ele nunca explicou suas operações, limitando-se a dizer que "fazia dinheiro" comprando e vendendo carros. Queiroz empregou no gabinete de Flávio Bolsonaro a mãe do ex-PM e miliciano da ativa Adriano da Nóbrega, foragido da Justiça por quase dois anos até que foi morto pela polícia baiana em fevereiro passado.

Paulo Marinho é suplente do senador Bolsonaro e revelou que os Queiroz foram demitidos dias depois do cinematográfico encontro de três colaboradores de Flávio Bolsonaro com um delegado da Polícia Federal na segunda semana de outubro de 2018.

Ele teria revelado que uma investigação apontava para traficâncias de Queiroz. Dias depois, ele e sua filha foram demitidos. O alerta teria mobilizado os Bolsonaros, Marinho, o futuro ministro Gustavo Bebianno e três advogados. O ex-PM assustou-se, temendo ir para a cadeia, chegou a vomitar no banheiro de um escritório e desapareceu.

Quando o Ministério Público investigava suas atividades, Queiroz queixou-se da falta de ajuda, sentindo-se ameaçado. Achava que os procuradores tinham um objeto "do tamanho de um cometa para enterrar na gente".

O que seria uma história de 2018 juntou-se a uma encrenca de hoje, com a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF do Rio de Janeiro, onde havia servido o delegado Alexandre Ramagem. Ele cuidou da Operação Cadeia Velha, que investigava malfeitorias na Assembleia Legislativa.

Tudo voltou ao ponto de partida: a Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Bebianno morreu e Flávio Bolsonaro desqualifica as revelações de seu suplente, mas Marinho colocou na roda pessoas que discutiram a estratégia de defesa de Queiroz. Algumas delas teriam presenciado a conversa com o delegado. Marinho não a presenciou.

Só as investigações do Ministério Público e da PF poderão esclarecer essa questão, mas uma coisa é certa há mais de um ano: a demissão de Queiroz e de sua filha tem cheiro de vazamento.
Paulo Marinho está no PSDB, alinhado com o governador João Doria e é pré-candidato a prefeito do Rio.

Durante a campanha abrigou em sua casa do Jardim Botânico o quartel-general do candidato. Lá realizavam-se gravações e reuniões da equipe de Bolsonaro. Nessa relação estreita ele ganhou a suplência do senador Flávio Bolsonaro e perdeu uma cozinheira de várias décadas, levada pelo presidente para Brasília.


Folha de S. Paulo: PF antecipou a Flávio que Queiroz seria alvo de operação, diz suplente do senador

Empresário afirma que revelação foi feita a ele em 2018 pelo filho do presidente, que demitiu assessor para tentar prevenir desgaste

Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo

empresário Paulo Marinho, 68, foi um dos mais importantes e próximos apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018. Ele não apenas cedeu sua casa no Rio de Janeiro para a estrutura de campanha do então deputado federal, que ainda hoje chama de “capitão”, como foi candidato a suplente na chapa do filho dele, Flávio Bolsonaro, que concorria ao Senado. Os dois foram eleitos.

Em dezembro daquele ano, com Jair Bolsonaro já vitorioso e prestes a assumir o comando do país, Flávio procurou Paulo Marinho. Estava “absolutamente transtornado”, segundo o empresário. Buscava a indicação de um advogado criminal.

escândalo de Fabrício Queiroz, funcionário de Flávio no seu gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio, não saía das manchetes. Havia acusações de “rachadinhas” e de desvio de dinheiro público. O senador recém-eleito temia as consequências para o futuro governo do pai —e precisava se defender.

As revelações que Marinho diz ter ouvido do filho do presidente nesse encontro são bombásticas: segundo ele, Flávio disse que soube com antecedência que a Operação Furna da Onça, que atingiu
Queiroz, seria deflagrada.

Foi avisado da existência dela entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, por um delegado da Polícia Federal que era simpatizante da candidatura de Jair Bolsonaro.

Mais: os policiais teriam segurado a operação, então sigilosa, para que ela não ocorresse no meio do segundo turno, prejudicando assim a candidatura de Bolsonaro.

O delegado-informante teria aconselhado ainda Flávio a demitir Fabrício Queiroz e a filha dele, que trabalhava no gabinete de deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília.

Os dois, de fato, foram exonerados naquele período —mais precisamente, no dia 15 de outubro de 2018.

Queiroz estava sumido em dezembro. Mas, segundo Marinho, o senador Flávio Bolsonaro mantinha interlocução indireta com ele por meio de um advogado de seu gabinete.

Nesta entrevista, Marinho, que é pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PSDB, começa falando da cidade que pretende governar, dos planos para a campanha presidencial de João Doria em 2022 —e por fim detalha os encontros com Flávio Bolsonaro.

Segundo ele, as conversas podem “explicar” o interesse de Bolsonaro em controlar a Superintendência da Polícia Federal no Rio, causa primeira dos atritos que culminaram na saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.

Como está a sua candidatura a prefeito do Rio? Ser candidato nunca esteve nos meus planos. Quando assumi a presidência do PSDB no Rio, há um ano, fui orientado pelo [governador de SP, João] Doria a trazer jovens e mulheres para o partido, que é inexpressivo no estado a ponto de não ter conseguido eleger um único deputado federal em 2018.

Fui buscar a Mariana Ribas, ex-ministra interina da Cultura no governo do Michel Temer, ex-secretária de Cultura do Rio. Ela tem 34 anos de idade, é jovem, bonita, se encaixava no perfil que o governador [Doria] indicava. Ela topou. Mas, por motivos pessoais, desistiu.

O nome que aparecia naturalmente para substituí-la era o do Gustavo Bebianno, ex-ministro de [Jair] Bolsonaro, meu amigo fraterno e pessoa de absoluta confiança.

Bebianno começou a trabalhar como pré-candidato. Uma semana depois da indicação, teve um infarto fulminante e morreu, aos 54 anos. Para mim, foi uma tragédia pessoal. Perdi um irmão. Para o partido, foi irreparável.

Dias depois, o Doria me convidou para ser candidato. Aceitei o desafio.

Vou trabalhar para encontrar um campo político de aliados que deem ao eleitor uma opção que não seja a de votar no menos pior. Os eleitores do Rio têm se acostumado a isso. E é isso o que eu quero combater.

