Moro

Eliane Cantanhêde: O governo começou!

Com minuta da Previdência e pacote de Moro, governo sai do papel e Congresso se move

O governo começou de fato nesta segunda-feira, 4, com a abertura oficial do Ano Legislativo, o anúncio do pacote antiviolência e anticorrupção e a divulgação pelo Estado da minuta da reforma da Previdência. Foi o melhor e mais produtivo dia da Presidência de Jair Bolsonaro desde a posse.

Na mensagem presidencial lida no plenário da Câmara, ele lançou a “guerra ao crime organizado”, o que soa como música aos ouvidos da população, estarrecida e amedrontada com a violência. Resta saber se a guerra contra a corrupção será tão musical para senadores e deputados, que terão de votar as medidas do ministro Sérgio Moro.

Estrategicamente, Moro detalhou seu pacote primeiro para governadores e falou várias vezes nos “anseios da sociedade”. Tanto um empurrão de governadores quanto a pressão popular costumam ser tiro e queda para a aprovação de projetos no Congresso.

O pacote de Moro contém medidas que podem até não agradar aos eleitos, mas certamente agradam aos eleitores. Exemplo: a ratificação da prisão de condenados em segunda instância, em sintonia com o entendimento do Supremo. O pacote prevê até um desestímulo a recursos, inclusive ao próprio STF, ao formalizar que a presunção de inocência não é suficiente para evitar, ou suspender, a prisão nesse caso.

Também pode assustar os congressistas, mas recebe aplausos da sociedade, o endurecimento das regras: o confisco de bens que ultrapassem valores obtidos com rendimentos comprovadamente lícitos; regime fechado desde o início da pena por corrupção e peculato; presídio de segurança máxima para condenados por organização criminosa que forem pegos com armas.

Nos casos de prisão em segunda instância, mais rigor no confisco de bens e obstáculos para regime aberto e semiaberto para corrupto, assim como a criminalização do caixa 2, haverá resistências no Congresso, mas a pressão virá de fora para dentro, da opinião pública para os plenários. A previsão é de uma divisão entre novos e antigos parlamentares, muitos de barbas de molho e já refratários desde as frustradas 10 Medidas Contra a Corrupção.

Mais complicado, exigindo um sério debate com especialistas, é a tentativa de redução ou até mesmo isenção de pena para policial que cometer assassinato. Militares, policiais e a família Bolsonaro são entusiastas dessa medida, mas não se pode dizer o mesmo de entidades de direitos humanos. Preventivamente, Moro avisa que “não existe licença para matar”, mas é justamente isso que essas entidades acusam.

Na economia, outra área vital para o governo Bolsonaro – e para o País – houve dois movimentos para esquentar os debates sobre a reformada Previdência. Um foi a publicação da minuta que prevê idade igual para homens e mulheres – 65 anos – e 40 anos de contribuição para a aposentadoria integral.

O outro movimento foi o compromisso dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a agenda do governo, particularmente na questão da Previdência. Para Maia, a aprovação da reforma é fundamental até como “indicador de que há condições para aprovar outras medidas para o desenvolvimento do País”. Alcolumbre defendeu os “ajustes prementes e necessários” e avisou que “não há como evitar a avaliação de reformas sensíveis e a primeira delas é a reforma da Previdência”.

Uma segunda-feira, portanto, muito produtiva, com o governo saindo do papel, as propostas se materializando, o Congresso se posicionando e a sociedade tendo, enfim, dados concretos para debater. Pena que, internado, Bolsonaro não tenha podido participar e comemorar diretamente. Ele voltou para o semi-intensivo e não vai mais ter alta nesta quarta, 6. Não é bom para ele nem para o governo nessa hora vital.


O Globo: Em Davos, Moro fala sobre corrupção mas evita comentar caso Queiroz

Ministro da Justiça rejeitou a ideia de que o governo Bolsonaro possa fazer populismo sobre o assunto

Por Assis Moreira, de O Globo

DAVOS, SUÍÇA — O ministro da Justiça, Sergio Moro, rejeitou nesta terça-feira eventual percepção de que o governo Jair Bolsonaro pode fazer populismo sobre corrupção e defendeu um pacto empresarial no Brasil contra subornos. Em sua primeira participação no Fórum de Davos, na sessão sobre como empresas, governos e sociedade civil podem restaurar a integridade e confiança nas lideranças, Moro foi incisivo ao criticar a cultura da corrupção no Brasil.

No debate, o professor suíço Mark Pieth, que participa de ações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) contra suborno, disse que sentia um certo desconforto com governos populistas que acenam com a bandeira de combate à corrupção e, uma vez eleitos, não fazem nada contra, decepcionando os eleitores. Ele citou como exemplo Silvio Berlusconi, da Itália.

A representante de Transparência Internacional, Delia Ferreira Rubio, acrescentou que "'populistas tomam a narrativa da corrupção, mas não tem uma agenda real, só o discurso contra a corrupção". No debate, Moro observou que a situação com Berlusconi era diferente, porque ele sequer respeitava a separação de poderes e estava envolvido em muitos casos.

Caso Queiroz
Mais tarde, ao ser indagado sobre o risco de o governo Bolsonaro ser afetado por investigações em torno de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flavio Bolsonaro, o ministro foi incisivo.

— O governo tem discurso forte contra a corrupção e vem adotando práticas sobre algo que não foi feito em 30 anos no Brasil, que é não vender posições ministeriais na barganha pelo poder. E nomeou pessoas técnicas. O compromisso do governo é forte contra a corrupção— disse Moro.

Sobre o caso Queiroz, Moro retrucou:

— Não me cabe comentar sobre isso, mas as instituições estão funcionando.

Em sua participação no debate, Moro destacou que o Brasil é um bom exemplo de como a corrupção generalizada mina a confiança. Ele relatou que pagar propinas tinha se tornado um comportamento normal e que os envolvidos costumavam dizer que era a "regra do jogo". Moro destacou também que o Brasil tem tradição de impunidade contra corrupção. Mas algo mudou no Brasil, segundo ele.

