Maduro

El País: Volta do líder opositor Juan Guaidó coloca a Venezuela em expectativa

Decisões do chavismo e da oposição marcam o futuro da crise após semana de "impasse" que deu oxigênio a Maduro. Pela internet, Guaidó disse que se o opositor o prender será seu último erro

Há uma semana a sensação na Venezuela é que, novamente, tudo dá voltas sobre si mesmo. Um impasse que, tudo parece indicar, irá pelos ares com o regresso de Juan Guaidó ao país nas próximas horas. O presidente da Assembleia Nacional anunciou no final do sábado sua intenção de voltar a seu país, sem esclarecer quando, mas convocou mobilizações para segunda e terça-feira, feriado pelo carnaval. A oposição acredita que a volta de Guaidó reativará o entusiasmo de seus seguidores, mas as consequências de seu retorno ainda são uma incógnita. Em uma mensagem transmitida via redes sociais, no domingo à noite, de um lugar não especificado, Guaidó disse, ao lado da mulher, que se Maduro decidir prendê-lo, seria "o último erro que cometeria".

Guaidó se encontra fora da Venezuela há mais de uma semana. Seus movimentos, decididos durante a viagem e comunicados a conta-gotas, o levaram à Colômbia para liderar a tentativa frustrada de introduzir material médico e suplementos nutricionais através da fronteira. De lá foi para o Brasil, Paraguai, Argentina e Equador, reunindo-se com os presidentes desses países da região que são os que mais o apoiaram e procurando um contrapeso ao protagonismo da Administração de Donald Trump na crise, como se deduz das conversas com uma dezena de fontes, entre deputados próximos a Guaidó, assessores, líderes políticos da oposição e o entorno do chavismo, consultadas para essa reportagem. Uma estratégia que não está isenta de riscos, já que Guaidó saiu da Venezuela apesar de ser expressamente proibido pelo Supremo Tribunal de Justiça (TSJ), controlado pelo Governo.

Nicolás Maduro e os principais dirigentes chavistas sugeriram nos últimos dias que o líder oposicionista deve ser levado à Justiça. Ninguém pediu abertamente sua prisão e fontes do alto comando chavista afirmaram nessa semana que a intenção é “evitar cair em provocações”. Com toda a probabilidade, o sucessor de Hugo Chávez tomará a decisão final no último momento após se consultar com um pequeno grupo de colaboradores.

Entre as opções na mesa existe a possibilidade de que as autoridades de imigração impeçam sua entrada na Venezuela e, em uma tentativa de menosprezá-lo, o Governo lhe condene a uma espécie de desterro à espera de que o processo que colocou em andamento esfrie. A máquina chavista pode, também, detê-lo, uma vez que tecnicamente é um fugitivo. Essa hipótese lembra o caso de Leopoldo López, principal apoiador de Guaidó e líder de seu partido, o Vontade Popular, preso em 2014. E teria repercussões internas e externas imprevisíveis, que vão da explosão de um novo ciclo de protestos ao endurecimento do cerco diplomático e uma reação mais contundente de Washington, que nunca deixou de agitar o fantasma de uma intervenção militar.

Se por fim conseguir entrar será obrigado a retomar iniciativas, a mover peças. Ou seja, após um regresso ao qual sua equipe tentará dar contornos épicos não pode se permitir outra falha. Tampouco retornar ao setor anterior a 23 de fevereiro, quando se reunia com diversas instituições e apresentava seus planos. De alguma forma, o desafio de Guaidó passa por conseguir feitos concretos que possam chegar a uma saída da crise e manter viva a esperança dos amplos setores da sociedade que apoiam sua causa.

O desafio do presidente da Assembleia Nacional para derrubar Nicolás Maduro teve um impulso inicial que fez pensar em uma mudança iminente. Quase um mês e meio após o jovem político venezuelano se declarar presidente, entretanto, a intensidade do confronto diminuiu e as fileiras da oposição temem que esse processo acabe no enésimo falso alarme. “Impasse” é uma das palavras que mais acompanham a conversa sobre a situação da Venezuela, junto com “bloqueio”, “parada” e até “retrocesso”. Depende do otimismo dos interlocutores.

O erro de cálculo mais evidente ocorreu em 23 de fevereiro. A tentativa de levar ajuda aos venezuelanos mais vulneráveis se transformou em um instrumento político para enfraquecer o chavismo. Apesar de ter a partida quase nas mãos (alguns carregamentos já se encontravam no território venezuelano) foram geradas expectativas muito altas e o chavismo foi subestimado. A maior parte da oposição estava convencida de que o custo de um cenário violento pesaria sobre eles. Ainda mais quando Diosdado Cabello, na véspera, sugeriu que estavam dispostos a deixar entrar a ajuda. “Quem quiser comer comida desidratada é problema seu”, disse.

O chavismo, entretanto, mobilizou sua artilharia, não somente as forças de segurança, para reprimir os protestos. Coletivos armados foram à fronteira e intervieram depois, após uma fase inicial liderada pela Guarda Nacional e, posteriormente, a Polícia Nacional Bolivariana. Para garantir que as ordens de Maduro seriam respeitadas e prevenir qualquer problema, o chavismo enviou em cada ponto fronteiriço uma espécie de comissário político, como foram os casos da ministra de Prisões Iris Valera e o ex-ministro e coordenador dos Comitês Locais de Abastecimento e Produção (CLAP) Freddy Bernal.

A violência desativou a operação, apesar da oposição aventar a possibilidade de introduzir ajudas através de passagens fronteiriças informais, ao longo das trilhas, como acontece diariamente. Ocorreram também as desordens produzidas por militantes violentos, os chamados guarimberos, cuja presença foi reconhecida pelos próprios opositores. E alguns episódios que afetaram a imagem de Guaidó, como a detenção do ex-preso político Lorent Saleh.

Após um dia marcado pelos confrontos na fronteira, Guaidó, no Twitter, afirmou que pediria à comunidade internacional que deixasse abertas “todas as opções para conseguir a libertação da Venezuela”, o que foi interpretado como um pedido de intervenção militar e ceder aos setores mais radicais da oposição e à ala dura dos Estados Unidos, os chamados falcões de Trump, liderados pelo chefe de Segurança Nacional, John Bolton. A confusão causada por suas palavras obrigou Guaidó a abrandar sua mensagem. Em seu entorno defendem que ele não queria atiçar o fogo e que fez até referência à possibilidade de se sentar para negociar com o chavismo. Mas já era tarde. Pouco depois, um dos líderes da oposição no exílio, Julio Borges, representante de Guaidó no Grupo de Lima, afirmou que durante o encontro previsto para um dia depois exigiriam do órgão “um aumento na pressão diplomática e no uso da força contra a ditadura de Nicolás Maduro”. Nem mesmo o Governo da Colômbia, que junto com Washington é o principal apoiador da oposição no tabuleiro internacional, aceitou o desafio. O Grupo de Lima descartou essa possibilidade e somente a Administração de Donald Trump deixou todas as portas abertas.