Quem ganhar a eleição no fim do ano pegará uma cidade arrasada, pela crise econômica e pela pandemia. O que poderia ser feito? O Rio já enfrentava um quadro de dificuldades imensas, que a pandemia agravou. Já havia aumento de trabalhos informais, desemprego, falta de projeto político e econômico. A cidade está à beira do abismo.

Quem disser que pode planejar algo para 2021 cometerá uma leviandade com o eleitor.

A prefeitura tem duas receitas sólidas: o ISS, ligado à atividade econômica, que parou, e o IPTU. Haverá uma inadimplência enorme em janeiro [mês de cobrança do tributo]. Que governo terá coragem de executar a dívida e tomar o imóvel de uma pessoa que não pagou IPTU em uma situação de pandemia? Essa inadimplência terá que ser tolerada.

O momento não é para ginasiano. É para pessoas que tenham experiência empresarial, como eu tenho, no mercado financeiro, de comunicação. Eu trabalho desde os 14 anos. Tenho contatos com todo o mundo e capacidade de articular todas as pessoas de bem para se juntarem em torno de um projeto de salvação da cidade.

O PSDB do Rio vai ser uma plataforma para a candidatura presidencial de Doria em 2022. Ela é viável? O governo Bolsonaro está com os dias contados? A minha motivação ao aceitar assumir a presidência do PSDB no Rio foi a minha convicção de que o Brasil precisa eleger um próximo presidente com as qualidades do Doria.

E o governo Bolsonaro? Eu não sei fazer essa futurologia em relação ao governo Bolsonaro. Mas estamos praticamente no meio do mandato e até aqui não aconteceu absolutamente nada. Foram dois anos perdidos. Toda sorte que ele teve na campanha eleitoral, foi o contrário no governo. Um governante pegar uma pandemia no meio de um mandato, que vai retrair a economia em 6%, 8%, é inimaginável.

O capitão não tem capacidade pessoal de gerir um país em condições normais. E muito menos no meio de uma loucura como essa que nós estamos vivendo. Então, são duas as alternativas: ou vamos viver crise atrás de crise ou alguma coisa vai acontecer contra ele, [consequência] de algum crime de responsabilidade que possa praticar ao longo desta crise. E o resto vai ser essa loucura.

E na campanha já não dava para perceber isso? A primeira coisa que percebi é que não se tratava de um mito. Outras pessoas do núcleo duro achavam isso. O Gustavo [Bebianno] mesmo tinha pelo capitão uma admiração. Achava que ele era um estadista, um líder, o homem que iria colocar o Brasil em outro patamar.

Eu olhava o capitão, com aquele jeito tosco dele, e algumas coisas me chamavam a atenção. Por exemplo: ele era incapaz de agradecer às pessoas. Chegava uma empregada minha, servia a ele um café, um assistente entregava um papel, e ele nunca dizia um obrigado. Eu nunca ouvi, durante o ano e meio em que convivi, ele expressar a palavra obrigado a alguém.

Um gesto mínimo. Pode não parecer nada, mas demonstra uma faceta da personalidade dele. Será que é uma pessoa apenas de maus hábitos, que não tem educação?

As piadas eram sempre homofóbicas. Os asseclas riam, mas elas não tinham nenhuma graça. E, no final, ele realmente despreza o ser feminino. Tratava as mulheres como um ser inferior.

Não tinha uma mulher na campanha dele. Nunca houve. A única, a distância, foi a Joice [Hasselmann, deputada federal], que ficava em São Paulo. Não tinha mulher na campanha dele, só homem.

Ele gostava mesmo era de conversar com os seguranças dele. Policiais militares, batedores. Ele se sentia em casa, ficava horas conversando, contando piada.

Gustavo Bebianno era visto como uma espécie de homem-bomba que morreu guardando muitos segredos. Ele tinha de fato um dossiê sobre Bolsonaro? O Gustavo tinha um telefone celular por meio do qual interagiu durante toda a campanha [presidencial de 2018] e a transição de governo com o capitão. Eles se falavam muito por WhatsApp. O capitão adorava mandar mensagens gravadas para ele.

O Gustavo tinha esse conteúdo imenso [de mensagens], na mais alta intimidade que você pode imaginar. Eram conversas íntimas que provavelmente deviam ter revelações interessantes.

Um dia, num ato de raiva pela demissão injusta que sofreu, tratado como se tivesse sido um traidor quando foi o que mais fez pelo capitão, ele deletou grande parte desse conteúdo. E deixou esse telefone com uma pessoa nos Estados Unidos.

Depois parece que ele resgatou de novo o conteúdo. Ele ficou muito marcado pela demissão, com muito desgosto, melancolia. Ele morreu de decepção, de tristeza mesmo. Mas ele não era homem-bomba. Não tinha nada que pudesse tirar o capitão do governo por algo do passado.

Onde está o telefone? Eu não sei onde está, para te dizer a verdade. Está com alguém. Eu não sei com quem.

O senhor já disse que ele tinha preocupação com os rumos do governo Bolsonaro. Imensa. Ele dizia: ‘O capitão vai se enfraquecer de tal maneira que só vai ter a saída do golpe para se manter no poder. E ele é louco para fazer o golpe’. Ele tinha certeza que isso ia acontecer.

Por que o senhor acha que há tanto interesse de Bolsonaro na Superintendência da Policia Federal do Rio de Janeiro? Eu não sei responder exatamente. Mas eu me recordo de um episódio que aconteceu antes de ele [Bolsonaro] assumir o governo que talvez ilustre um pouco melhor essa questão.

Eu vou te contar uma história que nunca revelei antes porque não tinha razão para falar disso. Eu tenho até datas anotadas e vou ser bem preciso no relato que vou fazer, porque talvez ele explique a sua pergunta.

Quando terminou o segundo turno da eleição [em 28 de outubro], o capitão Bolsonaro fez a primeira reunião de seu futuro ministério em minha casa [no Rio]. Estavam o vice-presidente Hamilton Mourão, o Onyx Lorenzoni [futuro ministro da Casa Civil], o Paulo Guedes [Economia], o Bebianno e o coronel [Miguel Angelo] Braga [Grillo], para discutir o desenho dos ministérios do futuro governo. Ela começou às 9h e terminou às 17h. Foi o último dia que vi o capitão Bolsonaro.

