Lançamento
Laurentino Gomes: 'Escravidão é assunto mais importante da história do país'
Sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura, jornalista e escritor fala sobre racismo, desigualdade social e Semana de Arte Moderna
João Rodrigues, da equipe da FAP
O Bicentenário da Independência do Brasil ocorre em 2022. Neste contexto histórico de celebrações, a escravidão – marca perversa e cruel da história brasileira – merece ser analisada de forma ampla, principalmente pelos reflexos que ainda hoje causam em nossa sociedade, sobretudo pela normalização do preconceito, da violência e da desigualdade social.
Para analisar esse importante tema da história nacional, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira desta semana conversa com Laurentino Gomes, escritor, jornalista, sete vezes ganhador do Prêmio Jabuti de Literatura. Laurentino acaba de lançar Escravidão - volume II, o segundo livro da premiada série em que faz um profundo relato dessa triste página da história brasileira.
Ouça o podcast!
O episódio conta com áudios do canal Toda Matéria, canção Canto das Três Raças, de Clara Nunes, programa Roda Viva, Superinteressante e CNN Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
'Sistema Nacional Único de Educação deve colocar país na vanguarda'
Proposta é feita pelo ex-ministro Cristovam Buarque, em artigo na 57ª edição da revista Política Democrática impressa, a ser lançada em evento virtual da FAP na quinta (12/8)
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
No país com 11 milhões de pessoas que não sabem ler nem escrever, a educação de base deve ser uma questão nacional, financiada e coordenada pelo governo federal, segundo o ex-ministro da Educação, ex-senador e ex-governador do Distrito Federal Cristovam Buarque. “O Sistema Nacional Único de Educação deve nos colocar na vanguarda nos métodos de formação e transmissão de conhecimento”, afirma ele.
Assista!
A análise de Cristovam está publicada na 57ª edição da revista Política Democrática impressa, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), dedicada exclusivamente à educação e que está à venda na internet.
Já à venda!
Clique aqui e adquira já o seu exemplar da Política Democrática Impressa - Edição 57
O ex-ministro e outros autores participarão do primeiro de cinco eventos on-line de lançamento da publicação, na quinta-feira (12/8), a partir das 19h. A transmissão será realizada no portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade.
As importantes reflexões e análises de 19 autores começam com o artigo de Cristovam Buarque, fazendo um chamado para que a educação brasileira crie condições para dar um salto de qualidade em sua existência.
“O Brasil não terá futuro se não oferecer a cada uma de nossas crianças a escola da qual elas gostem no presente e que lhes ofereça a chance de melhorar seu futuro e construir o país. Só educação não faz, mas sem educação não se faz uma nação”, diz o ex-senador.
“Entraves ao progresso”
Na avaliação de Cristovam Buarque, o Brasil está com seu progresso amarrado não apenas por causa da educação, mas, segundo ele, “o atraso e a desigualdade de nossa educação têm um papel central na rede de entraves ao progresso”.
Para que haja um salto de qualidade, segundo ele, é preciso manter descentralização gerencial em cada escola e liberdade pedagógica em cada sala de aula, de forma que toda criança seja tratada como brasileira, não como municipal ou estadual.
“A estratégia deve consistir, portanto, em um processo de substituição, por adoção, dos frágeis sistemas municipais por um robusto sistema nacional: com carreira federal para todo professor, padrões nacionais de qualidade nas edificações e nos equipamentos das escolas, todas em horário integral, com atividades pedagógicas, culturais e esportivas” afirma o autor, em outro trecho.
Cristovam Buarque explica que, em vez de espalhar escolas individualmente, o governo federal, ao longo do tempo, substituiria, por cidade, cada sistema municipal por um novo sistema federal. “Por grupos de cidades a cada ano, o novo sistema nacional chegaria a todas as escolas, todos os professores e todos os brasileiros, no prazo de duas a três décadas”, acentua o ex-ministro.
Aula teatral X Aula cinematográfica
De acordo com ele, o futuro vai exigir mais do que um sistema educacional, já que, conforme acrescenta, também será preciso que haja uma revolução no conceito e na prática do processo educacional. Segundo ele, as novas tecnologias já estão disponíveis, mas ainda não estão sendo usadas para a passagem da tradicional aula teatral – professor, quadro negro e aluno presencialmente – para a nova aula cinematográfica.
Esta última, conforme explica o autor, consiste no professor sendo o roteirista da peça pedagógica, cinematográfica com os recursos da teleinformática, da computação e da cinematografia, para levar para dentro da sala de aula as informações disponíveis nos bancos de dados, imagem e som, usando a prática presencial, remota ou híbrida.
Leia também
Política Democrática impressa (Edição 56) analisa papel dos municípios na segurança pública
“Este sistema novo não pode, porém, perder a importância do convívio do aluno com a realidade social ao redor, na convivência com os colegas e com o mundo. Uma aula sobre a vida natural das florestas ganhará muito graças às novas técnicas da teleinformática, mas isto não dispensa a eficiência e a beleza da visita presencial à floresta que é estudada. A escola tem que se modernizar sem perder a comunhão com o mundo”, sugere.
O ex-ministro também diz que a superação de cada problema e a realização de cada propósito – produtividade, distribuição de renda, pacificação nas ruas, eleição de políticos honestos, paz nas ruas, estabilidade institucional, superação do quadro de pobreza, estabilidade, sustentabilidade – exigem diversas ações.
No entanto, segundo ele, cada problema fundamental passa pelo atraso da educação nacional e pela desigualdade, como ela é distribuída, conforme a renda e o endereço da família, impedindo o país de aproveitar o maior de seus recursos: a inteligência potencial dos cérebros de sua população.
“Cada pessoa sem educação de qualidade representará uma perda de capital ao longo do Terceiro Centenário: o Século do Conhecimento. Cada criança sem escola de qualidade no presente seria sintoma de um país sem qualidade no futuro”, alerta.
Lançamento da revista Política Democrática impressa 57ª edição | Educação
Data: 12/8/2021
Transmissão: a partir das 19 horas
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da Fundação Astrojildo Pereira
Horizontes Democráticos: O presente como história
Já se disse que a História não é o que passou, mas o que, no presente, permanece do que passou, desafiando a consciência que se pode ter sobre o tempo e o mundo dos contemporâneos. É por isso que muitos historiadores são convocados a emitirem suas opiniões sobre os fatos do presente. Não há, portanto, nenhuma contradição nessa convocação. O conhecimento e a reflexão historiográfica parecem ser cada vez mais reconhecidos como parte da inteligência especializada em refletir sobre permanências, muitas vezes ocultas – não só para o homem comum –, que sustentam e dão base aos embates e conflitos que nos envolvem cotidianamente.
CONFIRA O WEBINÁRIO
Clique aqui e adquira já o livro escrito por Vinícius Müller
Para além dessa dimensão pontual, está cancelada, da mesma forma, a possibilidade de o pensar historiográfico estar afastado da investigação sobre as formações culturais comumente entendidas como alicerces do mundo, desde aquelas que possibilitaram que se projetasse um futuro melhor – mais progressista ou simplesmente fazendo par com a ideia de progresso – até aquelas, contrario sensu, que, uma vez cristalizadas, condenam pessoas ou gerações inteiras a viverem como se o tempo não se alterasse ou os fatos, mesmo os moleculares, não fossem capazes de mudar a vida.
Reconhecer no passado uma instância permanente do nosso presente é entender que os tempos humanos são estruturas fundantes da nossa cultura, no sentido lato do termo. Assim, pensar em como se lida com a História e fazer com que ela seja útil, científica ou mesmo moralmente, é o que move os historiadores do nosso tempo. Como parte disso, a História que produzimos no Brasil, por historiadores de profissão ou não, deve ser vista como uma das expressões particulares do métier historiográfico que vai da produção desse conhecimento até a função social que desempenha. E uma das dimensões essenciais desse conhecimento especializado, compartilhado por historiografias que se desenvolvem em outras latitudes, é a perspectiva de atualização constante. Assim, cada vez mais o que é entendido como interdependência em outras dimensões da atividade humana invade da mesma maneira o campo da História. Isso é notável no percurso da historiografia que hoje se produz e não poderia deixar de estar presente na reiterada proposta dos capítulos desse livro, a saber, repensar o presente brasileiro a partir de critérios que superem demarcações restritivas, notadamente as ideológicas, e possibilitem novas visões sobre o passado que insiste em demarcar sua presença nas estruturas da nossa sociedade.