A ideia de uma intervenção militar está em cada conversa sobre o futuro da Venezuela. No chavismo estão convencidos de que é algo mais do que uma ameaça retórica. Sentem que não pode ser descartada com Trump na Casa Branca e o que consideram uma traição golpista de uma parte da oposição. Conscientes de que não poderiam enfrentar um ataque durante muito tempo, não hesitam no momento de afirmar que tentarão resistir a um assédio até o último momento, com todas as consequências.

Diante desse contexto, a oposição caminha sobre uma linha muito fina. A maior parte dos próximos a Guaidó, deputados com capacidade de tomar decisões e assessores, refuta o uso da força para conseguir uma saída à crise. Sabem, entretanto, que deixar o chavismo sem essa ameaça diminuiria a pressão psicológica e poderia significar um retrocesso nesse processo. Mais um. De modo que a fórmula de que todas as opções estão sobre a mesa seja a mais recorrente. O risco, admitem as fontes consultadas, é que a estratégia estremeça com o sentimento de grande parte da população, do qual o setor externo pretende amealhar frutos. O cansaço e o desespero com o chavismo são tais que ela não se importaria com a forma com que pudesse ser tirado do caminho. Os setores mais radicais, com María Corina Machado na liderança e apoiados por muitos venezuelanos no exílio de Miami e Washington, deram força a essa opção.

“A intervenção já chegou”, comenta este colaborador. A intervenção, entretanto, não é, por enquanto, de caráter humanitário e militar. Como é feito, então, o cerco dos Estados Unidos? Com sanções diretas e individuais à cúpula do chavismo e alto comando militar e a oferta de incentivos (vistos, desbloqueios das contas) em troca do abandono a Maduro. Por enquanto, esse caminho se mostrou ineficaz ou, pelo menos, ineficiente. Por volta de 700 oficiais e soldados desertaram desde 23 de fevereiro. Um número que pode parecer significativo e que, entretanto, é risível diante dos números das forças armadas venezuelanas, que possuem aproximadamente 250.000 membros.

Um dos objetivos da viagem de Guaidó dessa semana era pedir aos mandatários com os quais se encontrou que adotem sanções concretas contra Maduro e seu entorno para apertar o cerco. No começo também foi avaliada a possibilidade de que Guaidó viajasse à Europa, para realizar uma minireunião na qual estivessem presentes, pelo menos, a Alemanha, França e Espanha.

A União Europeia é vista pelos dois lados como um caminho para se chegar a uma saída pacífica e diplomática à crise. A oposição quer que o Grupo de Contato criado pela chefa da diplomacia europeia, Federica Mogherini, dê passos mais rápidos e concretos diante de uma eventual negociação com o chavismo. Isso permitiria ao chavismo não ceder aos Estados Unidos, mesmo que deem como certo que qualquer acordo com a oposição deve ter o sinal verde da Casa Branca.

Vários diplomatas destacam que, nesse ano, Maduro, que não costumava se reunir com os embaixadores europeus, se encontrou com eles duas vezes e os canais continuaram abertos com as embaixadas mais importantes apesar da maioria dos países da UE ter reconhecido Guaidó como presidente interino da Venezuela. A sensação dentro da diplomacia europeia é que o chavismo continua sendo uma caixa preta difícil de decifrar, em que não se sabe se há divisões e até debates internos que possam produzir uma ruptura. Vários participantes desses encontros lembram uma das falas de Maduro: “Eu não sou Gadafi e Saddam, mas se me matarem surgirá outro e será mais radical”.


Demétrio Magnoli: Diante do enigma venezuelano

A negação de uma estratégia desvairada não equivale à definição de uma positiva

O "Deus de Trump" invocado por Ernesto Araújo não funcionou. No 23 de fevereiro, suposto Dia D, Maduro escapou do "xeque-mate humanitário", provando que ainda mantém controle sobre a alta oficialidade. A estratégia fracassada representou uma nítida derrota para o líder opositor Juan Guaidó, mas também para Donald Trump e o presidente colombiano Iván Duque. O Brasil só não amargou completa desmoralização porque, na hora H, Bolsonaro entregou o comando ao vice, Hamilton Mourão, assinando uma demissão branca do chanceler Araújo. Há lições a extrair do episódio.

A disputa de poder na Venezuela contrapõe o Executivo (isto é, a ditadura do chavismo terminal) ao Parlamento (isto é, a maioria oposicionista oriunda das derradeiras eleições livres no país). O Parlamento conta com apoio internacional majoritário e o respaldo da maior parte do povo. Contudo, o Executivo tem as armas, pois o regime equilibra-se sobre a aliança entre o aparato político chavista e a cúpula militar. Nesse cenário, a queda de Maduro depende de uma cisão entre os componentes da aliança cívico-militar que o sustenta.

A ideia de uma intervenção militar liderada pelos EUA só passa pelos desvarios conspiratórios de correntes extremistas com as quais o neófito Araújo extravasa seus impulsos infantis. Trump não organiza retiradas americanas da Síria e do Afeganistão para se envolver numa ação isolada na América do Sul. Duque não reativará a guerra civil colombiana em nome da democracia na Venezuela. Os militares brasileiros rejeitam a perspectiva de produzir uma Síria na faixa de fronteira amazônica. O chefe do Itamaraty que clamou por um corredor de invasão a partir de Roraima é evidência dos riscos que Bolsonaro corre ao nomear acólitos do Bruxo da Virgínia a postos de responsabilidade.

No Dia D que não houve, os Estados Unidos, a Colômbia e o Parlamento venezuelano tentaram emparedar os militares entre as alternativas de usar munição real contra o povo ou romper com o Executivo. A encruzilhada, porém, não se materializou. De um lado, superestimou-se a mobilização popular na fronteira colombiana. De outro, subestimou-se a coesão das Forças Armadas, que sofreram defecções apenas periféricas. A vitória pontual de Maduro não altera a paisagem de fundo, que descortina um regime falido e fraturas estruturais na aliança de poder. Mas exige a substituição das proclamações triunfalistas por iniciativas realistas.

O Brasil perdeu o confortável papel de ator coadjuvante. Na reunião doGrupo de Lima, o chanceler de facto Mourão reorientou a diplomacia regional, afastando a sugestão de intervenção militar externa aventada por Guaidó. A negação de uma estratégia desvairada não equivale, porém, à definição de uma estratégia positiva. A ditadura venezuelana não cairá sob golpes retóricos ou a multiplicação de sanções econômicas americanas. É preciso remover as últimas esperanças da cúpula militar e, ao mesmo tempo, convencê-la de que não sofrerá a vingança de um futuro governo democrático.