Nunca mais estive com ele.

No dia 12 de dezembro, uma quarta-feira, me liga o senador Flávio Bolsonaro [filho do presidente] me dizendo que queria falar comigo, por sugestão do pai.

Operação Furna da Onça [que investigava desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio] já tinha sido detonada e trazido à tona o episódio do [Fabrício] Queiroz [que tinha trabalhado no gabinete de Flávio na Assembleia e é acusado de integrar o esquema].

Flávio estava sendo bombardeado pela mídia. O Queiroz estava sumido.

Ele me disse: ‘Gostaria que você me indicasse um advogado criminalista’. E combinamos de ele vir à minha casa às 8h do dia seguinte, uma quinta-feira, 13 de dezembro.

Passei a mão no telefone e liguei para o advogado Antônio Pitombo, de São Paulo, indicado por mim para defender o capitão no processo da [deputada] Maria do Rosário no STF [Supremo Tribunal Federal].

E ele me indicou um advogado de confiança, Christiano Fragoso, aqui do Rio.

No dia seguinte, quinta-feira, 13, às 8h30, chegam na minha casa Flávio Bolsonaro e o advogado Victor Alves, que trabalha até hoje no gabinete do Flávio, é advogado de confiança dele. Estávamos eu, Christiano Fragoso, Victor e Flávio Bolsonaro. Flávio começa a nos relatar o episódio Queiroz. Ele estava absolutamente transtornado.

E esse advogado, Victor, dizendo ao advogado Christiano que tinha conversado com o Queiroz na véspera e que o Queiroz tinha dado a ele acesso às contas bancárias para ele checar as acusações que pesavam contra o Queiroz.

E o que ele disse que as contas mostravam? O Victor estava absolutamente impressionado com a loucura do Queiroz, que tinha feito uma movimentação bancária de valores absolutamente incompatíveis com tudo o que ele poderia imaginar.

Já o Flávio estava ali lamentando a quebra de confiança do Queiroz em relação a ele. Dizia que tudo aquilo tinha sido uma grande traição, que se sentia muito decepcionado e preocupado com o que esse episódio poderia causar ao governo do pai.

Ele chegou até a ficar emocionado, a lacrimejar.

E Flávio então nos conta a seguinte história: uma semana depois do primeiro turno, o ex-coronel [Miguel] Braga, atual chefe de gabinete dele no Senado, tinha recebido o telefonema de um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro, dizendo que tinha um assunto do interesse dele, Flávio, e que ele gostaria de falar com o senador.

O Braga disse: ‘Ele está muito ocupado e não costuma atender quem não conhece’.

Estou te contando a narrativa do Flávio e do advogado Victor para nós, Paulo Marinho e Christiano, do outro lado da mesa. O senador contou que disse ao coronel Braga que se encontrasse com essa pessoa [o delegado] para saber do que se tratava. Estava curioso.

E aí marcaram um encontro com esse delegado na porta da Superintendência da Polícia Federal, na praça Mauá, no Rio de Janeiro.

E quem teria ido a esse encontro? O coronel Braga, o advogado Victor e, sempre segundo o que eles me contaram, a Val [Meliga], da confiança do Flávio e irmã de dois milicianos que foram presos [na Operação Quatro Elementos].

Eles foram para a porta da Polícia Federal. O delegado tinha dito [ao coronel Braga]: ‘Você vai ver. Quando chegarem, me liga que eu vou sair de dentro do prédio da Polícia Federal’.

O delegado saiu de dentro da superintendência. Na calçada —eu estou contando o que eles me relataram—, o delegado falou: ‘Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio [o filho do presidente era deputado estadual na época]. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz [Nathalia], que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro [que ainda era deputado federal] em Brasília’.

O delegado então disse, segundo eles: ‘Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Jair Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição [presidencial]’.
Foram embora, agradeceram. Estou contando o que [Flávio Bolsonaro] me falou.

E o que aconteceu depois? Ele [Flávio] comunicou ao pai [Jair Bolsonaro] o episódio e o pai pediu que demitisse o Queiroz naquele mesmo dia e a filha do Queiroz também. E assim foi feito.

[Fabrício Queiroz foi exonerado no dia 15 de outubro de 2018 do cargo de assessor parlamentar 3 que exercia no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. A filha dele, Nathalia Melo de Queiroz, foi exonerada no mesmo dia 15 do cargo em comissão de secretário parlamentar no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro].

Vida que segue. O capitão ganha a eleição [no dia 28 de outubro]. Maravilhoso. No dia 8 de novembro é detonada a Operação Furna da Onça, com toda a pompa e circunstância. Começa o episódio Queiroz.

Flávio contou essa história no dia 13 de dezembro de 2018. Como o senhor e o advogado Christiano Fragoso reagiram? Eu falei [para Flávio]: ‘Está aqui o advogado Christiano Fragoso, recomendado pelo Pitombo, que vai te orientar. Até porque você está com a sua consciência tranquila e não tem o que temer. O que houve foi quebra de confiança do Queiroz em relação a você’.

O Christiano virou-se para o Flávio e disse: ‘Quem precisa de um advogado é o Queiroz’.

E Flávio tinha contato com o Queiroz? O Flávio disse: ‘Eu não estou mais falando com o Queiroz. Não o atendo mais até para que amanhã ninguém me acuse de que estou orientando o Queiroz nos depoimentos. Quem está falando com o Queiroz é o Victor [advogado amigo da família e que estava na reunião com Paulo Marinho]’. [Na época, a família Bolsonaro dizia não ter contato com Queiroz.]

O Christiano disse: ‘Precisamos arrumar um advogado que sirva ao Queiroz. Não posso ser esse advogado. Até porque sou de uma banca, nós somos top, o Queiroz não teria condições [de contratá-lo], né?’. E ele indicou o advogado Ralph Hage Vianna, que até então eu não conhecia, para representar o Queiroz.

Na mesma quinta-feira, o Queiroz vai ao encontro desse advogado indicado pelo Christiano. E vai acompanhado pelo Victor [o advogado do gabinete de Flávio]. E eu viajei para São Paulo.

O presidente foi informado dessa reunião? Quando ela terminou, eu liguei para o Gustavo Bebianno e relatei tudo o que ouvi. Ele estava em Brasília, no escritório da transição de governo. Eu disse que era melhor ele contar tudo o que estava acontecendo para o presidente. E assim foi feito.

