Jair Bolsonaro

Ascânio Seleme: O valentão e outras histórias

Ele pode uma hora dessas partir para cima de um jornalista

O VALENTÃO
Em seus quase 30 anos de Câmara, Jair Bolsonaro só folgou com mulher, jamais levantou a voz contra homem. Na única vez em que se viu confrontado por um, colocou o rabo entre as pernas e correu. Foi no episódio em que o ex-deputado Jean Wyllys cuspiu na sua cara, durante a sessão do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Bolsonaro não fez nada contra a grosseria horrorosa, nem satisfação foi tomar.

Foi corajoso com Maria do Rosário, ao ofendê-la dizendo “jamais iria estuprar você porque você não merece”, empurrando-a e levantando a mão contra a ex-deputada. Foi em 2003, na época em que ele ainda não pinçava a sobrancelha. Também foi agressivo com uma jornalista, ao dizer à repórter Camila Mattoso, da “Folha de S. Paulo”, que usava o dinheiro do auxílio-moradia da Câmara “para comer gente”. Na mesma entrevista, perguntou o que Camila faria se ele dissesse que a viu na Vila Mimosa (antiga área de prostituição no Rio).

Depois de eleito presidente, cercado por seguranças, foi ganhando coragem e, de repente, virou o valentão do Planalto Central. Começou mandando jornalistas, homens inclusive, calar a boca, apontando o dedo, gritando e xingando. E agora, ao ameaçar dar “porrada” na boca de um repórter, chegou perto do ápice. Pode uma hora dessas partir para cima de um jornalista, mas isso só vai acontecer se os seguranças da sua escolta estiverem atentos e prontos para protegê-lo.

PRESIDENTE EM CAMPANHA
O presidente do Brasil tem contribuído para que crimes eleitorais sejam cometidos seguidamente, e não se ouve um “opa” do Tribunal Superior Eleitoral. Desde o dia 15 de agosto, as viagens de Bolsonaro e os eventos de lançamento de programas eleitoreiros com presença de candidatos a prefeito e vereador desrespeitam a legislação eleitoral. Depois do prazo que veda inaugurações, três meses antes do pleito, o presidente entregou obras no Rio Grande do Norte, em Sergipe, no Mato Grosso do Sul e em Minas. Hoje faz outra pajelança no Paraná. Chuta se havia candidatos amigos naqueles eventos e se outros estarão presentes no de hoje.

Na véspera do prazo final, no dia 14 de agosto, Bolsonaro esteve no Rio inaugurando uma escola cívico-militar com o prefeito Marcelo Crivella. Na terça-feira passada, dando continuidade a seu programa “copia e cola”, relançou o projeto petista Minha Casa Minha Vida, rebatizado de Casa Verde Amarela. Foi no Planalto, para uma plateia de apoiadores, bajuladores e candidatos a prefeito e vereador. E daí, TSE?

FORO E IMUNIDADE
A imunidade parlamentar existe em diversos países para proteger deputados e senadores no exercício dos seus mandatos e para que possam votar livremente sobre qualquer tema. Impede que eles sejam processados pelas suas opiniões e por seus votos. No Brasil, ultrapassa o objetivo original ao blindar o parlamentar de qualquer crime, por estabelecer que ele só pode ser preso se for pego em flagrante. Um deputado pode até matar ou mandar matar uma pessoa. Se não houver flagrante, segue sua vida normalmente.

A deputada Flordelis dos Santos de Souza foi denunciada pela polícia como mandante do assassinato de seu marido. Diante de indícios e provas irrefutáveis da materialidade da acusação, a Justiça mandou prender cinco filhos e uma neta da deputada. Um deles admitiu que disparou contra o pai a mando da mãe. Flordelis não foi tocada. Embora responda por crime triplamente qualificado, ela está livre e continua exercendo seu mandato.

Tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional que acaba com o foro privilegiado, outro artifício inventado para dar proteção aos detentores de mandato. Ele supõe que o juiz de primeira instância não tem competência para julgar parlamentares por atos relativos ao exercício de seus mandatos.

Por quê? Não se sabe. Se deputados e senadores forem corajosos, derrubam o foro e enterram junto a imunidade parlamentar. Desse dia em diante, passarão a ser cidadãos comuns, como você e eu, e merecerão mais nosso respeito.


Hélio Schwartsman: Por que quero que Bolsonaro morra

O presidente prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida

Jair Bolsonaro está com Covid-19. Torço para que o quadro se agrave e ele morra. Nada pessoal.

Como já escrevi aqui a propósito desse mesmo tema, embora ensinamentos religiosos e éticas deontológicas preconizem que não devemos desejar mal ao próximo, aqueles que abraçam éticas consequencialistas não estão tão amarrados pela moral tradicional. É que, no consequencialismo, ações são valoradas pelos resultados que produzem. O sacrifício de um indivíduo pode ser válido, se dele advier um bem maior.

A vida de Bolsonaro, como a de qualquer indivíduo, tem valor e sua perda seria lamentável. Mas, como no consequencialismo todas as vidas valem rigorosamente o mesmo, a morte do presidente torna-se filosoficamente defensável, se estivermos seguros de que acarretará um número maior de vidas preservadas. Estamos?

No plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da UFABC, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. Detalhe irônico: são justamente os eleitores do presidente a população mais afetada.

Bônus políticos não contabilizáveis em cadáveres incluem o fim (ou ao menos a redução) das tensões institucionais e de tentativas de esvaziamento de políticas ambientais, culturais, científicas etc.

Numa chave um pouco mais especulativa, dá para argumentar que a morte, por Covid-19, do mais destacado líder mundial a negar a gravidade da pandemia serviria como um “cautionary tale” de alcance global. Ficaria muito mais difícil para outros governantes irresponsáveis imitarem seu discurso e atitudes, o que presumivelmente pouparia vidas em todo o planeta. Bolsonaro prestaria na morte o serviço que foi incapaz de ofertar em vida.


Eliane Cantanhêde: Jairzinho Paz e Amor

É melhor ‘presidente banana’ que ex-presidente prematuro e Bolsonaro tenta uma inflexão

A escolha do professor Carlos Alberto Decotelli da Silva para o estratégico e sofrido Ministério da Educação é mais um passo na metamorfose do presidente Jair Bolsonaro em Jairzinho Paz e Amor. Decotelli é conservador, sim, e não se poderia esperar algo diferente, mas carrega um belo currículo, não tem nada a ver com o antecessor Abraham Weintraub e muito menos é do grupo “olavista”. Logo, já é um avanço. Sua nomeação ocorre com Bolsonaro acuado, se enfraquecendo na área militar, e esquece manifestações golpistas e se aproxima de Judiciário e Legislativo, amenizando até a expressão facial e o tom de voz. Não à toa. São duas investigações contra ele no Supremo, uma contra Flávio Bolsonaro na Justiça Federal do Rio e outras contra parlamentares, empresários e militantes bolsonaristas, por fake news e atos golpistas, que se aproximam do “gabinete do ódio” e dos filhos do presidente.

O vice Hamilton Mourão entrou no radar, Bolsonaro finalmente concluiu que estava afundando e era hora de nadar e parar de afogar todo o resto. Essa pausa para reflexão, digamos assim, tem um papel fundamental da ala militar do governo, que manifestou incômodo com a ignorância e beligerância de Weintraub e não se dispõe a um abraço de afogados por problemas pessoais de Bolsonaro e seus filhos.