As chaves do enigma encontram-se na Rússia e na China. As duas potências devem ser persuadidas a abandonar o esquife do regime chavista, ajudando a negociar um pacto de transição com os chefes militares. Sem o pulmão financeiro providenciado por elas, a ditadura seria asfixiada. E, com a garantia delas, os comandos das Forças Armadas venezuelanas dariam crédito à promessa de anistia formulada pelo Parlamento.

Não é missão impossível. Putin carece de meios para projetar poder na América do Sul. O governo chinês não trocará suas relações com os principais países sul-americanos pela proteção a um regime sem amanhã. Contudo, para realizá-la, o "Deus de Trump" precisa sair de cena. Se pretende exercer liderança na crise regional, Bolsonaro deve ter a coragem de apagar as luzes do quarto das crianças. Afinal, já passa da meia-noite.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


O Globo: Enfraquecido, Guaidó vem pedir apoio mais contundente do Brasil

Líder opositor quer saber em primeira mão até onde governo Bolsonaro está disposto a ir na ofensiva regional contra Maduro

Por Janaína Figueiredo e Eliane Oliveira, de O Globo

BRASÍLIA — A inesperada viagem de Juan Guaidó a Brasília tem dois objetivos centrais, confirmaram ao GLOBO fontes brasileiras e venezuelanas: encontrar-se com o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e mostrar que ainda conta com respaldo firme do governo brasileiro, e saber em primeira mão até onde o Brasil está disposto a chegar na ofensiva regional contra Nicolás Maduro.

Na reunião do Grupo de Lima de segunda-feira passada, em Bogotá, o bloco e o Brasil especialmente descartaram a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela. Isso deixou os Estados Unidos sozinhos ao lado de Guaidó, caso esse seja o cenário em algum momento em curto e médio prazo. Para colaboradores do presidente da Assembleia Nacional, autoproclamado presidente interino da Venezuela desde 23 de janeiro, "a atitude do Brasil decepcionou e surpreendeu".

— Nós estamos pensando, eventualmente, numa cooperação internacional. Não falamos mais em intervenção, porque Guaidó é um presidente legítimo e pode ter acordos de cooperação, inclusive na área militar. Se for só com os EUA será assim. Queremos saber a real situação — assegurou uma fonte venezuelana.

Em Brasília, a visão é diferente. Fontes que presenciaram o encontro em Bogotá asseguraram que "o Brasil está fazendo a sua parte desde o início, não pode ser acusado de ter falhado". Em conversas internas, funcionários do governo Bolsonaro apontam que "Maduro ainda tem a força bruta e Guaidó, o poder moral". Quando são perguntados sobre a possibilidade de uma intervenção militar internacional, respondem enfaticamente que "essa consulta já se tornou cansativa, o Brasil e o Grupo de Lima já deixaram clara sua posição".

Embora tenha garantido que retornará a Caracas, mesmo sob risco de prisão, Guaidó decidiu vir a Brasília para entender melhor a posição brasileira. Sua expectativa na Colômbia "era outra". Pela manhã, o líder opositor, que chegou a Brasília com uma pequena delegação de deputados e com sua mulher, Fabiana Rosales, tem uma agenda privada que não foi revelada. Especulam-se reuniões em embaixadas, entre elas a dos EUA.

A visita foi organizada por sua "embaixadora" em Brasília, professora Maria Teresa Belandria, junto com altas autoridades do governo Bolsonaro, confirmaram fontes brasileiras. Um dos envolvidos na elaboração da agenda de Guaidó teria sido Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Itamaraty e Planalto têm trabalhado juntos na questão Venezuela. Inclusive, a participação em Bogotá do vice-presidente, Hamilton Mourão (ex-adido militar em Caracas), foi elogiada pela área diplomática.

Outras fontes brasileiras indicaram que houve um recuo na posição do presidente Bolsonaro no que diz respeito à Venezuela, entre outros motivos, pelas críticas que o chefe de Estado e seu governo receberam de congressistas da base aliada. Circularam nos últimos dias vídeos nos quais o governo é acusado praticamente de ter se tornado uma marionete dos Estados Unidos. Esses questionamentos, enfatizou a fonte, incomodaram Bolsonaro e outros, como o ministro Heleno, e teriam pesado na análise que o governo vem fazendo da crise venezuelana e levado à adoção de uma posiçãp mais cautelosa.

Os próximos passos de Guaidó ainda são uma incógnita. Fala-se em eventual encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou até mesmo num retorno a Venezuela após a visita ao Brasil.


Hélio Schwartsman: Dia D fracassa na Venezuela

Plano não era ruim, mas deixa agora maioria dos atores numa situação difícil

Fracassou a tentativa do Ocidente de atiçar uma mudança de regime na Venezuela. O plano até que não era ruim. Só o que segura Nicolás Maduro no poder é o apoio dos militares. Se a oposição, liderada por Juan Guaidó, tivesse conseguido fazer com que soldados deixassem de reprimir venezuelanos em busca de alimentos e remédios nas fronteiras com a Colômbia e o Brasil, poderia ter desencadeado um movimento de deserção em massa que acabaria por derrubar o governo. Mas isso, até o momento em que escrevo, não aconteceu.

A não materialização desse cenário deixa a maioria dos atores numa situação difícil. Maduro sobreviveu à investida, mas está ainda mais isolado do que há um mês, quando Guaidó se declarou presidente. Os militares que apoiam o regime perderam a chance de bandear-se com a promessa de anistia e num contexto preparado para reduzir a probabilidade de uma transição violenta. Não se sabe se terão outra oportunidade dessas.

Guaidó viu seu plano fracassar. O Dia D não definiu nada, e o impasse deve agora prolongar-se. Os mais de 50 países ocidentais que reconheceram o jovem parlamentar como presidente legítimo veem-se agora na delicada posição de apoiar um dirigente que não tem controle do país. Pior, o fracasso pode levar Donald Trump e outros incautos a flertar com uma intervenção militar, o que seria desastroso para a Venezuela e para toda a região.

Quem mais perde, como sempre, é a população venezuelana. Não há a menor perspectiva de futuro com o governo bolivariano. Acho que nem o próprio Maduro acredita que ele pode presidir a um processo de recuperação econômica. Só em 2018, o PIB experimentou uma retração de 18%, e a inflação se encaminha para a impressionante marca de 10.000.000%. Falta tudo no país, de comida a liberdade. Ficar com Maduro é condenar-se ao inferno, mas cabe aos venezuelanos encontrar a forma de livrar-se do ditador.