E o que aconteceu depois? Eu vou para São Paulo. Como o Antônio Pitombo estava em SP, eu disse: ‘Pitombo, é importante a gente ter uma outra reunião para tratar desse assunto, entender o que está acontecendo e não deixar o negócio desandar’.

Chamei para São Paulo o Victor, advogado do Flávio, que estava tendo contato com o Queiroz, o Ralph Hage Vianna, que se reuniu com o Queiroz, e o Gustavo Bebianno.

Eu estava hospedado no hotel Emiliano e reservei uma sala de reunião. Às 14h30 do dia 14, uma sexta-feira, estavam lá o Victor, o Ralph, o Pitombo, eu e o Gustavo Bebianno.

Os advogados conversaram o tempo todo sobre como foi a conversa do advogado Ralph com o Queiroz, as estratégias, as preocupações.

Na terça-feira seguinte, 18, ocorreu a cerimônia da nossa diplomação —Flávio como senador, e eu suplente dele. Sentamos lado a lado. E ele me disse que precisava conversar.

Eu ia almoçar no restaurante Esplanada Grill, em Ipanema. Combinamos de ele passar lá. Às 13h30, ele apareceu no restaurante e disse: ‘Paulo, eu conversei com o meu pai e ele decidiu que nós vamos montar um outro esquema jurídico, que será comandado por um outro advogado”.

Eu respondi: ‘Flávio, não tem problema, eu desarticulo tudo o que estava articulado. Desejo boa sorte. Se precisar de mim, estou à disposição, como sempre estive’. Um abraço e vida que segue.

Desde então, só fui rever o Flávio no dia em que depus na CPMI das Fake News [em dezembro]. Fui ao plenário do Senado e ele estava lá. Eu o cumprimentei cordialmente, e ele a mim. Nunca mais estive com ele. E isso é tudo.


Bruno Boghossian: Bolsonaro já admitiu ter problemas com a PF

Presidente busca novo foco de discussão, mas o vídeo da reunião ministerial só conta uma parte da história

O governo organizou uma sessão de cinema antes de entregar ao STF o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Ao estudar o conteúdo da gravação, Jair Bolsonaro decidiu bater na tecla de que não usou as palavras "Polícia Federal" ou "superintendência" naquela conversa.

O objetivo do presidente é dizer que aquelas imagens não provam nenhuma tentativa de interferência, mas a fita só conta uma parte da história. Antes de adotar a nova linha de defesa, Bolsonaro já havia afirmado publicamente que tinha problemas particulares com a PF.

Há oito dias, o presidente parou na portaria do Palácio da Alvorada para rebater o depoimento de Sergio Moro sobre o caso. Bolsonaro admitiu que tinha interesse em trocar o chefe do órgão no Rio e justificou: "tentaram colocar na conta" dele e de seus filhos Flávio e Carlos o assassinato de Marielle Franco —e a PF não teria investigado o assunto.

O presidente não explicou por que aquele seria um motivo para mexer na superintendência, em vez de esperar a conclusão das apurações. Ele também não quis esclarecer por que havia confrontado Moro com a notícia de uma investigação contra deputados aliados com a mensagem: "mais um motivo para a troca".

Bolsonaro quer mudar o ambiente dessa discussão. Preventivamente, ele passou a insinuar que seu grupo político sofre perseguição. Soa irônico que, na posse do novo ministro da Justiça, ele tenha adotado uma visão exageradamente positiva da PF ao dizer que o órgão "não persegue ninguém, a não ser bandidos".

Depois que o vídeo da reunião de abril foi exibido aos investigadores, Bolsonaro alegou que só se referiu a sua família para demonstrar preocupação com a segurança dos parentes. É uma versão nova, que não havia aparecido em outras explicações.

O presidente lembrou que a interpretação dessas declarações "vai da cabeça de cada um". O governo só se importa com uma, a de Augusto Aras. Nos últimos dias, o presidente sugeriu a auxiliares que pode indicar o procurador-geral para o STF.


Bernardo Mello Franco: Em nome dos filhos

Bolsonaro se elegeu com a promessa de defender a família. Faltou dizer que se referia à própria. O presidente vê o Estado como um bife a ser repartido entre os filhos

Jair Bolsonaro se elegeu com a promessa de defender a família. Faltou dizer que se referia à própria. O capitão sempre usou o poder para proteger e engordar os herdeiros. É assim desde os tempos de deputado, quando ele pendurou dois filhos na folha de pagamento da Câmara.

Na Presidência, o patriarca farejou boquinhas melhores para o clã. No ano passado, ele tentou emplacar o caçula Eduardo, cuja experiência internacional se resumia a fritar hambúrgueres, como embaixador do Brasil em Washington. Ao defender o indefensável, pronunciou duas frases memoráveis. “Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Se eu puder dar filé mignon pro meu filho, eu dou”, afirmou.

A visão do Estado como um bife suculento explica a gula de Bolsonaro pela Polícia Federal. Ele queria espetar o garfo no órgão para reparti-lo entre os filhos. Ao que tudo indica, seu principal objetivo era interferir nas investigações sobre desvio de verbas parlamentares e fábricas de fake news.

A se confirmarem os relatos de ontem, o presidente admitiu o plano na fatídica reunião ministerial que antecedeu a saída de Sergio Moro. A versão de que ele se referia à segurança da família soa como conversa fiada. Quem cuida do assunto é o Gabinete de Segurança Institucional, não o Ministério da Justiça.

Além da confissão presidencial, o vídeo registra outras duas passagens que complicam o governo. Numa delas, o ministro Abraham Weintraub teria defendido a prisão de ministros do Supremo. Em outra, a ministra Damares Alves estendeu a ideia a prefeitos e governadores. As falas ilustram o desembaraço com que o bolsonarismo conspira contra a democracia. E tornam mais urgente a divulgação da íntegra da fita, que está nas mãos do ministro Celso de Mello.

O presidente não vai mudar enquanto não for parado, seja por uma denúncia criminal ou por um processo de impeachment. Ontem ele disse que a gravação que pode incriminá-lo “era para ser destruída”. “O vídeo é meu”, afirmou, como se fosse o dono do governo e das provas do inquérito que o investiga.