Tanto a queda de Weintraub quanto a ascensão de Decotelli, que teve uma fugaz passagem pela Marinha, têm a influência direta da ala militar, que tem tido contatos com ministros do Supremo e as cúpulas da Câmara e do Senado. Bolsonaro sempre bate no peito para demonstrar autoridade e já perguntou: “vou ser um presidente banana?”. Bem, é melhor ser um presidente um tanto “banana” do que um ex-presidente antes do tempo. De um lado, os militares mostraram desconforto. Do outro, o tal Olavo de Carvalho extrapolou ao postar um vídeo, aos palavrões, ameaçando o presidente. Somados, os dois movimentos reequilibraram o jogo, com a vitória da ala militar sobre a ala ideológica não só na questão pontual do MEC, mas na estratégia de sobrevivência.

Qualquer equilíbrio, porém, é precário. Bolsonaro atacou governadores, prefeitos, STF, Câmara e Senado. E também universidades, professores, alunos, médicos, enfermeiros, ambientalistas, indigenistas, jornalistas, artistas, intelectuais, militantes dos direitos humanos, movimentos negros… E a imagem do Brasil no exterior jamais esteve tão tristemente esgarçada desde os tempos da tortura. Bolsonaro não é vítima e sim réu nesse desgaste nas relações institucionais, federativas e internacionais. E é nesse ambiente adverso que tem de enfrentar as ações no Supremo e as revelações sobre a simbiose entre Flávio, Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar, Capitão Adriano, milícias e o imprevisível Frederick Wassef.

Aliás, por que o general Augusto Heleno, do GSI, implodiu de vez a versão mal-ajambrada de Bolsonaro para a acusação de interferência na PF? O presidente dizia que seu alvo não era a PF, mas sim a segurança dele e da família do Rio, a cargo do GSI, quando, furioso, reclamou: “Eu não vou esperar foder a minha família toda (…), porque eu não posso trocar alguém (..).” Em oficio, Heleno responde que não houve “óbices ou obstáculos” para troca nenhuma. Em um ano e meio de governo, foram três na segurança no Rio.

Assim, o presidente tirou Weintraub, nomeou um nome respeitável para o MEC, reabre o diálogo e faz a alegria do Centrão, mas a crise continua. As investigações se aprofundam e não se tem ideia de como Bolsonaro vai se virar no depoimento ao STF. Sobretudo depois de Heleno, é impossível manter a versão inverossímil. E que outra versão podem inventar? O depoimento de Bolsonaro não será mais mera formalidade. E é um problemão.


‘Greta ficou maior do que a causa que defende’, critica Sérgio Vellozo Lucas

Em artigo publicado na revista Política Democrática online, psiquiatra diz que boa parte das pessoas age em “efeito manada”

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Tenho as mesmas preocupações que a Greta Thunberg e concordo com boa parte do que ela diz, mas acho que, nesse momento, ela ficou maior do que a causa que defende”. A opinião é do médico psiquiatra Sérgio Vellozo Lucas, em artigo que produziu para a revista Política Democrática online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundaçao Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

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De acordo com Sérgio Vellozo, a polarização em torno do nome da adolescente oferece “apenas uma pequena greta” do grande debate. “Há mais pessoas que se alinham ou se opõem automaticamente à figura de Greta do que gente preocupada em discutir em profundidade as questões do meio ambiente”, afirma o psiquiatra.

Em 2019, Greta foi eleita a personalidade do ano pela revista Time. No artigo publicado na revista Política Democrática online, Sérgio Vellozo critica a mobilização em torno da menina. “A maior parte das pessoas que opinam nas redes apenas se comporta como gado atrás da manada, seguindo formadores de opinião que na maioria das vezes passaram menos tempo na escola do que a própria Greta, como ironizou Ricky Gervais, na apresentação do Globo de Ouro deste ano”, disse o autor.

Greta, conforme escreve o psiquiatra, “é mais um elemento a nos dividir em bolhas”. “Não há dúvidas que ela é uma menina incomum, pode até ter o potencial para se tornar uma liderança mundial efetiva, mas, por enquanto, é mais um produto da agenda politicamente correta, somada à passionalidade das redes sociais, que deram a ela uma atenção muito maior do que merecia e uma dimensão maior do que possui”, diz ele, em outro trecho.

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População LGBTI+ se organiza para empoderar minorias diante de ataques de Bolsonaro

Reportagem especial da revista Política Democrática online mostra que alvos de Bolsonaro não se silenciam diante de repressão de presidente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Integrantes da população LGBTI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais) afirmam que as minorias devem se mobilizar contra as diversas formas de preconceito e violência estimuladas pelo governo de Jair Bolsonaro. Eles alertam as minorias para se unirem e se empoderarem, como mostra reportagem especial da 15ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Todos os conteúdos da revista podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

O coordenador nacional da Diversidade do Cidadania 23, Eliseu de Oliveira Neto, demonstra preocupação com o que chama de “efeito manada” do governo Bolsonaro, referindo-se à capacidade de grupos carregados de ódio e preconceito, como homofóbicos, machistas, feminicidas e racistas, contaminarem outra parcela da população. “Esses grupos se sentem empoderados, representados, e, dessa forma, acabam convencendo pelo ódio outras pessoas que estavam sem opinião formada, no ‘meio do caminho’ e que poderiam ser conscientizadas de forma pedagógica”, lamenta ele, que já foi vítima de homofobia mais de uma vez.

Assim como Eliseu, a educadora social e mulher trans Rubi Martins do Santos Correa afirma que a população de minorias precisar se unir para não se marginalizar e se oprimir diante das práticas do governo Bolsonaro. “Somos um país de pessoas resistentes. Temos gays em todos os lugares”, acentua. “Temos que empoderar a população LGBTI+ e as outras minorias para ocuparem os espaços na sociedade. O empoderamento é chave para as minorias atuarem como sujeitos de direitos e deveres. Não sei quanto tempo vai levar, mas um dia chegaremos lá”, afirma ela.

A população LGBTI+ reconhece que sempre sofreu violência e teve de se organizar em movimentos político-sociais para terem seus direitos reconhecidos. No entanto, de acordo com Rubi, Bolsonaro “legitima atos violentos contra as minorias”. “Isso dá certa autonomia para as pessoas destilarem os seus preconceitos. Elas se sentem no poder de praticar violência porque até o presidente naturaliza isso”, assevera a educadora social, que também coordena um trabalho junto à população em situação de rua e extrema vulnerabilidade no Distrito Federal.

Como também tem dificuldade de articulação no Congresso, Bolsonaro ocupa o tempo se envolvendo em polêmicas sustentadas em pauta sobre moral e costumes. “É a pauta dos conservadores”, afirma Eliseu. “Bolsonaro é um homofóbico que não tem pudor de colocar as pessoas em risco e de mentir para se manter no poder”, acrescenta ele.

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‘Pessoas perderam a vergonha de defender tortura’, diz juiz na Política Democrática online

Na revista da FAP, magistrado critica legitimação da violência no governo de Bolsonaro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“As pessoas perderam a vergonha de defender tortura”, afirma o juiz da Vara de Execução Penal de Joinville, a 180 quilômetros de Florianópolis, João Marcos Buch. Em reportagem especial da 15ª edição da revista Política Democrática online, ele critica a legitimação da violência por parte do governo de Jair Bolsonaro. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

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Bolsonaro não se intimida, em nenhum momento, de fazer apologia à tortura. No ano passado, o presidente chegou a elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – reconhecido pela Justiça como torturador da ditadura militar –, chamando-o de “herói nacional”

Com o atual governo, de acordo com o magistrado, há um acirramento do discurso de ódio com escolhas pontuais e especificas de quem são os alvos. “São as minorias, além de pessoas presas e quem trabalha com essas pessoas a fim de garantir dignidade”, diz Buch. “No ano de 2019, essa situação ficou mais acentuada porque tive experiências concretas”, conta ele, que é conhecido pelo seu perfil humanista.