Míriam Leitão: A estreita via da saída pacífica

Ação militar é o pior caminho para a crise da Venezuela e o grande desafio é ser efetivo pelos canais diplomáticos

A ofensiva do fim de semana dos países que apoiam o líder Juan Guaidó de entregar alimentos e remédios fracassou nas duas fronteiras. Isso deixa à região unicamente a via diplomática como saída para a crise na Venezuela. Apesar de Guaidó ter dito que todas as opções têm que estar em cima da mesa — mesma frase do vice-presidente americano, Mike Pence — o pior que pode acontecer é a alternativa de uma escalada militar na região. Isso, felizmente, é o pensamento também da cúpula militar brasileira.

O problema é quem pode ser o mediador de alguma saída que levasse, por exemplo, a novas eleições com o controle internacional. A União Europeia e o Uruguai conservaram sua capacidade de diálogo, mas o Brasil já a perdeu há muito tempo. Apesar de ser o maior país da América do Sul, o Brasil, na época do governo petista, assumiu completamente o lado chavista e perdeu a confiança da oposição; agora, assumiu integralmente o lado de Guaidó e portanto não tem canais com os governistas. As notas do Itamaraty do atual governo esqueceram qualquer estilo diplomático. Mais parecem panfletos. Felizmente, o serviço consular lá nas cidades próximas da fronteira tem funcionado.

O governo Maduro é condenável por inúmeros motivos e comete, há muito tempo, os maiores desatinos. Minou a democracia e demoliu a economia. Mas demonstrou ter o controle do território neste fim de semana. O governo perdeu o apoio popular que já teve no passado e se mantém no controle porque ao longo dos últimos 20 anos o chavismo foi construindo camadas sucessivas do aparelho de segurança. Além das Forças Armadas, da Polícia e da Guarda Nacional, o chavismo criou um exército paralelo através das milícias bolivarianas e dos coletivos. Muitos desses grupos paramilitares estão envolvidos em tráfico de drogas e outros crimes. Os brasileiros que estavam no Monte Roraima viram na cidade de Santa Elena de Uiarén pessoas encapuzadas e com facão em seu caminho até o território brasileiro. Eram provavelmente integrantes de uma dessas duas forças. O papel do vice-cônsul Ewerton Oliveira foi fundamental para garantir a vinda dos brasileiros.

O presidente Nicolás Maduro fez uma bravata quando disse que poderia comprar todo o suprimento que o Brasil queira vender. O comércio entre os dois países encolheu dramaticamente por incapacidade de pagamento por parte da Venezuela.

Em 2013, os dois países tiveram uma corrente de comércio de US$ 6 bilhões. No ano passado, a soma das exportações e importações foi de apenas US$ 740 milhões. Com a hiperinflação e a escassez de dólares, os venezuelanos perderam capacidade de comprar produtos do Brasil, ao mesmo tempo em que se isolaram economicamente na região. As exportações brasileiras para a Venezuela caíram de US$ 5 bilhões para US$ 570 milhões nesse período.

A produção de petróleo também está em queda livre. Isso é reflexo do sucateamento da PDVSA, a estatal que explora petróleo no país, e do afastamento de empresas estrangeiras, como a própria Petrobras. A Venezuela tem a maior reserva do mundo, 302 bilhões de barris comprovados, mais do que os 266 bilhões da Arábia Saudita. Em janeiro, produziu apenas 1,1 milhão de barris/dia, um terço do que já produziu, enquanto a Arábia Saudita produz 10 milhões de barris.

Ironicamente, os EUA são o principal destino do óleo venezuelano, e os venezuelanos são o terceiro país do qual os EUA mais importam, atrás apenas do Canadá e da Arábia Saudita. Trump tem ameaçado acabar com as importações, e de fato elas caíram 50% na primeira quinzena de fevereiro, sobre o mesmo período de 2018. A Venezuela é dependente dos dólares americanos, e apesar da crise os EUA continuam importando do país.

Existe caminho para continuar o cerco diplomático e o isolamento financeiro e comercial do governo de Maduro. O que não pode ser sequer pensado é a alternativa de uma ação militar americana. Ontem, o vice-presidente, Hamilton Mourão, descartou a possibilidade de tropas estrangeiras em território brasileiro e lembrou que isso dependeria de autorização do Congresso Nacional. Seria um óbvio risco para o Brasil ser um dos caminhos para esta ação militar contra o país vizinho. Há também o perigo de Maduro aumentar a coesão das Forças Armadas em torno do seu governo com o argumento do inimigo externo. Este é um momento de extrema delicadeza. E todo o bom senso é necessário.


Eliane Cantanhêde: Maduro, larga o osso!

Desde já, avaliação é de que os EUA são o grande vitorioso da queda iminente de Maduro

Os gravíssimos problemas da Venezuela foram afunilando para uma única cara, uma única voz: as do presidente ilegítimo Nicolás Maduro, incapaz de admitir a obviedade de que suas condições de governabilidade se esgotaram e agarrado a uma lasca de poder como cão faminto, quando faminta de fato está a população.

Como disse ontem o vice Hamilton Mourão, que participou da reunião do Grupo de Lima, na Colômbia, não existe a possibilidade de intervenção militar e a estratégia é manter uma ação conjunta e a pressão financeira e econômica, até asfixiar o regime. O resto, quem tem de fazer são os próprios venezuelanos.

Depende da opinião pública, das lideranças políticas, do comando do Judiciário e das Forças Armadas do país garantir a deposição do ditador, que impediu a entrada de remédios e alimentos que aliviariam a dor de seu povo e perde os apoios que lhe restam. Maduro é um cadáver político e deve acordar de sua insanidade, antes que um tresloucado transforme a metáfora em realidade.

Uma tragédia dessas não está fora do horizonte. Os inimigos e adversários de Maduro não suportam mais sua audácia e podem estar a um passo de “mandar às favas os escrúpulos de consciência”, o que não seria inédito na história do continente. Do outro lado, os ainda aliados dele sabem que não há luz no fim do túnel e podem passar a preferir um Maduro “mártir” a um Maduro podre e fora de si.

Seja como for, por renúncia ou ação institucional, a queda parece iminente e já começa uma outra etapa: a da avaliação de perdas e ganhos. Quem mais lucra são os Estados Unidos, que voltam com tudo para a América do Sul, agora “saneada” dos regimes de esquerda e embalando a direita, como no Brasil.

O vice americano, Mike Pence, postou-se ao lado do autoproclamado presidente Juan Guaidó e tornou-se a estrela do Grupo de Lima em Bogotá. Ameaçou os militares venezuelanos – “Vocês serão responsabilizados” – e incitou as outras nações a seguirem o exemplo dos EUA, congelando ativos dos líderes chavistas e da petroleira PDVSA em seus países.

Enquanto Pence brilhava na Colômbia, a subsecretária de Estado para o Hemisfério Sul, Kimberly Breier, desembarcava no Brasil para encontros com o presidente Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e... o deputado Eduardo Bolsonaro. Em pauta, a Venezuela.

