Maduro

Elio Gaspari: A radioatividade do capitão

Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada

Quando o senador Tasso Jereissati disse que até a eleição do ano que vem “as instituições precisam ser fortes, trincar os dentes”, ele sabia do que estava falando. Semanas depois dessa advertência, o capitão fritou de forma espalhafatosa o presidente da Petrobras, com as consequências que são conhecidas.

Como escreveu o economista Gustavo Franco: “Boa tarde, Venezuela”. Bolsonaro e Hugo Chávez assemelharam-se na largada. Ambos foram militares indisciplinados, ambos mantiveram relações agrestes com as instituições e ambos encantaram-se com o apoio de modalidades milicianas. Se Chávez foi para a esquerda, esse oportunismo vem a ser irrelevante. Nos dois casos, a mola propulsora era a busca e a manutenção do poder.

Com a fritura de Roberto Castello Branco, o capitão mostrou sua forma rombuda de governar. Na sua sala de troféus estão as cabeças de Gustavo Bebianno, o advogado que se juntou a ele quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. (Foi Bebianno quem levou Paulo Guedes ao deputado.) Ao lado dessa cabeça estão as de Sergio Moro, Luiz Henrique Mandetta e a do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Dispensar colaboradores faz parte do jogo, e o general francês Charles De Gaulle ensinou que a ingratidão é um dever do governante. Espalhafato e falta de argumentos racionais nada têm a ver com isso, sobretudo quando se vê o equilíbrio com que Bolsonaro e seus filhos tratam o miliciano Fabrício Queiroz.

Seria injusto, contudo, atribuir apenas à radioatividade de Bolsonaro o desfecho das crises que alimenta. Todos os colaboradores que dispensou eram maiores de idade quando foram para o aglomerado contagiante de seu governo, inclusive o superministro Paulo Guedes, que lá continua, de máscara.

O ectoplasma que se denomina “mercado” mostra-se perplexo com a conduta de seu capitão. Há hipocrisia nisso. Enquanto fritava Castello Branco, Bolsonaro nomeava Paulo Skaf, presidente da Fiesp, para o Conselho da República. O andar de cima acreditou na própria esperteza e deu-se mal. Esqueceram que, em 1999, o deputado Jair Bolsonaro defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso.

Frias, a alma da ‘Folha’

Boa parte da alma dos jornais vem da alma de seus donos. A “Folha de S. Paulo” comemorou seu primeiro centenário e, num pequeno e delicado artigo, a jornalista Ana Cristina Rosa retratou a alma de Octávio Frias de Oliveira, seu dono de 1962 a 2007. Quando Frias morreu, a empreitada ficou com seus filhos.

A história contada por Ana Cristina Rosa diz tudo. Há 20 anos, ela era uma jovem jornalista e, ansiosa e insegura, foi entrevistar o Frias (ele tinha horror a que o chamassem de “senhor”). Na saída, presenteou a moça com um livro e, na dedicatória, chamou-a de “terrível inquisidora”.

Ela agradeceu:

— Esse seu ‘terrível’ tem duplo sentido, mas vou tomar como elogio. Obrigada. Ah, e vou guardar bem este livro para apresentar aqui na ‘Folha’ quando eu precisar de emprego.

Frias respondeu:

— O sentido é único e está bem claro. Quanto ao emprego, é seu quando quiser. E não precisa trazer o livro.

Esse era Frias. Gentil, abertamente afetuoso e, acima de tudo, atento. Sua alma ficou no jornal.


Cristina Serra: Itamaraty acovardado

Governo adotou postura indigna e covarde de submissão aos senhores da guerra

O secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, usou o território brasileiro para bater os tambores da guerra, hostilizar a Venezuela e desfilar sobre o tapete vermelho da sabujice estendido pelo governo Bolsonaro.

A cruzada persistente de Trump contra nosso vizinho ecoa a de Bush filho contra o Iraque, que resultou na invasão do país, em 2003, em nome das armas de destruição em massa de Saddam Hussein, nunca encontradas. Coincidência que os dois países tenham imensas reservas de petróleo? Curiosa é a preocupação democrática seletiva dos EUA, aliados inabaláveis da Arábia Saudita, um dos regimes mais repressivos do mundo.

Felizmente, a presença de Pompeo aqui, em plena campanha de reeleição de Trump, foi contestada por lideranças das mais variadas filiações políticas e matizes ideológicos.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a considerou uma "afronta". Seis ex-chanceleres, que serviram aos governos Collor, Itamar, FHC, Lula e Temer, lembraram que a Constituição brasileira preconiza a independência nacional, a autodeterminação dos povos, a não intervenção e a defesa da paz.

A Venezuela de Nicolás Maduro está enredada em um labirinto, com uma democracia degradada, instituições em colapso, graves violações aos direitos dos cidadãos e uma crise econômica agravada pelas sanções norte-americanas, conforme registrado seguidamente pela alta-comissária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Michele Bachelet. Até o fim deste ano, estima-se o êxodo de até seis milhões de venezuelanos. Uma tragédia humanitária sem precedentes na América Latina.

É imperativo encontrar mecanismos de mediação entre governo e oposição para uma plena restauração democrática no país fronteiriço. A diplomacia brasileira tem história e reputação internacional na construção da paz. Mas, sob Bolsonaro, preferiu adotar a postura indigna e covarde de submissão aos senhores da guerra.


José Casado: Planos para uma guerra

É novidade a sincronia entre Brasília e Washington no planejamento do cerco militar ao regime de Caracas

Na sexta-feira, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, acabou enredado num roteiro quase cômico. Saiu de Washington, parou em Boa Vista, xingou o ditador vizinho Nicolás Maduro, desafiando-o a sair no braço, voltou ao avião e foi embora. Teve como coadjuvante o chanceler Ernesto Araújo, burlesco cruzado do obscurantismo bolsonarista, para quem um agente “comunista-globalista” é o responsável pela morte de mais de 137 mil brasileiros — o “comunavírus”.

Da visita de Pompeo, ex-chefe da CIA, restou o eco da investida contra o líder da cleptocracia venezuelana, qualificado como narcotraficante. Nada de novo, tudo verdade.