Buch não questiona a legitimidade da eleição de Bolsonaro e diz que atos governamentais devem ser respeitados. Segundo ele, os cidadãos que discordarem do governo têm instrumentos democráticos para resolverem as discordâncias. “No entanto, percebo, no governo Bolsonaro, um discurso absolutamente consciente de escolha de pessoas para as quais quer voltar o ódio da sociedade”, afirma.

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‘Discurso de ódio quer extinguir o outro’, diz Almira Rodrigues na Política Democrática online

Psicanalista também explica características de pauta de costumes do governo Bolsonaro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Casos de machismo, racismo, homofobia, transfobia e feminicídio são reflexos do crescente discurso de ódio que se tornou mais escancarado no governo de Jair Bolsonaro. “O discurso de ódio visa a extinguir o outro”, afirma a socióloga e psicanalista Almira Rodrigues, em reportagem especial da 15ª edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

“O discurso de ódio, que se instaura em nível da palavra e das mentalidades, ganha concretude transformando-se em atos de violência, particularmente contra determinados grupos sociais”, diz Almira. Ela cita, como exemplo de vítimas, mulheres, negros, povos indígenas, população sem teto e a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais (LGBTI+). “Este tipo de discurso aponta para uma visão monolítica e intolerante, expressando o não reconhecimento da alteridade, dos outros”, acentua.

A psicanalista também observa que o governo Bolsonaro tem se sustentado em pauta de costumes, que, conforme explica, representa um conjunto de propostas sobre práticas e instituições sociais. Envolve, segundo ela, a tentativa de restrição do entendimento de família à união de homem e mulher; a proposta de diminuir as possibilidades de realização do “aborto legal” (previsto para os casos de risco à vida da mulher, gravidez fruto de estupro e feto anencéfalo); e o combate aos estudos de gênero e à defesa da diversidade sexual e de gênero, rotulados pelo governo como “ideologia de gênero”.

“É uma pauta tradicionalista, fortemente embasada em valores moralistas e religiosos, que busca estender a cidadãos e cidadãs os valores de alguns setores políticos, mediante a aprovação de legislação e implantação de programas governamentais”, avalia a socióloga.

De acordo com Almira, programas implementados em gestões anteriores passaram a ser desmontados e extintos, apesar de sua contribuição social”, analisa a socióloga Almira. No entanto, ela entende que ainda existe um pacto social de respeito às leis e às instituições e de aceitação das normas básicas de convivência pela maioria da população.“É de extremo valor o fato de que são muitos os movimentos de luta e inúmeras as iniciativas em prol de um Brasil democrático, justo e fraterno”, ressalta.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

 

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O que pode definir sucesso de Bolsonaro? Felipe Nunes analisa na Política Democrática online

Em revista da FAP, pós-doutor em ciência política diz que presidente levanta polêmicas pautadas nos desejos mais íntimos das pessoas

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O professor de comunicação política, eleições e análise de dados na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Felipe Nunes diz que o sucesso do governo de Jair Bolsonaro dependerá de resultados econômicos, os quais, conforme analisa, poderão garantir, ou não, a reeleição do presidente em 2022. Essa análise está publicada na reportagem especial da 15ª edição da revista mensal Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

Nunes é PhD em ciência política, mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e está produzindo livro sobre a eleição de Bolsonaro em 2018. Segundo ele, depois de o governo passar a etapa da Reforma da Previdência em 2019, o presidente terá de oferecer à população muito mais do que mostrou até agora.

 “Embora a eleição tenha sido em torno dos costumes, o que vai definir o sucesso do governo, ou não, é a pauta econômica”, afirma o professor da UFMG, na reportagem especial da revista Política Democrática online. “Se conseguir ter resultados econômicos expressivos, quando isso se associar à pauta de costumes, ele terá resultado mais expressivo”, acentua.

A pauta econômica, na avaliação de Nunes, estabelece uma linha muito tênue entre o sucesso e o insucesso de Bolsonaro. “Se os resultados econômicos não vierem, a pauta de costumes não será suficiente para convencer a maioria da sociedade e, por isso, manterá unida apenas a base eleitoral mais próxima. Para ganhar uma eleição de novo, ele terá de mostrar resultados econômicos”, enfatiza.

O professor da UFMG observa que Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a incluir a pauta de costumes e valores na política nacional. “Ele é o primeiro eleito para o cargo com temas que dizem respeito a valores cotidianos, de dentro da casa das pessoas. Isso significa uma quebra de paradigma muito grande. Talvez por isso os políticos brasileiros tenham dificuldade de fazer oposição efetiva ao governo”, afirma o pesquisador.

Nunes reforça que o presidente infla discussões sem caráter técnico, informações e evidências. “Ele move polêmicas pautadas no desejo, no gostar das pessoas, nas preferências mais íntimas que elas têm. As pessoas passaram a discutir política de forma não mais objetiva, mas totalmente emocional, cada uma tentando confirmar aquilo em que já acredita”, diz.

Todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online serão divulgados no site e nas redes sociais da FAP ao longo dos próximos dias. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Vera Magalhães: Onyx vai a Bolsonaro, mas ainda balança no cargo

Presidente encerra entrevista sem confirmar se chefe da Casa Civil fica ou sai do governo

Chá de cadeira. Onyx está sendo colocado em fogo brando pelo chefe. Bolsonaro demorou a receber o ministro, que voltou antes das férias nos Estados Unidos quando viu que sua cabeça estava a prêmio. "Já que deturpou a entrevista, acabou a conversa", respondeu o presidente, encerrando um dos quebra-queixo em frente ao Alvorada no fim da tarde desta sexta-feira em que pretendia falar apenas das medidas de prevenção ao coronavírus. "Deturpar" a conversa, no caso, é perguntar se um dos principais ministros do governo vai permanecer ou cair.

Resta um. Nos bastidores, auxiliares dão conta de que Bolsonaro estuda formas de realocar Onyx no governo. Poderia ser o Ministério do Desenvolvimento Regional ou o cobiçado Ministério da Educação, mas há obstáculos no caminho, além do desconforto do chefe da Casa Civil com a possibilidade de que a mudança seja vista como "rebaixamento".

Montanha-russa. O gaúcho foi o primeiro ministro anunciado pelo então presidente eleito, ainda em outubro, juntamente com Paulo Guedes. Tal prestígio se devia ao fato de ter sido o primeiro deputado com trânsito na Câmara a apoiar o então baixo clero Bolsonaro, contrariando inclusive decisão do DEM, seu partido. Ele demonstrou força ao bancar a candidatura de Davi Alcolumbre no Senado e ao emplacar um auxiliar seu no Ministério da Educação, mas foi perdendo espaço para outros integrantes do Planalto e se indispondo com Guedes pelo rumo das reformas.

