Polícia Federal

Bernardo Mello Franco: Bolsonaro é tetra

Jair Bolsonaro é tetra. Eleito com discurso moralista, o presidente já tinha três filhos sob investigação. Agora vê o quarto, Jair Renan, entrar na mira da Polícia Federal.

Aos 22 anos, o caçula da família virou alvo de inquérito por suspeita de tráfico de influência. Ele tem usado o sobrenome para abrir portas em Brasília. Circula com empresários, recebe presentes e se reúne com autoridades fora da agenda oficial.

Em agosto passado, o Zero Quatro esteve com o secretário especial da Cultura, Mario Frias. O jovem disse ter tratado de interesses do setor de games. Dois meses depois, seu pai reduziu as alíquotas do IPI sobre jogos eletrônicos. Na contramão do aperto fiscal, a União abriu mão de arrecadar cerca de R$ 80 milhões até 2022.

Em novembro, Jair Renan levou empresários ao gabinete do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. O grupo queria apresentar um projeto de habitação popular a ser financiado pelo governo. A pasta informou que o Zero Quatro esteve no encontro “na qualidade de ouvinte”.

Ao que tudo indica, um ouvinte bem remunerado. Reportagem do GLOBO revelou que a empresa presenteou Jair Renan com um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil. A firma ainda doou placas de granito para o escritório da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, registrada em nome do caçula do presidente.

A troca de favores também marcou a inauguração do negócio de Jair Renan. A “Folha de S.Paulo” mostrou que a Astronauta Filmes registrou a festa sem cobrar pelo serviço. Em 2020, a produtora recebeu ao menos R$ 1,4 milhão dos cofres federais.

O advogado do clã, Frederick Wassef, nega qualquer irregularidade. No ano passado, ele negou ter escondido Fabrício Queiroz na sua chácara em Atibaia.

A abertura de inquérito na PF faz de Jair Renan o quarto filho do presidente sob investigação. Flávio Bolsonaro, o Zero Um, já foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Carlos, o Zero Dois, é suspeito de reproduzir o esquema da rachadinha na Câmara Municipal. Eduardo, o Zero Três, é alvo de uma apuração preliminar da Procuradoria-Geral da República pela compra de imóveis com dinheiro vivo.

Os quatro casos têm a marca do patriarca da família. Bolsonaro ensinou os filhos mais velhos a transformar a atividade parlamentar num negócio lucrativo. Em 28 anos na Câmara, ele também nomeou funcionários fantasmas e engordou o patrimônio com transações em espécie. No caso de Jair Renan, a lição foi pelo exemplo. O caçula ainda não entrou na política, mas já ganha dinheiro com o nome do pai.

O mundo de Guedes

É comovente o esforço de Paulo Guedes para se eximir de responsabilidade pela combinação de inflação, recessão e aumento da pobreza. Em entrevista ao jornal espanhol “El Mundo”, o ministro culpou a oposição pelo derretimento da moeda brasileira. Disse que há uma campanha orquestrada para manchar a imagem do país no exterior. No Chile de Pinochet, onde ele viveu nos anos 80, o governo não precisava se preocupar com essas coisas.


O Estado de S. Paulo: Projeto tira a regulação da segurança privada da PF

Ministério Público e Polícia Federal alertam para proposta de lei orgânica, que dá à PM a prerrogativa de ‘credenciar e fiscalizar’ empresas do setor e a guarda de quarteirão

Paula Reverbel, O Estado de S.Paulo

O projeto de lei que pretende remover alguns dos controles que governadores de Estado têm sobre suas forças policiais também invade atribuições da Polícia Federal em relação à fiscalização e regulação de empresas particulares de segurança privada. A avaliação é de representantes e entidades do Ministério Público e da PF ouvidos pelo Estadão. O texto em discussão prevê que caberá às polícias militares “credenciar e fiscalizar as empresas de segurança privada, os serviços de guarda de quarteirão ou similares, e as escolas de formação, ressalvada a competência da União e atendido os termos da legislação específica do ente federativo”.

Atualmente, essa atribuição é da PF, que possui um departamento para administrar o assunto. É de responsabilidade exclusiva da corporação: credenciar e habilitar instrutores para escolas de formação de vigilantes; emitir a carteira nacional de vigilante; emitir autorizações para a aquisição e o transporte de armas de fogo, armas não letais e munições; vistoriar os veículos especiais de transporte de valores e autorizar o seu uso pelas empresas de vigilância; autorizar a aquisição de coletes balísticos; e emitir o certificado de regularidade de empresas de segurança privada.

De acordo com a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, titular da Câmara Criminal da PGR e de ofício criminal junto ao Superior Tribunal de Justiça, passar essas atribuições às PMs pode gerar problemas de conflitos de interesse, dado o alto número de policiais militares que são sócios em empresas privadas de segurança. “E se o PM tiver participação societária nessas empresas?”

A questão pode ter impacto significativo. Conforme dados da Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist), havia, em junho do ano passado, 4.618 empresas do ramo atuando no Brasil. Elas empregavam mais de 500 mil vigilantes com vínculos ativos, metade deles no Sudeste. Cerca de um milhão de profissionais capacitados pelos cursos de formação e regularizados na Polícia Federal estão aptos a trabalhar. O setor alcançou R$ 36,9 bilhões de receita bruta em 2019, de acordo com a consultoria econômica da Fenavist.

“Há muito tempo que as PMs querem atuar nessa área”, disse ao Estadão o vice-presidente da Associação dos Delegados da PFLuciano Leiro. Ele afirmou que, no Rio Grande do Sul, parte dessas funções já é desempenhada pela Brigada Militar – nome da PM do Estado –, o que tende a ser alvo de ação judicial. “Já há essa fiscalização por parte da PF, para que criar uma nova estrutura de fiscalização para isso? É um desperdício de dinheiro público.”

Contra

Diretor jurídico da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef)Flávio Werneck concordou. “Nesse ponto, somos terminantemente contra (o que prevê o projeto). Temos uma influência muito grande de policiais militares na segurança privada, o que pode acarretar problemas futuros nas fiscalizações.” Ele disse que, se preciso, a Fenapef vai se posicionar contra o projeto no Congresso.

“Essa missão de fiscalizar empresas de segurança é muito bem executada pela PF”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)Fábio George Cruz da Nóbrega. “Esse é um ponto preocupante do projeto.”

A possibilidade de policiais serem sócios de empresas da área é permitida pela legislação da maioria dos Estados. Em São Paulo, por exemplo, apesar de a Lei Orgânica da Polícia do Estado proibir que os policiais exerçam qualquer outro emprego ou função “mesmo nas horas de folga”, o estatuto do funcionalismo público estadual cria a brecha para que o servidor seja “acionista, quotista ou comanditário” de sociedades comerciais.

Para o ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann, embora seja necessário e urgente regulamentar as polícias estaduais – já que as regras em vigor são de 1969 –, o projeto em discussão é inconstitucional porque fere o pacto federativo. “Do jeito que está não passa no Congresso e, se porventura viesse a passar, seria declarado inconstitucional pelo STF. Seu objetivo político é claro: atender e manter a mobilização das suas bases nas corporações policiais”, afirmou o ex-ministro ao Estadão.