— Mas precisamos de uma reforma geral para reduzir incentivos à corrupção.

Segundo o ministro, setor privado precisa se unir para evitar irregularidades.

— A corrupção generalizada foi ruim não apenas para a confiança pública, como também minou a competição leal no mercado — apontou o ministro. — Empresas pagaram propina para obter vantagens em contratos públicos. O setor público tem grande responsabilidade nisso. E o setor privado deve também se unir para censurar os que tomam passos errados— afirmou.

Moro mencionou iniciativa na Sicília quando um grupo de empresas se uniu para recusar pagamentos à Máfia.

—Talvez algo assim poderia funcionar no Brasil, para assegurar concorrência leal — disse.

Indagado se apresentaria algo nesse sentido, Moro confirmou o interesse em impulsionar "um pacto empresarial contra a corrupção". Ele ressalvou que pode estimular, pelo discurso, mas não há plano concreto ainda sobre como o governo pode levar a iniciativa adiante.

Participantes do debate em Davos destacaram a importância da tecnologia para denunciar subornos. O sentimento geral é de que a transparência nos setores público e privado é essencial na luta contra a corrupção.


Bruno Boghossian: As barreiras políticas aos planos de Moro e Guedes

Parlamentares resistem a mudanças na lei e cortes propostos pelos novos ministros

O instinto de sobrevivência dos políticos será um obstáculo para os planos das principais estrelas do próximo governo. As propostas de Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) para endurecer as leiscontra o crime de colarinho branco e cortar gastos públicos não costumam fazer sucesso em Brasília.

Não foram poucos os casos em que deputados e senadores tentaram articular a aprovação de uma anistia ao caixa dois, por exemplo. Em novembro, depois da eleição de Jair Bolsonaro, caciques partidários se reuniram para uma última investida, mas o esforço fez água mais uma vez.

É improvável que o novo Congresso se atreva a insistir na ideia, mas também não se deve esperar adesão automática dos parlamentares à agenda de Moro. Movidos pelo espírito de corpo ou por orientações partidárias, os políticos apresentam resistência a medidas que possam colocar o establishment em risco.

Mesmo congressistas alinhados ao governo Bolsonaro manifestam relutância. Alguns deles querem atrelar os planos do novo ministro a propostas que punem juízes e procuradores por abuso de autoridade, além de regras mais rígidas para o cumprimento do teto salarial no Judiciário.

A missão de Paulo Guedes também não é fácil. Deputados e senadores são especialistas em ampliar despesas para direcionar obras e dinheiro para suas bases eleitorais, mas o chefe da equipe econômica passou os últimos meses afiando a faca.

Guedes já deu passos importantes para desobstruir seu caminho. Nomeou um deputado para sua equipe e abriu canais com dois personagens da elite parlamentar: Rodrigo Maia e Renan Calheiros. A dupla, candidata a presidir a Câmara e o Senado a partir de 2019, retribuiu os acenos.

A lei da sobrevivência política ainda pode impor aos congressistas uma mudança de cálculos. Moro é um personagem popular e a economia precisa de medidas duras para voltar aos trilhos. Se o país não crescer e os políticos continuarem barrando medidas anticorrupção, poucos vão se reeleger em 2022.


Eliane Cantanhêde: Justiça vira grande PF

Assim como Bolsonaro atrai generais, Moro monta Justiça com delegados da PF

O Ministério da Justiça atraiu de novo a segurança pública, cresceu tanto que está virando uma grande Polícia Federal. Cuida de vários assuntos, mas os principais postos, quadros e recursos irão para as investigações contra corrupção, crime organizado e violência urbana.

Sérgio Moro estará às voltas, teoricamente, com índios, drogas, ordem econômica, consumidores, estrangeiros, arquivos nacionais, pirataria, tráfico de pessoas, patrulhamento de estradas e a sempre explosiva política penitenciária. Ufa!

Na prática, porém, Moro valeu-se de sua própria experiência de juiz criminal e ícone da Lava Jato e das duas mais contundentes promessas de campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro: acabar com a corrupção desbragada e a insegurança dos cidadãos e cidadãs de Norte a Sul.

Foi com base na sua experiência profissional e da sólida aliança que construiu com a PF que Moro encheu o seu ministério de delegados federais, assim como Bolsonaro montou seu governo – particularmente o próprio Planalto – com os velhos companheiros do Exército, hoje todos generais.

O anúncio de Moro para o superministério da Justiça, à semelhança de Paulo Guedes no superministério da Economia, foi recebido com enorme apoio pela sociedade, com ressalva para o PT, setores da esquerda e uma parte do Judiciário preocupada com a simbiose da figura jurídica e da figura política do ícone da Lava Jato.

Assim, a expectativa quanto ao trabalho de Moro é imensa e, quanto mais alta a expectativa, maior o risco de frustração. A sociedade está exausta de tanta corrupção, mas está ainda mais desesperada com a insegurança. Se o tempo passa e nada acontece, há o temor de Moro ser confrontado pela mãe irada com o assassinato da filha, o pai desesperado com mais um assalto na sua loja, todos achando que nada mudou e, injustamente, frise-se, cobrando: “E esse Moro, não faz nada?”.

Pior: ele não pode, por pressão da sociedade, sofreguidão do novo governo ou excesso de exigência consigo mesmo, sair numa corrida desabalada para mostrar serviço e resultados logo. Tudo é um processo. E em andamento.

A PF já é um exemplo de eficiência e bate recordes, mesmo em tempos de orçamento curto e olhares tortos dos poderosos de plantão. Com dez mil homens (contra 20 mil do FBI nos EUA), apreendeu 60 toneladas de cocaína neste ano até agora e realizou 297 operações contra corrupção e desvio de recursos, sem incidentes graves.

O momento mais tenso foi em 6 de setembro, com a facada que quase matou Bolsonaro. Três dias antes, o diretor-geral da PF, Rogério Galloro, se reuniu com o candidato e pediu que tivesse mais cautela, usasse colete à prova de balas e evitasse ficar vulnerável em manifestações com milhares de pessoas. Ele não lhe deu ouvidos.