Eles que lutem. Onyx agora vive a situação bastante constrangedora de ter de duelar por uma vaga com um aliado seu, o titular da Educação, Abraham Weintraub, que ele "inventou" no bolsonarismo. Weintraub começou uma campanha para se manter no posto que passa por atiçar uma das principais características de Bolsonaro: a paranoia. Passou a ventilar que Rodrigo Maia o ataca para iniciar o caminho para propor o impeachment do presidente. Tenta, assim, obter um biombo para evitar sua saída do governo com base apenas na lealdade, e não em critérios técnicos ou gerenciais, uma vez que o caos administrativo se alastra pela Educação.

Prioridades. Enquanto uma guerra como sempre autoinduzida consome o presidente, seus filhos, alguns dos principais ministros e vários postos de escalões inferiores, às vésperas da volta do Congresso, no mundo grandes reviravoltas podem ter consequências para o Brasil sem que o governo pareça dar a elas a atenção devida. O Reino Unido selou sua saída da União Europeia, o que deve mexer com interesses brasileiros, entre eles a prioridade para o acordo comercial entre Brasil e UE. E o surto de coronavírus galopa no mundo enquanto o Brasil ainda engatinha em medidas tímidas e restritas ao Ministério da Saúde, sem que haja uma abordagem global de governo, que englobe áreas como comércio exterior, agricultura, turismo e segurança, por exemplo.


Política Democrática || Reportagem Especial: Governo Bolsonaro privilegia pauta de costumes e emplaca discurso de ódio

Presidente foca na intimidade das pessoas para aprofundar polarização; STF e Congresso atuam para frear radicalismo 

Por Cleomar Almeida

Guerra às minorias, sustentadas em discursos e práticas de ódio, tem se fortalecido no Brasil, assim como pautas de costumes altamente conservadores do governo de Jair Bolsonaro, o primeiro presidente de extrema direita desde a volta da democracia no país, em 1985. Hostil à esquerda, ele tem um mandato tomado por polêmicas, mas encontra, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), obstáculos a seus atos ainda mais radicais, conforme avaliam especialistas ouvidos pela revista Política Democrática online.

Até a democracia tem perdido força no governo Bolsonaro. Desde que assumiu a presidência, caiu de 69% para 62% o apoio da população ao regime político do Brasil, aponta pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada no início deste mês. Por outro lado, segundo o levantamento, manteve-se em 12% a porcentagem dos que apostam na ditadura como a melhor saída para o país, em determinadas circunstâncias.

Professor de comunicação política, eleições e análise de dados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Felipe Nunes diz que “Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro a incluir a pauta de costumes e valores na política nacional”. “Ele é o primeiro eleito para o cargo com temas que dizem respeito a valores cotidianos, de dentro da casa das pessoas. Isso significa uma quebra de paradigma muito grande. Talvez por isso os políticos brasileiros tenham dificuldade de fazer oposição efetiva ao governo”, afirma o pesquisador.

PhD em ciência política e mestre em estatística pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Nunes está produzindo livro sobre a eleição de Bolsonaro em 2018 e reforça que o presidente infla discussões sem caráter técnico, informações e evidências. “Ele move polêmicas pautadas no desejo, no gostar das pessoas, nas preferências mais íntimas que elas têm. As pessoas passaram a discutir política de forma não mais objetiva, mas totalmente emocional, cada uma tentando confirmar aquilo em que já acredita”, observa.

É nesse cenário que ganha força a pauta dos costumes de Bolsonaro, que, de acordo com a socióloga e psicanalista Almira Rodrigues, representa um conjunto de propostas sobre práticas e instituições sociais. Envolve, segundo ela, a tentativa de restrição do entendimento de família à união de homem e mulher; a proposta de diminuir as possibilidades de realização do “aborto legal” (previsto para os casos de risco à vida da mulher, gravidez fruto de estupro e feto anencéfalo); e o combate aos estudos de gênero e à defesa da diversidade sexual e de gênero, batizados pelo governo como “ideologia de gênero”.

É uma pauta tradicionalista, fortemente embasada em valores moralistas e religiosos, que busca estender a cidadãos e cidadãs os valores de alguns setores políticos, mediante a aprovação de legislação e implantação de programas governamentais”, avalia a socióloga. Ela explica a diferença do discurso de ódio. “Este tipo de discurso aponta para uma visão monolítica e intolerante, expressando o não reconhecimento da alteridade, dos outros”, acentua.

Segundo a psicanalista, o discurso de ódio visa a extinguir o outro. Tem se apresentado, basicamente, como machista, racista, homofóbico e transfóbico. “Este discurso, que se instaura em nível da palavra e das mentalidades, ganha concretude transformando-se em atos de violência, particularmente contra determinados grupos sociais”, diz ela, citando, como exemplo, mulheres, negros, povos indígenas, população sem teto e a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais (LGBTI+).

Na constante queda de braço com as demais instituições da República, Bolsonaro encontra freios para suas posturas mais radicais. O STF, por exemplo, tem garantido importantes direitos à população LGBTI+ nos últimos anos, como casamento entre pessoas do mesmo sexo, adoção de crianças por casais homossexuais, mudança de nome na certidão de nascimento para as pessoas trans e criminalização da homofobia e da transfobia.

Além disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, neste mês, uma resolução que regulamenta o cuidado específico de pessoa transgênero, revogando resolução anterior, mais restritiva. O documento amplia o acesso a atendimentos de saúde por parte de pessoas com incongruência de gênero e a procedimentos para adequação de sexo na rede pública

O Congresso Nacional, onde Bolsonaro não tem maioria, é outra instituição que tem freado as ações do presidente que tem mais vetos derrubados pelo parlamento desde 1988. Nos primeiros nove meses de mandato de Bolsonaro, os congressistas rejeitaram, total ou parcialmente, 8 (24%) dos 33 vetos presidenciais analisados no período. De 1988 a 2014, apenas oito proposições vetadas foram rejeitadas pelo Congresso.

Além disso, Bolsonaro também tem legitimado a destruição de políticas ambientais e os retrocessos nas áreas de educação, cultura e direitos humanos, assumindo um forte enfrentamento ideológico a tudo que rotula como de esquerda e socialista.

Em uma das maiores polêmicas do governo Bolsonaro em janeiro, o Brasil viu o então secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, fazer um discurso com frases semelhantes às do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Goebbels, no governo nazista. Goebbels era antissemita radical e foi um dos idealizadores do nazismo. A repercussão desastrosa levou o presidente a demiti-lo no dia seguinte. O Ministério Público Federal (MPF) defende a anulação de todos os atos de Alvim à frente da pasta.

Programas implementados em gestões anteriores passam a ser desmontados e extintos, apesar de sua contribuição social”, analisa a socióloga Almira. Apesar do panorama nacional, ela entende que ainda existe um pacto social de respeito às leis e às instituições e de aceitação das normas básicas de convivência pela maioria da população. “É de extremo valor o fato de que são muitos os movimentos de luta e inúmeras as iniciativas em prol de um Brasil democrático, justo e fraterno”, ressalta ela.

Daqui em diante, Bolsonaro terá de oferecer à população muito mais do que mostrou até agora, segundo o professor da UFMG. “Embora a eleição tenha sido em torno dos costumes, o que vai definir o sucesso do governo, ou não, é a pauta econômica. Se conseguir ter resultados econômicos expressivos, quando isso se associar à pauta de costumes, ele terá resultado mais expressivo”, afirma, para continuar: “No entanto, se os resultados não vierem, a pauta de costumes não será suficiente para convencer a maioria da sociedade e, por isso, manterá unida apenas a base eleitoral mais próxima. Para ganhar uma eleição de novo, ele terá de mostrar resultados econômicos”.