Míriam Leitão: Uma acusação que avança

As respostas sem sentido de Bolsonaro diante das suspeitas de interferência na PF só aumentam os indícios em torno dele

Todos os indícios mostram que o presidente da República tentou, diversas vezes, inclusive constrangendo publicamente o então ministro da Justiça, interferir na Polícia Federal para que ela servisse aos seus propósitos. O presidente deu várias respostas, todas contraditórias, para tentar se defender dessa acusação que ganha contornos cada vez mais sólidos. O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem o poder de arquivar esse inquérito que ele mesmo pediu para abrir, mas quanto mais transparente for cada etapa da investigação mais difícil será dizer que nada de errado aconteceu.

Ontem, ao fim da sessão de exibição do vídeo para procuradores, policiais federais, PGR, o ex-ministro Sergio Moro e o advogado-geral da União, houve duas versões. Quem assistiu disse a jornalistas que era uma prova definitiva da interferência na Polícia Federal, e o presidente , em entrevista mambembe, de cima da rampa no Planalto, negou:

– A preocupação, desde a facada, foi com a segurança minha e da minha família. Em Juiz de Fora, o Adélio cercou meu filho, no vídeo, no meu entender, talvez quisesse assassiná-lo ali. A segurança da minha família é uma coisa, não estou preocupado com a Polícia Federal, a Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família.

É natural que depois de passar pelo que ele passou em Juiz de Fora ele se preocupasse mais com a proteção da família. Nada disso tem a ver com o ministro da Justiça. Bastava falar com o ministro que comanda o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, das suas apreensões. Certamente a segurança seria reforçada para a tranquilidade do presidente.

Mas todo o conflito foi com o então ministro da Justiça, toda a pressão foi para tirar o diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo, porque queria outro com quem ele tivesse mais “afinidade”, e o fim último era trocar o superintendente no Rio de Janeiro. Não faz sentido, se a preocupação era a segurança da família.

Dentro do governo argumentam em favor do presidente certas minúcias. Aí é que está. Esse tipo de argumentação de detalhes só mostra a posição de fragilidade em que já se encontra o governo. O argumento de que Valeixo disse que nunca ocorreu interferência enquanto ele estava lá só confirma que Moro e Valeixo foram impedimentos para que Bolsonaro realizasse seu projeto e por isso eles precisaram ser removidos.

Não fica de pé o argumento que Bolsonaro usou ontem de que não falou em “Polícia Federal” durante a reunião. Nem precisava. Se a bronca era sobre Moro, que era o chefe hierárquico da Polícia Federal, de que outro órgão ele estaria falando? E os fatos que se seguiram à reunião do dia 22 mostraram que era isso mesmo que ele queria que acontecesse, tirar um diretor sem qualquer motivo aparente, mesmo que para isso precisasse derrubar um ministro, para assim nomear seu amigo Alexandre Ramagem. E trocar o superintendente do Rio.

Todos os outros argumentos que Bolsonaro usou ontem são sem sentido, como o de que ele poderia destruir a fita. Não poderia. Seria obstrução de Justiça, destruição de prova. Ele estaria muito mais encrencado ainda.

A maneira absurda e criminosa com que Bolsonaro está agindo durante esta crise, que só no dia de ontem matou 881 pessoas, já é motivo suficiente para o afastamento do presidente. Ele não conseguiu entender até este momento, diante de 12.400 mortos, que riscos os brasileiros correm diariamente. Ainda ameaça quem não cumprir seus decretos desprovidos de razão, como o da liberação de academias e salões, e defende a tese de que não precisa ouvir o Ministério da Saúde.

No meio desta pandemia que nos sangra, com uma crise econômica brutal, o país é exaurido em suas forças pelos problemas criados pelo presidente. Tanto a demissão de Mandetta quanto a de Moro foram crises que ele inventou para tumultuar ainda mais a situação do país.

A soma dos indícios que já se acumulam em torno dele mostra que Bolsonaro gastará os próximos meses se defendendo, na PGR ou no Congresso. Suas únicas saídas são a de Aras preparar uma pizza ou de o centrão evitar seu naufrágio. Nesse último caso, nada sobrará da política econômica com a qual o ministro Paulo Guedes defendeu sua eleição junto aos agentes econômicos.


Raul Jungmann: Polícia Federal. Até a próxima crise?

Está de volta ao debate público a questão se a Polícia Federal deve ou não ter autonomia plena. De um lado seus integrantes lutam para garanti-la, com o apoio de boa parte da opinião pública. De outro, políticos, Ministério Público e Judiciário, reclamam por controles mais eficazes.

Nos termos em que se desenvolve a discussão, ela é recorrente, polarizada e parcial, dado que a polícia judiciária federal já é autônoma de fato, ao longo do ciclo de atividades do processo penal; porém, com um controle externo frágil.

Ancorada constitucionalmente no Executivo, noves fora quando polícia administrativa, a PF tem um status único, pois sai integralmente da tutela do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passa ao Judiciário quando por este requisitada. Daí que todos cobram do Ministro da pasta informações e controles que ele não pode atender, sob pena de incorrer em crime de obstrução de justiça.

Entendo que só será superada essa ambiguidade da PF se lhe for concedida uma autonomia de direito, associada a controles reais.

A solução correta é a concessão da autonomia, combinada com a reestruturação dos controles, por meio de um conselho de supervisão e controle, integrado por membros do Judiciário, do Ministério Público e pelo corregedor da PF. Este último, assim como o Diretor Geral, teria mandato fixo e ambos seriam indicados pelo Executivo e submetidos a aprovação pelo Senado, mediante sabatina.

O mandato de ambos, diretor geral e corregedor, lhes conferiria a necessária independência para dentro, frente à corporação, e, para fora, face aos interesses e pressões externas. Para tanto seria preciso emendar a Constituição nos artigos 144 e 129, aquele para instituir a autonomia por lei complementar e este para ampliar o escopo do controle externo da PF.

Não será fácil mudar em um cenário minado por resistências diversas e temores de políticos, Judiciário, MPF e da própria Polícia Federal. Mas, a permanecer o atual estado de coisas, estacionaremos no pior dos mundos: uma autonomia incompleta que infunde suspeita, agravada por controles ineficazes e precários.