No livro que o leitor tem em mãos, o mundo das narrativas, aparentemente inevitável no nosso tempo, é submetido, capítulo a capítulo, a uma operação que visa estabelecer um inventário amplo e diversificado daquilo que coloniza o território das ciências humanas e sociais, com destaque especial para a reflexão historiográfica. Essa operação é muitas vezes ampliada no sentido de incorporar também a essa reflexão o complexo de narrativas intelectuais que a vida cultural assimilou como o mainstream da opinião pública. Ambas dimensões – para mencionarmos apenas duas delas – estão aqui seletivamente recrutadas em agudos diálogos, todos pertinentemente compostos em análises rigorosas e estimulantes.
Cada capítulo deste livro é dedicado, conforme o tema e a abordagem, tanto a sondar o que há de mais atual no debate intelectual a respeito de questões decisivas relativas às teorias e metodologias que orientam a produção do conhecimento histórico quanto a problemas análogos referentes à História do Brasil, selecionando para o debate as narrativas que, em seu tempo, ajudaram a construir as visões que temos sobre o país. Muitas delas, enfatiza o autor, contribuíram enormemente para encobrir uma visão mais complexa e plural da realidade brasileira, obstaculizando uma perspectiva política e cultural ampla e renovada que hoje a imensa crise que vivenciamos se encarrega de evidenciar com notável eloquência.
Em meio a tantas narrativas que brotam no terreno da nossa historiografia, duas merecem ser mencionadas. A primeira é de caráter metodológico e convida o leitor a ultrapassar uma visão modelar que por décadas gerou um apego a explicações e hipóteses calcadas no antagonismo como elemento explicativo da história do país. Como reafirma criticamente o autor, “lamentavelmente para muitos, quando a História não se encaixa no modelo, errada está a história, não o modelo. Assim, continuamos a reproduzir tal modelo e nele ‘encaixar’ tudo o que queremos saber. Inclusive aquilo que ele, o modelo, não é capaz de explicar”. Nesse momento do livro se faz uma crítica clara à sobrevivência de muitos equívocos da abordagem de Caio Prado Jr. a respeito da nossa história, mesmo relevando seus inúmeros acertos, mas, tal apreciação tem caráter mais geral e deve ser entendida como uma referência crítica a outras temáticas e/ou autores. A ênfase no caso mencionado se reporta ao fato de que a abordagem sistêmica com base na oposição metrópole/colônia como determinante explicativo não possibilitou uma leitura mais acurada de processos específicos de desenvolvimento que o país vivenciou, chamando atenção para sua diferenciação regional ou mesmo local, o que nos leva à segunda dimensão que queremos destacar.
Trata-se da perspectiva de ver na hipertrofia do Estado na história brasileira não um modelo de afirmação ou condenação, mas uma história eivada de ambiguidade ou mesmo um paradoxo que acabou gerando um labirinto para as forças políticas que buscam estabelecer projetos de futuro para o país. Acertadamente, Vinicius Müller aponta para o fato de que a centralização do Estado que marca a história brasileira desde o Império passou a ser entendida até hoje como “responsável pela má distribuição dos recursos e consequentemente dos determinantes do desenvolvimento regional”. O paradoxo é que esta narrativa imagina que apenas um Estado altamente centralizado seria capaz de inverter esta tendência. Ela trabalha com a noção de que há “uma dívida histórica creditada ao Estado central, dada sua culpa em ter criado as desigualdades regionais a partir de seu arbitrário comportamento em relação à distribuição dos recursos e incentivos públicos”. Müller nos alerta para o fato de que alguns trabalhos começam a chamar a atenção para o fato de que os descaminhos e entraves do nosso desenvolvimento residem também no modo como os poderes locais se comportam frente aquilo que a eles cabia ou lhes cabe hoje, ou seja, a oferta, a qualidade e o alcance de bens públicos que são transferidos para seu gerenciamento e aplicação. O que envolve analisar dimensões políticas e administrativas locais e regionais nem sempre relevadas como importantes ou mesmo como elementos explicativos para nossos problemas de desenvolvimento.
Haveria muito mais a explorar a respeito destes e de outros pontos apresentados nesta coletânea. Em cada um dos pequenos ensaios que a compõe há o grande mérito de buscar, por meio do debate intelectual, compreender as incompletudes e os déficits da nossa formação nacional. Não é sem razão que aqui se convoca o passado para pensar o nosso presente como História.
(Publicado originalmente como Prefácio ao livro de Vinícius Müller, A História como Presente – 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios. Brasília: FAP, 2020)
Blog Horizontes Democráticos
Ensaios, caminhos e meios da História em novo livro de Vinícius Müller
Editada pela FAP, nova obra “A História como presente” reúne 46 ensaios e será lançada em evento online no dia 6 de agosto, às 19h
Cleomar Almeida, da equipe da FAP
Marca da história brasileira desde o Império, a centralização excessiva do Estado é ainda vista como “responsável pela má distribuição dos recursos e consequentemente dos determinantes do desenvolvimento regional”. Esta hipótese, porém, carrega o paradoxo de que apenas um Estado altamente centralizado seria capaz de inverter esse cenário. “Nada mais enganoso”.
Confira o vídeo do webinário!
A avaliação é do historiador e doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) Vinícius Müller, que se afasta do que chama de “turva visão”, criadora de narrativas exageradamente amparadas no comportamento do governo federal. Por isso, ele observa a importância dos municípios para o desenvolvimento.
Clique aqui e adquira já o livro escrito por Vinícius Müller
“É na ponta do sistema, ou seja, no município, que se revela e se manifesta de modo mais concreto a relação entre os indivíduos e o exercício da cidadania. Nesta relação que se encontra boa parte do segredo do desenvolvimento ou de seu contrário, o subdesenvolvimento”, escreve ele.
Lançamento virtual
A análise consta do novo livro “A História como presente: 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios” (240 páginas), de autoria de Vinícius Müller. Editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, a obra será lançada em evento on-line da entidade, no dia 6 de agosto, das 19h às 20h30. Está à venda na internet.
Professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap) e do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller reúne na obra textos escritos por ele entre setembro de 2017 e junho de 2020, divididos em 12 capítulos. Todos eles publicados na Revista Digital Estado da Arte, hospedada no portal do jornal O Estado de S. Paulo.
“Os textos, com algumas poucas exceções, não foram em princípio pensados e escritos para que formassem um corpo único e coerente entre si. Ao contrário, refletiam antigas preocupações e leituras que, ao calor dos acontecimentos, foram sendo rememoradas e refeitas”.
“Além da dicotomia”
Em um de seus ensaios, o autor sugere que o debate sobre o desenvolvimento “deve ir além da dicotomia entre ‘centralização e descentralização’ para alcançar níveis mais sofisticados de questionamentos”. Por isso, na avaliação dele, deve-se ampliar o olhar para os contextos locais.
Segundo Vinícius Müller, itens fundamentais ao desenvolvimento econômico e ao exercício da cidadania se encontram no entendimento do cotidiano das cidades. “Saneamento básico, educação, oportunidade de trabalho e geração de riqueza, habitação, acesso à saúde e segurança são, no mínimo, tão capitais ao desenvolvimento quanto debates sobre proteção à indústria ou taxas de juros”, analisa.
“Faltam-nos trabalhos sobre os municípios que superem seus isolamentos e nos revelem de forma mais orgânica e integrada como a riqueza, a desigualdade, a cidadania, os direitos e o desenvolvimento estão mais vinculados ao modo como as regiões se comportaram do que aos desígnios do poder central”, afirma, em outro trecho do livro.
O autor se sustenta em estudos como o da historiadora econômica Anne Hanley, norte-americana especializada em História do Brasil e pesquisadora com amplo trânsito na academia brasileira (The Public Good and the Brazilian State: Municipal Finance and the Provision of Public Services in São Paulo, Brazil 1822-1930).
“Antagonismo explicativo”
Historiador e professor aposentado da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Alberto Aggio assina o prefácio e vai participar de debate virtual de lançamento da obra. Segundo ele, Vinícius Müller “convida o leitor a ultrapassar uma visão modelar que, por décadas, gerou um apego a explicações e hipóteses calcadas no antagonismo como elemento explicativo da história do país”.