 


 

‘Ódio é instrumento de governo’, critica juiz de Santa Catarina

 Violência e ameaças cotidianas têm ganhado ainda mais força com a legitimação do discurso de ódio disseminado na sociedade pelo governo de Jair Bolsonaro e também atingem pessoas que atuam como braço do Estado. É o caso do juiz da Vara de Execução Penal de Joinville, a 180 quilômetros de Florianópolis, João Marcos Buch. “O ódio é um instrumento de governo. As pessoas perderam a vergonha de defender tortura”, afirma.

Bolsonaro não se intimida, em nenhum momento, de fazer apologia à tortura. No ano passado, o presidente chegou a elogiar o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – reconhecido pela Justiça como torturador da ditadura militar –, chamando-o de “herói nacional”

Com o atual governo, de acordo com o magistrado, há um acirramento do discurso de ódio com escolhas pontuais e especificas de quem são os alvos. “São as minorias, além de pessoas presas e quem trabalha com essas pessoas a fim de garantir dignidade”, diz Buch. “No ano de 2019, essa situação ficou mais acentuada porque tive experiências concretas”, conta ele, que é conhecido pelo seu perfil humanista.

Em um dos casos mais recentes, em dezembro, o juiz estava dentro de um tradicional bar da cidade, acompanhado de amigos, quando um homem, do lado de fora, passou a dizer a terceiros: “Vou colocar esse juiz de bandidos no lugar merecido”. O autor das ameaças foi retirado do local por outras pessoas, sem conseguir se aproximar de Buch. Ele, que quase foi agredido, soube do fato somente dias depois quando seus amigos lhe contaram.

Posso contar nos dedos as vezes que, em 25 anos de magistratura, fui ameaçado. Já usei de escoltas, sempre a partir de decisões judiciais que tomei e que geraram reações ofensivas logo debeladas. Nunca antes, entretanto, estive tão próximo de ser agredido pela exclusiva condição de ser um juiz da execução penal que aplica a Constituição”, lamenta o magistrado.

Buch não questiona a legitimidade da eleição de Bolsonaro e ressalta que atos governamentais devem ser respeitados. Segundo ele, os cidadãos que discordarem do governo têm instrumentos democráticos para resolverem as discordâncias. “No entanto, percebo, no governo Bolsonaro, um discurso absolutamente consciente de escolha de pessoas para as quais quer voltar o ódio da sociedade”, afirma.

Quando o maior governante do país diz que ‘bandido bom é bandido morto’ ou dá licença para a polícia matar, sinto o conflito no ar quando vou a um presídio. La é diferente, não tem lei, não tem Constituição, é selvageria e violência”, diz o magistrado. Ele destaca a importância de seguir a lei e garantir dignidade a todas as pessoas, independentemente da condição delas.

 


 

População LGBTI+ reage aos ataques de Bolsonaro

O coordenador nacional da Diversidade do Cidadania 23, Eliseu de Oliveira Neto, diz que o presidente Jair Bolsonaro “é o líder dos ignorantes” e instiga as pessoas a praticarem violência contra minorias, entre as quais lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais (LGBTI+). A educadora social e mulher trans Rubi Martins do Santos Correa reforça: “Os ataques às minorias são legitimados pela maior autoridade do país”.

Eliseu alerta para o que ele chama de “efeito manada” do governo Bolsonaro, referindo-se à capacidade de grupos carregados de ódio e preconceito, como homofóbicos, machistas, feminicidas e racistas, contaminarem outra parcela da população. “Esses grupos se sentem empoderados, representados, e, dessa forma, acabam convencendo pelo ódio outras pessoas que estavam sem opinião formada, no ‘meio do caminho’ e que poderiam ser conscientizadas de forma pedagógica”, lamenta ele, que já foi vítima de homofobia mais de uma vez.

A população LGBTI+ reconhece que sempre sofreu violência e teve de se organizar em movimentos político-sociais para terem seus direitos reconhecidos. No entanto, de acordo com Rubi, Bolsonaro “legitima atos violentos contra as minorias”. “Isso dá certa autonomia para as pessoas destilarem os seus preconceitos. Elas se sentem no poder de praticar violência porque até o presidente naturaliza isso”, assevera a educadora social, que também coordena um trabalho junto à população em situação de rua e extrema vulnerabilidade no Distrito Federal.

Como também tem dificuldade de articulação no Congresso, Bolsonaro ocupa o tempo se envolvendo em polêmicas sustentadas em pauta sobre moral e costumes. “É a pauta dos conservadores”, afirma. “Bolsonaro é um homofóbico que não tem pudor de colocar as pessoas em risco e de mentir para se manter no poder”, acrescenta.

A educadora social destaca que, ao contrário do que parte da população brasileira pensa, “Bolsonaro não é burro”, mas sabe bem endossar seu discurso para atingir o que pretende. “Não é burrice. Ele tem maldade. São questões pessoais e mal resolvidas dele e que são usadas para atacar os outros. É um ódio gratuito contra minorias”, lamenta ela.

Otimista, Rubi mobiliza a população para não se marginalizar e se oprimir diante das práticas do governo Bolsonaro. “Somos um país de pessoas resistentes. Temos gays em todos os lugares”, acentua. “Temos que empoderar a população LGBTI+ e as outras minorias para ocuparem os espaços na sociedade. O empoderamento é chave para as minorias atuarem como sujeitos de direitos e deveres. Não sei quanto tempo vai levar, mas um dia chegaremos lá”, afirma ela.


Política Democrática || Entrevista Especial - Cristovam Buarque: 'Nós falhamos'

Em entrevista à Revista Política Democrática Online, Cristovam Buarque fala de seu novo livro “Por que falhamos – O Brasil de 1992 a 2018”, dos erros cometidos pela esquerda que resultaram na eleição de Jair Bolsonaro e os novos caminhos que os democratas progressistas precisam traçar para mudar o país

Por Caetano Araújo e Cleomar Almeida

Cristovam Buarque (Cidadania) é o entrevistado especial desta 15ª edição da Revista Política Democrática Online. Ex-ministro da Educação do governo Lula e ex-senador pelo Distrito Federal, ele comenta sobre seu novo livro “Por que falhamos – O Brasil de 1992 a 2018” o que considera os principais erros do bloco progressista. Para Cristovam, foram 24 desacertos que levaram à eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Para Cristovam Buarque, que preside o Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), a esquerda brasileira está nocauteada, correndo o risco de se diluir ainda mais na corrida eleitoral deste ano e o bloco progressista - que reúne PSDB e PT, entre outros partidos — ainda não conseguiu se unir em torno de um projeto de país e cedeu à corrupção. "Se nós pretendemos traçar um caminho novo para o Brasil, temos que descobrir como nos juntarmos nesse bloco. O primeiro erro que eu coloco foi a divisão PSDB e PT. Não tem razão ideológica profunda para essa ruptura", acredita.

