Míriam Leitão: Venezuela encurralada

Guaidó fez uma aposta arriscada e perdeu, mas é questão de tempo para que chegue ao fim o poder do ditador venezuelano.
Divulgação/Governo da Venezuela
Divulgação/Governo da Venezuela

Guaidó fez uma aposta arriscada e perdeu, mas é questão de tempo para que chegue ao fim o poder do ditador venezuelano

O fracasso do movimento de ontem de Juan Guaidó não muda o fato de que o governo Nicolás Maduro está no fim. Não há poder que sobreviva a uma hiperinflação de dez milhões por cento e um PIB em queda livre há cinco anos. É uma questão de tempo. Maduro tem permanecido, apesar de ter demolido a economia, porque entregou o governo aos militares e montou uma máquina de guerra com as Forças Armadas, a Guarda Nacional Bolivariana, as milícias e os coletivos. Contudo, não há saída fácil para a Venezuela.

Os líderes militares brasileiros acompanharam com atenção cada evento no país vizinho ontem, mas desde cedo se convenceram de que o silêncio da cúpula militar e as informações contraditórias não confirmavam a garantia que Guaidó dera de que as Forças Armadas tinham mudado de lado. O líder da oposição fez uma aposta alta e perdeu. No fim do dia, já se ouvia em fontes diplomáticas que ele poderia ser preso. Por contraditório que pareça, a fraqueza de Guaidó não revela força de Maduro.

O ditador venezuelano demorou a dominar os acontecimentos, teve que esperar horas pela declaração do seu próprio ministro da Defesa, Vladimir Padrino López. Teve que dar mais uma volta no ferrolho das comunicações, tirando do ar os últimos canais não oficiais. Teve que reprimir manifestantes com o absurdo de um atropelamento por blindado.

A Operação Acolhida, do governo brasileiro em Roraima, tinha sido reforçada há dois dias com o envio de 500 soldados da Força Nacional para a fronteira. Os 25 militares que pediram asilo à embaixada tiveram imediatamente seu pedido aceito. A chegada deles foi um sinal de que Guaidó estava perdendo a capacidade de continuar o jogo. Do contrário, os militares não pediriam abrigo no Brasil. Venezuelanos vêm para o Brasil às centenas, a cada ano, jogando sobre o estado de Roraima um peso que ele não pode carregar sozinho.

É difícil explicar para um brasileiro o que é a recessão prevista para este ano na Venezuela, porque nada houve dessa dimensão no Brasil em qualquer momento da nossa história. Aqui houve, em 2015 e 2016, uma queda de 7% do PIB no acumulado dos dois anos. Lá haverá um encolhimento de 25% só em 2019. Maduro assumiu em 2013. E de 2014 a 2018 o PIB teve quedas sucessivas, de 3,8%, 6,2%, 17%, 15% e, no ano passado,18%. Uma sangria como essa atinge todas as classes sociais, empobrece, adoece, provoca ondas migratórias e mata. Quando se diz que a inflação saiu de 1 milhão por cento para dez milhões por cento é uma estimativa. Mas processos vorazes como esses e dessa dimensão fogem de qualquer parâmetro de contabilidade. Há muitos anos os venezuelanos, ao comprar, pesam o dinheiro porque é impossível contar as notas.

O caminho pelo qual Hugo Chávez começou a demolição da democracia foi a de assediar e enfraquecer as instituições uma a uma, ao mesmo tempo em que transferia recursos, poderes aos militares e armava os círculos bolivarianos. A milícia começou a ser organizada dentro do Palácio Miraflores na época de Chávez. Hoje, Maduro, seu seguidor, tem um milhão e meio de milicianos armados. Mesmo quando faltou tudo para a população, não faltou equipamento militar para Exército, Marinha e Aeronáutica. Eles sustentavam, até que passaram a ser governo. Têm grande parte dos ministérios e dos governos estaduais.

Guaidó, por seu turno, tem vivido uma ficção. Ele se declarou presidente, mas pela Constituição venezuelana, artigo 233, ele teria que convocar eleições em 30 dias para confirmar seu nome. Ele jamais teve o domínio do território, portanto, presidente nunca foi. Os países que o reconhecem como chefe de governo vivem uma ficção política. Ele jamais governou, mas é o maior líder da oposição venezuelana. A partir do que aconteceu ontem, ele tem poucas opções pela frente para continuar a exercer essa liderança.

Maduro ficará até o momento em que os militares quiserem. Hoje já praticamente donos do poder, eles podem se livrar dele no momento que desejarem. A transição não será fácil num país com este grau de deterioração econômica, política e social. Não há lado bom na Venezuela. Guaidó quis personificar a intervenção direta americana nas questões do país. Maduro é uma ditador corrupto e violento, que não sobreviverá no poder.

Privacy Preference Center