Em outro trecho, ao analisar a obra, destaca a questão de desenvolvimento levantada pelo autor. “Trata-se de ver na hipertrofia do Estado na história brasileira não um modelo de afirmação ou condenação, mas uma história eivada de ambiguidade ou mesmo um paradoxo que acabou gerando um labirinto para as forças políticas que buscam estabelecer projetos de futuro para o país”, ressalta.
O editor-chefe do Estado da Arte e responsável pela apresentação da obra, Eduardo Wolf, diz que “Vinícius Müller acertadamente recusou o ilusório do extremismo, aceitou o desafio do complexo tempo que nos coube viver e encontrou o caminho do meio”.
“Um exemplo nada óbvio disso o leitor encontrará no artigo ‘Pelo fim da ética do enfrentamento’, em que Müller fornece com discreta convicção sua aposta: ‘falta-nos a construção de uma ética que nos reorganize’”, diz Wolf. Ele também vai participar do debate online de lançamento do livro.
“Caminho incontornável”
Segundo o editor, o historiador não recorre a uma grande doutrina política vista como salvadora. “Não passa lições acerca do mercado ou das relações produtivas para ordenar em novos princípios as sociedades humanas; nada disso: é de um novo modo de valorar nossa relação com o outro que precisamos, e repassar a experiência histórica é caminho incontornável”, afirma.
Na avaliação do antropólogo e professor da Universidade de Campinas (Unicamp) Rodrigo Toniol, os 46 ensaios que compõem o livro não carregam as marcas das análises de conjuntura, apesar de refletirem o presente. “Inclusive, talvez esta seja a razão pela qual muitos dos textos aqui incluídos tenham antecipado debates que apenas meses ou anos mais tarde tenham ganhado fôlego no debate público mais amplo”, diz.
“Este é um livro que nos faz olhar para os ecos da história de um país em vertigem. Certamente isso não desfaz a gravidade dos fatos, mas é capaz de transformar o modo como nos relacionamos com eles”, assevera Toniol.
Além de dividir seu tempo com aulas e palestras, Vinícius Müller também é autor de “Educação básica, financiamento e autonomia regional: Pernambuco, São Paulo e Rio Grande do Sul” (Alameda, 280 páginas).Serviço
Lançamento virtual de livro
Título: A História como presente: 46 pequenos ensaios sobre a História, seus caminhos e meios” (Vinícius Müller)
Data: 6/8/2021
Horário: das 19h às 20h30
Onde: Portal, página no Facebook e canal no Youtube da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Realização: Fundação Astrojildo PereiraLeia também:
Livro inédito de jovens de periferia escancara realidade da vida em favelas
Biografia de Rubens Bueno detalha luta pela democracia na vida pública
Novo livro apoia gestores e empreendedores a qualificar trabalho entre setores
Livro de Benito Salomão mostra perspectivas de desenvolvimento municipal
Escritor mineiro aborda detalhes de livro de contos em evento virtual
Carta Capital: ‘Quartinho de empregada é indicador de que a escravidão continua’, diz Laurentino
Para o autor da trilogia ‘Escravidão’, o Brasil não enfrentou e nem resolveu o legado desse período
Alissom Matos, Carta Capital
Às vésperas do lançamento do segundo volume da trilogia Escravidão, Laurentino Gomes vê o Brasil distante de ser uma democracia racial. “O mito da suposta democracia racial é uma balela desmentida pelos fatos cotidianos”, diz. “Nunca chegamos e estamos muito longe de chegar. Se é que um dia chegaremos.”
O livro concentra-se no século XVIII, auge do tráfico negreiro no Atlântico, motivado pela descoberta das minas de ouro e diamantes no País. Gomes classifica o período como o ápice do comércio de seres humanos no continente americano. “Talvez o traço mais característico do Brasil do século XVIII tenha sido a banalidade da escravidão. Mas esse é também o período mais importante da construção das muitas Áfricas que hoje existem no coração do País.”
O autor faz paralelos entre esse período e o Brasil contemporâneo. “Há um genocídio de pessoas negras e jovens em andamento no Brasil, tanto quanto havia na época da escravidão.” No lançamento do primeiro volume, em 2019, ganhava os jornais o caso do garoto chicoteado por seguranças de um supermercado da periferia paulistana. A finalização deste segundo ocorreu em meio à morte da jovem Kathlen Romeu, grávida, durante uma operação policial no Rio.
Alguns dos grandes abolicionistas do século XIX, como o pernambucano Joaquim Nabuco e os baianos André Rebouças e Luiz Gama, diziam que não bastava acabar com a escravidão. Era preciso também enfrentar o seu legado, dando terra, trabalho, educação e oportunidades aos ex-cativos e seus descendentes.
Em conversa com CartaCapital, Gomes defende que o Brasil passe agora por essa “segunda abolição “. “O famoso quartinho de empregada é um indicador de que a escravidão continua a existir entre nós sob formas sutis e disfarçadas. Da mesma forma, as nossas prisões e penitenciária.
A pedido do autor, a entrevista foi feita por e-mail. Confira os destaques a seguir.
Carta Capital: Da herança escravocrata, o que ficou de mais trágico para o Brasil?
LG: A violência e os abusos decorrentes do preconceito racial se repetem com frequência assustadora. Quando lancei o primeiro volume da trilogia, em setembro de 2019, por exemplo, o noticiário era dominado por um episódio grotesco, em que um garoto negro acusado de furtar uma barra de chocolate tinha sido surrado com chicote nas dependências de um supermercado.
Chicotear pessoas negras foi uma das grandes especialidades do Brasil escravista ao longo de mais de 350 anos. Havia manuais que detalhavam como essa punição deveria ser aplicada, de preferência em público, para servir de exemplo aos demais cativos, e em doses bem medidas, para não incapacitar o escravo para o trabalho.
Agora, passados dois anos, no lançamento do segundo volume, outro escândalo estava na pauta dos brasileiros: a história de uma mulher jovem, designer e modelo, grávida de quatro meses, morta por uma bala “perdida”, dispara a esmo em um confronto entre a política e o crime organizada na guerra civil em andamento no Rio de Janeiro. Há um genocídio de pessoas negras e jovens em andamento no Brasil, tanto quanto havia na época da escravidão.
Os cativos brasileiros foram sempre tratados com violência. Havia, sim, espaços para alianças e negociações, mas alforria foi geralmente mais uma conquista do que uma concessão
O racismo produziu um sistema de castas na sociedade brasileira. Basta observar quem mora nas periferias insalubres, perigosas, dominadas pelo crime organizado, pelo tráfico de drogas, sem qualquer assistência do Estado brasileiro. Na maioria, são pessoas afrodescendentes. Enquanto isso, os chamados “bairros nobres”, com boa qualidade de vida, segurança, serviços públicos e educação de qualidade, são habitados por pessoas descendentes de colonizadores europeus brancos.
Estatisticamente, a pobreza no Brasil é sinônimo de negritude. No meu entender, só a persistência de uma ideologia racista, que recusa oportunidades a todos os brasileiros, independentemente da cor da pele, explica essas diferenças.
CC: Você disse, certa vez, que a escravidão é uma tragédia ainda em andamento.
LG: A escravidão acabou oficialmente no Brasil com a Lei Áurea, mas os seus efeitos persistem ainda hoje. Portanto, está longe de ser apenas um assunto museu ou livro de história, algo congelado e acabado no passado. É uma realidade presente assustadora no Brasil deste início de século XXI.
Alguns dos grandes abolicionistas do século XIX, como o pernambucano Joaquim Nabuco e os baianos André Rebouças e Luiz Gama, diziam que não bastava acabar com a escravidão. Era preciso também enfrentar o seu legado, dando terra, trabalho, educação e oportunidades aos ex-cativos e seus descendentes. Essa segunda abolição o Brasil jamais fez.
A segunda abolição preconizada por Nabuco, Rebouças e Gama é um dos desafios a ser enfrentado por esta e pelas próximas gerações de brasileiros. O famoso quartinho de empregada é um indicador de a escravidão continua a existir entre nós sob formas sutis e disfarçadas, que inclui o preconceito racial e regime de trabalho que, em muitos aspectos, se assemelham ao das antigas senzalas. Da mesma forma, as nossas prisões e penitenciárias em muito se assemelham hoje aos porões dos navios negreiros de antigamente.
CC: A escravidão ajuda a explicar a desigualdade regional brasileira?