Jungmann alertou ainda para o fato de que, ao conceder funções demais às PMs, o texto poderia produzir o resultado de retirar os efetivos das ruas e das suas funções privativas de prover a segurança à população.

Projeto de Lei da PM

Indicação e mandato do comandante-geral

Como é: Indicação é feita pelo governador, sendo o indicado oficial da ativa e observada sua formação profissional.

Como fica: Indicação é por lista tríplice e mandato é de 2 anos. Demissão deve ser “justificada”.

Quadro de oficiais

Como é: O quadro de oficiais, atualmente, vai de segundo-tenente ao posto máximo, decoronel.

Como fica: Cria quadro formado por 3 patentes: tenente-general, major-general e brigadeiro-general.

Segurança privada

Como é:A segurança privada é credenciada e fiscalizada pela Policia Federal, conforme a Lei Federal 7.102/83.

Como fica: Define como competências da PM credenciar e fiscalizar empresas de segurança privada.


Mariliz Pereira Jorge: Fogo no parquinho

Bolsonaro pode até mover mundos, fundos, Polícia Federal e Abin para proteger os filhos, mas não fará o mesmo por quem acha que se sacrifica por ele

Nem impeachment nem renúncia. O que pode encrencar Jair Bolsonaro são seus “aliados”. A bomba armada da vez é o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, que passou a tarde desta terça (22) fazendo cobranças ao presidente, marcando seus filhos em tuítes. Chamou Carluxo de covarde e reclamou que ele e a ministra Damares Alves tinham deixado de segui-lo nas redes. Parece um esquete, mas é a cafonalha que orbita o Palácio do Planalto.

Escrevi a primeira vez sobre a capacidade de autodestruição deste governo em outubro de 2019, quando o deputado Delegado Valdir disse que iria “implodir” o presidente e o chamou de “vagabundo”. A deputada Joice Hasselmann acusava a prole de Jair de ser mentora do esquema de disseminação de fake news.

Teve Bebianno, Santos Cruz, Mandetta e, claro, Sérgio Moro e as acusações da interferência de Bolsonaro na Polícia Federal e nos serviços de inteligência. Allan dos Santos cobra do presidente atitude sobre a prisão do também blogueiro Oswaldo Eustáquio, que, assim como ele, é acusado de envolvimento em atos antidemocráticos e produção de notícias falsas. Mundo pequeno: os mesmos inquéritos em que são investigados Carluxo e Eduardo.

A lavagem de roupa suja em público é uma mistura de jardim de infância com manicômio, mas percebe-se o intuito de Allan dos Santos de mostrar intimidade ao mesmo tempo em que constrange o presidente. O que esse tipo de gente não enxerga, talvez cega por vaidade e destempero, é que o bolsonarismo não é um projeto político, é um projeto familiar.

Jair pode até mover mundos, fundos, a Polícia Federal e a Abin para proteger os filhotes, mas não vai fazer a mesma coisa por um bando de Zé Ninguém que acha que se sacrifica por ele. Resta saber o que os Zés enrolados com a polícia farão quando descobrirem que estão sós. Se engolirão sua insignificância ou cobrarão a conta pela lealdade.


Bruno Boghossian: Bolsonaro acena a policiais e militares recém-formados em busca de afinação política

Só em dezembro, presidente foi a seis cerimônias de formação e visitou alunos de um curso da Abin

Jair Bolsonaro participou de seis cerimônias militares e policiais só em dezembro. Foram formaturas de aspirantes das Forças Armadas, a conclusão do curso de delegados da PF e um evento de soldados da PM do Rio. Como bônus, o presidente ainda visitou alunos de pós-graduação da Abin, no início do mês.

Não fosse a frequência de compromissos (um a cada três dias), não haveria nada particularmente espantoso na agenda. Afinal, o presidente fez carreira como um sindicalista dessas categorias e manteve o perfil depois de chegar ao Palácio do Planalto. Esses eventos, no entanto, cumprem uma função adicional.

Os acenos de Bolsonaro têm todas as características de um trabalho para costurar uma coalizão política com integrantes das forças militares, das polícias e dos órgãos de inteligência. Nesse movimento, o presidente investe em agentes e oficiais em formação –grupos em que seus impulsos radicais costumam ter mais aderência do que nas cúpulas.

Na sexta (18), Bolsonaro se sentiu confortável o suficiente para jogar 845 policiais recém-formados contra jornalistas, que ele trata como inimigos pessoais. "Não se esqueçam. Essa imprensa jamais estará do lado da verdade, da honra e da lei. Sempre estará contra vocês. Pense dessa forma antes de agir", discursou.

Para conquistar a simpatia, o presidente oferece prestígio, alinhamento de discurso, abertura de concursos e apoio financeiro. No último item, estão desde a proteção dos orçamentos dos órgãos e a blindagem de categorias na reforma da Previdência até promessas miúdas. Num evento recente, ele pediu a parlamentares que dobrassem a diária de soldados que trabalham em obras públicas.

Em troca, Bolsonaro conquista uma afinação política dentro de instituições que deveriam se manter independentes. Em março, a ameaça de motins policiais pelo Brasil guardava uma sintonia nítida com o bolsonarismo. Na última segunda (14), os novos delegados da PF chamaram o presidente de mito e se referiram a ele como "instrumento de Deus".


Gil Alessi: Do ‘01’ ao ‘04’, Bolsonaro entra na mira do STF por suspeita de blindar seus filhos com a máquina pública

Suspeita de que a Abin produziu relatórios para ajudar a defesa de Flávio Bolsonaro se soma à lista que inclui troca no comando da PF, influência nas eleições do MP do Rio e outras manobras

O presidente Jair Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”. Com quase dois anos à frente do Governo, transparece a preocupação do mandatário em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta sexta-feira que a Procuradoria-Geral da República investigue a suposta produção de relatórios pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com o objetivo de auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente. O parlamentar é investigado ao lado do seu ex-assessor Fabrício Queiroz por ter supostamente organizado um esquema de rachadinha em seu gabinete à época em que era deputado estadual pelo Rio.

Esta “Abin paralela”, como vem sendo chamada, teria municiado a advogada de Flávio, Luciana Pires, com material a ser usado no caso, segundo reportagem da revista Época. De acordo com a defensora, as orientações teriam vindo diretamente de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin e homem de confiança de Bolsonaro. Um dos relatórios deixa claro seu objetivo: “Defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. A própria Luciana Pires confirma ter recebido o relatório, segundo a reportagem, uma afirmação que contradiz o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e a própria Abin, que negaram a produção de material para ajudar o senador. Ramagem confirmou, no entanto, ter participado de reunião com a defesa do parlamentar na qual estiveram presentes o presidente e Heleno. Em nota, a Agência e o GSI afirmam que o encontro foi “completamente regular”.

A repercussão do suposto relatório da Abin incendiou a oposição, que já se articula para protocolar mais um pedido de impeachment do presidente, como afirmou nas redes sociais a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann. O Governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), fez coro à petista: “Caso confirmado, o uso da Abin para interesses exclusivamente pessoais de Bolsonaro não é apenas crime de responsabilidade, sujeito a impeachment. É também crime comum e ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o PSB e a Rede pediram a saída de Ramagem do cargo. No momento, a bola está com o procurador-geral, Augusto Aras, que terá que investigar o caso e prestar contas ao STF sobre suas descobertas.