Educação e seu papel na construção do país, bem como os rumos da democracia no Brasil, também estão entre os temas tratados por Cristovam Buarque na entrevista que concedeu à Revista Política Democrática Online. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Revista Política Democrática Online (RPD): Seu próximo livro tem como título Por que falhamos? De 1992 até 2018. O texto já está disponível na internet, cuja versão em inglês sairá proximamente, e a em português, provavelmente pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Como tudo isso aconteceu.
Cristovam Buarque (CB): Este livro realmente tem uma história. Logo depois das últimas eleições, fui convidado pelos organizadores de um seminário na Universidade de Oxford para participar de uma discussão sobre o Brasil. Queriam que eu explicasse a vitória de Bolsonaro. Respondi que preferiria falar sobre como nós perdemos. Eles aceitaram. Preparei, então, um texto de cerca de 30 páginas, fiz a apresentação, à que se seguiu um debate e, na volta ao Brasil, comecei a trabalhar no livro. Demorou, mas já fiz circular uma versão do texto, que, agora, está consolidada em um pequeno livro, publicado só em e-book, que eu mesmo banquei e distribuí gratuitamente. No dia 7 de fevereiro, estarei de novo em Oxford, para participar do lançamento da versão em inglês do livro, a ser comercializada pela Amazon, e que terá outro título: Como a esquerda elegeu a direita no Brasil. Achei que ficava mais internacional. Quanto à versão impressa, também já estamos cuidando dela. Se puder ser pela FAP, melhor.

 

RPD: Logo no primeiro parágrafo de seu livro, você afirma: “Ao invés de aproveitarmos o colapso do comunismo para criar um novo modelo progressista e democrático..., fracassamos ideológica, política, econômica e moralmente. A ponto de o eleitor nos repudiar e preferir... um presidente nostálgico das maldades e do atraso da ditadura. Mais grave é que insistimos em não reconhecer nossos erros”. O senhor poderia ampliar um pouco essa reflexão?
CB: No curso da campanha em que perdi, agora em 2018, eu estava em Taguatinga, no chamado corpo a corpo. Um senhor, de uns 50 anos olhava tudo ali de longe. Fui apertar a mão dele, quando ele me disse: “Você tem consciência que você é o melhorzinho aqui entre os candidatos?” Eu ri e, cheio de mim, acrescentei: “Pois, então, que me ajude nessa campanha que não está fácil“. Ele esclareceu: “Eu não disse que vou votar em você, disse que era o melhorzinho, mas eu não quero saber se vai ser melhor ou pior, eu quero outro. Você já está aí tempo demais.”

Percebi que nós tínhamos esgotado um ciclo, e que a população se cansara desse ciclo e queria outro. Esse outro foi Bolsonaro. Porque os demais pareciam todos ser do mesmo bloco, que chamo de democratas progressistas, aqueles que lutaram contra o regime militar e que têm nuances progressistas, na economia, na justiça social, nos costumes. Por isso, concentrei-me de Itamar a Temer; não coloquei Sarney e o Collor, porque, acho, estavam mais ligados ao regime militar, até quando romperam com os militares e, portanto, não fizeram parte do bloco democrático, tampouco do bloco progressista. Senti que a população brasileira queria outro. Tanto que o último capítulo do livro é a ideia do outrismo. Nosso fracasso criou uma ideologia que é a ideologia outrista. A população quer outro.

 

RPD: Quem são o “nós” a que você se refere no livro? É uma definição controversa, que muita gente não aceita, não é?
CB: A crítica mais comum ao livro é essa. Claro, toda classificação é arbitrária, inclusive a definição de progressista, de democrata. Escolhi cinco presidentes e seus governos. Coloquei um “nós”. E a classificação foi de democratas e progressistas. Não se trata de uma classificação científica; antes, uma classificação arbitrária. E a maioria recusou. O PT não aceita. Está furioso porque acha que o livro está criticando só ele. Porque para ele só existem eles. E muita gente do PSDB reclama: “Nós não fomos irresponsáveis fiscalmente.” É verdade. O Lula tampouco foi.

Falo de bloco. Por exemplo, o bloco dos autoritários não engloba todos os militares, porque nem todos o são. Os quatro presidentes militares tinham muita diferença entre eles. Mas essa foi a primeira reação contra o livro, por isso eu começo explicando quem somos nós.

A gente precisa trazer a ideia da autocrítica e não da crítica aos outros. Para fazer uma autocrítica, você tem de se incluir. Nunca fui acusado de corrupção, mas nós, o bloco, tivemos tolerância com a corrupção. Não cometemos todos esses erros, mas, como bloco, cometemos.

Se pretendemos traçar um caminho novo para o Brasil, temos de descobrir como nos juntarmos nesse bloco. O primeiro erro que aponto foi a divisão PSDB e PT. Não tem razão ideológica profunda para essa ruptura. Até os programas sociais foram convergentes. Fernando Henrique lançou o Bolsa Escola, Lula não mudou a posição dele. Aliás, o próprio Bolsonaro está mantendo. A oposição entre PSDB e PT, dois partidos paulistas, centrava-se na eleição do prefeito de São Paulo. Em vez de discutirem uma estratégia comum para o Brasil, cuidavam em destruir o outro no pleito paulista. Nós precisamos descobrir o “nós” que nos unirá, quando descobrirmos onde erramos. Esse é o desafio.

RPD: Mas, em alguns casos, o preço a ser pago pelos erros não confunde com a dinâmica natural da política de alternância de poder, como ocorreu, entre outros, com Felipe González na Espanha, ao tentar a reeleição pela terceira vez?
CB: Se o bloco democrático progressista não estivesse errado, a alternância de poder poderia ter sido com um dos candidatos desse bloco. O bloco é composto por forças diversas, mas, ainda assim, integradas em um bloco. Nas últimas eleições, Marina era desse bloco. Alckmin, Haddad, Meireles e Ciro também. Aliás, os petistas quando falam do livro alegam que Itamar era golpista, portanto não pertencia ao bloco. Itamar foi 12 anos vice-presidente do PT, como não era do bloco? Volto a afirmar: se tivéssemos acertado, a alternância teria beneficiado um de nós. E o que aconteceu foi o oposto completo. O Aznar, com todos seus defeitos, não era franquista. Mas Bolsonaro é um nostálgico da ditadura. A ditadura não voltou na Espanha quando a população se esgotou dos socialistas.

RPD: Seu livro trata também da educação, tema que lhe é tão caro. Existiria uma solução nacional para a educação do Brasil, considerando que somos um país continente, com disparidades sociais e culturais gritantes? 
CB: Só vai existir solução para nossa educação se for nacional. É uma estratégia que pode demorar 30 anos, a Coréia demorou até mais. Temos de substituir esse sistema municipal, velho, carcomido e incapaz de ser recuperado, por um sistema federal. O processo será lento e por cidade. Não acredito que a saída seja fechar a escola municipal e abrir escola federal, mas o governo federal deve adotar a educação e todas as crianças de uma cidade. Uma depois a outra. Não há dificuldade em substituir o sistema municipal pelo federal em 100, 150, até 200 cidades pequenas por ano, desde que tenha uma carreira nacional do magistério. Abrir o concurso, começar a formar esses professores com salário bastante elevado, para poder atrair bons quadros, construir novos prédios, porque os que estão aí não têm condições, equipar com o que os alunos hoje gostam, celular, computador, e em horário integral. Isso dá para fazer em uma estratégia de médio e longo prazo, respeitando os limites fiscais do Estado.

RPD: O mesmo programa seria idêntico para o Piauí e São Paulo?
CB: Em qualidade, mas não em conteúdo. Temos de federalizar com descentralização na base. Hoje a gestão é do prefeito. Defendo que a gestão seja da escola. Como é na Finlândia. Cada escola se auto gere. Mas a carreira do professor será uma só em todo o país. O professor que vai dar aula no Piauí passou em um concurso nacional, como ocorre no Banco do Brasil, na Caixa Econômica, no Ministério Público, no Itamaraty, no Exército. Descentralizar. E liberdade pedagógica para o professor. Eles darão a aula que quiserem. O salário inicial seria de 15 mil reais por mês, mas a nova estabilidade não poderá ser plena. Haverá o que chamo de estabilidade responsável. Periodicamente, uma avaliação, cujos termos seriam previamente definidos com os próprios professores, conferirá o atingimento de metas. Em caso de resultado insatisfatório, o professor teria de ser afastado.

A verdade é não soubemos substituir a bandeira do socialismo estatal, do socialismo de até os anos 70, por uma nova utopia, no sentido mais realizável do conceito, uma utopia que incluísse três aspectos fundamentais: a democracia, o meio ambiente e a educação. Claro, com uma economia eficiente. Nós deixamos de pertencer ao bloco de países que em trinta anos seria um dos campeões mundiais da educação, onde o filho do pobre estudaria na mesma escola que o filho do rico, a exemplo dos países desenvolvidos. Toleramos a ideia de que educação boa é uma coisa de gente rica. Nunca houve um discurso claro de que nós teríamos como meta e, sem demagogia, sentar o aluno rico ao lado do aluno pobre. Quem começou a falar isso? Eduardo Campos, na campanha dele. Li que o Huck estaria dizendo algo semelhante. Mas o Lula e o PT nunca disseram coisa alguma a respeito. O PSDB, tampouco.

Um projeto até mais radical seria, em 30 anos, transformar as escolas em concessão pública, como as linhas de ônibus, que são uma concessão pública, mas operada por uma empresa privada.

RPD: Por não se fala no Brasil em ensino profissionalizante, de tão bons frutos na Alemanha e Suíça?
CB: O Brasil é um país aristocrático, e o título de técnico não dá nobreza. Muitos preferem título de doutor sem emprego do que de técnico em computação com emprego. É a mentalidade brasileira: valorizar a universidade. Foi um dos grandes erros de Fernando Henrique, Lula e Dilma. Nunca buscamos priorizar a educação profissional, nem de base nem profissional, porque não dá voto. Agora, como fazer isso? Defendo há muito tempo que o ensino médio tem de ser de quatro anos, e que todos concluam com um ofício: fotógrafo, auxiliar de gravação, cozinheiro, jardineiro etc. Defendo também que deveria haver uma cota nas escolas de engenharia para quem provém da escola técnica. Hoje tem cota para pobre, negro, índio, por que não para quem seguiu uma escola técnica? É um preconceito que está destruindo a educação e a própria a economia brasileira.

RPD: A educação poderá ser tema da campanha eleitoral municipal?
CB: Não será boa bandeira. Saneamento e saúde vão dominar. Educação não atrai o eleitor, que não consegue ainda explicar como a educação é importante na vida das famílias, a não ser a universidade. Um prefeito que oferecer bolsa para os alunos que passarem no vestibular vai ter mais voto do que o candidato que oferecer escola de bom nível.

RPD: Há semelhanças entre a situação interna no Brasil e a de outros países, onde políticos despontam com discursos como os de Bolsonaro, e onde vem ocorrendo cisões no campo democrático progressista? Em caso afirmativo, o que caberia fazer?
CB: Sou pessimista quanto à capacidade da democracia de cuidar dos grandes problemas da atualidade. A democracia é um sistema nacional que tem de dar respostas imediatas ao eleitor. E hoje a gente vive em um mundo planetarizado, os problemas são planetários e de longo prazo. Vejamos alguns exemplos.

Meio ambiente. Não acho que meio ambiente vai eleger um presidente. Macron está sofrendo porque tentou aumentar o preço da gasolina. O eleitor quer baixar o preço da gasolina, esquecendo que estará agravando o aquecimento global. Vi pela televisão um manifestante em Paris com uma bandeira contra o aquecimento global e outra contra o aumento do preço da gasolina. É como se um vegano reclamasse do aumento do preço da carne.

Outro exemplo: o oceano vai subir tantos centímetros em 100 anos. Vai acabar com o Recife. Mas 100 anos, não tem eleitor que vote pensando em cem anos. Nem 50. Nem 30. Então os populistas irresponsáveis, sem compromisso de longo prazo, vão tender a ganhar a eleição, oferecendo soluções para o imediato.

Falando de rótulos político-ideológicos, o que é mais de direita, defender o meio ambiente ou defender o emprego? O que é mais de esquerda, defender o emprego ou defender o meio ambiente? Para mim, seria defender o meio ambiente, porque tenho sentimento de humanidade. Mas o eleitor comum não pensa assim. Os ecologistas estão comprometidos com o ser humano, não com o trabalhador. Nos tempos de Marx, trabalhador e ser humano eram a mesma coisa, com o trabalhador representando a grande maioria do ser humano. Hoje já não é.

Venho até trabalhado com o conceito de desvalia, mais grave, do ponto de vista humanitário, do que o de mais valia. Na mais valia, o patrão explora, mas pelo menos paga um salário. Na desvalia, ignora. É o pobre abandonado, é o marginal. A esquerda não percebeu a desvalia no discurso teórico, percebeu-a em programas assistenciais, como o Bolsa Família. Não estamos sabendo qual é o programa capaz de casar o humanismo com o eleitor. Por isso, nós, esse bloco, enfrentaremos muitas dificuldades eleitorais.

Tanto mais porque surgem com mais força os extremos. No Brasil, a gente vai passar muito tempo ainda com a polarização PT e Bolsonaro. Por quê? Porque uma das grandes invenções do processo eleitoral democrático é a ideia de dois turnos. Hoje joga-se para emplacar vaga no segundo turno. Vota-se no primeiro turno em quem é mais próximo e, no segundo, em quem é menos distante. Daí tanta gente votar em branco. E tanto Bolsonaro como o PT estão trabalhando para garantir 20, 25 porcento. E os outros não estão conseguindo formular um programa que os unifique, para poder aterrissar na faixa do segundo turno, no lugar de um dos extremos. Caminhamos para favorecer a radicalização.

O que fazer, então? Primeiro, ter paciência. Entender que, mais uma vez voltando a Marx, a superestrutura (as ideias) não passa por cima da realidade. Segundo, torcer para que a pedagogia da catástrofe produza resultados imediatos. Em geral, não produz. A pedagogia da catástrofe só ensina depois que o prédio cai. Se houve aquele ruidozinho na parede, você sente que a coisa está tremendo, mas vai levando. É depois que cai que você vê.

Daí a função do debate, da ampliação do círculo de pessoas com quem se deva conversar, ouvir o que elas têm a dizer, para compor um bloco democrático progressista, mesmo que sua composição seja díspar. O importante é que as forças políticas assim reunidas coincidam em refutar os extremos.

 


Política Democrática || Alberto Aggio: Bolsonaro, ano 1

O ano de 2019 passou com o presidente Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988, avalia Alberto Aggio

Ele veio como um terremoto, mobilizando as profundezas da sociedade. Assustou, verdadeiramente. E continua a assustar, pois o tremor que se sentiu continua, dia após dia, sob fogo cerrado de um discurso intolerante e de uma linguagem marcada pela confrontação permanente, sem remissão nem acordos. Em meio ao turbilhão que se instalou com a vitória e ascensão ao poder de Jair Bolsonaro, já é tempo de entender que ele não veio “do nada”. O antipetismo que se formou desde as manifestações de 2013 até o impeachment de Dilma Rousseff foi o que essencialmente o elegeu. Mas há mais do que isso.