As consequências sempre são corrosivas, como se viu agora, com o conflito entre o Executivo e Judiciário, após a decisão do Ministro Alexandre Moraes de vetar a nomeação do Diretor Geral da instituição escolhido pelo presidente da República.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Luiz Carlos Azedo: Onde mora o perigo

“Ramagem voltou à direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com superpoderes, depois de indicar seu braço direito para o comando da PF”

Uma parte da oposição considera o governo Bolsonaro protofascista. Discordo do conceito por dois motivos: primeiro, porque vivemos numa ordem democrática; segundo, porque a fascistização do governo não é inexorável. Toda vez que o presidente da República faz um gesto autoritário, tipo mandar um jornalista calar a boca, ou prestigia uma manifestação a favor de uma intervenção militar, porém, a narrativa do protofascista ganha novos argumentos: “E agora, você ainda acha que não estamos caminhando para o fascismo?”, questiona um velho amigo jornalista. Diante das circunstâncias, no entanto, vejo que é melhor explicar minha avaliação.

Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários, empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.

Aqui no Brasil, diante da maior crise sanitária que o país enfrenta, desde a epidemia de febre amarela de 1918, e de uma recessão que cavalga a pandemia, nossas instituições estão funcionando. O Congresso realiza sessões por videoconferências, em marcha batida para aprovar o chamado “Orçamento de Guerra”, que busca socorrer estados e municípios. O vai e vem da emenda constitucional sobre o assunto, entre a Câmara e o Senado, decorre da divisão do próprio governo, como ficou demonstrado ontem. Assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, atuavam nos bastidores para garantir a aprovação da proposta do Senado sem emendas; já o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), atuou para que houvesse modificações. Questionado, disse que agiu de mando, ou seja, recebeu orientação do Palácio do Planalto.

Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ) recebeu a visita dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na Presidência da Câmara. Os dois generais são os mandachuvas na Esplanada e comandam as articulações para formação de uma base parlamentar com os partidos do Centrão, na base do velho toma lá dá cá, ou seja, em troca de ocupação de cargos no governo. A operação atraiu o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson; o Partido Progressista, do senador Ciro Nogueira; o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, figuras carimbadas da chamada “velha política”. As conversas têm uma explicação: os presidentes do DEM, prefeito ACM Neto, de Salvador (BA); do MDB, deputado Baleia Rossi (SP); e do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), não embarcaram nas articulações para transformar Maia num pato manco. O jeito foi retomar as conversas com o presidente da Câmara.

Arapongas
A movimentação do Palácio do Planalto tem dois objetivos: a curto prazo, impedir qualquer possibilidade de instalação de um processo de impeachment e afastamento do presidente Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade; a médio, eleger ao comando da Câmara um aliado que possa ser pautado por Bolsonaro, o que não acontece hoje. A longo prazo, ninguém sabe. Entretanto, olhando ao redor, uma maioria fisiológica no Congresso é a via mais segura para a ampliação dos poderes de um presidente da República. Essa receita foi adotada com êxito em países como o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez, a Rússia de Putin e a Hungria de Viktor Orban.

Neste momento, onde mora o perigo? Nas manobras de Bolsonaro para ter à sua disposição pessoal os órgãos de coerção do Estado. Por ora, a tentativa de utilizar a Polícia Federal como instrumento de poder fracassou. Essa intenção foi denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Isso resultou na suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem no cargo de diretor-geral da PF, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e no inquérito aberto para investigar o caso, pelo ministro do STF Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Entretanto, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, delegou boa parte de suas atribuições a Alexandre Ramagem, que voltou à diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência com superpoderes, depois de indicar seu braço direito, delegado Rolando de Souza, para o comando da PF. A agência tem por missão obter informações para o presidente da República, mas agora ganhou autonomia para contratar serviços sem licitação e financiar missões de servidores, militares, empregados públicos ou colaboradores eventuais da agência, obviamente, em segredo. Ou seja, Bolsonaro está organizando um exército de “arapongas”. É um péssimo sinal.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-onde-mora-o-perigo/

Bruno Boghossian: Depoimento frágil de Moro evidencia fixação de Bolsonaro com PF do Rio

Presidente se recusa a explicar as 4 tentativas de trocar chefe do órgão em seu estado

Jair Bolsonaro saiu descontrolado do Palácio da Alvorada. Esbravejou contra a imprensa e disse que não interferia na Polícia Federal. "Não tenho nada contra o superintendente do Rio", afirmou.

O presidente só não explicou por que, então, tentou forçar a substituição do chefe do órgão no estado quatro vezes em menos de um ano e meio. Segundo o ex-juiz Sergio Moro, o presidente fez pressões pela mudança em agosto de 2019 e em janeiro, março e abril deste ano.

Na quinta tentativa, seus desejos foram atendidos. Ele precisou atropelar o Ministro da Justiça e demitir o diretor-geral da Polícia Federal, mas finalmente conseguiu mexer no órgão em sua base política. A recusa do presidente em explicar os motivos desse lance é reveladora.

O depoimento de Moro sobre a intervenção de Bolsonaro na PF, tornado público nesta terça (5), foi considerado "fraquíssimo" por quem acompanha o inquérito. O ex-juiz se negou a imputar crimes ao presidente e apresentou poucas provas da intromissão do antigo chefe.

As oito horas de declarações do ex-ministro evidenciaram apenas a fixação de Bolsonaro com um único posto. Embora a PF tenha 27 superintendências regionais, Moro afirmou que o presidente dizia querer "apenas uma, a do Rio de Janeiro".

Em agosto, Bolsonaro disse que a justificativa era a baixa produtividade do órgão. Moro disse que aquele era um "motivo inverídico". Depois, o presidente citou como causas investigações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco que só ocorreram meses depois de suas primeiras investidas pela troca.

Quando a mudança se concretizou, Bolsonaro se enfureceu com jornalistas que perguntavam sobre a interferência. Pela manhã, mandou os repórteres calarem a boca. No fim da tarde, deu uma resposta pela metade: "O Rio é o meu estado".

Moro disse dez vezes à PF que os motivos da pressão de Bolsonaro "devem ser indagados ao presidente". Dessa vez, ele não poderá mandar os investigadores se calarem.