Caso fique provado que a Abin agiu para ajudar Flávio, será escrito mais um capítulo em uma história de episódios nos quais a atuação do presidente parece borrar a linha que separa os negócios privados do clã e a máquina pública. Do mais velho, o “01”, como Flávio é conhecido, até o “04”, referência a Renan, 22, o mais novo de seus quatro filhos homens, toda a prole de Bolsonaro (com exceção da caçula, Laura) foi afetada por ações do pai. Como o próprio presidente disse: “Pretendo beneficiar filho meu sim, pretendo, se puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou”. Veja as acusações de interferência do mandatário em órgãos públicos para ajudar a família:

A Justiça investiga Flávio, o “01”, e Carlos, o “02”

O suposto envolvimento da Abin para ajudar a defesa de Flávio é apenas o último movimento de um xadrez político que levou o presidente tomar medidas enérgicas para tentar aliviar a pressão sobre o senador e seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro, o filho “02”, que também entrou na mira das autoridades.

Sobre Carlos, pesam várias suspeitas. Uma delas é de peculato, ao empregar em seu gabinete funcionários fantasma. A mais rumorosa, no entanto, é a de que ele poderia ser o articulador de um esquema criminoso de disseminação de fake news. Um inquérito, com investigação da Polícia Federal, corre atualmente no Supremo. Nele, o “02″ é aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros do STF e apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de apoiadores do presidente, pedindo o fechamento do Congresso e do STF.

Nos últimos meses, a PF desencadeou uma série de operações de busca e apreensão relacionadas a este caso, levando à prisão, inclusive, de influenciadores bolsonaristas. Foi o caso, na própria sexta-feira, do blogueiro Oswaldo Eustáquio. Ele estava em prisão domiciliar, mas descumpriu as restrições definidas pelo STF para ir participar de uma reunião no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da ministra Damares Alves. A tornozeleira eletrônica denunciou seu deslocamento e ele foi recolhido por determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

Com os dois filhos mais velhos na mira de investigações, o clã presidencial passou para o ataque. O primeiro passo foi articular a troca no comando da Polícia Federal em abril deste ano, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo —visto pela mandatário como muito independente. O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, denunciou a orquestração: em seu discurso de renúncia, ele acusou o presidente de tentar influenciar politicamente a PF. “O presidente me disse, mais de uma vez, que ele queria ter uma pessoa do contato dele que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, colher relatórios de inteligência”, afirmou.

Posteriormente, o ministro demissionário apresentou à TV Globo uma troca de mensagens entre ele e o presidente na qual o mandatário teria sugerido a saída de Valeixo para proteger aliados. Posteriormente vieram à tona imagens de uma reunião ministerial na qual Bolsonaro diz que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala do mandatário também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações se aproximam de Flávio e Carlos.

A suposta influência do presidente na chefia da PF para proteger aliados —dentre eles seus filhos— deu origem a um outro inquérito que tramita atualmente no STF para apurar se houve irregularidade. Não há prazo para sua conclusão, e o presidente ainda não foi ouvido.

Em outra frente para tentar blindar Flávio e Carlos, o clã entrou nas eleições para a chefia do Ministério Público do Rio, Estado onde correm investigações contra ambos. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado pelo “01” por sua atuação no caso da rachadinha no gabinete. Os Bolsonaro cerraram fileiras em torno do procurador Marcelo Rocha Monteiro, bolsonarista assumido, como uma opção para a lista tríplice, definida em dezembro, de onde é escolhido o nome do próximo procurador-geral de Justiça do Estado. No final, Monteiro foi o quarto mais votado pelos promotores. Agora cabe ao governador interino Cláudio Castro optar por manter a tradição e indicar para a chefia um integrante da lista, ou fazer um aceno ao presidente nomeando o candidato da família para o cargo ―uma opção caso algum dos três integrantes da lista tríplice desista da candidatura.

Publicamente, o presidente alega que estes órgãos estão agindo para prejudicar seus filhos em uma tentativa de atingi-lo —ele chegou até a dizer que se tratava de perseguição política do então governador Wilson Witzel. Agora alvo de processo de impeachment, Witzel buscava se cacifar para disputar o Planalto em 2022, o que justificaria, segundo Bolsonaro, as tentativas de desmoralizar sua família.

Uma embaixada para Eduardo, o “03”

Em julho de 2019 o presidente fez um de seus mais ousados movimentos com o objetivo de colocar nas mãos da família um importante cargo público. Jair afirmou que iria indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o “03”, para a vaga de embaixador do Brasil em Washington, uma das mais cobiçadas e prestigiadas representações do país no exterior, tradicionalmente reservada para diplomatas de carreira que se destacam no exercício da função. “Vou nomear, sim. E quem disser que não vai mais votar em mim, lamento”, chegou a afirmar o presidente ao ser questionado sobre a medida. “Eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA (...) Vocês acham que eu colocaria um filho meu em um posto de destaque desse para pagar vexame?”, indagou.

A indicação logo começou a fazer água. Sob acusações de nepotismo, parlamentares de oposição e mesmo alguns aliados do presidente começaram a boicotar a nomeação de Eduardo, alegando que ele não seria aprovado na sabatina a que teria que se submeter no Senado antes de ser empossado. A reação da população também desencorajou o Planalto a manter o nome do deputado para a vaga, com 62,8% dos brasileiros se opondo à ascensão do filho do presidente para o novo emprego, segundo uma pesquisa da consultoria Atlas Político. No final de outubro, pouco mais de um mês após o início das articulações em prol do “03” em Washington, o próprio Eduardo tomou a palavra da tribuna da Câmara e anunciou a desistência, alegando que precisava ficar no Brasil para ajudar a manter viva a onda conservadora que o elegeu.

O empreendedorismo de Renan, o “04”

Os negócios do filho caçula se misturaram recentemente com os do Governo, em ações que suscitaram críticas por possível tráfico de influência do presidente. A primeira sinalização de que Renan estava entrando no jogo político político com suacompanhia startup ocorreu em 13 de novembro, quando o caçula articulou e participou de uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores —companhia que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, fundada pelo caçula e cuja sede fica em um camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso não constava na agenda oficial do ministro e foi revelado pela revista Veja. A Gramazini apresentou a Marinho durante o encontro um projeto de moradias populares feitas em pedra. A pasta informou que Renan “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

Mas as relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. A Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo —tendo feito vídeos para os ministérios da Saúde, Educação e Turismo— realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) solicitou à Procuradoria da República que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Em nota, a Astronautas Filmes afirma que “a chamada ‘parceria’ com Renan Bolsonaro foi restrita à produção de um único vídeo de lançamento para um projeto social, que tinha como público-alvo empresários da cidade de Brasília. Ressalte-se, a convite dos organizadores do evento. Por se tratar de um público de interesse, optamos por inserir a marca da produtora na comunicação do evento em contrapartida ao produto entregue”. Eles também alegam que não existe nenhum “laço de favorecimento”.