É necessário, de saída, reconhecer que Bolsonaro foi eleito dentro dos parâmetros democráticos que nos guiam e, portanto, sua vitória está coberta de legitimidade. Interessa a Bolsonaro ultrapassar a imagem de que seu êxito representou apenas um instante fugaz. Quer conclamar homens e mulheres a segui-lo e refazer o caminho de sua vitória eleitoral, rumo a outra, a de 2022. Mesmo com os olhos mergulhados no passado, busca alterar o tempo histórico. Mais importante do que conquistar posições que lhe garantam trânsito sustentável em direção ao futuro, importa instituir um movimento, em tempo curto, que o leve a mais um mandato.

No já longínquo 2018, o candidato derrotado do PT, Fernando Haddad, balbuciou palavras referentes à “resistência” de uma “outra nação”, mas permaneceu imóvel, como seu partido, esperando a “soltura” de seu guia, que continuaria a vociferar como antes, reiterando que nada mudara em sua visão. Diferentemente de Bolsonaro, Lula movimenta-se no sentido de voltar a ter posições mais favoráveis nas relações de força que compõem o difícil e complexo terreno da política brasileira nos dias que correm. Na linguagem preferida do velho líder: “corre muito, quer o jogo concentrado nele, mas marca poucos gols”!

A consigna de “resistência” a Bolsonaro foi aceita quase que generalizadamente, mas deveria ser traduzida por uma estratégia de construção de uma “oposição democrática” no corpo das instituições, na opinião pública e na sociedade, cuja principal missão deveria ser a de evitar que “as inclinações autoritárias do presidente eleito e do seu entorno” se transformem em “regime político”, como expusemos em Política Democrática Online 2, em novembro de 2018 (pp.18-19). Transcorrido um ano do governo Bolsonaro, não parece que tal objetivo tenha perdido sua validade, muito ao contrário. Atesta-se, por outro lado, a incapacidade do PT em dar corpo e solidez a essa estratégia.

O ano passou com Bolsonaro fazendo questão de se afirmar como o comandante de um governo de “destruição” de tudo que se havia construído nos 30 anos de vigência da Constituição de 1988. Fez questão de não evitar e mesmo assegurar suas posições homofóbicas, racistas, antiecológicas, antiparlamentares, anti-institucionais, antidemocratas ou similares. Foi mais corporativo, em defesa dos diversos grupos militares e religiosos que o apoiam, do que reformista. Mesmo quanto à Reforma da Previdência, aprovada em 2019, Bolsonaro não pode proclamar como uma vitória sua, uma vez que pouco ou nada fez para que ela passasse na Câmara e no Senado.

Diante das dificuldades de governança e do declínio em sua popularidade, atestado nas pesquisas, o presidente não se furtou a estimular especulações a respeito da sua sucessão. Sem um projeto claro a perseguir como marca de governo, Bolsonaro passou o ano fazendo com que a questão eleitoral de 2022 fosse o terreno oculto a lhe possibilitar uma contraposição retórica com seus possíveis adversários. O presidente da República não teve dúvidas em instrumentalizar antecipadamente sua sucessão para sondar como andam seus apoios, sem necessitar, mais uma vez, ceder à articulação com o mundo político. Parece convencido de que investir suas fichas nas correias de transmissão que lhe deram a vitória eleitoral, com prevalência para as redes sociais, poderá lhe garantir a vitória novamente. Permanecer com o percentual de apoio que lhe assegure um lugar no segundo turno em 2022 é o objetivo almejado. Bolsonaro subiu a rampa do Planalto, mas imediatamente retornou ao palanque: é um presidente-candidato, como o foi Lula, o tempo todo, embora os estilos sejam notavelmente diferentes.

Ideologicamente, Bolsonaro é, sem dúvida, um político reacionário e regressivo que, para chegar a ser conservador, necessitaria de um programa de governo consonante com o desenvolvimento brasileiro e com os avanços civilizacionais do Ocidente, mas que supusesse um “freada de arrumação”, visando a garantir ou conservar parte do padrão histórico alcançado em ambas dimensões. Entretanto, Bolsonaro (e seu entorno, filhos inclusos) não chega a ser um conservador. Quer retroagir a marcha da história. Menos ainda um liberal, em termos políticos. Inúmeras vezes vociferou indiretamente contra a Constituição, a “Carta das liberdades e dos direitos”, como a ela se referia o liberal Ulisses Guimarães. Bolsonaro rejeita os vetores emancipatórios contidos nas transformações valorativas da modernidade. As metamorfoses atuais do mundo lhes são inadmissíveis. Identifica-se essencialmente com o mundo do pentecostalismo e seu cortejo de falaciosas restrições.

No plano internacional, Bolsonaro aposta na sua capacidade de anular a dinâmica e os efeitos da globalização entre nós e, por isso, se posiciona claramente contra o globalismo, sustentando um nacionalismo manchado de anacronismo. Diante do irredutível “conflito econômico mundial”, que se expressa de forma global, Bolsonaro não contempla uma perspectiva de cooperação entre os países, isto é, uma política de interdependência que favoreça a convivência entre diferentes e a busca de um destino comum para a humanidade. Sua postura extremista nos tem levado a uma posição subalterna ao atual governo norte-americano, além de vincular o país ao que há de mais reacionário na política europeia.

O “ano 1” projetou um líder que se recusou a formar uma base política no Parlamento, rifou o partido pelo qual se elegeu e busca construir um “novo partido” (Aliança pelo Brasil), de perfil personalista, seguindo as orientações de Olavo de Carvalho, um ideólogo saturado de nostalgia e extremismo. A construção desse partido seria então a resposta do presidente ao isolar-se do mainstream político e procurar consolidar, na sociedade, um movimento que possa lhe dar sustentação e lhe ser estritamente fiel.

Na dimensão reconhecidamente mais exitosa deste “ano 1”, os parcos resultados alcançados na economia são avaliados em meio a fortes suspeitas sobre sua sustentabilidade. A reforma da Previdência acionou, como afirma Luiz Carlos Mendonça de Barros, “a força de uma recuperação cíclica tradicional, que já existia desde o governo Temer (e que) começou a ganhar tração ao longo dos últimos meses. Mas a lentidão desta recuperação, principalmente na questão do desemprego, criou um ambiente de ceticismo entre os analistas e mesmo junto à sociedade” (Valor, 16.12.2019). Em síntese, a economia deu sinais de que está saindo da recessão provocada pelos disparates efetuados no governo de Dilma Rousseff (PT), mas não tem como avançar senão lentamente, mesmo com o rebaixamento dos juros a um nível jamais visto na história recente.

Em um ambiente político mais apropriado à “guerra de posições”, Bolsonaro preferiu a “guerra de movimento”, como o comandante de um “exército” embrionário identificado no “bolsonarismo”. Entretanto, à diferença dos seus pares internacionais, o iliberalismo de Bolsonaro não demonstrou, neste “ano 1”, força real para impor derrotas à democracia, como sistema político. Embora haja uma sensação de ameaça permanente, não há posições conquistadas no sentido de destruir a democracia da Carta de 1988 em seus fundamentos. As oposições resistem institucionalmente, mas não demonstram capacidade de enfrentar a “guerra de movimento” do bolsonarismo.

O “ano 1” de Bolsonaro está focado no segundo mandato. Ele precisa desesperadamente de sua reeleição. Para isso, quer nos manter estacionados politicamente em 2018.