Inovador foi o aval do governo Jair Bolsonaro a um diplomata estrangeiro para usar o território brasileiro num ataque a governo vizinho. Esse delito constitucional foi flagrado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Desde a redemocratização, interferências indevidas na política dos vizinhos eram feitas no exterior. Lula, por exemplo, fez comícios na Venezuela pela reeleição do ditador Hugo Chávez e mobilizou a marquetagem do PT para ajudar a eleger o sucessor Maduro, enquanto a Odebrecht pagava as contas.

Outra novidade foi a sincronia entre Brasília e Washington no planejamento do cerco militar ao regime de Caracas. Mobilizaram-se três mil soldados brasileiros, satélites e baterias de foguetes, levadas por 4,6 mil km, numa simulação de guerra convencional na fronteira Norte.

A “Operação Amazônia” acaba amanhã. Foi desenhada junto com a “Poseidon” no Caribe, conduzida pelo Comando Sul dos EUA com tropas colombianas. O cerco a Maduro incluiu Guiana e Suriname, que disputam limites no Atlântico com a Venezuela para exploração de petróleo. Pompeo visitou-os e saiu com acordos de livre trânsito para os aviões do Pentágono.

Ontem, em Brasília, parlamentares preparavam “moção de censura” ao secretário americano pela cena insólita em Boa Vista. Alvo errado. Foi Bolsonaro e o seu chanceler que jogaram o Brasil num plano de guerra contra a Venezuela, e com explícito desprezo ao Congresso.


Luiz Carlos Azedo: Senhor da guerra

Mike Pompeo, o secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente da Venezuela, Nicolas Maduro

A inusitada visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a um campo de acolhimento de venezuelanos refugiados em Boa Vista (RR) foi uma evidente provocação política, cujo objetivo é escalar as tensões entre a Venezuela e seus vizinhos. E, com isso, dar uma mãozinha para a campanha eleitoral do presidente Donald Trump, que está perdendo a reeleição para o candidato do Partido Democrata, Joe Biden. O Brasil armou o circo porque interessa ao presidente Jair Bolsonaro a vitória de seu amigo republicano. A eleição de um democrata provocaria o colapso da política externa desenvolvida pelo chanceler Ernesto Araújo, considerada um desastre por seus colegas mais experientes do Itamaraty.

O que o Brasil ganhará em troca? Em princípio, 30 moedas, ou seja, US$ 30 milhões para auxiliar a assistência social aos imigrantes. Não chega nem perto do que estamos perdendo em investimentos em razão da política ambiental de Bolsonaro, embora o presidente da República diga que é a melhor do mundo. Só no Fundo da Amazônia, Noruega e Alemanha, que suspenderam seus investimentos, foram responsáveis por 99% dos R$ 3,3 bilhões destinados à proteção da Amazônia. Voltemos à visita de Pompeo. O secretário de Estado norte-americano não deixou dúvida de que sua visita teve como objetivo trabalhar pela derrubada do presidente Nicolas Maduro. Todo presidente dos Estados Unidos que está perdendo as eleições gosta de exibir seus músculos na política externa.

Do Brasil, Pompeo viajou para a Colômbia, cuja fronteira com a Venezuela é o ponto mais quente das tensões na América do Sul. O presidente Ivan Duque é outro aliado incondicional de Trump, que mantém assessores e aviões norte-americanos em território colombiano. Antes, Pompeu havia estado no Suriname e na Guiana, que também vive um estresse com a Venezuela, com o agravante de que sua fronteira nunca foi reconhecida pelos venezuelanos. Na Guiana, Pompeo voltou a criticar Maduro: “Sabemos que o regime de Maduro dizimou o povo da Venezuela e que o próprio Maduro é um traficante de drogas acusado. Isso significa que ele tem que partir”, afirmou. Para a situação política no país vizinho, a provocação só teria consequência prática se houvesse uma intervenção. Afora isso, fortalece a unidade das Forças Armadas venezuelanas e endossa a narrativa de Maduro para reprimir a oposição.

Operação Amazônia
Entretanto, vejam bem, a declaração que Pompeo deu em Boa Vista (RO) foi enigmática quanto ao que os Estados Unidos pretendem realmente fazer. Questionado sobre quando o ditador Nicolás Maduro deixará o poder, respondeu que em casos como a Alemanha Oriental, Romênia e União Soviética, todo mundo fazia a mesma pergunta. “Quando esse dia vai chegar? Ninguém imaginava, mas aconteceu”. Pompeo é ex-diretor da CIA, a agência de inteligência dos Estados Unidos, que se especializou em fomentar conflitos entre países vizinhos e guerras civis.

Republicano, Pompeo é um político reacionário do Kansas, que se destacou no Congresso norte-americano por combater o movimento LGBTQIA+. Também foi um dos proponentes de um projeto de lei que proibiria o financiamento federal de qualquer grupo que realizasse abortos, e outro que incluiria nascituros entre os categorizados como “cidadãos” pela 14ª Emenda. Ele também votou a favor da proibição de informações sobre o aborto em centros de saúde escolares e pela proibição de financiamento federal à Planned Parenthood e ao Fundo de População das Nações Unidas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em razão das declarações de Pompeo, emitiu uma nota com duras críticas à visita do secretário de Estado. Deve saber de mais coisas sobre a conversa entre secretário norte-americano e o chanceler brasileiro. A visita também coincide com a mobilização de tropas, equipamentos e armamentos para a Operação Amazônia, que faz parte do Programa de Adestramento Avançado de Grande Comando (PAA G Cmdo), envolvendo mais de 3.000 militares, de cinco comandos diferentes. A operação será realizada nas proximidades de Manaus, até 23 de dezembro, portanto, bem longe da fronteira com a Venezuela.