Galloro estava nos EUA, numa reunião com autoridades policiais do País, quando um assessor lhe mostrou a notícia pelo celular. Minutos depois, o delegado americano que se sentava à sua frente recebeu a mesma notícia. A reunião acabou abruptamente e ele voltou ao País.

Antes de passar o bastão para o seu velho colega e também delegado Maurício Valeixo, Galloro fica devendo uma espécie de balanço sobre sua curta gestão de menos de um ano, focando em duas investigações bem avançadas, mas sem conclusão: o próprio esfaqueamento de Bolsonaro, considerado até agora o um ato insano e solitário, e o assassinato de Marielle Franco. Neste caso, pode haver fortes novidades.

Se a expectativa nacional é de que Moro vire tudo do avesso, o mais provável é que continue e aprofunde ainda mais um bom trabalho que já vem sendo feito pela PF, MP, Receita e Justiça. Muito já foi feito, falta ainda muito a fazer.


Fernando Limongi: Ouviram do Ipiranga

Moro incorporou-se de corpo e alma ao projeto de Bolsonaro

Bolsonaro continua em campanha. Levantamento feito pela Folha de São Paulo mostrou que o ataque ao PT foi o tema dominante de suas entrevistas pós-vitória. Vale a comparação com Dilma que ignorou Aécio e anunciou que sua prioridade seria o combate à corrupção, que não deixaria 'pedra sobre pedra, doesse a quem doesse'. Como se vê, acusá-la de estelionato eleitoral é injusto.

Bolsonaro e seu fiel escudeiro Paulo Guedes parecem não se terem dado conta de que a eleição acabou e que agora lhes cabe a dura tarefa de ser governo. O Czar da economia sugeriu uma 'prensa' no Congresso, demonstrou descaso absoluto pelo orçamento em elaboração e afirmou que contrariar suas ideias seria contribuir com o retorno do PT ao Poder.

Eduardo Bolsonaro, requintado como de costume, afirmou que o próximo presidente da Câmara "tem que ter um perfil trator, porque a gente sabe como vai ser a oposição da esquerda". Contudo, se olhasse os números, o deputado concluiria que a esquerda foi batida nas urnas, que não terá força para barrar projetos do governo, incluindo os que exigirem quórum qualificado.

Até o momento, a despeito da profusão de propostas disponíveis, Guedes não se deu ao trabalho de apresentar detalhes de seu projeto para reformar a previdência. Propôs uma 'prensa' no Congresso por propor, um ato reflexo de quem tem o costume de tratar apenas com subordinados obedientes.

Mas o Czar precisará mudar seus hábitos e costumes para entender que seu posto, com ou sem a chancela Ipiranga, pede que ouça parlamentares eleitos pela sociedade para representá-la, parlamentares tão legitimamente eleitos pelas urnas quanto seu comandante.

De concreto, tudo que se ouviu de Guedes foi que ele teria sido o emissário do convite a Sergio Moro. Ou seja, o folclórico Posto Ipiranga virou uma franquia. Com a adesão de Moro, a equipe de Bolsonaro passou a contar com dois nomes de peso, celebridades com brilho próprio, capazes de ofuscar as notabilidades de aldeia -- Onyx, Bebianno, Malta e outros menos votados-- que cercam o presidente. O choque entre estes corpos de grandeza e órbita distintas é uma questão de tempo, crônica de uma morte anunciada.

O convite e o aceite de Moro dominaram o noticiário da semana. Provavelmente, este foi o mais alto e último ato da campanha de Bolsonaro. O magistrado incorporou-se, se é que já não o havia feito antes, de corpo e alma ao projeto político do presidente eleito. Na chegada, mostrando sua disposição para jogar para o time, perdoou Onyx Lorenzoni pelas propinas recebidas. Com certeza, o veterinário não será o único a receber o tratamento complacente reservado aos amigos que, imediatamente, deixam de ser brasileiros como os demais. Como declarou Bolsonaro no hospital, a questão central é a ideologia, não a corrupção.

O antipetismo radical e o conservadorismo moralista colocaram o capitão e o magistrado no mesmo barco. Moro não mostrou qualquer dificuldade para apoiar as propostas de Bolsonaro para a área da segurança pública, área em que se dará o verdadeiro combate ao crime organizado. Moro declarou ser favorável à redução da idade penal, ao porte de armas por civis e ao relaxamento do excludente de ilicitude.

Este último item é a mola mestra da proposta de Bolsonaro para a segurança pública. Seu ponto de partida se encontra na declaração do General Heleno, para quem "direitos humanos são para humanos direitos. Essa percepção muitas vezes não tem acontecido. Estamos deixando a desejar no combate à criminalidade". Ou seja, há dois tipos de cidadãos, os direitos e os 'vagabundos' e a aplicação da lei deve levar em conta esta distinção fundamental. Aceita tal premissa, segue a conclusão de Wilson Witzel: "Também tem de morrer. Está de fuzil? Tem de ser abatido". A visão de Bolsonaro - basta ver suas manifestações sobre a chacina da Candelária - segue a mesma toada.

Guardadas as devidas proporções, estes são os princípios que Moro usou ao privilegiar prisões preventivas como estratégia de combate à corrupção. Se o juiz está convencido do crime, não há porque adiar a execução da pena, pois tudo que resta à defesa é recorrer a chicanas legais para protelar a decretação da prisão. A possibilidade de o juiz formar juízo equivocado e agir de forma arbitrária é desconsiderada. E, no caso da Lava Jato, esta convicção passou a ser compartilhada com a Polícia Federal, como mostram os casos movidos contra as universidades federais de Santa Catarina e Minas Gerais.

Bolsonaro e os governadores eleitos no Rio e São Paulo querem que princípios análogos orientem a ação da polícia no combate à criminalidade. A premissa básica é a mesma: tudo que restaria aos 'vagabundos' seria a protelação da execução de suas penas. A diferença, contudo, é que caberá à autoridade policial fazer o julgamento e definir a pena que, no limite, pode ser a execução sumária. Em uma palavra, 'vagabundos' mereceriam ser tratados como cidadãos de segunda classe e como tais, na visão de Witzel, passíveis de serem abatidos com "tiros na cabecinha".