O Globo: Em depoimento de mais de 8 horas à PF, Moro apresenta novas provas contra Bolsonaro

Em Curitiba, ex-ministro reiterou acusações sobre interferência do presidente na Polícia Federal

CURITIBA - O ex-juiz Sergio Moro prestou neste sábado mais de 8 horas de depoimento sobre as acusações feitas contra o presidente Jair Bolsonaro durante seu discurso de despedida do comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Por volta das 13h15, Moro chegou à sede da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, num veículo da polícia, que entrou pelo portão dos fundos do edifício. O depoimento do ex-ministro começou por volta de 14h30 e só terminou às 22h40. Moro só deixou as dependências da PF às 00h20, sem falar com a imprensa.

Em nota, Rodrigo Sanches Rios, adovgado do ex-ministro, informou que "como a investigação está em andamento, nossa manifestação será apenas nos autos".

Ao depor, o ex-ministro reiterou acusações e entregou novas provas contra Jair Bolsonaro sobre sua atuação para intervir diretamente na Polícia Federal, de acordo com a colunista Bela Megale.

Leia: Os recados de Moro em sua despedida

O ex-ministro colocou à disposição seu celular, com acesso a diversas mensagens de aplicativo de interesse dos responsáveis pelo inquérito.

O depoimento de Moro foi determinado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que supervisiona as investigações. O inquérito aberto pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, investiga o teor do discurso de Moro ao se despedir do cargo de ministro da Justiça, no dia 24 de abril, quando acusou Bolsonaro de tentar interferir indevidamente na PF.

O objetivo da investigação é apontar se Bolsonaro cometeu crime ao interferir nas atividades da PF, como disse Moro, e também se o ex-ministro disse a verdade ou acusou o presidente sem fundamentação em seu discurso.

Aras informou ao Supremo que há suspeita de cometimento de sete crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada e denunciação caluniosa.

A PGR pediu que, no depoimento, Moro apresentasse “manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento, com a exibição de documentação idônea que eventualmente possua acerca dos eventos em questão”. Em entrevista à revista “Veja”, o ex-ministro afirmou que apresentaria provas para embasar suas acusações.

Em nota divulgada na tarde deste sábado, a Polícia Federal informou que o depoimento de Moro aconteceu na superintendência de Curitiba porque o ex-ministro mora na capital paranaense e que todos os procedimentos seguem as determinações do ministro do STF Celso de Mello.

Ânimos exaltados
Apoiadores do ex-ministro e do presidente Bolsonaro se concentraram ao longo do dia em frente ao edifício da superintendência da PF na capital paranaense. No final da tarde, os manifestantes começaram a se dispersar e apenas um pequeno grupo permaneceu próximo à entrada da PF.

Mais cedo, a espera do ex-ministro para depor gerou um clima de tensão. Um cinegrafista da RIC TV, afiliada da Record no Paraná, foi agredido por um suposto militante bolsonarista. O homem se aproximou do jornalista o ameaçando com a haste de uma bandeira do Brasil e tentando empurrar o equipamento no chão.

Rapidez
Ministros militares e também integrantes das Forças Armadas se incomodaram com a rapidez do STF em determinar o depoimento do ex-ministro. Em ligações telefônicas, na manhã deste sábado, a cúpula militar demonstrou irritação com a decisão de Celso de Mello de logo convocar Moro para depor. Nas conversas, lembraram exemplos de processos de políticos conhecidos que tramitam há anos no Supremo à espera de julgamento.

Ex-juiz da 13ª Vara Federal da Curitiba, Moro foi responsável por conduzir os processos da Operação Lava-Jato, incluindo a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá.

Ganhou projeção política no cargo e, após o resultado das eleições de 2018, foi convidado por Bolsonaro para comandar o Ministério da Justiça. Moro, então, decidiu deixar o cargo de juiz federal, no qual tinha estabilidade e carreira garantida, para aceitar o convite e integrar o governo federal.

Como ministro, porém, Moro passou a acumular desentendimentos com Bolsonaro, tendo sido desautorizado em diversos atos da gestão. Seu principal projeto na pasta, o pacote anticrime, foi desidratado na Câmara dos Deputados e não recebeu o apoio esperado de Bolsonaro. Moro também atuou contra a decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que paralisou investigações iniciadas com base em relatórios do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), movimento que irritou Bolsonaro, porque a decisão de Toffoli beneficiava a investigação de seu filho Flávio Bolsonaro por rachadinhas.


El País: Bolsonaro indica Mendonça para a Justiça e Ramagem para a PF

Governo faz troca após barulhenta saída de Sergio Moro que acusou o presidente de pressionar por “colher relatórios de inteligência”. Novo comandante da Polícia Federal é próximo da família Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro confirmou no Diário Oficial desta terça André de Almeida Mendonça, da Advocacia Geral da União, para o lugar do agora ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Depois do terremoto político que significou na última sexta-feira a saída de Moro, após a troca do comando da Polícia Federal, Mendonça assume a pasta sob o manto de desconfiança que significou a demissão de seu antecessor. Ele assume já com um nome definido para a direção-geral do órgão de investigação: Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), entra no lugar de Maurício Valeixo, que foi exonerado por Bolsonaro à revelia de Moro. A queda de Valeixo foi a gota d'água para Moro, que disparou acusações graves contra Bolsonaro em seu discurso de saída. “O presidente me disse mais de uma vez que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele [na Polícia Federal], que ele pudesse ligar, colher relatórios de inteligência. Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação. As investigações têm que ser preservadas”, afirmou Moro.

Logo após a acusação, em um pronunciamento à imprensa ainda na sexta-feira, Bolsonaro reconheceu e legitimou o direito de querer ter alguém com quem possa ter contato direto na Polícia Federal, a exemplo do que já faz com outros órgãos de inteligência do Governo. “Quero um delegado com quem eu possa interagir. Por que não?”, questionou, ressaltando que tinha este tipo de relação com a Abin, que era, até agora, dirigida por Ramagem.