LG: A escravidão explica quase todas as desigualdades brasileiras. A prosperidade das regiões sul e sudeste foi construída, em grande parte, pela chegada de imigrantes estrangeiros, europeus e católicos em sua maioria, a partir da segunda metade do século XIX. Era parte do projeto de branqueamento da população discutido e implementado durante o Segundo Reinado. Na época, se dizia que o sangue africano havia “corrompido” a índole brasileira e que seria necessário oxigenar a demografia nacional pelo estímulo à imigração europeia, branca e católica. O governo subsidiava passagens, alojamentos e outros benefícios para os recém-chegados. Meus bisavós italianos chegaram ao Brasil, em 1895, nessa condição.
Em outras regiões do Brasil, como o Norte e o Nordeste, a imigração foi inexpressiva. Salvador é hoje a maior cidade negra do mundo fora da África. Ali, as desigualdades são assustadoras. Ao olhar o passado, conseguimos ter uma compreensão melhor do presente. Isso inclui, além das desigualdades sociais e regionais, a corrupção, o nepotismo e o tráfico de influência, o contrabando e a sonegação de impostos, o toma-lá-dá-cá que tanto caracteriza as relações de promiscuidade entre os interesses públicos e privados. Tudo isso era muito forte já na época do Brasil colonial e escravista. Por isso, decidi fazer um capítulo à parte sobre esse tema.
O sistema escravista português e brasileiro era corrupto e corrompido, dos alicerces até o topo da pirâmide. Seu funcionamento dependia de suborno, extorsão, malversação dos recursos públicos, contrabando, sonegação de impostos, clientelismo e nepotismo, entre outras contravenções. Como explico na abertura desse capítulo, obviamente havia gente honesta no Brasil colonial. Mas o exemplo que chegava de cima não contribuía para fixar essa imagem. Dois importantes governadores de Minas Gerais na fase inicial da corrida do ouro e dos diamantes voltaram para Lisboa muito mais ricos do que permitiam seus rendimentos. As artimanhas dos traficantes de escravos para burlar o fisco e as leis eram inúmeras e uma mais criativa do que a outra. O desvio de ouro, pedras preciosas e outras riquezas dominavam boa parte do comércio colonial.
CC: O Brasil foi tratado, por muito tempo, como uma “democracia racial “. Nós já estivemos perto disso?
LG: Nunca chegamos e estamos ainda muito longe de chegar. Se é que um dia chegaremos. Incapaz de enfrentar o legado da escravidão, o Brasil sempre procurou disfarçá-lo construindo mitos a respeito de nós mesmos. O mito da suposta democracia racial é uma balela desmentida pelos fatos cotidianos. A escravidão é, por natureza, um processo violento, repleto de dor e sofrimento, uma experiência que se perpetua ainda hoje na forma de racismo, pobreza e desigualdade social. A vida no cativeiro no Brasil foi tão cruel e violenta como em qualquer outro território escravista da América. A quebra da identidade e dos direitos dos escravizados era toda baseada na violência. Na África e na chegada às Américas, as pessoas eram capturadas, estocadas, marcadas a ferro quente e leiloadas como se fossem mercadorias.
Ao contrário do que, por muito tempo, sustentou a versão preconceituosa e excludente do colonizador, os escravizados não eram uma massa informe de mão-de-obra cativa ignorante
Sua nova existência dependeria por completo do poder do seu dono. O simbolismo dessa nova identidade estaria nos rituais que em geral acompanhavam os processos de escravização, como marcas feitas a ferro quente no corpo do cativo, o uso de colares e pulseiras metálicas indicando quem eram seus donos, o batismo em nova religião, o aprendizado de uma nova língua e de uma nova maneira de se vestir e se comportar e, por fim, a atribuição de um novo nome.
Nas ilhas do Caribe, os ingleses diziam que esse era o momento de “temperar” [ seasoning , em inglês] o cativo, ou seja, mostrar a ele quem, de fato, mandava, quem era o dono e senhor do seu destino. Isso envolvia uma série de torturas, físicas e psicológicas, até que o escravo se “colocasse em seu lugar” – ou seja, o mesmo ocupado por animais domésticos e de trabalho. Segundo o padre jesuíta Manuel Ribeiro da Rocha, que foi missionário na Bahia em meados do século 18, durante essa etapa, muitos senhores de engenho do Recôncavo Baiano tinham o hábito deliberado de surrar os cativos. Era a primeira providência que tomavam depois da compra dos africanos.
CC: Há quem atribua essa ideia a obras como “Casa Grande & Senzala “, que contribuiu para a formação intelectual de muitas gerações.
LG: Gilberto Freyre ajudou a forjar a ideia de uma escravidão patriarcal no Brasil, na qual o negro aparece como alguém passivo e apático, bem adaptado ao mundo dos brancos e vivendo sob as ordens da casa senhorial, incapaz de reagir, protestar ou se rebelar. A tão falada democracia racial seria resultado desse sistema peculiar do escravismo brasileiro. Essa visão, felizmente, está superada. Novos estudos apontam os escravos como agentes de seu próprio destino, negociando espaços dentro da sociedade escravista, organizando irmandades religiosas, formando um sistema complexo de apadrinhamento, parentesco e alianças que muitas vezes incluíam participar de milícias ou bandos armados para defender os interesses do senhor contra os de um vizinho ou fazendeiro rival.
O sistema escravista português e brasileiro era corrupto e corrompido, dos alicerces até o topo da pirâmide
Pequenas faltas, fugas rápidas, corpo mole no trabalho, malfeito ou inacabado, fingir não dominar a língua ou as ordens, eram todas formas de resistência que não necessariamente incluíam o enfrentamento direto, como observou a historiadora Maria Helena Pereira Toledo Machado. Os escravos lutavam por coisas concretas, como o direito de constituir e manter famílias, cultivar suas próprias hortas e pomares e vender seus produtos nas feiras livres, dançar ao som do batuque nas horas de folga e praticar seus cultos religiosos. O que nem sempre implicava em fugir, se rebelar ou pegar em armas. Ainda assim, eram atos de resistência.
CC: A solução para o País se tornar, de fato, uma democracia racial passa pelo quê?
LG: A melhor maneira de enfrentar a herança da escravidão é pela educação, pela leitura e, em particular, pelo estudo da história. Precisamos entender e refletir sobre o que aconteceu. O Brasil, maior território escravista do hemisfério ocidental até meados do século XIX, nunca teve um grande museu nacional da escravidão e da cultura negra. É uma prova do processo de apagamento da memória africana.
Acho que, oculto sob esse aparente desinteresse, existe um projeto nacional de esquecimento. O Brasil abandonou os ex-escravos e seus descendentes à própria sorte depois da Lei Áurea. Abandonou também a própria memória da escravidão. Temos de enfrentar de forma corajosa e decisiva o problema da desigualdade social e da violência decorrente do racismo no Brasil. Também por isso eu sou a favor dos programas de cotas preferenciais para afrodescendentes.
CC: No primeiro livro, o senhor compara a escravidão no Brasil e nos EUA e diz que aqui se alforriava mais e a expectativa de vida dos escravos era menor. Por quê?
LG: Alguns fenômenos diferenciam o escravismo brasileiro. Um deles diz respeito ao nascimento de uma escravidão urbana, de serviços, de características muito diferentes daquela observada nas antigas lavouras de cana-de-açúcar que ainda predominavam na região nordeste, nas ilhas do Caribe ou no sul dos Estados Unidos.
A escravidão urbana deu maior mobilidade aos escravos e gerou uma nova cultura afro-brasileira com profundas influências em todos os aspectos da vida colonial, incluindo a culinária, o vestuário, as festas e danças, os rituais religiosos e o uso dos espaços públicos. O trabalho escravo foi responsável pelo surgimento de dezenas de novas vilas e cidades no interior do Brasil. Arquitetos, mestres de obra, pintores, escultores e compositores negros ou mestiços, escravos e libertos, caso de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, construíram palácios e igrejas barrocas que ainda hoje deslumbram turistas e estudiosos do mundo inteiro em visita às cidades históricas mineiras.
Outro fenômeno característico da escravidão brasileira foram processos de alforria. Em Minas Gerais, o aumento da população negra e mestiça livre foi particularmente acelerado. A alta taxa de alforria é um traço que diferenciou o escravismo brasileiro de todos os demais no continente americano. Havia mais possibilidades de um escravo alcançar a liberdade no Brasil do que no sul dos Estados Unidos ou nas colônias europeias do Caribe.