Moro classificou esta e outras ideias do presidente eleito e seus aliados como moderadas e razoáveis. Ao fazê-lo, deixou claro que sua adesão ao governo tem raízes profundas, que é um conservador convicto e engajado e que, enquanto tal, defende dotar de poderes excepcionais as autoridades encarregadas de reprimir o crime organizado.

Ou seja, Moro e os conservadores a quem aceitou servir desconsideram a conhecida máxima liberal, aquela que diz que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe de maneira absoluta. A proposta Bolsonaro para a segurança pública, em última análise, dota a autoridade policial de um poder ilimitado. Não há um pingo de razão e moderação neste tipo de proposta. Antes o contrário.

Não é a primeira vez que se ouvem brados vindos do Ipiranga. No de 1822, o conservadorismo autoritário prevaleceu sobre os princípios liberais.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.


Vinicius Torres Freire: Ministro terá poder de investigação do governo e informação sobre crimes financeiros

O ministério que Sergio Moro deve assumir não seria mais do que a velha pasta da Justiça não fosse a incorporação de duas instituições importantes: a CGU (Controladoria-Geral da União) e o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Com a CGU, Moro passaria a comandar uma espécie de polícia administrativa e a inspetoria do governo.

Com o Coaf, terá algum controle sobre uma agência de inteligência que recebe, analisa e encaminha ao Ministério Público e à polícia denúncias de lavagem de dinheiro e uso de recursos para fins criminosos, terrorismo inclusive.

Desde que foi criada, em 2003, a CGU teve ligação direta com o presidente da República —ora é um ministério. O Coaf é filho da lei de lavagem de dinheiro, de 1998, desde sempre abrigado no Ministério da Fazenda.

No mais, a Justiça de Moro vai reabsorver as polícias federais, deslocadas neste ano para o breve Ministério da Segurança.

Moro não será o xerife absoluto de CGU e Coaf, regulados por leis até bem estritas. Mas instituições podem ter sua atuação reforçada, ampliada ou até laceada, a depender de quem as comande e componha.

Além do mais, CGU e Coaf devem mudar, até porque serão necessárias leis para transferi-las para a Justiça e redefinir seus comandantes, pelo menos.

Não foi possível confirmar se Moro reivindicou a CGU, mas próximos de Jair Bolsonaro dizem que o futuro ministro pediu para ficar com o Coaf. Lê-se por aí que Moro levará apenas "parte do Coaf", o que ora não faz sentido.

A CGU avalia, audita, controla e pode investigar procedimentos, programas e servidores do governo inteiro.

É uma espécie de promotoria de defesa contra ineficiências, corrupção e outras irregularidades no Executivo. Agora, será subordinada a um ministro.

Quem vai comandá-la, com qual autonomia? Seja como for, um órgão de controle supraministerial estará sob Moro —como inspetor-geral, digamos, terá mais poder.

A lei de lavagem de dinheiro de 1998 obriga pessoas e instituições a prestar informações de transações suspeitas.

A lista de obrigados é aqui impublicável, de tão grande, mas o setor financeiro, seus órgãos de fiscalização e todos os envolvidos em transações de bens e serviços de grande valor estão obrigados a registrar ou notificar negócios a partir de certa monta ou suspeitos. Incluem-se aí transações financeiras, com imóveis, joias, arte e outros bens de luxo, produtos do agronegócio ou passe de atletas.

Tais informações devem ser enviadas ao Coaf, que pode requisitar dados cadastrais de pessoas, analisa o caso e reporta possíveis rolos ao Ministério Público ou à polícia. Órgãos muito parecidos existem em vários países civilizados. Gente graúda do Ministério Público diz que o Coaf funciona de modo razoável.

O Coaf não tem poder de investigação autônomo e no máximo aplica penas administrativas. É comandado por 11 conselheiros, funcionários de carreira indicados por vários ministérios e agências de Estado, com presidente nomeado pelo ministro da Fazenda. Vai mudar, claro. Mas como?

Em sua carreira, Moro trabalhou essencialmente com lavagem de dinheiro. Escreveu um livro sobre o assunto ("Crime de Lavagem de Dinheiro", Saraiva). Quer que as informações do Coaf sejam utilizadas para orientar sistematicamente a polícia e inquéritos.

No mais, sabemos apenas que os poderes e os inimigos de Moro não serão poucos.


Míriam Leitão: Governo terá briga de agendas

Novo governo vai ter que enfrentar o dilema de escolher em qual das suas agendas pretende investir a lua de mel do começo de mandato

O mercado financeiro acredita que a agenda prioritária do presidente eleito Jair Bolsonaro será a de reformas econômicas e já comemora por antecipação. O juiz Sergio Moro foi para o governo convencido de que será possível tocar a agenda anticorrupção. Bolsonaro deu sinais de que continua focado nas suas ideias sobre segurança, como liberação de armas, redução da maioridade penal e o “excludente de ilicitude" para proteger policiais. Enquanto isso, tem feito anúncios na política externa.

Apenas 11 países, dos 193 da ONU, têm relações com todos os membros e o Brasil é um deles. É um dos orgulhos da nossa diplomacia. Bolsonaro quer sair desse simbólico clube rompendo relações com Cuba. Um ato sem maiores motivos e ganhos. Avisou que será o terceiro país do mundo a transferir a embaixada brasileira para Jerusalém. Deveria ser lembrado do relevante comércio com os países árabes. A Liga Árabe tem 22 membros e a Conferência Islâmica, 57. Recados diplomáticos estão desembarcando em alguns ouvidos de que pode haver retaliação comercial por parte de países com os quais temos superávit comercial. A falta de prioridade do Mercosul foi dita com ênfase bem audível pelo futuro ministro da Economia. A Argentina é o maior comprador de manufaturados do Brasil.