O Ministério da Defesa e os comandos de Exército, Marinha e Aeronáutica nunca foram favoráveis à escalada de tensões com a Venezuela, embora tenhamos mais homens, tanques, embarcações e aviões do que o país vizinho. As vantagens venezuelanas são os 24 caças SU-30, os helicópteros Mi-17, os tanques T-92 e os mísseis S-300, capazes de atingir com precisão alvos a 250km, todos de fabricação russa e entre os melhores do mundo. Mas, o grande trunfo de Maduro é o apoio ostensivo do presidente Vladimir Putin, da Rússia, que adora jogar uma boia para ditadores que estão se afogando, e a discreta, mas robusta, ajuda econômica da China. Na proposta de atualização da Política Nacional de Defesa, enviada pelo governo ao Congresso, pela primeira vez, desde a Guerra Malvinas, o Brasil admite a possibilidade de um confronto militar com um país vizinho.

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El País: Maduro acusa Bolsonaro e pede mediação de “países amigos” para conflito com os EUA

O líder chavista acusou o presidente brasileiro de querer provocar um “conflito armado” contra a Venezuela

Nicolás Maduro revelou ontem que pediu que a Espanha e “outros países amigos” criem um grupo de apoio para facilitar o diálogo diante das eleições parlamentares deste ano na Venezuela e que ajudem o regime em sua ofensiva contra as sanções dos EUA. “Oxalá o presidente argentino Alberto Fernández nos ajude com isso. Também fizemos saber à Espanha, ao Panamá, ao México e à União Europeia” que foi iniciada uma ofensiva internacional no Tribunal Penal Internacional, onde nesta semana o ministro das Relações Exteriores Jorge Arreaza interpôs uma ação contra o presidente Donald Trump pelas sanções contra a Venezuela, que qualificou como um “chamamento à guerra” por parte dos Estados Unidos. Maduro agora recorre a Haia, onde desde 2019 repousa uma ação interposta por seis países (Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Canadá e Paraguai) contra ele, acusando-o de crimes contra a humanidade durante a violenta repressão às jornadas de protesto de 2014 e 2017, disse o líder chavista, que aproveitou para qualificar o conteúdo da conversa entre a número dois do regime, Delcy Rodríguez, e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, de “secreto”.

Em uma entrevista coletiva realizada no palácio de Miraflores, em Caracas, o líder chavista disse que entre esses “países amigos” estariam Argentina, México, Panamá, Rússia e também a União Europeia. O líder bolivariano ressaltou a importância de que esse diálogo, para o qual disse contar com a disposição do presidente argentino, aconteça antes das eleições legislativas para conseguir um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) “de consenso”. A oposição rejeita a atual composição do órgão eleitoral dominado por chavistas e estão fora do diálogo novas eleições presidenciais que resolvam a crise institucional que o país enfrenta desde que Maduro tomou posse em seu segundo mandato, em 2019, depois de eleições consideradas fraudulentas. “Na Venezuela acontece uma das guerras mais importantes do século XXI e por isso divulgamos a verdade sobre o nosso país para exigir justiça ao mundo inteiro. Quando conseguimos um lote importante de medicamentos em algum país e estamos prontos para trazê-lo, chega uma ordem, retiram a carga e o paciente que está na Venezuela fica sem seu medicamento”, afirmou.

Esta seria a quarta rota de conversações e mediação que se abriria no último ano, depois do fracasso das reuniões do Grupo Internacional de Contato às quais se uniu o Grupo de Lima para promover uma transição política na Venezuela, da suspensão das negociações de Oslo e Barbados e da Mesa de Diálogo Nacional, à qual se juntou recentemente o ex-presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que em 2016, 2017 e 2018 também liderou tentativas de diálogo.

Maduro considerou também que “esse processo de diálogo deveria conhecer todas as ações perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) para exigir a cessação de todas as medidas coercitivas contra a Venezuela por parte do Governo dos Estados Unidos”. Maduro referiu-se à denúncia apresentada quinta-feira por seu ministro das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, perante o TPI pelos supostos crimes contra a humanidade propiciados pelas sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela. “Oxalá esse grupo de países amigos diga a ele e faça com que entenda e defenda perante o Governo dos Estados Unidos o direito da Venezuela ao seu desenvolvimento econômico sem medidas persecutórias, coercitivas e criminais”, sugeriu.

Durante a coletiva Maduro também abriu fogo contra o Brasil. “[O presidente] Jair Bolsonaro está por trás das ameaças terroristas contra a Venezuela e os está arrastando a um conflito armado com a Venezuela por amparar terroristas”, disse em referência aos militares venezuelanos que se asilaram no país vizinho depois de um ataque a um depósito de armas no sul da Venezuela. Lembrou que este fim de semana realiza um novo exercício militar com mais de dois milhões de soldados e milicianos para o qual a artilharia foi mobilizada. Mísseis russos BUK foram expostos na base militar de La Carlota, em Caracas.

O líder chavista disse também que na Espanha há uma campanha contra a Venezuela, mas que as pesquisas realizadas no país atestam que a maioria o considera presidente constitucional. Às perguntas de um correspondente e na presença de sua número dois, a vice-presidenta Delcy Rodríguez, Maduro se referiu pela primeira vez ao incidente no Aeroporto de Barajas, em 24 de janeiro, em torno do encontro entre Rodríguez e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, que provocou uma tempestade no panorama político espanhol. A vice-presidenta venezuelana está proibida de entrar no território Schengen devido às sanções impostas pela União Europeia.

Maduro brincou, entre risos da própria Rodríguez e de outros ministros, sobre o conteúdo da conversa e disse que inventaram uma novela. “Na Espanha fizeram uma novela, a Delcygate. Isso é secreto. Ela terá de contar”, disse. “Delcy passou pelo aeroporto da Espanha e seguiu seu rumo. Deixou lá nosso ministro do Turismo [Félix Plasencia], que cumprimentou o Rei, empresários e ministros espanhóis. Mas a direita espanhola queria prendê-la e humilhá-la. Delcy morou seis anos em Londres e cinco em Paris, é quase europeia, fala bem inglês e francês. Os amigos dela são europeus. Parem de perseguir a Venezuela.”