Essas diferenças levaram muitos estudiosos a defender a ideia de uma escravidão mais branda, paternalista e relaxada no Brasil, que, por sua vez, teria resultado em um País com menos barreiras raciais, particularmente quando comparado aos Estados Unidos. É uma visão equivocada. Os cativos brasileiros foram sempre tratados com violência como em qualquer outro território escravista. Havia, sim, espaços para alianças e negociações, mas alforria foi geralmente mais uma conquista dos escravos do que uma concessão dos escravizadores.
Os documentos revelam que o sistema sempre cobrava um alto preço pela liberdade. Para comprá-la, literalmente a dinheiro, era necessário trabalhar muitas horas para acumular poupança, contar com a solidariedade de padrinhos, parentes e amigos ou de instituições de apoio mútuo, como as irmandades religiosas. Às vezes, o valor cobrado pela alforria era muito superior ao que os donos tinham pago pelos cativos. Entre as condições impostas, estava continuar a prestar serviços no cativeiro enquanto o senhor ou a senhora fosse vivo.
CC: No segundo livro, o senhor se concentra entre 1700 e 1800, auge do tráfico negreiro no Atlântico. Por quê?
LG: O século XVIII representa o auge da escravidão e do comércio de seres humanos no continente americano, em particular no Brasil. Num intervalo de apenas cem anos, cerca de seis milhões de homens e mulheres ficaram arrancados de suas raízes africanas, marcados a ferro quente e transportados para o Novo Mundo acorrentados no porão dos navios negreiros. O Brasil sozinho recebeu dois milhões, um terço do total. O motor do escravismo nesse século foi a descoberta de ouro e diamantes no Brasil e a disseminação, em outras regiões da América, das lavouras de monocultura, como a do açúcar, do tabaco, do arroz e do algodão, todos de uso intensivo de mão-de-obra cativa.
Por volta de 1750, negros escravizados eram vistos numa sucessão ininterrupta de colônias europeias que se desdobravam do Canadá até o sul da Argentina e do Chile atuais. A desproporção entre brancos e negros era enorme. Na região do Caribe, ocupada por franceses, ingleses, holandeses, espanhóis e dinamarqueses, os negros constituíam mais de 90% da população. Naquela época, Minas Gerais tinha a maior concentração de pessoas negras de todo o continente americano. Os brancos formavam uma minoria relativamente insignificante.
Leilões em praça pública para a venda de pessoas no atacado e no varejo se tornaram cenas habituais, especialmente nos três principais portos de entrada dos navios negreiros – Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Nessas ocasiões, homens e mulheres eram lavados, depilados, esfregados com sabão, untados com óleo de coco ou dendê, pesados, medidos, examinados e apalpados em suas partes íntimas, obrigados a correr, pular e exibir a língua e os dentes.
Ao término desse metódico ritual, vendedores e compradores acertavam o preço de acordo com a idade, o sexo e o vigor físico dos cativos que, em seguida, eram marcados a ferro quente com as iniciais da fazenda ou do nome do seu novo proprietário. O cultivo de grandes lavouras e a busca por novas riquezas no Brasil e no restante da América produziu uma inflação nos preços dos africanos escravizados. A procura por mão-de-obra cativa disparou. Nada menos do que 85% das 35.000 viagens de navios negreiros para a América documentadas pelo banco de dados slavegoyages.org aconteceram depois de 1.700.
Na África, o impacto do tráfico negreiro foi enorme. A demanda cada vez maior por cativos e os preços crescentes pagos por eles desorganizou a economia do continente. Antigas atividades produtivas, como tecelagem, metalurgia, agricultura e pecuária, foram deixadas de lado sob a pressão do comércio escravista. Em lugar delas, instaurou-se um aumento crescente nas taxas de violência. Aliada aos traficantes, uma nova elite militar africana surgiu à frente de Estados predatórios que, apoiados com armas e recursos europeus, nasceram e se firmaram com o propósito de lucrar com a guerra contra seus vizinhos, vendidos como prisioneiros para capitães de navios negreiros.
CC: Qual Brasil o leitor encontrará neste segundo volume?
LG: Talvez o traço mais característico do Brasil do século XVIII tenha sido a banalidade da escravidão. Comprar e vender gente era um fato trivial da vida cotidiana, praticado por todos os brasileiros, sem questionamentos. Mesmo irmandades religiosas de negros e mestiços eram donas de escravos, uma vez que esse era o costume aceito por todos. Pessoas cativas almejavam a alforria, o que nem sempre era sinônimo de abolicionismo. Uma vez conquistada a liberdade legal, inúmeros ex-escravos se tornaram também donos de escravos. A banalidade da escravidão me levou a fazer a introdução do livro descrevendo um objeto hoje existente no Museu de Artes e Ofícios de Belo Horizonte. É uma balança de pesar de escravos, usada para definir o valor de seres humanos antes de leilões de praça pública, da mesma forma como, na época, se usavam balanças para pesar bois, porcos, galinhos, queijos, sacos de farinha de trigo, de feijão e de arroz.
Mas esse é também o período mais importante da construção das muitas Áfricas que hoje existem no coração do Brasil. Como explico na abertura de um dos capítulos desse volume da trilogia, os traços estão por toda parte, na dança, na música, no vocabulário e na culinária, nas crenças e costumes; na luta do dia-a-dia, na força, no semblante e no sorriso das pessoas. Estão também na paisagem e na arquitetura, cifradas na forma de símbolos e desenhos gravados nas paredes e fachadas das casas e casarões, nos altares e pinturas das igrejas, nos terreiros de umbanda e candomblé.
Começaram ou se consolidaram no século XVIII alguns fenômenos que marcariam profundamente a face do escravismo brasileiro. A escravidão urbana, de serviços, diferente daquela observada nas antigas lavouras de cana-de-açúcar na região Nordeste, deu maior mobilidade aos cativos, acelerou os processos de alforria, ofereceu oportunidades às mulheres e gerou uma nova cultura em que hábitos de origem africana se misturaram a outros, de raiz europeia ou indígena. Isso incluiu a disseminação de festas, danças, rituais, irmandades e práticas religiosas que ainda hoje estão presentes no Brasil.
CC: De tudo apurado, o que mais te impactou?
LC: Eu me surpreendi muito ao constatar o quanto as contribuições africanas foram cruciais para a construção do Brasil. Elas podem ser exemplificadas pela história de um homem anônimo, negro ou mestiço, descendente de africanos escravizados, que teria sido o responsável pela descoberta de ouro em Minas Gerais no final do século XVII. Infelizmente, sabe-se muito pouco a seu respeito. O único registro que dele sobrou está numa passagem do livro Cultura e Opulência do Brasil pelas suas drogas e minas, do padre jesuíta André João Antonil. Até recentemente, uma historiografia ufanista atribuía quase que exclusivamente aos bandeirantes, todos homens supostamente brancos, a façanha pela descoberta de ouro e diamantes e a consequente ocupação do território brasileiro na primeira metade do século XVIII. Isso é parcialmente verdadeiro. Embora relegados ao segundo plano nos museus, livros e salas de aula, negros e mestiços foram, muitas vezes, protagonistas, em vez de atores secundários, nos grandes acontecimentos da história do Brasil.
O tráfico negreiro era menos aleatório e irracional do que se imagina. Ao contrário do que, por muito tempo, sustentou a versão preconceituosa e excludente do colonizador, os africanos escravizados que chegavam à América não eram uma massa informe de mão-de-obra cativa ignorante, selvagem, bárbara, despreparada para os desafios impostos pelas diferentes atividades econômicas desenvolvidas pelos europeus no Novo Mundo. Novos estudos têm demonstrado o oposto disso. Os africanos escravizados não eram apenas commodities , mercadorias como outras quaisquer, cujo valor e preço dependessem somente do vigor físico ou da força dos músculos definidos pelo sexo, pela idade e pelas condições de saúde. Além de seres humanos acorrentados e marcados a ferro quente, os navios negreiros transportavam em seus porões conhecimentos e habilidades tecnológicas da África que seriam cruciais na ocupação europeia do continente americano. Uma dessas tecnologias era justamente a mineração de ouro e diamantes em Minas Gerais.