O Estado de S. Paulo: Seguranças da campanha de Bolsonaro foram para Abin

Agentes da Polícia Federal trabalharam com o atual diretor-geral da Abin durante eleição presidencial em 2018

Felipe Frazão e Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O diretor-geral Alexandre Ramagem levou para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) ao menos cinco integrantes da Polícia Federal – parte deles envolvidos na segurança do presidente Jair Bolsonaro durante a campanha de 2018. Nos bastidores do órgão, servidores de carreira têm apontado o grupo de Ramagem como os responsáveis por orientar informalmente a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso das rachadinhas.

Além de Ramagem, no topo da hierarquia está o delegado da PF Carlos Afonso Gonçalves Gomes Coelho. Ele exerce o cargo de secretário de Planejamento e Gestão da Abin e é uma espécie de braço direito de Ramagem.

A exemplo do diretor-geral, Coelho teve uma passagem pelo Palácio do Planalto no início do governo Bolsonaro. Os dois foram assessores especiais na Secretaria de Governo. Ministro à época, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz disse que são “profissionais qualificados”, mas que não sabe se “estão sendo mal orientados”. O general diz não se recordar quem o recomendou a Ramagem, mas conhecia Coelho do Ministério da Justiça e Segurança Pública. O delegado fora diretor de Inteligência na Seopi, a Secretaria de Operações Integradas, no governo Michel Temer. Santos Cruz era secretário Nacional de Segurança Pública.

O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, morto em março, denunciou a tentativa de implantar uma espécie de “Abin paralela” no Planalto por parte de Carlos Bolsonaro. Filho do presidente e vereador no Rio pelo Republicanos, Carlos é influente no Planalto e controla as redes sociais do pai. Ramagem tem a confiança dele dos demais irmãos.

Outra delegada da confiança de Ramagem com passagem recente no órgão foi Simone Silva dos Santos Guerra. Ele a escolheu como assessora de Assuntos Internacionais na Abin em agosto do ano passado. Ela, no entanto, não completou um ano na agência. Em junho, retornou à direção executiva da PF, onde exerce o cargo de coordenadora-geral de Cooperação Internacional.

Assim como Ramagem, Simone tem larga experiência com segurança pessoal de autoridades, tendo trabalhado na área na PF e como coordenadora de segurança do Conselho Nacional de Justiça. Em 2018, era a responsável por chefiar cerca de 280 policiais envolvidos na “Operação Presidenciáveis”. Cuidou da segurança de seis candidatos, entre eles Bolsonaro, que sofreu um atentado e passou a ser protegido pela equipe de Ramagem.

Também na Abin estão outros dois agentes que trabalhavam no núcleo que socorreu Bolsonaro na facada em Juiz de Fora (MG). São eles Marcelo Araújo Bormevet, que faz militância virtual e elogia os filhos do presidente nas redes sociais, Flávio Antônio Gomes, atualmente requisitado para assessor a Superintendência da Abin em São Paulo. Mais um agente da PF na Abin é Felipe Arlotta Freitas.

Outros dois ex-guarda-costas de Bolsonaro ganharam cargos de confiança no governo. O papiloscopista João Paulo Dondelli, requisitado no ano passado para a Presidência, e o agente Danilo César Campetti, assessor especial de Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários e elo do presidente com os ruralistas.

Abin nega que diretor tenha feito relatório a senador

Em nota, a Abin nega o envolvimento de seus diretores com orientação à defesa de Flávio. A agência afirma que “nenhum relatório foi produzido com tema, assunto, texto ou o título exposto, tampouco a forma e o conteúdo dispostos correspondem a relatórios confeccionados na Abin”. A agência alega que os textos encaminhados pelo do WhatsApp foram “mal redigidos, com linguajar atécnico e sem relação com a atividade de Inteligência”.

“Nenhum documento, relatório ou informe de defesa em processo criminal foi transmitido por qualquer meio a parlamentar federal”, afirma a nota da assessoria da Abin. “A imputação por qualquer pessoa de vinculação dos supostos relatórios à Abin ou ao diretor-geral é equivocada ou deliberadamente realizada para desacreditar uma instituição de Estado”, completa.

Defesa de Flávio tenta provar irregularidade na Receita

Estadão consultou as mensagens de aconselhamento encaminhadas ao senador por Ramagem, segundo relatou à revista Época a advogada Luciana Pires. Defensora de Flávio, ela tenta provar que o filho do presidente teria sido investigado ilegalmente em órgãos do governo, como a Receita Federal. Procurada pela reportagem, ela não se manifestou.

O clima na Abin é de desconfiança e tensão. Oficiais e agentes de inteligência, a carreira de Estado, manifestam preocupação com a repercussão do caso e possíveis investigações, como uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que pode enfraquecer a imagem da instituição - e não só Ramagem.

Reservadamente, eles relatam que os policiais federais formam um feudo na agência, trabalham em grupos fechados, em volta do Ramagem e Bormevet. Por natureza, as apurações de inteligência são compartimentadas – um agente não costuma compartilhar com outros suas tarefas – o que dificulta que eles colham evidências de quem de fato fez o que.


O Estado de S. Paulo: Leia as páginas do inquérito dos atos antidemocráticos

Fausto Macedo, Rayssa Motta, Paulo Roberto Netto e Pepita Ortega, O Estado de S. Paulo

O inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto em abril a pedido da Procuradoria-Geral da República depois que manifestações defendendo a volta da ditadura militar, intervenção das Forças Armadas e atacando instituições democráticas marcaram as comemorações pelo Dia do Exército em diferentes cidades do País. A realização de atos simultâneos, com carros de som e peças de propaganda ‘profissionais’, nas palavras da Procuradoria, ensejaram a apuração sobre a organização, divulgação e o financiamento desses eventos.

Documento

Além dos protestos físicos, o suposto lucro obtido por blogueiros, influenciadores e youtubers de direita com a transmissão ao vivo dos protestos chamou atenção do Ministério Público Federal (MPF). A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuem em conjunto em um ‘negócio lucrativo’ de divulgação de manifestações contra a democracia. Entre apoiadores do governo, o inquérito é visto como uma iniciativa para criminalizar a defesa ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a valores conservadores e de direita.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

Nos últimos oito meses, os delegados federais Igor Romário de Paula, Denisse Dias Rosas Ribeiro, Fábio Alceu Mertens e Daniel Daher, designados para conduzir as investigações, intimaram mais de 40 pessoas. São empresários declaradamente bolsonaristas, deputados da base de apoio do governo, membros do partido em gestação Aliança pelo Brasil, assessores da presidência, os filhos do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo e Carlos, e donos de páginas nas redes sociais idealizadas para defender ideais conservadores.

Os delegados federais também pediram ao senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o compartilhamento de dados sigilosos obtidos pelo grupo de trabalho no Congresso.

Ofício enviado pela delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro ao senador Ângelo Coronel para obter documentos reunidos pela CPMI das Fake News. Foto: Reprodução

O ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), também autorizou a quebra de sigilo de investigados e expediu mandados de prisão temporária contra integrantes do grupo extremista ‘300 do Brasil’ e de busca e apreensão cumpridos em junho na Operação Lume.