Enquanto o governo Bolsonaro exercita sua diplomacia, já vai ficando claro que haverá no Congresso, no ano que vem, pelo menos três agendas em conflito. Em qual delas, o presidente eleito Jair Bolsonaro pretende investir a sua lua de mel? A econômica, a do seu pacote de segurança, ou o combate à corrupção.

O cientista político Carlos Pereira, da FGV, lembra o grande capital político que ele terá ao assumir.

— Minha impressão é que ele aprovará tudo o que quiser no Congresso no curto prazo, porque é um governo inaugural e que terá uma maioria homogênea com partidos de centro-direita.

Essa também é a convicção do cientista político Jairo Nicolau, da UFRJ. Mas ambos lembram que ele promete governar formando maiorias eventuais conforme o tema, sem base de sustentação definida, o que pode aumentar a dificuldade da negociação, em geral árdua, no Congresso.

Governar é fazer escolhas. Bolsonaro terá que fazê-las e dizer qual é a prioridade. Sua maior ênfase durante a campanha foi o fim do estatuto do desarmamento para liberar o porte de armas, a proposta que amplia o respaldo jurídico a policiais que matam em serviço, a redução da maioridade penal, além da sua pauta de conservadorismo nos costumes. São propostas polêmicas sobre as quais nem se sabe qual é a opinião do novo superministro da Justiça, Sergio Moro. Não se vai para um governo pela metade. Moro terá que respaldar essas ideias ou então convencer o presidente do contrário.

O juiz fez a aposta de risco ao trocar a sua carreira jurídica pela ida a um governo que tem encontro marcado com várias controvérsias. Analistas com quem tenho conversado concordam que foi um enorme gol do governo Bolsonaro e que o risco ficou todo para Moro.

Ele, pelo visto, acredita que conseguirá tocar o que está resumido no livro que empunhava no avião: as novas medidas contra a corrupção. Elas nasceram de um movimento que uniu várias entidades num belo trabalho interdisciplinar e que deu origem a uma lista de 70 medidas de uma agenda anticorrupção. Especialistas que participaram do processo de preparação, acham que se escolher tocá-las o governo vai economizar de 6 a 12 meses porque essa discussão prévia já amadureceu as medidas. Resta a dúvida: como fazer isso com uma base que tem PTB, PP e outros menos investigados?

Empresários e economistas do mercado financeiro fazem a aposta geral de que Bolsonaro tocará as reformas na economia, começando pela Previdência. Nesses primeiros dias de governo eleito, o que se ouviu da equipe que se forma foi a mais ruidosa cacofonia sobre que reforma é desejável. O presidente fala em aprovar a atual proposta, da qual Onyx Lorenzoni sempre discordou. Paulo Guedes tem técnicos formulando um projeto, e o economista Marcos Cintra falou em acabar com a contribuição previdenciária patronal e criar a CPMF, ideia que Bolsonaro negou de novo. Se a economia não for a prioridade haverá uma reversão de tendência no mercado.


Elio Gaspari: Moro no governo dos ‘humanos direitos’

Sergio Moro lustrou a biografia de Jair Bolsonaro e de seu futuro governo ao aceitar o superministério da Justiça. Foi um tiro na mosca, pois seu trabalho à frente da Lava-Jato tornou-se um marco na História da política nacional, faxinando a corrupção do andar de cima.

Ao se sentar na cadeira, será apresentado a outro tipo de corrupção sistêmica, aquela que ofende os direitos dos cidadãos. Ele entrará num governo em que o futuro ministro da Defesa, general da reserva Augusto Heleno, disse que “direitos humanos são basicamente para humanos direitos”. Desfolhando as mazelas da criminalidade nacional, acrescentou: “É um absurdo tratar isso como uma situação normal. É situação de exceção que merece tratamento de exceção”.

Quais tratamentos de exceção Moro sancionará, ninguém sabe.

O futuro governador do Rio de Janeiro, oficial da reserva da Marinha, singra um discurso apocalíptico e anuncia que “não vai faltar lugar para colocar bandido, cova a gente cava e presídio, se precisar, a gente bota em navio em alto-mar.” Pura demagogia, e Witzel conhece a história dessas cadeias flutuantes. Elas se chamavam “presigangas” e eram usadas na Colônia e no Império. A última “presiganga” de que se tem notícia funcionou no navio Raul Soares, onde puseram presos políticos em 1964.

Os discursos repressivos de hoje têm amplo apoio popular, o que os torna mais perigosos, pois quando ficar demonstrada a vacuidade do palavrório, os demagogos mudarão de assunto.

Sergio Moro diz que a sua prioridade será o combate à corrupção e ao crime organizado. Por falta de experiência na área criminal do andar de baixo, descobrirá isso quando cair sobre sua mesa o caso de alguma roubalheira que usava um posto de gasolina da Baixada Fluminense para lavar dinheiro da corrupção e do tráfico. Puxando os fios, como ele fez em Curitiba, será fácil descobrir poderes que se instalaram no século passado, sobreviveram à ditadura, aninhados nos desvãos dos DOI e ressurgiram com a redemocratização, sambando na avenida e negociando nos palácios.

Hoje, como sempre, os ferrabrás ganham desenvoltura quando sentem-se amparados pela opinião pública. Alguns ministros da Justiça, como Seabra Fagundes e Milton Campos, sentiram o cheiro de queimado e foram-se embora. Outros, como o professor Luís Antônio da Gama e Silva, redator do AI-5, inebriaram-se. Cada um escolhe seu caminho, e Moro escolherá o seu.

Pode-lhe ser útil a lembrança do que ocorreu com Carlos Medeiros Silva quando se sentou naquela cadeira, em 1966. Um coronel que servia no gabinete apresentou-se:

— Ministro, vim conhecê-lo. Sou o representante da linha dura aqui no ministério.

Medeiros era um mineiro miúdo e discreto. Cioso da autoridade, sobretudo da sua, respondeu:

— Coronel, agradeço muito seus relevantes serviços, mas o senhor está dispensado. Agora, o representante da linha dura aqui sou eu.

O ‘Posto Ipiranga’ contatou Moro
“Isso já faz tempo, durante a campanha foi feito um contato”, disse o general da reserva Hamilton Mourão na última quarta-feira.

O vice-presidente eleito referia-se à primeira sondagem da equipe do candidato Jair Bolsonaro para atrair o juiz Sergio Moro. O intermediário, segundo o general, foi Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” do capitão.

Segundo Moro, “isso não tem uma semana”. Portanto, teria acontecido depois do dia 27 de outubro. Mourão falou em “semanas”. Quantas?

Moro e Guedes prestariam um grande serviço à moralidade pública se esclarecessem a data precisa desse contato, até porque o próprio presidente eleito mostrou-se confuso ao tratar do episódio.

O esclarecimento seria desnecessário para qualquer outra pessoa, mas Moro interferiu no processo eleitoral no dia 1º de outubro, quando liberou um trecho da colaboração do ex-ministro petista Antonio Palocci. Foram 11 páginas de parolagem que ganharam a previsível repercussão, pois faltavam seis dias para o primeiro turno.

O “contato” teria ocorrido “durante a campanha”, o que é esquisito, mas seria jogo limpo. Se ele aconteceu antes da liberação do depoimento de Palocci, teriam sujado o jogo, e a conduta de Moro deveria ser analisada pelo Ministério Público e pelo Conselho Nacional de Justiça.

A ação do Judiciário está contaminada pela onipotência. Felizmente o Supremo Tribunal Federal derrubou todos os atos relacionados com o arrastão realizado em 17 universidades de nove estados nas últimas semanas. Todas as ações foram determinadas por juízes.

No início de outubro completou-se um ano do suicídio de Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina mandado para a cadeia por uma magistrada e proibido de entrar na instituição.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota, pretendia votar em Bolsonaro, mas digitou 13. Resolveu fazer uma assinatura da “Folha de S. Paulo”, para entender como o presidente eleito acabará com o jornal de Octávio Frias de Oliveira e de seus filhos.

Lendo o que disseram Jair Bolsonaro e seus oráculos, o governo pretende cortar a publicidade oficial de jornais e emissoras que mentem. Por cretino, Eremildo teme que acabem aqueles que recebem publicidade oficial para mentir.

Mercado e ‘mercado’
Paul Volcker acaba de publicar nos Estados Unidos um livro de memórias. Nele conta a sua épica batalha para derrubar a inflação de dois dígitos no final do século passado. É uma ode ao serviço público, escrita por um funcionário que, aos 91 anos, ainda usa o roupão que comprou em 1953.

Com 2,01 metros, Volcker foi para a direção do Fed em 1979. Ganhava US$ 110 mil anuais e mudou-se para Washington com US$ 57.500. Alugou uma quitinete de estudante e, uma vez por semana, levava para a casa da filha suas roupas sujas. A mulher do homem mais poderoso da finança mundial, diabética e sofrendo de artrite reumática, ficou em Nova York, teve que arrumar um emprego e alugou um dos quartos do apartamento do casal.

Para a turma do papelório:

Volcker refere-se dezenas de vezes ao mercado. Num trecho, lidando com o que seria a credibilidade do presidente do Fed na praça, escreveu “mercado”, entre aspas. Quem vive no Brasil sabe como são diferentes o mercado e o “mercado”.

Para quem está de olho em um cargo na ekipekonômica de Bolsonaro:

Um dia Volcker foi chamado à Casa Branca e levado para a biblioteca (onde não haveria grampo, acredita). Lá, diante de um silencioso presidente Ronald Reagan, o chefe da Casa Civil, James Baker, disse-lhe: “O presidente ordena que você não suba os juros antes da eleição”.

Volcker conta: “O que fazer? O que dizer? Fui-me embora, sem abrir a boca.”

Reagan já morreu, mas o chefe da Casa Civil, Baker, que está vivo, contestou apenas o fraseado e a palavra “ordena”. De qualquer forma, os juros ficaram onde estavam.


Merval Pereira: Os mesmos erros

Bolsonaro monta um governo baseado em reivindicações da sociedade como combate à corrupção e ao crime organizado

A última vez que isso aconteceu foi em 2003, quando houve uma troca de guarda na política brasileira, saindo o PSDB que governara o país por 8 anos, chegando o PT. Os que saiam cometeram o mesmo erro que os perdedores de agora, jogavam no fracasso dos entrantes. Era voz corrente entre tucanos que Lula e seus sindicalistas, por falta de experiencia, não conseguiriam governar sozinhos e procurariam os primos da social-democracia para uma ampla aliança política. O mesmo Aloisio Mercadante que levou o PT a não apoiar o Plano Real, chamando-o de estelionato eleitoral, agora comanda a estratégia de acusar Moro por ter aceitado ser ministro de Bolsonaro.

Deu no que deu. O PT ficou 13 anos no poder, e enraizou-se de tal maneira na máquina administrativa brasileira que, das tarefas principais do novo governo, está a de desaparelhar o Estado. E ainda esnobou os companheiros de esquerda política, empurrando-os para a direita do campo partidário, acusando-os de terem legado uma “herança maldita”.

Roubou ideias originais dos governos tucanos e melhorou-as, acabando por ter o Bolsa-Família como carro chefe de seu programa de governo, que o salvou da derrota política quando a classe média e o eleitorado das cidades grandes começaram a abandoná-lo devido às denúncias de corrupção.

O PT foi para o Nordeste e lá fincou raízes que o permitiram manter um naco ponderável do eleitorado, o que levou Fernando Haddad para o segundo turno em 2018. Um mérito inegável do governo de Lula foi trazer para o centro do debate político a desigualdade social, graças ao faro político desse que ainda é, mesmo da cadeia, o maior líder popular do país.

A desordem econômica instaurada no governo Dilma, poste que Lula pensava comandar, e a corrupção que financiava o projeto de poder permanente do PT desde os primeiros momentos do primeiro governo Lula, provocaram a maior crise econômica que o país já viveu, e levaram pelo ralo os avanços sociais conseguidos.

Paradoxalmente, foi a classe média baixa e os emergentes sociais que deram o sinal de alarme contra os governos petistas. Tendo perdido muito, e com medo de perder mais ainda, retrocedendo na escala social, sentiram-se ameaçados pelos desmandos petistas. Ao lado da agenda social que ele mesmo conseguiu desmontar, o PT ampliou agendas de costumes conectadas com as das mais avançadas democracias do ocidente, o que foi um ganho civilizatório, mas ofendeu essa mesma classe média, que viu crescentemente afetados seus valores.

É esse eleitor que, desde 2005 quando estourou o mensalão, vem fazendo lento retorno à direita, que explodiu em 2013 nas manifestações contra os péssimos serviços públicos oferecidos, em contraposição à roubalheira generalizada. O movimento foi concluído agora em 2018 com a eleição de Bolsonaro, que se beneficiou da falência do esquema partidário montado de comum acordo entre PT, PSDB e MDB.

Se não houvesse contemporizado com seus corruptos, e se se negasse a participar do governo Temer quando a gravação com o empresário Joesley Batista explicitou o que todos sabiam, mas estava acobertado por um governo que ia na direção correta na recuperação da economia devastada pelo petismo, o PSDB poderia ter sido o grande beneficiário da crise política, e Bolsonaro talvez estivesse disputando votos com o Cabo Daciolo.

Mas os tucanos se lambuzaram, e não entenderam o que se passava na alma do brasileiro médio. Quem entendeu foi Bolsonaro, que agora monta um governo baseado na dupla reivindicação da sociedade: combate à corrupção e ao crime organizado, que colocam em pânico as famílias, e desmonte do sistema de poder que dominou a cena politica nos últimos 25 anos.

O economista Paulo Guedes passou anos escrevendo contra o que chamava de conluio social-democrata que atrasava o país, colocando PT e PSDB no mesmo saco. O juiz Sérgio Moro foi o líder do combate à corrupção no país, e levou para a cadeia grande parte do antigo regime, apartidariamente. A maioria dos que estavam soltos foi defenestrado pelo eleitorado.

O PT, assim como fez com o Plano Real e quebrou a cara, permitindo que os tucanos ficassem oito anos no poder, agora joga no fracasso do novo governo. Se não fizer muita besteira, Bolsonaro pode se transformar em uma espécie de Lula da direita, e será o primeiro presidente sem ser do PT a gerir o Bolsa-Família. Terá chance de provar para os mais pobres que não é apenas Lula quem é capaz de cuidar bem deles. Já penetrou no Nordeste mais que qualquer outro nesta eleição, e poderá tirar do PT esse eleitorado cativo.


João Domingos: O presidenciável

Ao aceitar o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro se torna candidato ao Planalto

No momento em que aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro credenciou-se para se candidatar à sucessão do próprio chefe, caso prospere a ideia de Jair Bolsonaro de acabar com a reeleição. Ou até para concorrer com Bolsonaro, se a reeleição for mantida e o capitão reformado do Exército se sentir tentado a buscar um outro mandato.

Esse será o caminho de Moro. Por mais que ele e Bolsonaro digam que o cargo de ministro serve para que o governo central assuma o combate à corrupção e ao crime organizado, e que, depois, o juiz de Curitiba será nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) quando uma vaga surgir, o fato é que, hoje, Moro está credenciado a disputar a próxima eleição para a Presidência da República.

A nomeação de Sérgio Moro para um superministério da Justiça a ser criado é também o pagamento de uma promessa de campanha feita por Bolsonaro ao eleitor que o elegeu, um eleitor que parece dar mais importância ao combate à corrupção do que às questões econômicas. Não que o nome do juiz estivesse vinculado à promessa. Mas, ao nomeá-lo, a identificação de uma coisa com a outra foi imediata. O eleitor talvez não tenha votado em Bolsonaro porque ele gosta de Bolsonaro. Ele votou no capitão porque este assumiu um discurso anti-PT e anticorrupção, e se propôs a ser aquele que virá demolir tudo para que algo novo nasça. Essa é a visão que uma boa parte do eleitorado vencedor tem daquele a quem deu o voto.

Alguém pode discordar de tudo isso. E certamente muitos vão discordar. O fato é que Bolsonaro venceu a eleição ao se opor ao PT, ao sistema político, aos esqueminhas e esquemões que costumam capturar governos e os tornam reféns do fisiologismo. Tanto é que, ao nomear Moro, Bolsonaro foi criticado por aliados e opositores, pois ele pôs no jogo político um nome que tem tudo para construir uma carreira política a partir de agora. O eleitor vibrou, ao contrário do status quo político, que aguarda a hora de botar a faca no pescoço de Bolsonaro em nome da governabilidade.

Quanto a Moro, mesmo que ele venha a dizer que não quer se tornar um político, como disse em 2016, numa entrevista ao Estado, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça ele se tornou político. Porque o cargo é político. Porque Moro tem vocação política. Na entrevista ao Estado, Moro chegou a dizer que jamais seria político. Estava enganado. Sua carreira de êxito na magistratura foi pontuada por atos políticos. Quando, em 2016, atropelando o relógio, divulgou o conteúdo de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, à véspera do impeachment, ele tomou uma decisão política. Por ela foi advertido. Se não tivesse divulgado o teor do grampo, que mostrava as manobras para dar foro privilegiado a Lula e livrá-lo de uma ordem de prisão, Dilma talvez não tivesse sofrido o processo de impeachment. Foi um gesto tão político que mudou a História.

Quando o juiz autorizou o acesso público a parte do conteúdo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, a uma semana do primeiro turno da eleição de 2018, Moro tomou uma decisão política, mesmo que no limite do que orienta a Lei Orgânica da Magistratura.

Moro sabe que, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça, ele deixa de ser o juiz de Curitiba reconhecido mundialmente pelo combate à corrupção e ao crime organizado. Passa a ser um superministro da Justiça com uma missão complexa. Se tudo der certo, e sua passagem pela Justiça resolver questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado, será empurrado para o próximo passo, o de tentar ser o presidente da República do combate à corrupção e ao crime organizado.