Ábalos teve que dar explicações sobre sua reunião no Aeroporto de Barajas nesta quarta-feira no Congresso, na sessão de controle do Executivo. Quando a reunião foi revelada, o ministro dos Transportes negou que tivesse acontecido. Depois mudou sua versão e reconheceu que houve “uma saudação que durou entre 20 e 25 minutos”. Um relatório policial ao qual o EL PAÍS teve acesso confirmou que Rodríguez não entrou em território europeu, mas detalhou que a reunião durou “aproximadamente uma hora”.

O líder chavista reiterou sua disposição de realizar eleições parlamentares, que por mandato constitucional devem acontecer até o fim deste ano. Disse estar disposto a dar algumas garantias, como a eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral, que deixaria a cargo da atual Assembleia Nacional, mas aquela dirigida pela junta paralela de Luis Parra, a que Maduro reconhece.

Por outro lado, voltou a lançar ameaças de prisão contra o presidente encarregado reconhecido por 60 países e chefe do Parlamento, que voltou a desafiar as proibições de saída do país impostas pela Justiça venezuelana para fazer uma turnê internacional. “No dia em que os tribunais expedirem o mandato de prender Juan Guaidó por todos os crimes que cometeu, ele será detido. Esse dia ainda não chegou, mas chegará.”

Por último, e em referência ao retorno do presidente encarregado Juan Guaidó à Venezuela depois de sua turnê internacional, Maduro disse que estão sendo avaliadas as medidas que serão tomadas contra membros do corpo diplomático credenciado no país, que voltaram a acompanhar o líder da oposição em seu retorno ao país “O embaixador da França [Romain Nadal] se imiscuiu mais uma vez em assuntos internos. Estamos avaliando a resposta e vamos avaliar os casos um por um e veremos se nossa resposta é que nossos embaixadores convoquem mobilizações em oposição aos Governos desses países, se transformarmos em um caos em relações diplomáticas e políticas no mundo ou que respeitem” advertiu.


El País: Asilo a soldados venezuelanos renova tensões entre governos de Bolsonaro e Maduro

Militares suspeitos de ataque a base do Exército cruzaram a fronteira desarmados e pediram refúgio, segundo o Executivo brasileiro

A recente entrada no Brasil de cinco soldados venezuelanos suspeitos de um ataque a uma base militar no sul da Venezuela, no dia 22 de dezembro, renovou as tensões bilaterais. Nos últimos meses, centenas de militares abandonaram suas unidades e atravessaram a fronteira dos países vizinhos, sobretudo a Colômbia, em resposta a um chamado de Juan Guaidó, reconhecido por mais de 50 países como presidente da Venezuela. Desta vez, o impacto é diferente, já que Nicolás Maduro os vinculou diretamente ao ataque a um posto avançado no sul do país em que morreu um militar e foram roubados fuzis e lançadores de foguetes, dos quais a maioria foi recuperada, segundo Maduro.

No fim de semana passado, Maduro pediu que o Brasil entregue os cinco militares. A Venezuela culpou pelo ataque a Colômbia, o Peru e o Brasil, que, embora sejam todos governados por opositores do chavismo, negaram com veemência participação no ataque. Em um discurso diante de militares, Maduro se referiu ao caso e revelou que os soldados venezuelanos foram perseguidos até o limite entre os dois países. "Nosso Exército chegou à fronteira e viu os atacantes terroristas do outro lado. Tínhamos um dilema: entrar, capturá-los e trazê-los para cá ou respeitar a fronteira e a soberania do Brasil. Tomamos a decisão correta, de acordo com o direito internacional. O território brasileiro é sagrado”, disse ele, segundo relato da agência France Presse. Mas Maduro pediu sua entrega porque "um desertor que entra em outro país deve ser devolvido imediatamente".

Os cinco militares foram localizados pelo Exército Brasileiro no dia 26, durante uma patrulha em torno do único posto de fronteira entre os dois países nos mais de 2.000 quilômetros de fronteira comum. As autoridades brasileiras informaram que eles estavam desarmados e que, após serem interrogadas na fronteira, iniciaram os trâmites para o pedido de asilo, de acordo com um comunicado conjunto dos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa. A nota ministerial não fez nenhuma referência ao ataque letal à base venezuelana, mas uma fonte militar brasileira reconheceu em declarações à Reuters que os recém-chegados eram suspeitos de terem participado do ataque.

O Governo venezuelano também fez um apelo ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, pela cooperação antiterrorismo e o respeito à legislação internacional: “A Venezuela espera ter uma maior colaboração das autoridades do Brasil, como resultado da cooperação que deve prevalecer entre os Estados na luta contra o terrorismo e as ameaças à paz social”, diz uma nota do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela.

O ataque de 22 de dezembro a uma instalação militar em Gran Sabana, uma área remota da Amazônia, no sul da Venezuela, perto do posto fronteiriço de Pacaraima, causou a morte de um soldado. Os agressores também roubaram 120 espingardas e nove lançadores de foguetes, dos quais 111 espingardas e oito lançadores foram recuperados.

O Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer Guaidó como presidente e é um dos mais ativos na demanda de que Maduro abandone o poder para que se resolva a grave crise econômica, política e social em que a Venezuela está imersa. No entanto, o país se distanciou dos que ventilaram a possibilidade de intervenção armada. Em paralelo, mantém uma operação na área de fronteira para acolher civis e militares que estão fugindo da situação catastrófica e recentemente deu asilo a 21.000 venezuelanos em um único dia. Um gesto elogiado pela ONU em um momento em que países como Colômbia ou Peru, que receberam um número muitíssimo maior de venezuelanos que o Brasil, endurecem as condições para que se estabeleçam em seu território.


Demétrio Magnoli: Por que Maduro não cai

É o cenário de um país em guerra — com o detalhe de que não há guerra. A hiperinflação mede-se em taxas de seis ou sete algarismos. Destruída a moeda, a economia regride ao estágio do escambo. Doentes, inclusive crianças, morrem em hospitais devastados. São, até agora, quatro milhões de refugiados. A “revolução bolivariana” destruiu a Venezuela. Pensando bem, há uma guerra, do regime contra o povo. Mas, contrariando os prognósticos, Nicolás Maduro não cai. Por quê?

A sobrevivência do regime desmonta as duas crenças do pensamento mágico que orientaram, pendularmente, as análises e a ação dos diplomatas. A primeira deve ser batizada como Mito da Negociação; a segunda, como Utopia da Insurreição.

Nos últimos anos, a Costa Rica, o Vaticano e o ex-primeiro-ministro espanhol Zapatero ofereceram-se como mediadores de uma transição negociada. Todas as tentativas fracassaram. A negociação tem um pré-requisito de princípio: o reconhecimento da legitimidade da outra parte. Se é esse o ponto de partida, os polos em conflito podem aceitar vitórias parciais, trocadas por concessões substantivas. No caso venezuelano, o Mito da Negociação simula a existência da condição prévia ausente.

O chavismo, um movimento revolucionário, jamais admitiu a legitimidade da oposição, definida como coleção de “inimigos do povo”. Do outro lado, o núcleo duro oposicionista nunca aceitou o chavismo como componente incontornável da paisagem política venezuelana. Daí que, nos diversos simulacros de negociação, os polos opostos sempre exigiram o impossível: a supressão do outro como candidato a exercer o poder.

O sonho insurrecional apossou-se dos espíritos meses atrás. Nutriu-se do enrijecimento autoritário do regime, que dissolveu as esperanças numa transição eleitoral, e ganhou impulso na esteira das iniciativas dos EUA rumo à mudança de regime, às quais aderiram os governos da Colômbia e do Brasil. Contudo, o regime resistiu tanto ao “cerco humanitário” de 23 de fevereiro quanto ao ensaio de levante militar de 30 de abril. Então, a Utopia da Insurreição cedeu lugar à expectativa de uma improvável intervenção militar americana.

Desde a Revolução Francesa de 1789, a utopia da insurreição popular aninha-se na alma das sociedades contemporâneas. No registro histórico, porém, as insurreições vitoriosas são eventos muito raros, excepcionais. A Revolução de Fevereiro, na Rússia
de 1917, é uma dessas singularidades (mas não a de Outubro, um levante militar dirigido pelos bolcheviques). A conta pode incluir a Revolução Iraniana de 1989 e as revoluções populares de 1989 no Leste Europeu. Fora disso, o cortejo de insucessos estende-se por um século, das tentativas insurrecionais comunistas na Alemanha de 1919 à Primavera Árabe de 2011.

A aplicação da força organizada quase sempre frustra a insurreição. O regime de Maduro conserva o controle sobre as Forças Armadas e, crucialmente, mantém um apoio popular minoritário que não é desprezível. Além disso, tem os suportes vitais de Cuba, da Rússia e da China. Nesse sentido preciso, parece-se um pouco com o regime sírio de Bashar al-Assad, que resistiu à avalanche de uma guerra civil de sete anos.

Do Mito da Negociação à Utopia da Insurreição, e de volta à partida. O pêndulo estéril ingressou em novo ciclo, com o teatro das negociações na Noruega. Sem alternativas, representantes de Juan Guaidó sentaram-se à mesa, apenas para rejeitar a cínica proposta do regime de eleições legislativas, o que implica aceitar a continuidade do mandato de Maduro e colocar em risco a maioria oposicionista na Assembleia Nacional. O chavismo ganha tempo, obtém fiapos de legitimidade diplomática, desmoraliza uma oposição ferida pelos insucessos recentes.

Maduro não é eterno. Será destronado pelo imponderável, como um golpe da cúpula militar corrompida ou uma desastrosa intervenção americana? FHC sugere o exercício da “paciência histórica”, enquanto uma nação impaciente se desfaz na guerra cotidiana pela sobrevivência. Melhor exercitar a criatividade estratégica, para além dos limites do pensamento mágico.


Luiz carlos Azedo: Os militares e Maduro

”A experiência dos nossos generais e a doutrina de defesa das Forças Armadas brasileiras impediram que Bolsonaro desse um passo maior do que as pernas”

A chave para uma saída negociada para a crise venezuelana é uma retirada em ordem dos militares do poder, restabelecendo as regras do jogo democrático e mantendo a unidade e disciplina das Forças Armadas da Venezuela. A melhor e mais bem-sucedida experiência de uma operação dessa natureza foi a longa transição brasileira, na qual os militares voltaram para os quartéis e somente recuperaram o poder com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, depois de passarem 34 anos fora da política.

Os generais que cercam o presidente da República, principalmente os três mais poderosos — o vice-presidente Hamilton Mourão; o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno; e o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo —, viveram esse processo na caserna. A “distensão lenta, gradual e segura” do presidente Ernesto Geisel, iniciada nas eleições de 1974 (logo seguida de prisões em massa de oposicionistas, após a derrota eleitoral de novembro daquele ano), somente foi encerrada com eleição de Tancredo Neves, em 1985, no colégio eleitoral, no fim do governo de João Figueiredo.

Politicamente, foi uma operação bem-sucedida; militarmente, coincidiu com a maior profissionalização e aperfeiçoamento da formação dos militares e o reforço da disciplina e do respeito à hierarquia. A mesma geração de militares que se beneficiou dessa mudança qualitativa no comportamento das Forças Armadas, viu frustrada as ambições de ascensão social e política por meio da carreira militar, em razão do desprestígio causado pelas violações dos direitos humanos e do fracasso do modelo de capitalismo de estado implantado pelo regime militar.

Nada disso se compara, porém, à experiência dos militares de outros países quando foram apeados do poder: muitos foram presos, julgados e condenados por causa da tortura, como na Argentina. Mesmo os militares chilenos, muito bem-sucedidos na economia com seu modelo neoliberal, foram atropelados pela vitória do “No” no plebiscito convocado pelo general Augusto Pinochet. A “anistia recíproca” negociada com o Congresso, com Figueiredo no poder, em 1979, foi o nó que amarrou a transição. Depois da redemocratização, mesmo nos governos do PT, o pacto que garantiu o sucesso da transição foi mantido.

Vejamos os últimos acontecimentos na Venezuela. Mesmo enfraquecido na sociedade, Nicolas Maduro permanece no poder, graças ao apoio dos militares venezuelanos. Ontem, o líder da oposição Juan Guaidó, em Caracas, voltou a pedir o apoio dos militares, 24 horas depois do fracassado “levante” militar que havia anunciado. Maduro tem o apoio da cúpula das Forças Armadas de seu país, de Cuba, da Rússia e da China. Os acontecimentos de ontem, quando a Guarda Nacional Venezuelana reprimiu violentamente os manifestantes, mostram que a situação é crítica, mas o governo não perdeu o sabre que contém os protestos.

Ambiguidade

Uma retirada das Forças Armadas da Venezuela do poder será mais complexa do que se imagina, ao menos por três razões: o falecido presidente Hugo Chavez, que era militar, doutrinou e promoveu a maioria dos generais; as empresas estatais venezuelanas são controladas por militares corruptos; e o ministro da Defesa, Vladimir Padriño, além dos negócios, controla o tráfico de drogas no país. A cúpula militar venezuelana não aceitará nenhum acordo que implique punição pelos crimes que cometeu. A lógica do confronto entre Maduro e Guaidó não permite esse tipo de acordo, seria preciso que outros atores entrassem em cena, no governo e na oposição, para uma solução negociada. Esses atores existem, mas ainda não se apresentaram publicamente.

A posição do Brasil nesse processo é ambígua. O presidente Jair Bolsonaro, influenciado pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo, quase embarcou na lógica intervencionista do governo Trump, que já fez três tentativas de forçar a renúncia de Maduro: quando Guaidó se declarou presidente interino, por ocasião da fracassada operação de ajuda humanitária e na tentativa de levante de terça-feira passada. Nas três ocasiões, o chanceler brasileiro estava mal-informado sobre a real correlação de forças na Venezuela, em razão de informações recebidas de John Bolton, assessor de Segurança Nacional, e Mike Pompeo, secretário de Estado, com quem, inclusive, esteve novamente, na segunda passada.

Apesar das deficiências dos serviços de inteligência do Brasil, a experiência dos nossos generais e a doutrina de defesa das Forças Armadas brasileiras impediram que Bolsonaro desse um passo maior do que as pernas, como fez Guaidó, novamente, na terça-feira. A variável nova na crise venezuelana é a interferência de militares e serviços de inteligência russos, por ordem de Vladimir Putin, que tem outro tipo de experiência de transição política. Na Rússia, os militares e burocratas poderosos se apropriaram das empresas estatais que comandavam, nas “privatizações selvagens” do governo Boris Yeltsin, dando origem à atual e bilionária plutocracia russa. Os Estados Unidos acusam os russos de impedirem a renúncia de Maduro.

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Míriam Leitão: Venezuela encurralada

Guaidó fez uma aposta arriscada e perdeu, mas é questão de tempo para que chegue ao fim o poder do ditador venezuelano

O fracasso do movimento de ontem de Juan Guaidó não muda o fato de que o governo Nicolás Maduro está no fim. Não há poder que sobreviva a uma hiperinflação de dez milhões por cento e um PIB em queda livre há cinco anos. É uma questão de tempo. Maduro tem permanecido, apesar de ter demolido a economia, porque entregou o governo aos militares e montou uma máquina de guerra com as Forças Armadas, a Guarda Nacional Bolivariana, as milícias e os coletivos. Contudo, não há saída fácil para a Venezuela.

Os líderes militares brasileiros acompanharam com atenção cada evento no país vizinho ontem, mas desde cedo se convenceram de que o silêncio da cúpula militar e as informações contraditórias não confirmavam a garantia que Guaidó dera de que as Forças Armadas tinham mudado de lado. O líder da oposição fez uma aposta alta e perdeu. No fim do dia, já se ouvia em fontes diplomáticas que ele poderia ser preso. Por contraditório que pareça, a fraqueza de Guaidó não revela força de Maduro.

O ditador venezuelano demorou a dominar os acontecimentos, teve que esperar horas pela declaração do seu próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Teve que dar mais uma volta no ferrolho das comunicações, tirando do ar os últimos canais não oficiais. Teve que reprimir manifestantes com o absurdo de um atropelamento por blindado.

A Operação Acolhida, do governo brasileiro em Roraima, tinha sido reforçada há dois dias com o envio de 500 soldados da Força Nacional para a fronteira. Os 25 militares que pediram asilo à embaixada tiveram imediatamente seu pedido aceito. A chegada deles foi um sinal de que Guaidó estava perdendo a capacidade de continuar o jogo. Do contrário, os militares não pediriam abrigo no Brasil. Venezuelanos vêm para o Brasil às centenas, a cada ano, jogando sobre o estado de Roraima um peso que ele não pode carregar sozinho.

É difícil explicar para um brasileiro o que é a recessão prevista para este ano na Venezuela, porque nada houve dessa dimensão no Brasil em qualquer momento da nossa história. Aqui houve, em 2015 e 2016, uma queda de 7% do PIB no acumulado dos dois anos. Lá haverá um encolhimento de 25% só em 2019. Maduro assumiu em 2013. E de 2014 a 2018 o PIB teve quedas sucessivas, de 3,8%, 6,2%, 17%, 15% e, no ano passado,18%. Uma sangria como essa atinge todas as classes sociais, empobrece, adoece, provoca ondas migratórias e mata. Quando se diz que a inflação saiu de 1 milhão por cento para dez milhões por cento é uma estimativa. Mas processos vorazes como esses e dessa dimensão fogem de qualquer parâmetro de contabilidade. Há muitos anos os venezuelanos, ao comprar, pesam o dinheiro porque é impossível contar as notas.

O caminho pelo qual Hugo Chávez começou a demolição da democracia foi a de assediar e enfraquecer as instituições uma a uma, ao mesmo tempo em que transferia recursos, poderes aos militares e armava os círculos bolivarianos. A milícia começou a ser organizada dentro do Palácio Miraflores na época de Chávez. Hoje, Maduro, seu seguidor, tem um milhão e meio de milicianos armados. Mesmo quando faltou tudo para a população, não faltou equipamento militar para Exército, Marinha e Aeronáutica. Eles sustentavam, até que passaram a ser governo. Têm grande parte dos ministérios e dos governos estaduais.

Guaidó, por seu turno, tem vivido uma ficção. Ele se declarou presidente, mas pela Constituição venezuelana, artigo 233, ele teria que convocar eleições em 30 dias para confirmar seu nome. Ele jamais teve o domínio do território, portanto, presidente nunca foi. Os países que o reconhecem como chefe de governo vivem uma ficção política. Ele jamais governou, mas é o maior líder da oposição venezuelana. A partir do que aconteceu ontem, ele tem poucas opções pela frente para continuar a exercer essa liderança.

Maduro ficará até o momento em que os militares quiserem. Hoje já praticamente donos do poder, eles podem se livrar dele no momento que desejarem. A transição não será fácil num país com este grau de deterioração econômica, política e social. Não há lado bom na Venezuela. Guaidó quis personificar a intervenção direta americana nas questões do país. Maduro é uma ditador corrupto e violento, que não sobreviverá no poder.


Folha de S. Paulo: Líderes da oposição se unem a militares dissidentes para derrubar Maduro, que reage

Operação Liberdade, de Juan Guaidó e Leopoldo López, leva a confrontos com forças de segurança leais à ditadura

Nesta quarta-feira (1º), a oposição da Venezuela convocou novos protestos contra o ditador Nicolás Maduro, no segundo dia de ações pra tentar retirá-lo do comando do país.

Na terça (30), houve confrontos em Caracas. O líder da oposição, Juan Guaidó, e o preso político Leopoldo López se dirigiram à base aérea de La Carlota e anunciaram uma ação contra Maduro, com apoio de militares dissidentes.

Em resposta, o ditador disse que as Forças Armadas do país seguem leais a ele, e convocou uma manifestação popular em apoio a seu governo.

López, que estava prisão domiciliar desde agosto de 2017, cumprindo pena de quase 14 anos por incitação à violência em protestos contra o governo, disse ter sido "liberado por militares à ordem da Constituição e do presidente Guaidó".

Os dois deixaram a base quando o local passou a ser alvo de bombas de gás lacrimogêneo lançadas pela Guarda Nacional Bolivariana (GNB), alinhada ao regime Maduro.

Isso deu início a uma série de confrontos pelas ruas de Caracas entre os opositores e as forças leais a Maduro. Dezenas de pessoas ficaram feridas na ação e López acabou se refugiando com a família na embaixada do Chile em Caracas.

A situação teve repercussão internacional, com diversos líderes se manifestando a favor e contra o regime de Maduro.

O chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, acusou o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de ser uma "peça no xadrez de [Donald] Trump".

Já Bolsonaro afirmou que é "próxima de zero" de Brasil participar de ação armada na Venezuela.

Siga os fatos mais recentes da situação na Venezuela.


William Waack: Lição americana

Toda política externa sofre quando profissionais são desprezados e vence a gritaria na internet

Para interessados em diplomacia e política externa, vale a pena ler The Back Channel, as memórias profissionais de William Burns, um dos mais importantes diplomatas americanos dos últimos 30 anos. Ele serviu a cinco presidentes e dez secretários de Estado e acompanhou todos os principais momentos que vão da vitória na Guerra Fria à concepção de mundo de Trump. É uma rica descrição da transição da diplomacia da era pré para a era pós-Twitter.

É uma obra com importantes lições para o debate atual sobre política externa brasileira, desatado pela crise da Venezuela. Burns serviu a republicanos e democratas e sua principal crítica a figuras como George W. Bush ou Barack Obama é basicamente a mesma: a de que o profissionalismo de diplomatas (e suas escolas) cedeu lugar à esfera do Twitter e ficou em segundo plano a ideia de que diplomacia serve sobretudo para comunicar, convergir e manobrar para obter vantagens futuras, especialmente por meio de alianças. Lição para o Brasil.

Burns contribui para provar que um “staff” profissional bem conduzido é capaz de identificar tendências com grande antecedência, como demonstra memorando que ele enviou a Bill Clinton, em 1992, afirmando que a vitória americana na Guerra Fria traria maior fragmentação e o mundo recuaria para nacionalismos e extremismo religioso, ou uma combinação dos dois – é uma boa descrição de parte das crises internacionais atuais. Como governantes se preparam ou reagem a contingências é outra história. Nesse sentido, Burns é duro com Obama, mas a paulada maior é na política da “America First” de Trump. “Uma sopa nojenta de unilateralismo beligerante, mercantilismo e nacionalismo bruto”, caracterizada por “posturas de força e afirmações desvinculadas de fatos”, escreve Burns. Lição para o Brasil.

O maior problema de Trump, porém, é o que Burns chama de “sabotagem ativa” contra o Departamento de Estado, ou seja, o “staff” profissional. Mais uma lição para o Brasil. Quando Lula assumiu em 2003 o Itamaraty foi subordinado à influência de um guru com ideias totalmente desvinculadas da realidade (e presas ainda ao esquerdismo infantil dos anos cinquenta) e um chanceler dedicado a vendetas contra qualquer um identificado com o “ancien regime” na casa, ou seja, que não fosse da turma dele. É muito similar ao que acontece agora, e as consequências começam a se desenhar da mesma maneira: perda de foco, ênfase no espetáculo em torno de um líder “infalível” e a confusão entre postulados ideológicos de franja do espectro político com interesse nacional de longo prazo.

A “lacração” típica do comportamento de militantes, empenhados em ganhar no grito “debates” em redes sociais, leva a afirmações do tipo “o Brasil guiou os Estados Unidos” na crise da Venezuela. A frase fica valendo como argumento para o qual não há fatos – a não ser que se despreze o fato básico de que só os americanos têm recursos para bater (com poderio militar sem rival no planeta) e para pagar (com o músculo financeiro para impor sanções ou conseguir alívio para amigos). E são eles os que batem e/ou pagam, que teriam sido conduzidos numa crise de amplas proporções internacionais por quem não consegue nem um nem outro.