Entre relatórios elaborados pela Polícia Federal sobre o avanço das investigações, intimações e termos de depoimentos, mandados de busca e de prisão, despachos da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, os autos da investigação já somam mais de mil páginas.

Veja como foi dividida a investigação:

1) Organizadores e movimentos: pessoas e coletivos conservadores que, segundo o Ministério Público Federal, expressaram apoio ou simpatia a manifestações contra a democracia.

2) Influenciadores e hashtags: rede supostamente articulada para propagar mensagens defendendo uma ruptura institucional, a exemplo dos hashtags #MaiaTemQueCair e #TodoPoderEmanaDoPovo ou de expressões como ‘intervenção militar com Bolsonaro no poder’ e ‘STF inimigo do Brasil’.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

3) Monetização: influenciadores digitais e donos de páginas e canais favoráveis ao governo que converteriam audiência em dinheiro. Para isso, segundo apontou o Ministério Público Federal, investem na radicalização do discurso.

“Há uma escalada em que mensagens apelativas produzem propagação e dinheiro; e a busca por dinheiro gera a necessidade de renovação de bandeiras com grande apelo e propagação. Com o objetivo de lucrar, estes canais, que alcançam um universo de milhões de pessoas, potencializam ao máximo a retórica da distinção amigo-inimigo, dando impulso, assim, a insurgências que acabam efetivamente se materializando na vida real, e alimentando novamente toda a cadeia de mensagens e obtenção de recursos financeiros”, diz um trecho do documento em que o MPF pediu quebras de sigilo de investigados.

Trecho do despacho assinado pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pedindo a abertura do inquérito. Foto: Reprodução

4) Conexão com parlamentares: políticos bolsonaristas foram chamados a prestar depoimentos por três razões principais, segundo os autos do processo: 1) manifestações nas redes sociais; 2) ligação com movimentos e influenciadores; 3) contratação de empresas de tecnologia envolvidas na investigação.

Saiba quem já foi ouvido ou intimado:

Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador (leia detalhes do depoimento)

Documento

Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

Documento

Alê Silva (PSL-MG), deputada federal (leia detalhes do depoimento)

Documento

Aline Sleutjes (PSL-PR), deputada federal

Documento

Alexandre Frota (PSDB-SP), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

Documento

Beatriz Kicis (PSL-DF), deputada federal

Documento

Carla Zambelli (PSL-SP), deputada federal

Documento

Caroline de Toni (PSL-SC), deputada federal

Documento

Daniel Silveira (PSL-RJ), deputado federal

Documento

General Girão (PSL-RN), deputado federal (leia detalhes do depoimento)

Documento

Junio do Amaral (PSL-MG), deputado federal

Documento

Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), deputado federal

Documento

Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo

Documento

Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República (leia detalhes do depoimento)

Documento

José Matheus Sales Gomes, assessor especial da Presidência da República

Documento

Mauro Cesar Barbosa Cid, assessor especial da Presidência da República

Documento

Mateus Matos Diniz, assessor especial da Presidência da República

Documento

Carlos Eduardo Guimarães, assessor do deputado Eduardo Bolsonaro

Documento

Evandro de Araújo Paula, assessor da deputada Bia Kicis

Documento

Pastor Romildo Ribeiro Soares, ou RR Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus (leia detalhes do depoimento)

Documento

Otavio Oscar Fakhoury, financista

Documento

Luís Felipe Belmonte dos Santos, vice-presidente do Aliança pelo Brasil (leia detalhes do depoimento)

Documento

Luiz Renato Durski Junior, empresário dono da rede de restaurantes Madero

Documento

Sérgio Lima, publicitário

Documento

Bruno Ricardo Costa Ayres, empresário

Documento

Walter Luiz Bifulco Scigliano

Documento

Allan dos Santos, do blog Terça Livre (leia detalhes do depoimento)

Documento

Cleitomar Basso, funcionário do canal Foco do Brasil

Documento

Emerson Teixeira de Andrade, do canal Emerson Teixeira

Documento

Oswaldo Eustaquio Filho, do canal Oswaldo Eustaquio

Documento

Sandra Mara Volf Pedro Eustáquio, mulher do blogueiro Oswaldo Eustáquio e ex-secretária nacional de Políticas de Promoção de Igualdade Racial do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos

Documento

Ernani Fernandes Barbosa Neto, do site Folha Política 

Documento

Thais Raposo do Amaral Pinto Chaves, do site Folha Política

Documento

Documento

Anderson Azevedo Rossi, do canal Foco do Brasil

Documento

Camila Abdo, do canal Direto aos Fatos e do site Crítica Nacional

Documento

Fernando Lisboa, do Vlog do Lisboa

Documento

Marcelo Frazão de Almeida, do canal Direita TV News

Documento

Adilson Nelson Dini, do canal Ravox Brasil

Documento

José Luiz Boni ou Roberto Boni, do canal Universo

Documento

Alana de Oliveira Passos de Souza, deputada estadual no Rio

Documento

Leonardo Rodrigues de Barros Neto, ex-assessor de Alana

Documento

Anderson Luis de Moraes, deputado estadual no Rio

Documento

Vanessa do Nascimento Navarro, assessora parlamentar de Anderson

Documento

Ana Maria da Silva Glória, colaboradora do site Terça Livre

Documento

Raul Nagel Etges, técnico de informática

Documento

Juliana Ginger Vieira Paulo Butzke, psicóloga

Documento

Sara Fernanda Giromini, do canal Sara Winter e do movimento ‘300 do Brasil’

Documento

Alberto Junio da Silva, administrador do canal O Giro de Notícias

Joice Hasselmann (PSL-SP), deputada federal

José Guilherme Negrão Peixoto (PSL-SP), deputado federal

Otoni de Paula (PSC-RJ), deputado federal

Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública

Valter César Silva Oliveira, do canal Nação Patriota


Folha de S. Paulo: PF reforça ligação de 'gabinete do ódio' do Planalto com investigados por atos antidemocráticos

Polícia Federal tenta esclarecer se dinheiro arrecadado por canais bolsonaristas foi repassado a terceiros

Marcelo Rocha, da Folha de S. Paulo

A Polícia Federal colheu mais informações que reforçam a ligação de assessores especiais do chamado “gabinete do ódio” da Presidência com youtubers bolsonaristas suspeitos de estimular os ataques antidemocráticos contra autoridades do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.

Responsáveis por canais de YouTube que apoiam o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) foram ouvidos pela PF no inquéritos dos atos antidemocráticos nos últimos meses e, de acordo com as informações em poder dos investigadores, o cerco se fecha em torno de auxiliares diretos do chefe do Executivo. A apuração ainda está em andamento.

Em uma das linhas de apuração, a PF tenta esclarecer se dinheiro arrecadado com a monetização de canais bolsonaristas foi repassado a terceiros, “que possam ser os reais proprietários”, diz um trecho do inquérito, que tem cerca de 1.250 páginas, a que a Folha teve acesso.

Não há, por ora, elementos que reforcem essa suspeita. Dois investigados já foram questionados sobre essa questão e negaram. Os ganhos relatados pelos próprios investigados superam os R$ 100 mil mensais, segundo informação divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmada pela reportagem.