Outra surpresa durante as pesquisas está relacionada ao papel das mulheres no Brasil colonial. Mulheres negras foram protagonistas de inúmeras histórias de resiliência e superação que mudaram a paisagem escravista brasileira. Nessa condição agiram ativamente não apenas para conquistar a liberdade de seus maridos e filhos, mas também para transformar a sociedade em que viviam. Ocuparam cargos importantes na direção de irmandades religiosas, fundaram terreiros de candomblé, se elegeram “rainhas” de comunidade negras, lideraram quilombos, administraram fazendas, participaram da mineração de ouro e diamante. O estudo do papel da mulher no Brasil escravista é um dos temas mais fascinantes na disciplina de história. As mulheres desempenharam um papel fundamental na construção da sociedade negra e mestiça do Brasil, embora isso nem sempre seja devidamente reconhecido nos livros didáticos.
CC: E o terceiro volume, quando sai?
LG: O terceiro e último livro da trilogia, a ser lançado em 2022, ano do bicentenário da Independência do Brasil, terá como foco principal o movimento abolicionista, o tráfico ilegal de cativos, o fim (pelo menos do ponto de vista formal e legal) da escravidão no século XIX e ao seu legado atualmente. Pretendo mostrar como o pacto entre a aristocracia escravista e o trono brasileiro impediram que o Brasil resolvesse o problema do tráfico negreiro e da própria escravidão ainda na época da Independência, como defendia José Bonifácio de Andrade e Silva.
O Brasil foi o último país da América a acabar com o tráfico, pela Lei Eusébio de Queirós, de 1850, e o último a abolir a própria escravidão, pela Lei Áurea de Treze de Maio de 1888. Mas não enfrentou nem resolveu o legado da escravidão, contrariando o que defendiam os nossos grandes abolicionistas no século XIX. Há um projeto de Brasil que ficou abortado ou interrompido naquela época. E isso explica muitos dos nossos problemas atuais.
Livro Grando, Presente registra legado democrático de ex-prefeito de Florianópolis
Obra recém-lançada pela FAP detalha experiência de gestão pública democrática, progressista e popular
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A história política e o legado do ex-prefeito de Florianópolis Sérgio Grando, que morreu de câncer em 2016, aos 69 anos, são registrados em livro recém-lançado, pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), como lição de uma grande liderança do campo democrático e progressista. A obra Grando, Presente (224 páginas) reúne 15 textos de personalidades, intelectuais, amigos e familiares, além de acervos fotográficos e de registro da vitória do primeiro prefeito comunista eleito para administrar a capital catarinense, no período de 1993 a 1996.
Militante social e político dos mais ativos, Grando carregava em si mesmo a pluralidade de referências: o combatente da resistência democrática, o profissional da educação, o líder sindical, o organizador do PCB (Partido Comunista Brasileiro) no retorno à legalidade, o legislador – eleito vereador por duas vezes e deputado estadual – e o prefeito de Florianópolis. Ele também foi professor da Ufsc (Universidade Federal de Santa Catarina) e de cursos pré-vestibulares e colégios. Além disso, trabalhou para a ONU (Organização das Nações Unidas).
Confira o vídeo do pré-Lançamento do Livro "Grando, Presente!"
“Neste momento difícil para a democracia que o Brasil atravessa, precisamos recuperar o exemplo de militância de Sérgio Grando, resgatar sua memória e divulgá-la entre os mais jovens. Exemplo de firmeza e consequência na luta, mas também de abertura, de convencimento, de diálogo em torno do fundamental”, afirma o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, na apresentação do livro. O partido é uma evolução da identidade política do PCB que, posteriormente, também foi chamado de PPS (Partido Popular Socialista).
O livro foi organizado pela viúva do ex-prefeito,a socióloga e educadora Cleide Maria Marques Grando, que morreu em março deste ano e deixou um texto pronto para a publicação. A obra também teve organização da cientista social e educadora Elaine Regina Pompermayer Otto, pós-graduada em administração de projetos culturais, e do bacharel em administração e advogado Francisco de Assis Medeiros.
Frente Popular
A obra detalha a experiência de gestão pública democrática, progressista e popular de um governo municipal eleito num momento de florescência democrática, no contexto a recém-nascida Constituição democrática de 1988. A eleição de Grando, em 1992, concretizou o sucesso da união de várias forças progressistas e da esquerda democrática, numa composição vitoriosa da Frente Popular, integrada por oito partidos (PPS, PT, PDT, PSB, PC, PV, PCdoB e PSDB), na disputa das eleições municipais naquele ano.
“Sua administração precisava marcar novos rumos para a vida de Florianópolis. A transformação foi o eixo principal de uma administração de 4 anos”, afirmam Elaine e Francisco. Eles contam que orçamento participativo, urbanização de áreas carentes, humanização da cidade, transporte coletivo e cestão do povo foram pilares da inversão de prioridades como marcas de um “governo transparente, popular, democrático e revolucionário”.
Em seu texto, o economista, professor e vereador de Florianópolis Afrânio Boppré (PSOL), que foi vice-prefeito de Grando e secretário municipal de Finanças no primeiro ano de governo, observa que “de lá para cá desfilaram governos vinculados a uma perspectiva de sociedade elitista e relacionados a práticas corruptas, fisiológicas, clientelistas e tecnocráticas”. Mesmo assim, segundo ele, “a vitória da Frente Popular com o seu consequente efetivo exercício de governo mostrou-se estar à frente de seu tempo”.
No texto que produziu para o livro antes de sua morte, Cleide Maria Marques Grando, importante mulher na administração da Frente Popular, lembra que o ex-prefeito iniciou suas atividades políticas no grêmio estudantil. “Dedicou-se à área da Educação, muito embora o Meio Ambiente, em especial a disponibilidade de água para as futuras gerações, estivesse sempre presente no exercício de sua profissão”, conta. Como primeira-dama do município de Florianópolis, ela presidiu a Associação Florianopolitana de Voluntários.
“[Grando] sempre indagava: ‘Escola para quem e para quê?’. E completava: ‘Escola para que todas as crianças recebam a herança cultural da humanidade e se tornem capazes de ampliar esta herança, agindo de forma crítica e criadora, possibilitando o seu desenvolvimento global’”, lembra o texto de Cleide Maria. Todas as áreas tiveram marcos importantes na gestão de Grando, como saúde, desenvolvimento social e habitação.
Sensibilidade
Coordenador geral da Rede de ONGs da Mata Atlântica, o professor do Centro de Ciências Biológicas da Ufsc João de Deus Medeiros, registra em seu relato a preocupação de Grando com o meio ambiente. “Grando não era exatamente um ambientalista, porém, sempre mostrou sensibilidade ao tema, de maneira que as bandeiras do Partido Verde foram incorporadas, sem grandes dificuldades, na Frente Popular”, diz. Medeiros também é ex-diretor do Conselho Federal de Biologia, do Departamento de Áreas Protegidas e do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente.
Produzido com ampla liberdade editorial em respeito à memória de Grando, o livro também tem críticas ao próprio partido que registrou a candidatura dele. “Grando foi o primeiro prefeito de capital eleito pela sigla PPS. Apesar dessa conquista para o partido, não há nenhuma anotação desse fato, e mesmo não há referência ao seu nome, como liderança expressiva, no site oficial do PPS nacional, nem estadual”, afirma o sociólogo e professor aposentado do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Ufsc, Remy José Fontana. Ele foi presidente do PCB de Florianópolis (1986-1989) e coordenador da Campanha Eleitoral da Frente Popular em 1988.
Grando e a Frente Popular, de acordo com Fontana, não eram antagonistas radicais dos mercados ou dos empresários. “Tinham correta apreensão da realidade local, de suas estruturas, da lógica dos interesses predominantes, mas também das possibilidades de promover alguma inflexão contemplando interesses mais abrangentes”, afirma. “Não pretendiam impugnar a “livre iniciativa”, ou atribuir-lhe um caráter exclusivamente predatório e egoísta. Mas questionavam a presunção desta presentar-se como valor supremo estruturante dos destinos da cidade. E certamente se opunham às pretensões hegemônicas extremadas com que estes interesses restritos se projetavam sombriamente sobre a sociedade”, ressalta.
Além de análises sobre o perfil de Grando e notícias na imprensa sobre o seu governo, o livro publica acervo fotos da Casa da Memória Florianópolis, as quais foram gentilmente cedidas à FAP para publicação na obra. Os registros são da solenidade de posse do Governo da Frente Popular, ocorrida no dia 1º de janeiro de 1993, na antiga sede da Câmara Municipal de Vereadores, hoje Museu Florianópolis Sérgio José Grando.