Por que o deputado? Porque ele não é só filho do presidente da República, como também “o cara” da política externa da “nova era”, que sabatina os candidatos a chanceler, bate o martelo no de sua preferência, foi o primeiro enviado do novo governo à Casa Branca.

Não satisfeito em meter na cabeça um boné da campanha de reeleição de Donald Trump, Eduardo Bolsonaro acaba de divulgar um vídeo dele próprio apoiando ardorosamente, ao microfone, um muro entre os EUA e os mexicanos.

Seria ótimo saber o que Forças Armadas, os grandes diplomatas, os nacionalistas e os simplesmente de bom senso pensam disso no Brasil. Inclusive o vice Mourão, que teve uma participação devidamente prudente em Bogotá. Aliás, essa é a palavra-chave: prudência.

O Grande Irmão. A colega Renata Cafardo informa que o MEC enviou e-mail a escolas públicas e particulares, exigindo, ops!, recomendando que elas leiam diante da Bandeira, gravem e enviem ao ministério o vídeo da leitura de uma mensagem do ministro Vélez Rodrigues para alunos, professores e funcionários, que termina com o lema bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” Uso das crianças para fins políticos, seja para que lado for, é o fim da picada.


Luiz Carlos Azedo: A cabeça de Maduro

“A crise venezuelana estava se transformando no epicentro da disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que ocorre desde a guerra fria”

A queda do presidente da Venezuela, Nícolas Maduro, é uma espécie de troféu para a nova política externa do governo Jair Bolsonaro. Traduziria no plano internacional a ruptura política que sua eleição representou. Ocorre que a política externa brasileira, desde o barão do Rio Branco, é uma política de Estado. Quando tudo parecia que a disjuntiva entre uma coisa e outra era um fato consumado, a realidade começou a se impor com toda a força à nossa diplomacia. O Brasil meteu a colher na política interna da Venezuela como nunca antes, pero no mucho. Os militares cuidaram de jogar um balde de água fria na estratégia de confronto com Maduro.

Há razões para isso. O Brasil não está preparado para uma guerra de verdade e não tem uma cultura militar intervencionista. Uma coisa é mobilizar as Forças Armadas e a população para se defender de uma agressão. Outra coisa, muito diferente, é participar de uma intervenção militar ou mesmo apoiá-la num país vizinho. A paz nas nossas fronteiras da Amazônia foi uma conquista diplomática, não foi um estatuto estabelecido militarmente, com exceção do Acre. Os militares sabem muito bem disso, assim como o Itamaraty, mas parece que foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão, que foi adido militar brasileiro na Venezuela, explicar aos parceiros da nova diplomacia do chanceler Ernesto Araújo que nosso alinhamento aos Esta- dos Unidos tem um limite.

Ontem, durante o encontro do Grupo de Lima, em Bogotá (Colômbia), Mourão afirmou que o governo brasileiro defende uma solução “sem qualquer medida extrema”. O Grupo de Lima foi criado em 2017, por iniciativa do governo peruano, com o objetivo de pressionar Maduro a restabelecer a democracia na Venezuela. Além de Brasil e Peru, Argentina, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá e Paraguai integram o grupo: “O Brasil acredita firmemente que é possível devolver a Venezuela ao convívio democrático das Américas sem qualquer medida extrema que nos confunda com aquelas nações que serão julgadas pela história como agressoras, invasoras e violadoras das soberanias nacionais”, disse Mourão.

Em termos geopolíticos, para ser bem claro, a crise venezuelana estava se transformando no epicentro de uma disputa dos Estados Unidos com a Rússia e a China, muito distante das fronteiras quentes em que historicamente ela ocorre desde a guerra fria. Há muito petróleo em jogo, como no Oriente Médio, e também uma espécie de simetria com os casos da Ucrânia e da Síria, onde a Rússia teve seus interesses estratégicos ameaçados pelos Estados Unidos. A guerra comercial com a China põe mais lenha na fogueira. Para os adversários de Trump, a crise venezuelana é uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.

Intervenção
Os militares brasileiros não estão nessa, não vão riscar um palito de fósforo perto de um barril de pólvora. Pode ser que Maduro caia mais rapidamente do que se imagina, mas o fato é que ele tem todas as condições de se manter no poder por mais tempo com o apoio das Forças Armadas venezuelanas e a ajuda da Rússia e da China, a não ser que haja uma intervenção militar norte- americana que arrase suas instalações e tropas militares.

Qual seria a repercussão disso nos demais países do continente? Seria a volta da política de “Big Stick” do presidente Theodore Roosevelt, como corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer a sua política externa como forma de deter as intervenções europeias.

Por ironia, o canal do Panamá, construído para consolidar a hegemonia norte-americana, hoje serve aos interesses comerciais chineses, que ainda pretendem construir na Nicarágua um canal três vezes maior, com 80km, ao custo de US$ 40 bilhões (cerca de R$ 85 bilhões), aproximadamente quatro vezes o PIB nicaraguense. A escalada intervencionista protagonizada pelos Estados Unidos, a partir da ajuda humanitária articulada pelo “presidente interino” Juan Guaidó, que atravessou a fronteira para a Colômbia com objetivo de liderar a entrada de caminhões com alimentos e kits de primeiros socorros, é uma jogada de alto risco. Se foi um erro ou não, só saberemos quando tentar voltar, mas o fato é que a maioria dos generais está com Maduro.

O caminho para superação do problema não é a intervenção militar. É a negociação política no plano internacional e no plano interno, com a convocação de novas eleições e uma anistia geral. O comprometimento com a corrupção e o tráfico de drogas por parte dos líderes militares da Venezuela são um complicador para qualquer acordo que não lhes garanta a uma certa impunidade. É aí que está o grande entrave à saída de Maduro, por mais que sua cabeça tenha sido posta a prêmio

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-cabeca-de-maduro/


O Globo: Brasil vai manter linha de não intervenção na Venezuela, afirma Mourão

Vice-presidente está na Colômbia para reunião do Grupo de Lima

BOGOTÁ E BRASÍLIA - O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, já está em Bogotá para participar da reuniçao do Grupo de Lima, que discute saídas para a crise venezuelana.

- Vamos manter a linha de não intervenção, acreditando na pressão diplomática e econômica para buscar uma solução. Sem aventuras - disse Mourão ao jornalista Gerson Camarotti, da TV Globo.

O Brasil defenderá entre os países do grupo uma maior pressão diplomática e econômica para o isolamento internacional do regime Maduro.

O Grupo de Lima, que se reúne hoje em Bogotá, é formado por 14 países americanos e caribenhos. A reunião de hoje deverá ter as presenças do vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, e do próprio Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional da Venezuela que se autoproclamou presidente do país.

Um porta-voz da União Europeia destacou que o bloco clama por esforços de evitar uma "intervenção militar" na Venezuela.

O governo brasileiro informou na noite deste domingo que negociou com militares venezuelanos para diminuir a tensão na fronteira com o país vizinho. Segundo nota divulgada pelo Ministério da Defesa, ações foram tomadas pelos dois lados. Na Venezuela, o acordo resultou no recuo dos chamados veículos anti-distúrbios. Já no Brasil, a decisão envolveu, de acordo com o comunicado, reforçar o controle dos imigrantes venezuelanos para evitar novos confrontos.

Segundo a nota, a decisão de retirar os veículos da fronteira foi tomada após conversa com militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). "Militares brasileiros e venezuelanos negociaram, no local, e foi entendida a inconveniência da presença desse tipo de aparato militar", diz o documento.

A pasta informou ainda que a fronteira continua aberta para acolher refugiados. "O Ministério da Defesa reitera a confiança numa solução urgente para a situação na Venezuela", completa o comunicado.

O pronunciamento do Ministério da Defesa ocorreu após um fim de semana tenso na fronteira com a Venezuela, em Roraima. Houve confronto entre manifestantes e militares venezuelanos, que responderam com bombas de gás lacrimogênio aos ataques com pedras. O vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, embarcaram para a Colômbia, onde representantes do Grupo de Lima, que reúne 14 países latino-americanos, discutirão a crise na Venezuela.


El País: Embates na fronteira com a Venezuela colocam Brasil numa encruzilhada diplomática

Mourão e Araújo vão à Colômbia tratar da crise no país vizinho que respingou em Pacaraima e tem potencial de acender barril de pólvora. Apoio do Governo Bolsonaro a ação humanitária põe em risco tradição da diplomacia

As virtudes diplomáticas do vice-presidente Hamilton Mourão estão à prova na mediação da crise com a Venezuela que respingou em Pacaraima neste final de semana. A cidade na fronteira do Brasil ficou em intensa adrenalina durante o sábado e domingo ao servir de passagem para dois caminhões de ajuda humanitária que chegariam aos venezuelanos neste sábado. Houve barreira de soldados chavistas, deserção de alguns militares, compatriotas em solo brasileiro jogando pedras contra a barreira chavista, e o revide com bombas de gás lacrimogênio. "Nunca vi Exército de outro país jogar bomba de gás lacrimogênio no Brasil", afirmou à rede Globo o coronel do Exército José Jacaúna, que integra a chamada Operação Acolhida.

A surpresa de Jacaúna mostra o nível de tensão que se instalou na cidade fronteiriça de Roraima, num dos momentos mais preocupantes do continente nos últimos tempos. No sábado, quatro pessoas foram mortas por forças chavistas na cidade de Santa Elena de Uairén, a 15 quilômetros de Pacaraima, quando tentavam se aproximar da fronteira com o Brasil para receber a ajuda humanitária destinada aos venezuelanos. Depois de ataques tão próximos, especialistas veem com apreensão o desenrolar da crise. “O perigo ali na fronteira dos dois países são as faíscas que podem se formar num quadro extremamente delicado”, diz Rafael Villa, cientista político venezuelano que vive no Brasil há 25 anos.

Leia-se por faísca qualquer situação que avance para um ataque ao Brasil e que acenda a pólvora de um conflito onde entrariam outros protagonistas de peso, como os Estados Unidos, que pressionam pela saída de Nicolas Maduro, e Rússia, que apoia o sucessor de Hugo Chávez. “Este é um conflito com capacidade de se tornar internacional rapidamente, com envolvimento de grandes potências, e aí a destruição é garantida, num conflito que não é nosso”, sublinha Dawisson Belem Lopes, professor de Política Internacional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Com o Brasil no meio dessa potencial reedição da guerra fria, Mourão seguiu para a Colômbia neste domingo junto com o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, onde se reunirão com outros presidentes da região e com Juan Guaidó, que ganhou o apoio de 50 países ao se autoproclamar presidente interino da Venezuela, em desafio a Maduro. O chanceler esteve em Boa Vista e Pacaraima ao lado de María Teresa Belandria, a embaixadora venezuelana designada pelo presidente interino Juan Guaidó para o Brasil. A diplomacia internacional vê um claro contraste entre o general da reserva, vice do presidente Jair Bolsonaro, e Araújo. Enquanto o primeiro conta com o traquejo da ações internacionais, seja em missão de paz no Haiti ou como adido militar na Venezuela, o chanceler abraça uma linha que representa uma quebra com a tradição diplomática brasileira de ser um agente conciliador, segundo especialistas. Neste sábado, ele chegou a divulgar um vídeo afirmando que  umcaminhão de mantimentos que estava em Pacaraima havia atravessado a fronteira e alcançado terreno venezuelano, dando a entender que furara o bloqueio de guardas chavistas para levar a ajuda. A informação, no entanto, não procedia de todo, pois o veículo ficou numa área neutra entre os dois países e não avançou. Outro caminhão, de porte pequeno também chegou ao mesmo ponto, mas os dois precisaram dar meia volta sem levar a carga de medicamentos e alimentos – a maioria vinda dos Estados Unidos e uma parte do Brasil – para o outro lado da fronteira. “Não dá para imaginar jamais que um diplomata da velha cepa tomasse esse tipo de atitude incitando a população, fazendo vídeos da fronteira. Não tem propósito prático, é um engajamento que me parece leviano”, diz Lopes, da UFMG.

Em entrevista à BBC na semana que passou, Mourão optou por um tom mais ameno. “Nós jamais entraremos em uma situação bélica com a Venezuela, a não ser que sejamos atacados, aí é diferente”, diz ele. “Mas eu acho que o Maduro não é tão louco a esse ponto”, concluiu o general da reserva. O vice se manteve discreto ao longo do final de semana, assim como o próprio presidente Jair Bolsonaro. Contumaz tuiteiro, evitou falar da Venezuela mesmo quando foram registradas quatro mortes perto de Pacaraima. Tuitou sobre placas solares na região do São Francisco ou vagas no Exército, e nenhuma palavra sobre Maduro. Bem diferente de outros mandatários da região, como o presidente da Colômbia Ivan Duque, e do Chile Sebastián Piñera, que se reuniram com Guaidó em cidade colombiana de Cúcuta, onde houve um show em apoio aos venezuelanos, e que passaram o final de semana criticando Maduro nas redes sociais. Ernesto Araújo, contudo, esteve ali, e representou o Brasil na reunião entre os presidentes. “Ayuda y libertad!" Em Cúcuta, Colômbia, fronteira com a Venezuela, em reunião com os Presidentes da Colômbia, Chile e Paraguai e líderes venezuelanos. Grande momento de mobilização internacional pela Venezuela e apoio ao governo legítimo de Guaidó”, tuitou ele.

Até o momento, os militares brasileiros têm demonstrado bastante cautela com a operação de ajuda humanitária à Venezuela. Segundo a edição deste sábado do jornal Folha de S. Paulo, a própria definição do papel do Brasil na ação humanitária dividiu opiniões no Governo. De acordo com o jornal, Bolsonaro pediu reunião com os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e David Alcolumbre, respectivamente, para saber se o Brasil deveria enviar a ajuda humanitária à Venezuela. O encontro incluía seleto grupo de ministros de confiança e o presidente do STF, Dias Toffoli. Maia e os militares eram contra a participação do Brasil, segundo a Folha. Os demais foram favoráveis.

Ainda, segundo a Folha, os generais Santos Cruz e Augusto Heleno temiam emitir sinais equivocados caso o Brasil se envolvesse na crise da Venezuela neste momento, alertando que o país poderia estar sendo usado como isca para fomentar conflito e dar margem a uma intervenção militar dos Estados Unidos na Venezuela. Bolsonaro então teria se comprometido a não autorizar o ingresso de tropas americanas pelo território brasileiro e determinou que só liberaria o carregamento de mercadorias se todos os veículos e motoristas fossem venezuelanos. A contribuição material do Brasil também foi pequena. A grande maioria da ajuda humanitária foi doada pelos Estados Unidos. Mesmo com toda a prevenção, o temor é que a situação saia do controle, ainda mais com a pressão por uma eventual intervenção militar ansiada por Guaidó, que custaria bem pouco para os Estados Unidos, por exemplo, mas traria um risco incalculável para o continente e para o Brasil.

Por ora, a paciência dos militares que atuam em Pacaraima está sendo testada com relativo sucesso. Neste domingo, venezuelanos em território brasileiro lançaram pedras e outros objetos por uma meia hora contra os soldados da Guarda Nacional Bolivariana que formaram uma barreira para impedir a passagem da ajuda humanitária para a Venezuela. Houve também queima de objetos no interior de um posto militar venezuelano, segundo a agência AFP. Os militares chavistas, que se encontravam um pouco distantes do limite com o Brasil, decidiram chegar mais perto do solo brasileiro e atiraram as bombas de gás. Militares brasileiros, então, isolaram os manifestantes para evitar confronto, contou a correspondente do EL PAÍS Naiara Galarraga, o que esfriou os ânimos naquele momento. A dúvida é até quando é possível manter esse controle da situação.

Para Rafael Villa, o Brasil acabou indo a reboque dos Estados Unidos ao oferecer suporte na ação de ajuda humanitária. “Esperava-se que o Brasil assumisse um papel de responsabilidade, não o de ceder às pressões americanas, indo à fronteira”, diz ele. “Isso reafirma um papel diplomático secundário, demonstrando que a diplomacia brasileira está sem norte”, avalia o venezuelano, pós doutor por Columbia. Sem o papel de mediador de outrora, o país deixa um vácuo na região que desequilibra o jogo político.


O Globo: Governo brasileiro condena 'atos de violência de ditador ilegítimo Maduro' e pede apoio a Guaidó

Em nota, Itamaraty convoca países a 'somarem-se ao esforço de libertação da Venezuela'.

CÚCUTA, COLÔMBIA — O Governo do Brasil condenou, por meio do Ministério das Relações Exteriores, os "atos de violência perpetrados pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro"  nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e com a Colômbia neste sábado. Em nota oficial, a pasta ressaltou que a atitude de Maduro causou mortes e deixou dezenas de feridos.

No sábado, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, chegou a gravar um vídeo informando que camionetes com alimentos destinados aos venezuelanos haviam entrada no país pela fronteira em Pacaraima, Roraima, mas o carregamento não foi autorizado a passar e agora está armazenado na base militar da cidade brasileira.

"O uso da força contra o povo venezuelano, que anseia por receber a ajuda humanitária internacional, caracteriza, de forma definitiva, o caráter criminoso do regime Maduro. Trata-se de um brutal atentado aos direitos humanos, que nenhum princípio do direito internacional remotamente justifica e diante do qual nenhuma nação pode calar-se", diz a nota do Itamaraty.

No mesmo pronunciamento, o Brasil apelou à comunidade internacional, sobretudo aos países que ainda não reconheceram o opositor Juan Guaidó como presidente interino, "a somarem-se ao esforço de libertação da Venezuela, reconhecendo o governo legítimo de Guaidó e exigindo que cesse a violência das forças do regime contra sua própria população".

A entrega da ajuda internacional foi, até agora, a grande aposta da oposição para levar os militares a abandonar a lealdade a Maduro e abrir as fronteiras. No entanto, apesar de 23 integrantes das Forças Armadas e da Polícia Nacional bolivariana terem desertado para a Colômbia, outras centenas de agentes das forças de segurança, fiéis ao Palácio de Miraflores, avançaram contra os manifestantes. Quatro pessoas morreram e mais de 20 ficaram feridas a bala, em Santa Elena, cidade venezuelana perto da fronteira com o Brasil. Na fronteira com a Colômbia, 285 pessoas ficaram feridas em confrontos com as forças de Caracas.


Alon Feuerwerker: Os riscos para o Brasil na crise venezuelana. E uma lembrança da Guerra do Paraguai

Cada um vê o imbroglio venezuelano conforme as lentes da ideologia, e esse é um direito inalienável. Há poucas coisas mais inúteis em política internacional do que discutir “quem tem razão”. Costuma ter razão quem tem a força para impor seu desejo. Os propagandistas entram na história para dar um trato na cena, fazer a limpeza e o embelezamento. Como aquele sujeito em Pulp Fiction. Não viu o filme? Veja.

Quem “tem razão” na Venezuela? Depende. Se você defende que o melhor para a América do Sul agora é estancar a penetração russa e chinesa, e quem sabe iraniana, e de quebra varrer a esquerda que apoia o chavismo, faz sentido apoiar as pressões contra o governo de Nicolás Maduro. Se você acha que o mais importante é conter a tentativa americana de retomar a região como esfera de influência, fique do outro lado.

Mas se você é movido por teses como a defesa dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos e do respeito irrestrito à separação dos poderes numa democracia que permita a alternância real no governo, aí talvez seja o caso de cautela. Porque a cada acusação contra o chavismo nesses temas há pelo menos um caso de país amigo dos Estados Unidos, e agora do Brasil, onde isso é deixado para lá. Então deixemos para lá.

A Venezuela é o país da hora onde enfrentam-se as potências que disputam a hegemonia planetária. Os Estados Unidos têm força militar suficiente para tentar resistir à perda de protagonismo para a economia da China. E a Rússia parece ter retomado o poderio militar para conter o declínio deflagrado pela dissolução da União Soviética. Por que a Venezuela? Tem muito petróleo e a América do Sul é um celeiro de commodities.