O "gabinete do ódio" é o responsável por parte da estratégia digital bolsonarista. A existência do grupo foi revelada pela Folha em setembro de 2019. O bunker ideológico está instalado numa sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete da Presidência.

Folha também mostrou que são cinco os assessores diretos do presidente investigados por suspeita de envolvimento com perfis de apoio a Bolsonaro nas redes sociais que estimularam os atos antidemocráticos no primeiro semestre deste ano.[ x ]

São eles Tércio Tomaz Arnaud, José Matheus Sales Gomes, Mateus Matos Diniz, apontados como integrantes do “gabinete do ódio”, além de Max Guilherme Machado de Moura, ex-policial do Bope do Rio de Janeiro, atualmente assessor especial no gabinete pessoal do presidente, e do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro.

Em depoimento à PF, de acordo com o inquérito, Anderson Rossi, do canal Foco do Brasil, disse que recebeu de Tércio, por meio do WhatsApp, vídeos do presidente.

Rossi disse à PF que conseguiu o contato de Tércio na internet, nos números telefônicos oficiais disponibilizados pela Presidência. Afirmou ainda que se apresentou ao assessor especial como proprietário do canal Foco do Brasil.

“Que em contato com Tércio ofereceu seu apoio para enviar vídeos do canal Foco do Brasil sobre o presidente Jair Bolsonaro”, diz um trecho do depoimento. De acordo com ele, o canal no YouTube chega a receber cerca de R$ 140 mil mensais em monetização.

O Foco do Brasil, segundo Rossi, tem um escritório virtual em Brasília e se cadastrou na assessoria de imprensa do Palácio do Planalto. Ele disse ainda que mantém uma equipe de repórter cinematográfico e câmera para “pegar algumas imagens do presidente Jair Bolsonaro” nos palácios do Planalto e da Alvorada.

Cleitomar Basso, que presta serviços para o Foco do Brasil, disse à PF que não recebe vídeos do presidente Bolsonaro por meio de Tércio, mas de Rossi.

Em outro trecho, quando questionado sobre as imagens que são apresentadas pelo jornal do Foco do Brasil, ele disse que elas são disponibilizadas publicamente pela Agência Brasil, empresa de comunicação do governo federal, e pelo próprio presidente, entre outras fontes jornalísticas e personalidades públicas.

Ajudante de ordens do presidente, o tenente coronel Mauro César Barbosa Cid afirmou que já manteve contato com Allan dos Santos, do canal Terça Livre, por meio do WhatsApp. Disse que Allan solicitava participação do presidente em seu canal e “informações de bastidores que pudessem ser utilizadas no canal Terça Livre”.

Tércio, por sua vez, disse que participou de grupo de WhatsApp administrado por Allan dos Santos. “O declarante foi inserido por Allan, pois ele queria montar um grupo que pudesse se reunir na casa de Allan, semanalmente, para discutir temas relacionados ao governo federal com pessoas que estão dentro do governo”, narrou.

O assessor especial disse que “nunca participou desses eventos e que se manteve no grupo como forma de se informar de temas de interesse”.

Em nota, a Secom (Secretaria Especial de Comunicação) negou que a secretaria ou integrantes do Palácio do Planalto contribuíram com conteúdos antidemocráticos.

"Não há apoio do governo e nenhum centavo sequer destinado a qualquer blog ou canal digital, diferentemente de outras gestões que patrocinaram com verbas públicas sites e blogs de esquerda", afrmou no comunicado.

"Fazer correlação com vídeos e conteúdos disponíveis publicamente na rede, em blogs de terceiros, é mero exercício de ficção, querendo impor a esse governo relação com atos antidemocráticos."

A Secom afirmou ainda que "não há gabinete do ódio" e que "não há um centavo de dinheiro público em sites antidemocráticos".

A secretaria disse que o governo está prestando todos os esclarecimentos às autoridades e confia que a Justiça prevalecerá.

"Temos convicção que todos os fatos serão esclarecidos em nome da mesma democracia que tanto nos acusam de desrespeitá-la. A verdade vencerá."​


Bruno Boghossian: Em silêncio, Bolsonaro sugere não ter motivos para se preocupar com inquérito

Expectativa de impunidade no caso da PF ajuda presidente a evitar riscos e desarmar holofote para Sergio Moro

Em silêncio, Jair Bolsonaro disse muito. O presidente avisou ao Supremo que não vai prestar depoimento no inquérito aberto para apurar suas tentativas de interferência no comando da Polícia Federal. A intromissão foi registrada em gravações e declarações públicas, mas ele sugere ter motivos para não se preocupar com a investigação.

Há sete meses, Bolsonaro estava emparedado pelas acusações feita pelo ex-ministro Sergio Moro. O presidente se enrolou nas explicações, admitiu que gostaria de trocar a chefia da PF no Rio por interesse de seu grupo político e indicou que a mudança tinha relação com aliados sob investigação no STF.

Depois de se beneficiar de uma aliança com Moro, Bolsonaro trabalhou para deteriorar a imagem do ex-juiz. O governo percebeu o perigo daquele episódio e reagiu apavorado –ao ponto de lançar uma ameaça nada velada de golpe de Estado para responder a uma decisão processual burocrática sobre um pedido de apreensão do celular do presidente.

Bolsonaro saiu das cordas porque conseguiu fazer com que o caso esfriasse. As acusações perderam destaque com o avanço da pandemia, e a coalizão forjada no Congresso deu a impressão de que o governo estava protegido de tumultos políticos.

No campo judicial, o inquérito foi engolido por discussões sobre a forma do depoimento do presidente: escrito ou presencial. Ele fingiu espernear e acusou o STF de tratamento injusto. O tribunal não tomou uma decisão final, mas o advogado-geral da União mandou avisar que Bolsonaro decidiu “declinar do meio de defesa que lhe foi oportunizado”.

O presidente abre mão de se defender porque sabe que o caso tem tudo para ser guardado numa gaveta. Com a expectativa da impunidade, ele evita o risco de se embananar e dar munição aos investigadores.

De quebra, Bolsonaro ainda desarma um potencial holofote para Sergio Moro. A investigação era um dos poucos palanques políticos do ex-juiz. Ele deve encolher um pouco mais se o inquérito for arquivado.


Celso Rocha de Barros: Bolsonaro merece ser preso

Durante a pandemia, presidente tentou autogolpe e aparelhar a Polícia Federal

A edição da revista piauí deste mês traz uma matéria, assinada por Monica Gugliano, com o título “Vou Intervir!”. Ela conta a história de uma reunião de 22 de maio, no Palácio do Planalto, em que Bolsonaro teria decidido mandar tropas para fechar o STF.

O plano seria substituir os 11 ministros por 11 puxa-sacos de Bolsonaro, por tempo indeterminado. Uma quartelada vagabunda raiz, nada dessas sutilezas de lenta corrosão democrática “Steven Levitsky” de que eu vivo falando aqui. O presidente teria sido dissuadido pelo general Heleno, que, para apaziguá-lo, soltou uma nota ameaçando o STF.

A princípio, o governo poderia ter desmentido a matéria, que é baseada em depoimentos concedidos off the record. Nessa situação, cabe ao leitor decidir se confia na reputação da revista —que, no caso da piauí, é impecável.

Entretanto, entre os bolsonaristas a desconfiança com relação à imprensa é generalizada. Se o governo quisesse desmentir a matéria, poderia tê-lo feito e considerado o assunto encerrado dentro da bolha que o elegeu.

Não desmentiu.

Houve quem interpretasse que o conteúdo da reunião vazou por interesse do governo, para avisar que o golpismo ainda está vivo. Se for, foi desnecessário: era só mandar o pessoal ler minha coluna, sempre digo isso.

Houve quem suspeitasse que o general Heleno vazou para parecer moderado. Houve ainda uma suspeita de que o governo teria vazado o conteúdo da reunião de propósito, para depois desmoralizar a imprensa com um desmentido (uma gravação, por exemplo). É triste viver em um país em que essa suspeita não é absurda.

De qualquer forma, a revelação da piauí não teve repercussão política nenhuma. E a explicação é simples: em geral, só se admite em voz alta aquilo de cujas consequências práticas se está disposto a arcar.

Muito antes da matéria da piauí, todo mundo já tinha visto Bolsonaro tentar o autogolpe em 2020. Mas, se você disser em voz alta que Bolsonaro tentou um autogolpe, a solução é impeachment e cadeia. Se você não puder e/ou não quiser fazer impeachment e cadeia, é mais fácil não dizer em voz alta que Bolsonaro tentou um autogolpe.

Ainda não parece haver correlação de forças para impeachment e cadeia: o centrão está no bolso do governo, o auxílio emergencial ainda deve durar alguns meses. Enquanto for assim, a turma vai fingir que não viu o golpe, os 100 mil mortos, o aparelhamento na Polícia Federal.

Talvez essa correlação de forças não mude nunca. Nesse caso, a fraqueza natural humana fará com que muita gente racionalize que não foi tão ruim assim, “olha só como ele era democrata, até comprou o Roberto Jefferson, todos nós aqui sempre dissemos que isso era a marca do democrata, ninguém aqui nunca reclamou de quem comprava o Roberto Jefferson”.

Eu, aqui, não vou racionalizar isso, não.

O dia de trabalho de Bolsonaro durante a pandemia de 2020 se dividiu entre organizar um golpe de manhã, aparelhar a Polícia Federal de tarde e demitir o ministro da Saúde no telejornal da noite.

Se esses crimes ficarem impunes, prefiro viver com o incômodo dessa injustiça e esperar a maré virar. Se não virar, levo o incômodo comigo até o fim. Não tenho como fazer acontecer, mas deixo registrado para os leitores do futuro: em 2020, nós sabíamos que Bolsonaro merecia ser preso. Todos nós sabíamos.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)


Míriam Leitão: Aras realiza o sonho de Jucá

Decisão de Aras não têm clareza e não são correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investiga a corrupção no país

Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado, Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.

Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo. Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o que está tentando ser.

A Lava-Jato ameaçou toda estrutura política, e parte importante do mundo empresarial, com as investigações que mostraram a troca de financiamentos ilegais por favores dos detentores de cargo ou de mandatos públicos. Por isso, com esse movimento ele alivia muita gente. Principalmente o presidente que o escolheu e que pode nomeá-lo ministro do Supremo. O que Aras está fazendo não é correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que investigou a corrupção. Ele alega que está agindo em nome da transparência, quando seus atos não têm qualquer clareza.

Enquanto isso, no Ministério da Justiça, como vem revelando em seu blog no Uol o jornalista Rubens Valente, está sendo montada uma estrutura para investigar servidores públicos, policiais e intelectuais que se declaram antifascistas. A Rede pediu ao STF que impeça o governo de continuar com essa estranha investigação. O deputado Eduardo Bolsonaro reagiu postando em seu Twitter uma frase que mostra, em poucos toques, várias distorções deste governo. “Ué querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao movimento Antifa?” O filho do presidente acha que é errado ser contra o fascismo. O bom seria ser fascista? Está convencido de que a máquina do Estado pertence ao governo Bolsonaro. Portanto, nela não podem trabalhar os servidores que não estejam alinhados com o pensamento dos atuais governantes. De acordo com a primeira das colunas de Valente sobre o assunto, há um dossiê de 579 pessoas, com nomes, fotos e endereços feitos pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça. O relatório registra que há “policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologias antifascistas”.

O Ministério da Justiça considera suspeito o fato de alguém ser antifascista. O filho do presidente acha que eles não podem estar no governo. Então esses policiais espionados devem ser demitidos por disseminarem tal ideologia? Há momentos em que o país parece ter sido tragado por uma inversão total dos valores. Na ditadura havia em todos os ministérios, órgãos, autarquias e universidades departamentos que vigiavam servidores, alunos, professores. Eram os inúmeros braços do Serviço Nacional de Informações (SNI). Esse é o perigo real.

Aras está preocupado é com a Lava-Jato. De um lado, quer enfraquecer a Polícia Federal e por isso reaviva uma velha disputa de poder que já havia sido arbitrada pelo Supremo. De outro, afirma que a Lava-Jato é uma “caixa de segredos”, que tem dados de milhares de pessoas medidos em terabytes. Conseguiu levar todas as informações para Brasília e diariamente diz algo para quebrar a confiança no trabalho dos procuradores.

O presidente Jair Bolsonaro jamais teve como bandeira a luta contra a corrupção. Usou-a para se eleger, mas sempre quis limitar as investigações, principalmente as que se aproximam de sua família. O gravador do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado captou uma conversa com Romero Jucá em que ele propunha um pacto para estancar a sangria desatada pela Lava-Jato. Isso é o que Aras está conseguindo.


Vladimir Safatle: Acabou, não. Apenas começou

As Forças Armadas são exímias em fazer ouvir a voz de uma minoria aguerrida e fascista, enquanto procuram de todas as formas calar a verdadeira maioria. Essa maioria agora quer voz

“Acabou, porra”. Foi assim, com sua polidez costumeira, que o sr. Jair Bolsonaro reagiu ao fato de seus aliados estarem em investigação por crimes contra a República. No mesmo dia, um de seus filhos (a formulação é sintomática, o referido é conhecido pela população por ser “filho de...”), falou abertamente sobre o golpe de 1964 como pretensa resposta ao “clamor popular” na chamada guerra entre poderes.

Mas se for para falar em “clamor popular”, melhor começar por responder porque a maioria das brasileiras e dos brasileiros está hoje sem voz. Segundo a última pesquisa Datafolha, 43% das brasileiras e dos brasileiros rejeitam claramente o Governo Federal, avaliando-o como ruim ou péssimo. Nunca na história recente deste país um presidente chegou a um ano e meio de seu mandato com tamanha rejeição. Isso em uma situação na qual todas as peças estavam a seu favor. Pois uma situação de pandemia equivale (ao menos do ponto de vista das identificações políticas) a uma situação de guerra e, nestas circunstâncias, a população tende a se unir em torno de seu Governo para lutar contra algo que a ameaça como um todo.