Bernardo Mello Franco: Moro será colega de clientes em potencial

Moro descumpriu a promessa de não entrar na política. Agora será colega de figuras com o mesmo perfil da sua clientela em Curitiba

Ao virar ministro de Jair Bolsonaro, Sergio Moro contraria suas próprias palavras como chefe da Lava-Jato. O juiz repetiu diversas vezes, nos últimos anos, que “jamais” aceitaria entrar na política.

“Não existe jamais esse risco”, ele garantiu ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2016. “Não seria apropriado da minha parte postular qualquer espécie de cargo político, porque isso poderia, vamos dizer assim, colocar em dúvida a integridade do trabalho que eu fiz até o presente momento”, reforçou à revista Veja, em 2017.

O cargo de ministro da Justiça é político por natureza. Por lá passaram raposas como Nelson Jobim e Renan Calheiros. A pasta também projetou futuros presidentes, como Epitácio Pessoa e Tancredo Neves. Na equipe de Bolsonaro, Moro já é cotado como opção para 2022.

Fãs incondicionais do juiz aplaudiram a mudança de emprego. Não foi uma reação unânime. José Carlos Dias, ministro de FH, considerou a troca “lamentável”. “Mostra um partidarismo, uma posição política que é absolutamente contrária à índole do magistrado”, disse.

Carlos Ayres Britto, ex-presidente do STF, foi além. “Esse tipo de mudança de camisa, tão rapidamente, projeta no inconsciente coletivo (...) uma imagem pouco favorável dos membros do Poder Judiciário”, afirmou.

Na nova função, Moro será colega de políticos com o mesmo perfil de sua clientela em Curitiba. O juiz já disse que a prática de caixa dois é pior que a corrupção. Agora se sentará ao lado de Onyx Lorenzoni, que admitiu ter recebido R$ 100 mil “por fora” da JBS. Ontem o futuro chefe da Casa Civil estava eufórico com o “sim” do juiz.

O presidente eleito também festejou, e com razão. Símbolo dos feitos da Lava-Jato, Moro emprestará prestígio e popularidade ao novo chefe. Num acesso de sinceridade, Bolsonaro reconheceu que a atuação do juiz o “ajudou a crescer politicamente”. Impossível discordar.

A médio prazo, a escolha embute alguns riscos. O que acontecerá se a PF prender aliados importantes do novo governo? O ex-prefeito Cesar Maia lembra outro detalhe que pode virar problema. Ao convidar Moro, o capitão ignorou uma máxima de políticos mais experientes: “Nunca nomeie quem você não pode demitir”.


Ricardo Noblat: Moro, de servidor a serviçal

Passo em falso

Dê-se de barato, quando nada só para argumentar, que havia prova de sobra no processo do tríplex do Guarujá para condenar o ex-presidente Lula como o fez o juiz Sérgio Moro. Não é o que dizem centenas de juristas, mas tudo bem. É jogo jogado. Sobre o sítio de Atibaia, caso a ser julgado em breve, até petistas coroados admitem que o processo esteja estufado de provas e que Lula não escapará a outra condenação.

Mesmo assim, convenhamos: ao aceitar ser ministro da Justiça do futuro governo de Jair Bolsonaro, Moro ofereceu de graça aos seus detratores farta munição para que o ataquem, e também à Lava Jato. E para que lancem dúvidas sobre sua isenção. O juiz que removeu Lula do caminho de Bolsonaro acolhe feliz da vida o convite para servir àquele que mais se beneficiou de suas sentenças. Esquisito, não? Para dizer o mínimo.

Moro havia jurado mais de uma vez nos últimos anos que jamais entraria para a política e que sua vocação era de magistrado. Deu o dito pelo não dito, mas até aí problema dele. Cada um emporcalha ou lustra ao seu gosto a própria imagem. Acontece que Moro de há muito deixara de ser apenas um juiz destemido que teve a coragem de bater de frente com a corrupção. Por seus méritos, fora alçado à condição de uma ideia.

A saber: ideia de que a força de vontade, se amparada em bons propósitos, pode vencer o mal; ideia de que a justiça, por mais que subordinada a interesses poderosos, preserva a capacidade de se impor em momentos exemplares; por fim, ideia de que apesar da vergonha e da frustração com seus líderes, o povo conserva a força de varrê-los e de promover mudanças na hora que quiser.

É cedo para concluir que tais ideias foram ou irão pelo ralo. Mas não é cedo para supor que elas possam ter sofrido um forte abalo. Um dos atributos da magistratura é sua independência. Outra, o apartidarismo. O juiz que se descobre mais afinado com a política do que com a toga tem o direito de trocar de lado. Mas para que faça isso sem ferir a sensibilidade coletiva há que se dar algum tempo. Moro não se deu, e nem a ninguém.

O juiz que outro dia deu as costas no aeroporto de Brasília ao capitão faminto por notoriedade que lhe batia continência foi o mesmo que voou apressado ao encontro do capitão eleito presidente para lhe bater continência como um soldado raso diante de um superior. Conceda-se que não o fez encantado com o posto que lhe ocupará por dois anos, mas sim com a vaga de ministro a ser aberta no Supremo Tribunal Federal.

E daí? Só jogador de futebol muda de camisa da noite para o dia à primeira proposta de subir na carreira. A Lava Jato, por artes e manhas do próprio Moro, ganhou uma dimensão histórica que não deveria ter sido maculada por qualquer ação do seu principal responsável. Ela vai muito além da roubalheira que descobriu, da dinheirama que recuperou e dos criminosos de alto quilate que puniu recolhendo-os ao xilindró.

Gerações de juízes em formação, e as futuras, ouvirão falar muito do momento em que um grupo de servidores da lei ousou escancarar os vícios de um sistema político em acelerado processo de degradação. Infelizmente, também ouvirão falar do momento em que o esforço tão admirável de passar o país a limpo levou um tranco formidável por conta do ato de um servidor que decidiu se servir e foi promovido a serviçal.