É depois dessas revelações públicas de alta voltagem que Mendonça e Ramagem assumem suas novas posições no Governo, agravadas ainda pela divulgação de notícias que mostram investigações comprometedoras que envolvem seus filhos, Carlos e Flavio Bolsonaro. Carlos, vereador no Rio, é apontado como um dos cérebros de um esquema criminoso de notícias falsas que beneficia a narrativa do seu pai. A investigação é da Polícia Federal dentro do inquérito conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já Flavio, senador, é apontado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro como nome chave num esquema de financiamento de imóveis da milícia no Rio, a partir de dinheiro obtido de rachadinhas, o confisco de salários de seus funcionários de gabinete dos tempos em que foi deputado estadual. Nas redes sociais, Ramagem foi acusado de ser próximo da família Bolsonaro e uma foto em que ele aparece ao lado de Carlos viralizou. No domingo, questionado nas redes sociais sobre a imagem que circulava e a aproximação de seu filho com Ramagem, Bolsonaro soltou um “E daí?” nas redes sociais. Na segunda-feira, voltou a dizer à imprensa que não via problemas na aproximação.

As trocas ocorrem no momento em que o Supremo Tribunal Federal autorizou um pedido de investigação feito pelo procurador-geral, Augusto Aras, sobre as acusações de Moro a Bolsonaro por suposta tentativa de interferência política na Polícia Federal e por falsificar a assinatura de seu então ministro da Justiça, na exoneração de Valeixo feita do Diário Oficial —Moro afirmou que não sabia da confirmação da demissão e que, apesar de seu nome aparecer no documento, não o assinou.

Mendonça, o novo ministro da Justiça, foi convidado para assumir o cargo na segunda-feira. Ele é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília e pode ser a escolha do presidente para ocupar no final deste ano uma vaga no STF —Bolsonaro já havia dito que queria alguém “terrivelmente evangélico” para este lugar. O nome dele não era o mais cotado para o ministério inicialmente. No final de semana, o secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, chegou a ser anunciado para o cargo pela imprensa. Apesar de não ter existido uma confirmação oficial, seu nome era o que circulava nos bastidores. Oliveira tem ligação estreita com Bolsonaro e sua família. Advogado e major da reserva da Polícia Militar, ele chegou a chefiar o gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro em seu primeiro mandato como deputado. Apesar de a relação de Mendonça com a família não ser tão próxima, ele é visto como um homem fiel ao presidente.

Ramagem, por sua vez, foi chefe de segurança do então candidato a presidente durante a campanha eleitoral e goza da confiança dos filhos. É delegado da Polícia Federal, e atuou na coordenação da segurança de eventos em 2014 e 2016, para a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil, respectivamente. Ambos ficam sob a pressão de atuar a favor das instituições ou do personalismo do presidente, que se vê cada dia mais acossado por críticas diante da administração bélica que promove no campo político em meio a uma pandemia que já matou, oficialmente, mais de 4.543 brasileiros, fora o que a subnotificação não consegue constatar.

Sem rumo claro no campo da Saúde com outra substituição ruidosa, de Henrique Mandetta por Nelson Teich —que ainda não disse a que veio—, e sinais controversos na economia, Bolsonaro agora entrega a Justiça e a Polícia Federal a nomes que podem reforçar seu autoritarismo em mais um retrocesso perigoso para o Brasil, na visão de especialistas. “A Polícia Federal vai voltar a ser o que foi antes da Constituição, quando era uma polícia política de perseguição a adversários a mando do presidente e de proteção dos amigos”, afirmou Pedro Abramovay, diretor para a América Latina da Open Society Foundations, ao repórter Felipe Betim.


O Globo: Após demissão de Moro, generais manifestam 'forte preocupação' com o futuro do governo

Mensagem foi vocalizada especialmente pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

Vinicius Sassine, O Globo

BRASÍLIA — Apesar da tentativa de demonstração de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, com a presença dos ministros no pronunciamento feito após a demissão de Sergio Moro, os generais que são ministros e que despacham dentro do Palácio do Planalto manifestaram a colegas de farda um sentimento de "perda" e de "forte preocupação" com o futuro do governo de agora em diante. A mensagem foi vocalizada especialmente pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno.

Antes da demissão de Moro nesta sexta-feira, Heleno já havia feito movimentos para que o ex-juiz da Lava-Jato não deixasse o governo, com a interpretação de que a gestão Bolsonaro acabaria se isso ocorresse. Teve êxito uma vez, mas não duas.

Os ministros que também são generais — Heleno, do GSI; Braga Netto, da Casa Civil; e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo — ouviram de generais que estão no governo ou na ativa que a continuidade de apoio ao governo Bolsonaro dependerá da permanência do trio dentro do Palácio do Planalto. Este recado explica a tentativa de demonstração de apoio dos ministros ao presidente.

Os ocupantes dos cargos na Esplanada dos Ministérios compareceram em peso ao pronunciamento no fim da tarde, numa tentativa de demonstrar unidade. Chamou a atenção a presença do ministro da Defesa, general Fernando Azevendo e Silva, logo ao lado de Bolsonaro. O ministro da Defesa tem ascendência hierárquica sobre os comandantes das três Forças Armadas. Sua função no governo excede a burocracia do cargo. Ele é, hoje, um dos principais conselheiros do presidente.

Um entendimento entre militares de alta patente — tanto integrantes do governo quanto integrantes das cúpulas das Forças — é que a demissão de Moro não se compara a uma outra rumorosa demissão, a do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. No caso de Mandetta, demitido em meio à pandemia do novo coronavírus, que já matou 3.670 brasileiros até agora, generais enxergaram uma indisciplina, uma quebra de hierarquia, à medida que o então ministro confrontava o presidente. Com Moro, que pediu demissão do Ministério da Justiça e Segurança Pública nesta sexta-feira, alegando interferência de Bolsonaro na Polícia Federal (PF), não existe essa impressão.

— Moro é uma figura muito emblemática. Tem projeção no país. Sempre vou aplaudi-lo pelo que ele fez. Então, até quem torce contra não deve estar gostando do que se viu hoje — resume um general com assento no governo, sob a condição de anonimato.

Os militares que despacham no Planalto, apesar do esforço pela imagem de unidade, não disfarçavam o sentimento de "perda", "tristeza" e "preocupação" nas mensagens disparadas a colegas da caserna. O entendimento é que a saída de Moro ocorre num momento que já é de grave crise sanitária e econômica. Eles entendem que o que ocorreu nesta sexta, inclusive, terá impactos decisivos para a própria crise do novo coronavírus.

— Não deveríamos perder nem A nem B — diz um general, em referência a Bolsonaro e Moro.