A atual crise da Venezuela não foi uma “escolha” brasileira. Mas demonstra como a falta de profissionalismo na condução da política externa, ideias erradas e cumplicidade oportunista de classes empresariais (não só no episódio da molecagem diplomática que colocou a Venezuela no Mercosul) criam problemas de difícil solução. A época do Twitter, lamenta o veterano Burns, sepultou o frio racionalismo da diplomacia de contatos, informação e influência. Pior ainda quando a política externa fica a cargo de amadores arrogantes.


El País: Guaidó reaviva a pressão contra Maduro com seu regresso à Venezuela

Presidente da Assembleia Nacional enfrenta a ameaça de prisão e retorna ao país pelo aeroporto de Caracas, uma concessão de Maduro que aumenta a disputa entre os dois

A disputa política na Venezuela entra em uma nova fase. Juan Guaidó se livrou na segunda-feira da primeira ameaça de detenção e retornou ao país de modo triunfal. O presidente da Assembleia Nacional, reconhecido como presidente interino por mais de 50 Governos, voltou após desafiar Nicolás Maduro com sua saída há mais de uma semana após ser proibido pela Justiça. O fez em um voo comercial, entrando pelo aeroporto internacional de Maiquetía (Caracas), como havia anunciado, um sinal da determinação do político venezuelano e uma concessão de Maduro, já que não faz sentido pensar que poderia aterrissar e passar pelos controles de imigração sem sua aprovação.

A entrada de Guaidó por Maiquetía pode ser interpretada como um sinal de fraqueza do chavismo, submerso como nunca em uma pressão internacional após a violenta resposta dada em 23 de fevereiro na fronteira e que até essa segunda-feira continuava dividido, de acordo com vários líderes oposicionistas conhecedores dos passos de Guaidó, entre a ala mais radical, liderada por Diosdado Cabello, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, e o círculo mais próximo a Maduro, entre eles os irmãos Rodríguez, Jorge e Delcy [ministro da Comunicação e vice-presidenta], partidários de se evitar uma prisão. Pelo menos, não por enquanto. Também não esclarece a incógnita de se o alto comando militar optou por não se submeter a outra tentativa de pressão que permita rachá-lo, após a deserção de mais de 700 militares nas últimas semanas.

Depois de mais de uma semana fora do país e após o fracasso na tentativa de entrada de ajuda humanitária pelos diversos pontos da fronteira, as expectativas que a liderança de Guaidó geraram enfraqueceram. De modo que também há uma boa dose de cálculo político em uma parte do comando chavista, que procura diminuir a relevância e Guaidó, à espera de seus próximos movimentos, sabendo que controlam todos os estamentos do país com exceção da Assembleia Nacional, cujas decisões, de fato, quase não têm importância. “Não iremos cair em provocações”, disse um dirigente de alto escalão. Nos primeiros momentos, o hermetismo diante do retorno de Guaidó era absoluto. Se geralmente o chavismo tende a contra-atacar os atos da oposição, nesse caso, os únicos movimentos públicos percebidos eram nas contas das redes sociais, em que se pedia à população que continuasse comemorando carnaval.

A presença de Guaidó na Venezuela submete também a oposição a sua própria encruzilhada. O fantasma de uma intervenção militar, que os setores mais radicais agitaram com força nos últimos dias, ficou, pelo menos por enquanto, diluído, enquanto o chavismo diminui a tensão ao não deter Guaidó. Entre os dirigentes mais jovens, a chamada Geração 2007, que se fortaleceu em torno da figura do presidente da Assembleia Nacional, a sensação é que o principal é evitar um cenário que permita a Maduro ganhar tempo e resistir, porque, sentem, é onde melhor se sai. Para consegui-lo, muitos deles têm certeza que não se deve voltar à situação de duas semanas atrás em que Guaidó ia de um lado para outro apresentando seus planos, como também são necessárias medidas e propostas concretas ao chavismo para se chegar a uma saída pacífica. Quais devem ser adotadas e como fazê-lo são motivos de intensos debates na oposição, um amálgama de forças e espectros ideológicos, em que os veteranos políticos começam também a tentar se aproveitar de uma situação que não esperavam no começo do ano. Um compêndio de líderes em que tem papel determinante o que permanece, por decisão do chavismo, preso: Leopoldo López, detido em 2014 e ainda em prisão domiciliar.

Para evitar qualquer problema na entrada do aeroporto de Maiquetía, Guaidó era esperado por uma dezena de embaixadores europeus, entre eles o espanhol, Jesús Silva, informa Maolis Castro. Não foi preciso. Pelo contrário, funcionários de algumas companhias aéreas se aproximaram para apoiá-lo e comemoraram seu retorno. Existiam muitas dúvidas. As imagens de Guaidó falando com a tripulação e os passageiros do voo comercial em que viajou do Panamá; sorrindo para um agente de imigração no aeroporto ao entregar seu passaporte; na sequência entrando em uma caminhonete levando a bandeira venezuelana e, depois, mostrando seu passaporte a milhares de seguidores em Caracas, estão carregadas de um simbolismo que a liderança de Guaidó precisava. Confirma, também, que o jovem político se desenvolve muito melhor dentro do país, como dizem muitos dos deputados de sua geração que o acompanham, e nem tanto fora, onde fica apagado entre tantos mandatários internacionais, como aconteceu na fronteira da Colômbia.

“O mundo irá nos respaldar, mas quem precisa avançar somos nós com a união de todos os setores, somos cidadãos poderosos”, afirmou Guaidó em sua primeira manifestação após seu retorno à Venezuela, informa Florantonia Singer. Em seu discurso, o presidente da Assembleia Nacional voltou a enviar mensagens às Forças Armadas, a quem pediu que “não fiquem de braços cruzados”. Para a oposição ao chavismo, a ruptura da cúpula militar é fundamental para conquistar seu objetivo. Guaidó faz questão que o Exército detenha os coletivos, grupos armados ligados ao chavismo, para que não ajam contra a população, como aconteceu nas localidades de fronteira em 23 de fevereiro. “Usaram sua última linha de defesa para massacrar o povo”, criticou Guaidó em referência à tentativa de levar ajuda humanitária que, admitiu, não pode “ser chamada de bem-sucedida”.