O sr. Bolsonaro poderia ter chamado todos a baixarem as armas, conclamado uma união nacional pela defesa da vida. Ele poderia ter dito que passaríamos todos por momentos muito difíceis na economia, mas que o Governo iria mobilizar seus recursos para fornecer salários para as pessoas ficarem em casa por três meses. Ele poderia fazer um grande acordo para impedir que as empresas demitissem e para obrigar as grandes fortunas e o sistema financeiro a repartir seus rendimentos estratosféricos em um momento de implosão social. Se ele fizesse isto, agora sua aprovação seria recorde. Mas, para isso, Bolsonaro não poderia ser Bolsonaro. Para isso, o Brasil não poderia ser o Brasil. E, para isso, sua elite suicida e escravocrata não poderia ser sua elite suicida e escravocrata.

Ao contrário, e a conta dessa responsabilidade vai para todos os empresários que o apoiam, o Governo preferiu abrir caminho para se transformar no novo epicentro mundial da covid-19. Neste exato momento, morrem mais brasileiras e brasileiros desta doença do que qualquer outra nacionalidade no mundo. Isto levando em conta apenas os números oficiais, com suas subnotificações evidentes e limitações para testagem da população. Esta é a verdadeira face da “responsabilidade para com o país”, do “cuidado da nação” e de outras afirmações com as quais somos bombardeados diariamente. Com uma responsabilidade destas, país algum precisa de inimigos.

Mas um observador da vida nacional poderia se perguntar porque essa maioria que não quer mais o sr. Bolsonaro e sua naturalização genocida das mortes de brasileiras e brasileiros não é ouvida. As Forças Armadas, responsável maior pelo caos no qual estamos, são exímias em fazer ouvir a voz de uma minoria aguerrida e fascista, enquanto procura de todas as formas calar a verdadeira maioria. Essa maioria agora quer voz.

Ela foi pega em uma chantagem perversa do Governo. Sendo o único setor que realmente se preocupa com a vida das brasileiras e dos brasileiros mais vulneráveis, ela ficou em casa, respeitou a quarentena, resumiu sua indignação a panelaços, enquanto via a horda minoritária sair às ruas para zombar das mortes e exigir políticas irresponsáveis que destruiriam de vez o país. Pois uma política madura e responsável de isolamento poderia ter permitido ao país debelar a pandemia em três meses. Agora, seremos a referência mundial em catástrofe, seremos o país contra o qual o mundo levantará um cordão sanitário e, ironia macabra, isso sim irá “destruir a economia”.

Essa maioria teve que ouvir passiva o sr. Bolsonaro blefar em “armar a população” sendo que ele sabe muito bem o que acontecerá se ele realmente armar a população, ao invés de simplesmente armar suas milícias minoritárias. Se ele quer fazer isto, que comece por dar armas aos povos indígenas cujo ocupante atual do ministério da educação despreza a existência ou à classe trabalhadora espoliada por sua política econômica exímia em dar presentes a quem diz que 5.000 ou 7.000 mortes não são nada diante do prejuízo que ele terá por não poder vender hambúrgueres.

Agora, essa maioria vê o sr. Bolsonaro procurar realizar uma operação digna de 1984, de George Orwell. Nesse romance, Orwell lembra, entre outras coisas, que há uma mutação necessária na língua para que um regime autoritário se imponha. Algo parecido tem ocorrido entre nós. Tal como na Oceania de Orwell, somos diariamente submetidos ao exercício de reescritura do sentido de termos que pareciam elementares. No país do bolsonarismo, ignorância é força, liberdade é genocídio.

Pois notem como o discurso sobre a “liberdade” emana tão facilmente da boca daqueles que fazem de tudo para cala-la, que amam torturadores e louvam ditaduras, como a que conhecemos durante vinte anos. Há dias, o sr. Bolsonaro, em uma de suas lives, afirmou: “muito maior que a própria vida, é nossa liberdade”. Bem, deixando de lado a contradição elementar de que uma liberdade sem vida não é liberdade alguma, há algo de interessante nesse tipo de afirmação. Ela ecoa o discurso oficial de que as políticas de restrição a circulação e atividades desenvolvidas para o combate contra a pandemia seriam um “atentado a liberdade”.

Tal discurso ressoa um certo tipo de concepção de liberdade que parte do dogma dos limites sagrados dos indivíduos. Vimos algo parecido quando manifestantes norte-americanos saíram às ruas com um cartaz onde se via uma máscara dentro de um sinal de proibido e se lia “meu corpo, minhas regras”. O mesmo raciocínio serviu de base para manifestantes alemães exigirem o “direito de se infectarem”.

A lógica é clara e não há como negar certa consistência. Sendo “liberdade” algo que alguns compreendem como a propriedade que tenho sobre mim mesmo, ninguém poderia me obrigar a portar uma máscara médica, a ficar em casa, a cuidar de meu corpo, a não ser que ele tenha meu consentimento para isto. Afinal, como disse o sr. Bolsonaro em outra de suas ocasiões de reflexão filosófica: “Se eu me contaminei, é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso”.

Ao menos, tudo isto serve para mostrar o tipo de monstruosidade social legitimada pelo discurso que reduz a liberdade à propriedade de si. Desde que aceitamos essa premissa, as consequências são o discurso do ocupante atual da presidência da República. E de nada adianta afirmar coisas como: “mas o exercício da propriedade que tenho de mim mesmo deve estar submetida a respeito pelo risco a vida do outro”. Pois eles poderão sempre perguntar ( e, novamente, com certa consistência): mas quem decide quais são os “riscos relevantes” ao outro? Por que devo admitir que o estado ou cientistas que se colocam como sábios oraculares decidiram o que é “risco relevante”?

A única maneira realmente consequente é recusar essa liberdade que se realiza no genocídio. Liberdade não é ser proprietário de mim mesmo, mas compreender que estou em um sistema de mútua dependência que exige o reconhecimento da racionalidade de afetos de solidariedade genérica. O corpo que chamo de meu não é simplesmente meu corpo. Ele também é, entre outras coisas, um veículo de contágio, ou seja, ele é a sua maneira uma parte do corpo social e deve também ser tratado como tal. Um afeto dessa natureza é tudo os que sustentam esse Governo e sua indiferença genocida querem que não emerja. Porque ele se realiza na igualdade real e em uma mutualidade que ainda não existe, mas que pode existir.

A maioria brasileira que ainda não tem voz saberá como rejeitar esse individualismo possessivo que é a verdadeira forma de violência. Pois o verdadeiro embate é pela construção de uma liberdade real que nunca aceitará que mais de 28.000 brasileiras e brasileiros mortos é uma fatalidade natural, como a queda das folhas no outono.

Para finalizar, não podemos mais aceitar as chantagens que nos foram impostas. Nossas ações devem ser mais efetivas a partir de agora. Redes de boicotes a empresas que sustentam essa política da morte, manifestações de rua pelo impeachment do Governo que respeitem exigências de segurança sanitária (como vimos em Israel). Pois a queda desse Governo não será apenas a queda desse governo. Será dar a maioria sua verdadeira força de recusa e abrir o caminho para que ela possa começar a criar.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.