A seguir, veja a lista de todos os conteúdos do livro Grando, Presente:
- Apresentação (Roberto Freire)
- Introdução (Elaine Regina Pompermayer Otto e Francisco de Assis Medeiros)
- Textos de personalidades, intelectuais, amigos e familiares
- Um governo à frente de seu tempo (Afrânio Boppré)
- Este bateu forte no coração do povo! (Aldori Pinheiro)
- O Militante... O Companheiro (Cleide Maria Marques Grando)
- O Governo Sérgio Grando (1993-1996), a Frente Popular e a Saúde e o Desenvolvimento Social em Florianópolis – reflexões tardias sobre as realizações da gestão (Flávio Magajewski)
- Grando, o aprendiz da esperança (Homero Gomes)
- Sérgio Grando, um Grande Ser (João de Deus Medeiros)
- Grande Grando, presente! (Luis Miguel Vaz Viegas)
- Grando: habilidade e coerência em favor da justiça social, da liberdade e da preservação ambiental (Nelson Wedekin)
- Grando, prefeito. Contexto, desafios, realizações e legado (Remy José Fontana)
- Meu irmão mais velho (Silvia Eloisa Grando Águila)
- Grando e a Consciência Solidária (Padre Vilson Groh)
- Outros textos sobre Grando
- Uma trajetória de generosidade e conciliação (Carlos Damião)
- Lei bem-vinda (Flávio José Cardozo)
- Vitória do povo e da coerência (Moacir Pereira)
- O Operário da Física e da Poesia (Sérgio da Costa Ramos)
- Material do Acervo da Assembleia Legislativa de Santa Catarina
- Sérgio Grando
- A vitória de Grando e a mídia
- Registros na mídia sobre a morte de Grando
- Aos 69 anos, morre o ex-prefeito de Florianópolis, Sérgio Grando
- Morre, aos 66 anos, o ex-prefeito de Florianópolis Sérgio Grando
- Nota de falecimento da Assembleia Legislativa
- Registro no Portal da FGV
- Corpo do ex-prefeito Sérgio Grando é sepultado em Florianópolis
- Ex-prefeito de Florianópolis, Sérgio Grando, morreu de câncer, neste sábado
- Homenagens
- Museu de Florianópolis Prefeito Sérgio José Grando
- Decreto no 20.074, de 22 de março de 2019
- Publicações
- Acervo Fotográfico
FAP realiza lançamento do livro Caminhos Invertidos, de Victor Missiato, em Brasília
Resultado de tese de doutorado, obra aborda trajetórias de partidos comunistas do Brasil e do Chile
Cleomar Almeida, da Ascom/FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizará, nesta quinta-feira (21), a partir das 19 horas, o lançamento do livro “Caminhos Invertidos” (Editora Prismas), do historiador Victor Augusto Ramos Missiato, em Brasília. Aberto ao público, o evento será realizado no auditório do Espaço Arildo Dória, na parte superior da Biblioteca Salomão Malina, no Conic, um importante centro comercial e de atividades culturais da capital federal.
O livro é resultado da tese de doutorado de Missiato, defendida, em 2016, na Unesp (Universidade Estadual Paulista), sob a orientação do historiador e professor Alberto Aggio, que também é membro da diretoria executiva da FAP. Durante o lançamento, o autor e o orientador participarão de um debate sobre a obra, no próprio local, ao lado do consultor político e diretor da fundação Caetano Araújo.
Missiato desenvolveu, entre 2013 e 2016, a pesquisa comparando as trajetórias do PCB (Partido Comunista Brasileiro) – que antes era chamado de PPS (Partido Popular Socialista) e hoje tem nova identidade de esquerda democrática com o Cidadania – e do PCCh (Partido Comunista Chileno).
De acordo com o autor, houve uma inversão nos caminhos dos dois partidos comunistas, ao longo dos anos. Ele explica que o comunismo chileno adotou uma perspectiva reformista, entre os anos 1920 e 1973, quando houve o golpe que derrubou o seu então presidente, Salvador Allende. O PCCh era um partido que, mesmo em situação de maior radicalismo e ilegalidade em alguns anos, manteve a defesa de uma estratégia político-institucional.
“Quando houve o golpe de Augusto Pinochet, o PCCh adotou, até 1985, a perspectiva da via armada para o combate à ditadura no Chile. Isso por causa da desilusão e do impacto da derrubada do governo de Allende”, afirma. “O partido comunista chileno, ao dar esse giro, abandona as estratégias de aliança política, se desfaz da relação com a então União Soviética, que iria acabar, e adota uma nova perspectiva nacionalista. Não mais colocando o seu ano de nascimento como 1922, mas voltando para o ano de 1912, quando foi fundado o Partido Obrero Socialista - que mudou de nome em 1922”, diz.
Já o PCB, entre os anos 1920 e 1950, assumia um posicionamento mais radical e uma estratégia insurrecional, com a perspectiva da via armada. Segundo Missiato, o partido, principalmente a partir de 1958, em meio à ditadura no Brasil, passou a transformar a sua estratégia política, saindo da via armada como principal foco para adotar o que historiador Raimundo Santos, da UFR-RJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), chama de pecebismo contemporâneo. “É uma estratégia de luta revolucionária em favor do sistema democrático. Em outras palavras, uma defesa do reformismo”, acentua.
“Quando tivemos o Golpe de 64, o PCB manteve a estratégia principal de defender a democracia. Mesmo com a perspectiva da revolução, todos os comunistas do século 20 criticavam a democracia burguesa, defendiam outra democracia, sob a perspectiva socialista”, afirma o autor. “Durante o regime militar, para os comunistas do PCB, a democracia passa a ter um valor universal no final da década de 1970, conforme cita o intelectual Carlos Nelson Coutinho, como elemento central da estratégia comunista”, ressalta ele.
PESQUISA INOVADORA
Na avaliação do orientador Alberto Aggio, o livro mostra o resultado de uma pesquisa inovadora com comparação das trajetórias de dois partidos comunistas. “Isso tem um valor em si do ponto de vista do conhecimento porque, naquela época, os partidos comunistas nem sempre seguiam a ferro e fogo a orientação da União Soviética”, avalia. “Pensar que a história do comunismo na América Latina é só uma repetição daquilo que vinha da Internacional Comunista ou, depois, da União Soviética é uma visão ultrapassada, como mostra o livro”, salienta.
No Brasil, conforme observa o professor da Unesp, a construção da democracia é um paradoxo. “No país, a corrente política que acabou defendendo radicalmente a democracia se extingue no momento em que o Brasil conquista uma democracia mais plena”, pontua Aggio. “No caso do PCB, a partir do momento em que assimila a perspectiva da democracia como valor universal, essa força política acaba trilhando novos caminhos”, analisa o orientador.
“Extinguiu-se o comunismo pecebista porque, de certa forma, triunfou-se o estabelecimento de uma democracia mais plena, baseada na Constituição de 1988. É uma história complexa porque o PCB vai se definhando apesar de sua política ir triunfando. É difícil de ser compreendida por causa desse paradoxo”, ressalta ele.
IMPORTÂNCIA
Caetano Araújo ressalta a importância da obra para compreender a conjuntura política de parte da América Latina. “É um trabalho de comparação. Tem, em comum, a vinculação ao comunismo internacional, representado pela União Soviética”, analisa o diretor da FAP.
A fundação, que apoia o lançamento do livro da Editora Prismas em Brasília, tem entre as suas linhas de atuação a publicação de obras sobre fatos relevantes, da luta pela democracia e mobilizações sociais no Brasil. “Uma obra como essa tem u lado histórico, mas vai além disso. A obra fala sobre democracia. Na conjuntura política de hoje, é uma obra atual. Não aborda só o passado. Fala do presente político”, assevera.
Jornal da Globo destaca lançamento do livro Jalapão, Ontem & Hoje, de Pedro Geiger e Willian Menezes
Obra foi editada e lançada pela FAP e mostra estudos de dois geógrafos sobre a região separados por 70 anos
O Jornal da Globo destacou, nesta sexta-feira (1), o lançamento do livro Jalapão, Ontem & Hoje, dos geógrafos Pedro Pinchas Geiger e Willian Guedes Martins Defensor Menezes, no Rio de Janeiro. A obra foi editada e lançada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). A reportagem também será divulgada na primeira edição do RJ TV.
Setenta anos separam os estudos de dois geógrafos sobre a região do Jalapão, no Tocantins, conforme mostra a reportagem de Mônica Sanches. “Paisagens impressionantes, que atraem turistas em busca de aventuras. Dunas, chapadões e nascentes de rios que se transformam em corredeiras com abundância de água”, descreve a matéria sobre o livro.