Está em curso portanto um movimento baseado na interpretação mais crua da Doutrina Monroe, “A América para os americanos”. E no princípio da projeção de poder (militar). Se a Ucrânia, a Síria e a Coreia do Norte são muito longe dos Estados Unidos, a Venezuela é muito longe da China e da Rússia. O recado de Trump é claro: se longe de casa precisamos negociar e aceitar acordos, aqui nas redondezas fazemos o que dá na telha.

E o Brasil? Se o plano de uma derrubada “limpa” do chavismo der certo, com as Forças Armadas dali coesas degolando o governo sem maiores reações e conseguindo estabilidade social e militar, e eventualmente política, tudo bem. O bolsonarismo celebrará a queda de mais um desafeto e vida que segue. Quem sabe até com oportunidades econômicas, com o Brasil entrando de sócio minoritário no desmonte da PDVSA.

Mas, e se der errado? Um risco para o Brasil é a disputa política na Venezuela enveredar para a guerra civil, coisa de que o continente parecia ter se livrado com o acordo de paz na Colômbia. E já que o Brasil decidiu ser protagonista na “guerra pela Venezuela”, será difícil simplesmente voltar para casa e dizer “virem-se, não temos nada a ver com isso”. Até porque nossa fronteira norte é extensa, porosa e cheia de povos indígenas.

Povos para os quais a fronteira e as nacionalidades produzidas após a ocupação hispano-portuguesa têm importância apenas relativa. Em miúdos, gente para quem ser da tribo é mais importante do que ser “brasileiro” ou “venezuelano”. Em tempo de paz, isso tem sido um desafio latente para o Brasil, particularmente para nossas Forças Armadas. Como ficaria a coisa em tempo de guerra? Especialmente se ela transbordar para cá?

Isso traria um conflito bélico para dentro de nossas fronteiras pela primeira vez desde a Guerra do Paraguai. Ela deu na Abolição e na República. #FicaaDica.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


El País: Na fronteira da Venezuela com a Colômbia, distúrbios violentos e dezenas de deserções chavistas

A tentativa frustrada de levar remédios e alimentos a partir da Colômbia e do Brasil eleva a pressão sobre Maduro. Pelo menos 60 soldados venezuelanos abandonaram as Forças Armadas

Os venezuelanos viveram neste sábado outro ponto de inflexão no confronto entre o chavismo e a oposição a Nicolás Maduro. A operação do presidente interino Juan Guaidó nas fronteiras, que com o apoio direto ou a solidariedade da imensa maioria da chamada comunidade internacional busca introduzir ajuda humanitária no país, gerou um novo quadro à margem do resultado da convocação. A repressão impediu a entrega de remédios e alimentos dirigidos a 300.000 cidadãos em risco de morte, recusada de forma peremptória pelo sucessor de Hugo Chávez, que lhe atribuiu o peso de uma interferência dos Estados Unidos. A jornada elevou à tensão máxima as passagens fronteiriçoas da Colômbia, onde se registraram graves incidentes, distúrbios e ataques policiais.

Na cidade de San Antonio de Táchira, que faz fronteira com a cidade colombiana de Cúcuta, se produziram choques entre as forças de segurança, a população e os seguidores de Guaidó, quem na sexta-feira cruzou a fronteira para liderar o operativo em aberto desafio ao Governo que lhe havia proibido sair do país. Os agentes tentaram dispersar os manifestantes com gases lacrimogênio e balas. Houve episódios de violência no lado venezuelano das pontes de Tienditas e Simón Bolívar. Ao caos atribuído a membros de coletivos de paramilitares chavistas acrescentou-se a repressão dos militares em resposta aos manifestantes, que o chavismo considera responsáveis pelos distúrbios.

A tentativa de Guaidó, presidente da Assembleia Nacional que há um mês se declarou chefe de Estado interino, de quebrar a unidade dos militares, conseguiu mais de 60 deserções de agentes da Guarda Nacional Bolivariana e duas da Policial Nacional que custodiavam a fronteira. Entregaram-se às autoridades de Migração Colômbia e pediram refúgio no país vizinho.

Enquanto milhares de voluntários seguiam tentando fazer chegar ao país os carregamentos com ajuda, procedentes em sua maioria dos EUA, em Caracas uma multidão de manifestantes dirigia-se para a base aérea da Carlota. Chegaram a rodear ao meio-dia entre gritos de "soldado, escuta, una-se à luta". O respaldo das Forças Armadas é um ponto chave para alcançar o poder na Venezuela, onde o aparelho estatal está profundamente militarizado, e Guaidó leva semanas apelando à consciência de sua cúpula e bases para convencê-los de que deem as costas a Maduro.

Neste sábado, o presidente interino se reuniu em Cúcuta com alguns desses desertores. "Os soldados com quem falei responderam a seu desejo de vida e futuro para seus filhos que o usurpador não lhes garante. Soldado venezuelano, a mensagem é clara. Faça o que manda a Constituição. Terá anistia e garantias para quem se coloque do lado do povo", lembrou. Também lançou uma mensagem às bases chavistas ainda fiéis ao ex-presidente morto em 2013 e àqueles cada vez mais insatisfeitos com Maduro. Sua intenção é incorporá-los num processo de transição e por isso fez questão de que sua leitura "é de todos e por todos os venezuelanos". "Quero fazer um especial chamado ao povo chavista e a quem estiver perto de se somar ao lado da Constituição, da convivência democrática e o bem-estar para todos".

O que resta do Governo de Maduro também procurou uma imagem de exibição de força, como vem sendo habitual, para contraprogramar os atos da oposição. O mandatário compareceu junto ao palácio presidencial de Miraflores ante seus seguidores, em sua maioria empregados públicos. Assegurou que "reta formalmente" a seu adversário a convocar eleições e se esforçou em demonstrar que 30 dias depois, em referência à proclamação de Guaidó, "o golpe de Estado fracassou". Ao mesmo tempo, lançou-lhe uma advertência. "Haverá justiça na Venezuela. Para que haja paz haverá justiça", disse. Maduro aludia ao não cumprimento da ordem expressa, emitida pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), de que Guaidó não saísse do território venezuelano.

Em definitiva, o chavismo recorreu a seu manual de sempre, acusando os opositores de montar um "show" na fronteira e provocar os incidentes. "Perturbaram levando a guarimba [o protesto] ao povo de San Antonio. Queimaram um ônibus. Um show para perturbá-los e tirar a tranquilidade aos formosos povos da fronteira. Ontem [pela sexta-feira] me vi obrigado a fechar as pontes fronteiriças até um novo aviso e estou avaliando o que fazer. Vocês sabem que eu não temo a nada", disse antes de chamar os militares e às centenas de milhares de milicianos armados pelo Governo a se levantar caso algo lhe acontecesse.