Pedro Geiger, de 96 anos, participou de uma expedição pioneira do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) na região, em 1943. William Menezes, de 37, visitou o local em 2013. “A região hoje se caracteriza pela presença da soja nos vales que descem no Rio Tocantins e Araguaia e na região montanhosa [tem] instalação de hotéis e turismo”, observa Geiger. “É fantástico fazer essa troca de saberes com geógrafo que é referência para a gente no Brasil”, diz Menezes.
Transformações
A busca por compreender as transformações no Jalapão e região está entre as inspirações do livro. Dentre as mudanças, estão as que ocorreram em seus chapadões, por onde passou a excursão do IBGE em 1943. Antes, essas áreas eram cobertas pelo cerrado e utilizadas coletivamente por comunidades tradicionais, cujo acesso era por meio do lombo de animais ou navegando por rios. Hoje, porém, a região está ocupada por modernas fazendas de soja e algodão.
Com capa produzida pela consagrada artista brasileira Anna Bella Geiger, mulher de Pedro Geiger, o livro discute dinâmicas não só do Jalapão, mas de grande parte do seu entorno, passando por áreas do Piauí, Maranhão e do Vale do Rio Preto, na Bahia, até sua foz no Rio São Francisco.
O município baiano de Formosa do Rio Preto, por onde percorreu a excursão do IBGE de 1943, teve a paisagem de suas chapadas transformadas pela expansão de commodities agrícolas, algo impensado naquele período e que hoje é uma de suas características.
FAP lançará livro Jalapão, Ontem e Hoje, de Pedro Geiger e Willian Menezes, no RJ
Obra contempla análises dos autores sobre a região, divididas 70 anos uma da outra
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) lançará, no dia 1º de novembro, o livro Jalapão, Ontem & Hoje, dos geógrafos Pedro Pinchas Geiger e Willian Guedes Martins Defensor Menezes. O evento será realizado, a partir das 19 horas, na Livraria da Travessa, na Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, no Rio de Janeiro.
A obra foi idealizada pelo professor Pedro Geiger, um geógrafo com enorme importância para o país. A ideia surgiu com a proposta de unir o trabalho dele resultante de uma excursão em Jalapão, em 1943, e a tese de doutorado que Willian apresentou na UFBA (Universidade Federal da Bahia), após desenvolver pesquisa na região entre 2012 e 2014.
Os dois períodos distintos da obra guardam profundas relações da história de um pedaço relevante do Brasil. “O livro conta aventuras ocorridas durante uma excursão. Faz uma classificação inédita sobre categorias de cidades”, explica Geiger, ressaltando que realizou a excursão na região para completar o mapa do Brasil, conforme relatório produzido para o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A busca por compreender as transformações no Jalapão e região está entre as inspirações do livro. Dentre as mudanças, estão as que ocorreram em seus chapadões, por onde passou a excursão do IBGE em 1943. Antes, essas áreas eram cobertas pelo cerrado e utilizadas coletivamente por comunidades tradicionais, cujo acesso era por meio do lombo de animais ou navegando por rios. Hoje, porém, a região está ocupada por modernas fazendas de soja e algodão.
“Acredito que esse livro seja uma viagem prazerosa no tempo e também um convite a refletir sobre os atuais processos globais que estão no cotidiano daquela região”, diz Menezes. “Leitura importante para entender as mudanças radicais que ocorreram em certas áreas do Jalapão e do seu entorno”, destaca ele.
De acordo com Willian, o livro extrapola os limites do que é o Jalapão, pois, segundo ele, apresenta dinâmicas desde a cidade de Barra, na foz do Rio Grande com o Rio São Francisco, e áreas do Piauí. “Isso é fundamental para entender o próprio Jalapão, é enriquecedor”, pondera o autor.
A descrição das paisagens feita por Geiger é uma porta de entrada para o debate de diversos processos sociais e naturais. A obra, no entanto, discute dinâmicas não só do Jalapão, mas de grande parte do seu entorno, passando por áreas do Piauí, Maranhão e do Vale do Rio Preto, na Bahia, até sua foz no Rio São Francisco.
O município baiano de Formosa do Rio Preto, por onde percorreu a excursão do IBGE de 1943, teve a paisagem de suas chapadas transformadas pela expansão de commodities agrícolas, algo impensado naquele período e que hoje é uma de suas características. “O livro abre uma discussão dessas mudanças e convida o leitor a refletir sobre questões importantes para o futuro do Jalapão e também do Brasil como um todo”, afirma Willian.
A capa do livro foi produzida pela consagrada artista brasileira Anna Bella Geiger, mulher de Pedro Geiger.
Livro de Alberto Aggio discute caminhos para a esquerda brasileira
A Fundação Astrojildo Pereira e a Editora Verbena lançaram, na quinta-feira (07/06), o livro Itinerários para uma esquerda democrática, de Alberto Aggio, historiador e professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
O lançamento, que ocorreu no auditório do Cedem em São Paulo, foi precedido de um debate sobre os temas que impactaram a vida política brasileira mais recente, abordados na coletânea de ensaios, com a participação de Rogério Baptistini, da Universidade Mackenzie; Vinícus Müller, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Insper e do autor, Alberto Aggio.
Confira abaixo um resumo do evento:
https://www.youtube.com/watch?v=qmyoaPF91cc
FAP e Verbena Editora lançam Itinerários para uma esquerda democrática, de Alberto Aggio
Lançamento será precedido de debate sobre os temas tratados no livro e será realizado no auditório do Centro de Documentação e Memória da Unesp (Cedem), em São Paulo, às 18h30. Evento terá transmissão ao vivo pelo perfil da FAP no Facebook: https://www.facebook.com/facefap/
A Fundação Astrojildo Pereira e a Editora Verbena lançam, nesta quinta-feira (07/06), o livro Itinerários para uma esquerda democrática, de Alberto Aggio, historiador e professor titular da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais (FCHS) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).
O lançamento será às 18h30 no auditório do Centro de Documentação e Memória da Unesp (Cedem), localizado na Praça da Sé, 108, 1º andar, em São Paulo e será precedido de um debate sobre os temas que influenciaram o destino de nosso país no último século, abordados na coletânea de ensaios, e que terá a participação de Rogério Baptistini, da Universidade Mackenzie; Vinícus Müller, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor do Insper e do autor, Alberto Aggio. O evento terá transmissão ao vivo pelo perfil da FAP no Facebook: https://www.facebook.com/facefap/
A obra
Em Itinerários para uma esquerda democrática, Aggio percorre os principais temas que perpassam a realidade brasileira nos últimos anos. Variados, os ensaios são animados por um mesmo espírito que se ancora em uma chave de leitura acerca do processo de modernização vivido pelo país no último século. Tal leitura, influenciada pelo pensamento de Antonio Gramsci, registra que em nossos ciclos de crescimento econômico acelerado jamais fomos capazes de construir uma sociedade moderna.
No início de 2003, a posse de Lula parecia anunciar uma luz sobre nossas angústias. Todavia, uma década mais tarde, as ruas foram tomadas por multidões difusas e insatisfeitas com os rumos da política brasileira. A partir de 2015, essa multiplicidade adquire certa unidade em torno da falência do projeto petista, evidenciada nos últimos meses de 2014.
O início do segundo mandato de Dilma Rousseff se apresenta como o anticlímax do petismo, no qual emergem os rombos nos cofres públicos e a reversão programática. Tal cenário se agrava em razão do colapso do modelo de desenvolvimento econômico, uma opção desastrada pelo nacional-desenvolvimentismo, que reverteu investimentos estatais na criação artificial dos “campeões nacionais”.
Baseado em fatos, Aggio é capaz de se contrapor decisivamente às narrativas fáceis que compreendem o impeachment enquanto um golpe, apontando que a década petista abandou a possibilidade de transformar o país, aliando-se ao atraso e nos colocando novamente em nossa encruzilhada diante da modernidade. O desafio parece ser o de inventarmos novos caminhos que nos possibilitem escapar deste labirinto.
A resposta sugerida neste livro reside na construção de uma esquerda democrática, capaz de valorizar a política e promover um reformismo forte, marcado por um desenvolvimento econômico sustentável aliado à igualdade, liberdade e respeito pelo indivíduo. Uma esquerda que quer ser reconhecida, enquanto força política relevante no cenário nacional, precisa considerar esses itinerários.
Saiba mais: