Jair Bolsonaro

Bernardo Mello Franco: A poupança do senador

Na quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro disse que daria uma “voadora no pescoço” de quem praticasse corrupção. No mesmo dia, a Polícia Federal flagrou um dos vice-líderes de seu governo com dinheiro escondido entre as nádegas.

A PF apreendeu R$ 33 mil na cueca do senador Chico Rodrigues. Segundo os agentes, parte do butim estava ocultada “em regiões íntimas”. A filmagem da operação registrou cenas escatológicas. Para nos poupar delas, o ministro Luís Roberto Barroso mandou trancar o vídeo num cofre.

O senador do DEM é suspeito de desviar verbas federais enviadas a Roraima combater a pandemia. Os investigadores afirmam que ele ajudou a fraudar a compra de testes da Covid. O Estado tem 15 municípios, mas só a capital conta com leitos de UTI.

Rodrigues e Bolsonaro são amigos há mais de 20 anos. “É quase uma união estável”, definiu o capitão. Como acontece nas relações duradouras, os dois já trocaram muitos favores. O senador empregou um sobrinho do presidente como aspone, com salário de R$ 23 mil.

Ontem Bolsonaro tentou se desvincular do flagrante. Disse que a operação demonstrou não haver corrupção em seu governo. O capitão opera com uma lógica peculiar. Tenta vender a descoberta do roubo como prova de que não existiria roubalheira.

O roraimense se juntou a uma lista crescente de bolsonaristas na mira da polícia. No mês passado, o líder do governo na Câmara foi alvo de uma operação no Paraná. Em 2019, a PF fez buscas no gabinete do líder no Senado. Os dois continuam em seus cargos.

A poupança de Rodrigues também impõe constrangimentos ao Congresso. Ele participava de uma comissão criada para fiscalizar a aplicação de verbas na pandemia. Só não foi preso preventivamente porque tem imunidade parlamentar.

Agora o Senado terá que decidir se mantém ou revoga seu afastamento, decretado pelo ministro Barroso. Ainda que venha a ser cassado, ele continuará a mandar no gabinete. O primeiro suplente, Pedro Arthur Rodrigues, é seu filho.


Vinicius Torres Freire: A teoria do esgoto de Bolsonaro e Russomanno

Problemas graves borbulham, podem ferver e país parece ainda mais anestesiado

Celso Russomano (Republicanos) é o candidato de Jair Bolsonaro e da Igreja Universal à prefeitura de São Paulo. Disse a empresários da Associação Comercial desta cidade que os moradores de rua podem ser “mais resistentes do que a gente” ao coronavírus. Como não pegaram Covid em massa, diz o candidato, talvez tenham a imunidade das ruas, onde “convivem o tempo todo” e não têm como tomar banho todos os dias.

Para dizer a coisa de modo sarcástico, é uma teoria higienista ao contrário. Existe “a gente” e existem “eles”, os sem-banho, talvez imunizados pela aglomeração em uma espécie de espurcícia salubre. É uma variante da teoria do esgoto, de Bolsonaro.

Em 26 de março, quando ainda estavam para morrer 150 mil pessoas de Covid, o presidente desta República esgotada dizia o seguinte: “… o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”.

Bolsonaro e Russomano devem se banhar em alguma fonte de sabedoria estranha para “a gente” que esperava alguma revolta ou pelo menos comiseração por causa do morticínio. A indiferença, quando não troça, não causa danos relevantes ao prestígio “deles”. Não há organização ou interesse políticos suficientes para cobrar consequências dessas barbaridades.

Os poucos sinais de ira manifesta e coletiva contra o governo se esvaneceram desde julho. Não houve tumulto social algum, menos ainda saques, o que é fácil de entender. Os auxílios emergenciais mais do que cobriram a perda de renda dos mais pobres, na média, embora pesquisas registrem o aumento do número de pessoas que padecem de fome e o emprego para o povo miúdo não venha reaparecendo.

Mesmo as tretas, sururus e indignações entre as elites se dissipam rapidamente, embora alguns de seus motivos continuem a queimar ou ferver nos subterrâneos. Assim que chegaram algumas chuvas, foram passando os protestos mais ruidosos contra as queimadas e outras destruições da natureza. Parece que faz tempo, mas foi no final de setembro que o governo e seu centrão anunciou com estrondo e cara de pau que financiaria um Bolsa Família encorpado com uma pedalada, com o calote dos precatórios.

Como não há oposição política organizada ou partidos políticos com alguma articulação social mais relevante e extensa, tais reações em parte se dissolvem na espuma das mídias sociais, onde a cada minuto há nova maré alta de sujeira e bobagem.

É ilusão de que tudo passa, porém. Parte da finança e da grande empresa se organizou para evitar danos maiores da política do mau ambiente de Bolsonaro, por exemplo. Por falar em finança, as taxas de juros estão quase no mesmo nível para onde pularam no anúncio da pedalada dos precatórios. A degradação financeira e a desconfiança no país estão borbulhando e podem ferver.

Decisões sobre assuntos centrais e urgentes da política econômica foram adiados “sine die”: se haverá burla do teto, se o talho de mais de meio trilhão no gasto federal pode provocar recaída econômica, se haverá “reformas”, se haverá auxílios para os famintos de 2021, sem emprego, se o Brasil será rebaixado à última categoria dos párias ambientais e diplomáticos etc.

O país está anestesiado, imune à indignação geral, talvez por ter se acostumado à aglomeração de sujeira juntada por governantes e candidatos bárbaros.


Bruno Boghossian: Bolsonaro, Ustra e a 'direita burra'

Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica?

Depois de apanhar nas redes por uma semana, Jair Bolsonaro se irritou com as milícias digitais que costumavam agir a seu favor. Numa transmissão ao vivo, ele disse que os ataques à sua primeira indicação ao STF partiam de "uma direita burra". "Não é infiltrado de esquerda! Não é petista, não!", reclamou.

Em 2018, o candidato extremista que explorou uma agenda ultraconservadora conseguiu se vender como o verdadeiro representante da direita naquela campanha. Hoje, o presidente se sente confortável para questionar a inteligência dos ex-apoiadores que criticam os acordos políticos que ele fechou em busca de proteção para sua família.

Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica? O presidente pode estar pensando na turba que perseguiu uma menina de 10 anos que buscava um aborto legal depois de ser estuprada pelo tio. Ou na ministra de Estado que defendeu que ela levasse a gravidez adiante.

Ainda é possível que a referência destra do chefe de governo sejam os torturadores da ditadura militar. O próprio Bolsonaro, afinal, já usou o cargo para enaltecer o coronel Brilhante Ustra, condenado por sua atuação no regime. Na última semana, o vice Hamilton Mourão disse que aquele era “um homem de honra”.

O presidente também deve atirar na vala da "direita burra" os liberais que veem nele uma desconexão com os princípios econômicos que distinguem governos desse lado do espectro político. O líder ilustrado, por outro lado, já propôs taxar desempregados e reduzir benefícios pagos a idosos miseráveis.

Bolsonaro é um direitista esperto. Embora muitos eleitores desse campo possam estar decepcionados com algumas de suas atitudes, ele sabe que pode contar sempre com o velho apelo ao medo da esquerda para conquistá-los de volta.

"O que o pessoal fez com o Macri?", perguntou, naquela transmissão ao vivo, em referência ao ex-presidente argentino. "Porrada nele o dia todo. E o que aconteceu? Voltou a esquerdalha da Cristina Kirchner!"


Ruy Castro: Políticos e seus currículos de araque

Nada como um doutorado que não se precisou cumprir ou um título de mestrado imaginário

Kassio Marques, escalado por Jair Bolsonaro para o STF a fim de votar com imparcialidade a favor de sua família, gabou-se em seu currículo de uma pós-graduação na Universidade de La Coruña, na Espanha. Faltou combinar com a universidade. Consultada, ela informou que Marques fez apenas um curso de quatro dias sem relação com qualquer pós, e, mesmo assim, como ouvinte. Para Marques, o encarregado de compor seu currículo "errou" ao traduzir o quesito. Seria mais honesto se dissesse "Desculpem, não colou".

É um "erro" frequente na biografia dos homens de Bolsonaro. Vide seus notáveis indicados para o MEC, Ricardo Vélez Rodrigues, Abraham Weintraub e Carlos Alberto Decotelli. Todos tinham em seus currículos cursos fictícios no exterior, plágios descarados ou autoria de livros alheios. Belo exemplo para os estudantes.

Ricardo Salles, destruidor do Meio Ambiente, disse-se aluno de mestrado em Yale, embora nunca tenha sido sequer matriculado. E Damares Alves, sinistra ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, intitulou-se "mestra em educação e em direito constitucional". Não por uma universidade, mas por leituras da Bíblia. "Mestre é quem se dedica ao ensino bíblico", decretou, do alto de sua goiabeira ardente.

Os espertos vêm de longe. A primeira a ter sua erudição desmentida foi Dilma Rousseff, pré-candidata à Presidência, em 2009. Seu currículo Lattes incluía imaginários mestrado e doutorado em ciências econômicas pela Unicamp. Não corou ao ser apanhada.

Em 1967, aos 19 anos, ganhei um curso de língua e literatura portuguesa na Universidade de Coimbra. Era um curso de verão, sem valor acadêmico. Tentei cumpri-lo, mas, uma semana depois, achando-o chato, despedi-me dos colegas e fui saracotear em Paris. Mesmo assim, recebi depois um simpático certificado de inscrição. Vou procurá-lo —está em algum lugar— e juntá-lo ao currículo.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


‘Economia tem taxas medíocres de investimento’, diz Nelson Tavares Filho

Provável vitória dos democratas nas eleições norte-americanas, ausência de uma política ambiental e investimentos baseados em aumento da dívida pelo governo Bolsonaro são fatores que podem influenciar a economia do país, levando a uma alta da inflação e dos juros

O economista Nelson Tavares Filho, especialista em planejamento estratégico, é enfático ao projetar um cenário preocupante no Brasil. “A economia brasileira vem apresentando taxas medíocres de investimento, 1,35% do PIB”, alerta, em artigo que publicou na 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

Todos os conteúdos da publicação têm acesso gratuito no site da FAP. De acordo com o economista, o problema ocorre porque os gastos correntes inadiáveis veem ocupando o espaço no orçamento. “Inúmeras estatais estão dependendo do orçamento público para pagar suas folhas salariais, sem contrapartida de ofertar um bom serviço público. Mas fechar uma estatal hoje significa subtrair ‘poder’ de um congressista. A base formada pelo governo Bolsonaro irá dificultar muito o ajuste necessário ao Estado brasileiro”, afirma.

Segundo o especialista, um detalhe importante poderá favorecer a apresentação de taxas de crescimento positivas em 2021. “O efeito estatístico causado pela diminuição do PIB em 2020. Outra questão que poderá influir no crescimento é o auxílio a ser pago a camadas mais pobres da população. 65% do crescimento é ocasionado pelos gastos familiares, e este auxílio aumenta o poder de compra dessa população integralmente, pois não possuem condições de poupar”, analisa.

Pelo valor estimado para o PIB (US$ 6,5 trilhões) e do “PIB per capita” (US$ 28 mil) no Brasil, conforme analisa o autor, é fácil deduzir que a empresa aguarda desenvolvimento significativo no longo prazo. “No cenário de curto prazo, com as variáveis mencionadas, o crescimento ocorrerá mais por efeito estatístico e/ou desrespeitando normas e leis que constituem base para um crescimento de longo prazo”, escreve ele.

O economista destaca que não são dois cenários excludentes. “Mas a prevalecer no curto prazo crescimento nas condições explicitadas, mais difícil será a realização do cenário de longo prazo traçado pela empresa”, afirma ele.

Leia também:

‘Trump aposta em pauta sensível ao eleitor de direita’, afirma Marcos Sorrilha

Marcus Vinicius Oliveira analisa desafios da esquerda com base na via chilena

‘PEC da reforma administrativa faz o exato oposto’, escreve Arlindo Fernandes

‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía

‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão

‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

‘Lista de perdedores é imensa’, diz Everardo Maciel sobre propostas de reforma tributária

Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

O que está por trás do poder catártico do cinema? Confira o artigo de Lilia Lustosa

Reforma tributária, estupros e paixão por robôs são destaques da Política Democrática

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


‘Trump aposta em pauta sensível ao eleitor de direita’, afirma Marcos Sorrilha

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da Unesp diz que os dois candidatos ‘coincidem em que a China é um problema para a América’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem acrescentado pauta própria e muito sensível ao eleitor de direita do país, de acordo com o historiador e professor professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marcos Sorrilha Pinheiro. “A ênfase na lei e na ordem, sua plataforma preferida na tentativa de alertar a população do país contra os efeitos da campanha de Biden, de maior aproximação com as minorias étnicas”, explica ele, em artigo que publicou na 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com Pinheiro, dos temas centrais que norteiam a escolha do próximo presidente, cinco despontam com particular importância: pauta étnica, economia, relações com a China, coronavírus e questão climática.

Biden, na avaliação do historiador, parece ter dois pontos seguros a seu favor, ao passo que Trump luta para consolidar seu posicionamento em ao menos dois deles também. Apenas a China está em aberto. “Ambos os candidatos coincidem em que a China é um problema para a América”, analisa o professor da Unesp.

Neste exato momento, segundo Pinheiro, a corrida eleitoral ganha contornos de indecisão. “Após três meses de muitos tumultos em torno da figura de Donald Trump – causados pela derrubada do PIB, pelas mortes causadas pela Covid-19 e pelas manifestações antirracistas –, em que uma vitória esmagadora de Biden parecia se desenhar, o atual presidente se recuperou nas pesquisas, aumentando sua vantagem em Estados ameaçados, como o Texas, e aproximando-se de seu opositor em dois campos de batalha: Flórida e Pensilvânia”, escreve o autor do artigo.

De certa maneira, avalia o professor da Unesp, a economia começa a dar sinais de recuperação e isso pode ser bom para Trump. “Além disso, o aumento das tensões em torno das manifestações étnicas é uma carta que ele mobiliza com frequência, tentando plantar o medo, vendendo a imagem de Biden como se fora a marionete da ala radical do partido, atrelada àqueles movimentos”, diz, para continuar: “Por outro lado, o candidato democrata sai-se bem em temas que são tidos como muito importantes entre os eleitores independentes – a questão climática e a crise do coronavírus – com as quais, estimam, Biden saberá lidar com mais competência”.

Leia também:

Marcus Vinicius Oliveira analisa desafios da esquerda com base na via chilena

‘PEC da reforma administrativa faz o exato oposto’, escreve Arlindo Fernandes

‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía

‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão

‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

‘Lista de perdedores é imensa’, diz Everardo Maciel sobre propostas de reforma tributária

Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

O que está por trás do poder catártico do cinema? Confira o artigo de Lilia Lustosa

Reforma tributária, estupros e paixão por robôs são destaques da Política Democrática

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


Marcus Vinicius Oliveira analisa desafios da esquerda com base na via chilena

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, historiador toma como base livro de Alberto Aggio

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em 1970, a coalizão da Unidade Popular elegeu Salvador Allende como presidente do Chile, conforme analisa o doutor em história Marcus Vinicius Oliveira, em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online. “Tal eleição representava, para não só o Chile, mas também as esquerdas, o desafio de elaborar as transformações históricas necessárias para a construção do socialismo dentro da ordem e das instituições democráticas, o que implicava a produção de uma novidade no patrimônio das culturas políticas das esquerdas socialistas e comunistas, habituadas a uma visão instrumental da democracia e aferradas aos paradigmas revolucionários”, afirma.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos com acesso gratuito em seu site. Em seu artigo, Oliveira analisa, cinco décadas após o início da “experiência chilena”, o livro “Democracia e socialismo: a experiência chilena”, de Alberto Aggio (1993), marcando suas potencialidades para a compreensão dos dilemas políticos contemporâneos.

“Na medida em que não abandonava os posicionamentos revolucionários, as ações da Unidade Popular terminaram por pressionar a própria ordem democrática que havia permitido sua ascensão ao poder, “ escreve o doutor em história, para continuar: “Incapaz de compreender os rumos da revolução passiva chilena, a coalizão política vitoriosa, em determinados momentos, procurou, sem consensos políticos estáveis, acelerar e aprofundar o ritmo das transformações históricas, contribuindo para o rompimento daquele consenso democrático”.

De acordo com o autor do artigo, é preciso refletir em torno dos significados da experiência para a política contemporânea. “Não revisitamos a ‘experiência chilena’ para perscrutar seus fracassos ou mesmo reconstruir a oportunidade perdida para a construção do socialismo no século XXI”, afirma.

Distante de qualquer perspectiva socialista, segundo Oliveira, a via chilena dialoga com o nosso tempo na medida em que marca um ponto de inflexão que aponta a necessidade de abandono das expectativas revolucionárias e um redirecionamento das políticas de esquerda para o enfrentamento da democracia, enquanto perspectiva civilizacional capaz de garantir transformações históricas, sem a perda das liberdades e das individualidades.

“Cinco décadas após, o desafio apontado por Aggio na via chilena, marco da história da política democrática das esquerdas de hoje, ainda nos pertence”, afirma o doutor em história. Para o presente, conforme acrescenta, marcado pela ascensão de discursos autoritários e de perspectivas antipolíticas, considerar o tempo da política significa abandonar o sentido de ruptura como um momento condensado no tempo, tanto quanto compreender que o enfrentamento desse desafio civilizacional ocorre em uma temporalidade alongada e multidirecional, na qual devemos produzir os caminhos a partir dos dilemas do presente.

Leia também:

‘PEC da reforma administrativa faz o exato oposto’, escreve Arlindo Fernandes

‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía

‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão

‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

‘Lista de perdedores é imensa’, diz Everardo Maciel sobre propostas de reforma tributária

Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

O que está por trás do poder catártico do cinema? Confira o artigo de Lilia Lustosa

Reforma tributária, estupros e paixão por robôs são destaques da Política Democrática

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


‘PEC da reforma administrativa faz o exato oposto’, escreve Arlindo Fernandes

Em artigo que publicou na revista Política Democrática Online, consultor do Senado aponta falta de estratégia nos médio e longo prazos

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A proposta de emenda à Constituição sobre a reforma administrativa, na verdade, faz o exato oposto, na avaliação do consultor do Senado e especialista em Direito Constitucional Arlindo Fernandes. “Beneficia-se, é verdade, do interesse de um mal assessorado ‘mercado’ pela reforma e da receptividade circunstancial pelo dito centrão”, critica ele, em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

Todos os conteúdos da publicação têm acesso gratuito no site da FAP. De acordo com Fernandes, a administração pública e o regime jurídico de servidores e de empregados públicos carecem de reforma, para que o Estado possa prover, com o máximo de eficiência e o mínimo de custos, os serviços públicos essenciais, como educação, saúde e segurança pública, e realizar suas atividades fins, como recolher impostos e fazer os gastos pertinentes, administrar a justiça, fazer leis e assegurar as liberdades individuais e públicas.

No entanto, segundo o artigo publicado na revista Política Democrática Online, nada disso comparece à proposta de emenda à Constituição sobre reforma do Estado alegadamente elaborada pelo ministro Paulo Guedes. “Não se cogita melhorar o serviço público de educação, seja prestado pelos governos, seja pelas empresas do setor”, diz o consultor.

“A saúde seguirá cativa dos interesses de grandes grupos financeiros, contando com o SUS [Sistema Único de Saúde] como boia de salva-vidas; e o Executivo seguirá tentando obstar a independência do Poder Judiciário, e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo. Reforma alguma aqui é promovida”, observa o especialista.

De acordo com Fernandes, o que importa é mandar a mensagem da sucumbência do Governo Federal aos interesses pontuais do que imagina ser o mercado. “Sabe-se muito bem que o mercado, a economia, o desenvolvimento, os interesses nacionais e os da sociedade brasileira ganhariam com uma administração pública eficiente e viável, especialmente se pensada com visão estratégica, isto é, no médio e longo prazos. Mas não se pensa nisso, apenas em negócios de circunstância”, lamenta.

Leia também:

‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía

‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão

‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

‘Lista de perdedores é imensa’, diz Everardo Maciel sobre propostas de reforma tributária

Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

O que está por trás do poder catártico do cinema? Confira o artigo de Lilia Lustosa

Reforma tributária, estupros e paixão por robôs são destaques da Política Democrática

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía

Cientista político observa estratégia do governo federal, em artigo publicado na revista Política Democrática Online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretende manter-se distante das disputas [das eleições 2020], em função das alianças feitas com o Blocão no Congresso desde o inquérito das Fake News, quando houve ‘contenção’ provisória de seus arroubos autoritários”. A avaliação é do sociólogo e cientista político Paulo Baía, em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, e que tem todos os conteúdos liberados para acesso gratuito no site da entidade.

Clique aqui e acesse a 23ª edição da revista Política Democrática Online!

Na avaliação de Baía, Bolsonaro precisa garantir suas alianças e a ideia é distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com partidos como o DEM e o MDB, por exemplo. “Os candidatos às prefeituras não desejam nacionalizar o debate; ao contrário, preferem manter-se presos às questões de interesse do eleitor em suas cidades, debatendo as mazelas locais’, afirma.

Em seu artigo na revista Política Democrática Online, o cientista político observa, ainda, que o equilíbrio de Bolsonaro no Congresso também depende de atender às demandas dos deputados em seus colégios eleitorais. “Para tanto, a máquina bolsonarista já atua para satisfazer os desejos dos aliados, além da importância dos fundos partidários nesta disputa eleitoral; dessa forma, não há como negar apoios”, afirma. “A oposição busca nacionalizar o debate, mas não é desejo da maioria dos candidatos a prefeito pelo não interesse do eleitor – veja Márcio França em São Paulo”.

As eleições municipais tiveram que ser adiadas para o dia 15 de novembro. De acordo com o sociólogo, os eleitores se aproximam do pleito sob o signo da tristeza, sem esperança de mudanças. “A sociedade, impactada pela crise sanitária da Covid-19, divide-se em responsabilizar a própria população e o presidente pela ampla tragédia social e econômica”, observa. “E sabemos que há uma subnotificação dos casos pela ausência de testes e com um ministro da Saúde improvisado”, destaca.

Além disso, conforme aborda em outro trecho do artigo, Baía diz que o governo federal vive gangorra interna, com Paulo Guedes apoiado por Rodrigo Maia, de um lado, e Henrique Marinho, por militares e prefeitos, de outro. “Isto é, são dois projetos político-econômicos, para tentar retomar as medidas reformistas e o crescimento econômico atraindo investimentos”, afirma. “As oposições partidárias a Jair Bolsonaro acabam por se aproximar, pragmaticamente, das propostas de Henrique Marinho através do aumento de investimentos”, diz.

Leia também:

‘No Brasil, há claros estímulos ao desmatamento’, afirma Benito Salomão

‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

‘Dívida da Cinemateca Brasileira chega a R$ 14 milhões’, diz Henrique Brandão

Guerra ideológica aterroriza vítimas de estupros no Brasil, mostra reportagem

O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

‘Lista de perdedores é imensa’, diz Everardo Maciel sobre propostas de reforma tributária

Sergio Denicoli explica como agem ‘robôs militantes’ e aponta final ‘infeliz’

O que está por trás do poder catártico do cinema? Confira o artigo de Lilia Lustosa

Reforma tributária, estupros e paixão por robôs são destaques da Política Democrática

Confira aqui todas as edições da revista Política Democrática Online


Alon Feuerwerker: A enésima morte da nova política

A ideia da necessidade de uma política de tipo inteiramente novo não é novidade na política nacional. Basta lembrar do “Brasil novo” prometido pelo então candidato a presidente Fernando Collor de Mello, três décadas atrás. A tentação é permanente. Quem não gostaria de resolver os próprios problemas e aporrinhações simplesmente apertando o botão de reset?

De tempo em tempos, mais agudamente em crises que esgotam a paciência, o eleitor cai nessa. É arrastado pela promessa de que a ponte para superar os impasses é trocar as pessoas erradas pelas certas. E nunca faltam candidatos a preencher a necessidade. E acabam chegando ao poder carregados da esperança de que vão finalmente passar o sistema a limpo.

Mas tão previsível quanto o apelo cíclico das promessas de renovação é o poderoso efeito permanente da inércia. Se até nas rupturas dignas do nome ela opera com impacto decisivo nas políticas pós-revolucionárias, quanto mais em transições de superfície, como às que nosso país está habituado na sua já relativamente longa história.

O Brasil é quase um laboratório permanente de experimentação da teoria que adverte sobre o peso opressor das ideias mortas sobre as ações dos seres vivos que se imaginam como o novo. Nada é mais previsível por aqui que a alternância entre a euforia diante da novidade e o conformismo quando o velho finalmente volta a se impor.

O surto mais recente de ansiedade por uma nova política vem de 2014, impulsionado pela explosão de junho de 2013, o embrião do momento por que o país passa hoje. Mas se ao longo destes anos você fosse perguntando às pessoas “afinal, o que é a nova política”, provavelmente constataria, surpreso, que ninguém tinha a menor ideia da resposta.

Ao final, a nova política acabou se vestindo de algo bastante velho, o clássico bonapartismo. O culto ao poder unipessoal exercido em ligação direta com o desejo difuso das massas. O obstáculo? Este projeto unipessoal precisaria impor-se na prática aos bolsões de poder estabelecido.

No Brasil isso é praticamente impossível, ou muito difícil, por várias razões. Uma singela: o sistema está organizado para impedir qualquer presidente de eleger com ele a maioria parlamentar. Presidente, governadores e prefeitos. O problema está nos três níveis da federação. Na teoria, trata-se de um sistema de freios e contrapesos. Na prática, a garantia de que nada vai mudar.

Neste final da metade do (primeiro?) governo Jair Bolsonaro, assistimos ao enésimo enterro de um ensaio da possibilidade de uma política inteiramente nova. Mas, a exemplo de Luiz Inácio Lula da Silva, o atual presidente teve a inteligência, e a prudência, de mandar a coisa toda do "novo" às favas enquanto ainda tinha força suficiente para dissuadir “a velha política” de tentar derrubá-lo.

Pois a coisa anda perigosa. Invocar questiúnculas para derrubar governantes que perderam a (ou nunca tiveram a) maioria parlamentar parece estar virando, como se diz, carne de vaca. Comprova-se, de maneira ineditamente disseminada, que governos “técnicos” estão sempre a caminho de cair. Ainda mais com a atual exuberância de um Judiciário inebriado de poder.

E de Legislativos que perceberam que podem derrubar quem for sem enfrentar reação ponderável.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Hélio Schwartsman: estelionatos eleitorais

Mentiras eleitorais de Dilma estavam expostas poucas semanas após o pleito, e as de Bolsonaro foram aparecendo aos poucos

Com o arremedo de reforma administrativa apresentado pelo governo, o estelionato eleitoral perpetrado pelo presidente Jair Bolsonaro é maior até do que o cometido por Dilma Rousseff.

Enquanto as antinomias dilmescas ficaram mais ou menos restritas à economia, as do capitão reformado dizem respeito a praticamente todos os eixos de sua campanha. Ele, afinal, renegou as três bandeiras que o elegeram: o rompimento com a velha política, a luta contra a corrupção e a reforma liberal do Estado.

A diferença é que as mentiras eleitorais da petista ficaram escancaradas poucas semanas depois do pleito, já as do militar foram aparecendo aos poucos, diluídas em um ano e meio de administração. E, quando as coisas acontecem paulatinamente, as pessoas se acostumam com tudo, até com a sideral cifra de mil mortos por dia registrada no auge da epidemia de Covid-19, outro fracasso da atual gestão.

Também relevante para a popularidade é que, enquanto Dilma presidiu a uma transição da bonança para a recessão, Bolsonaro assumiu o comando já numa situação de penúria e não foi capaz de promover um crescimento perceptível. O primeiro quadro, mas não o segundo, leva a um sentimento de perda que não raro resulta em revolta contra o governante.

É aqui que nos deparamos com o que pode ser uma armadilha para Bolsonaro. O Brasil foi eficaz —alguns diriam pródigo— em promover um programa emergencial de renda para as famílias, que evitou a explosão social nas quarentenas. Mas não foi tão bem na ajuda às empresas, muitas das quais, especialmente as pequenas, não sobreviverão. E, se não houver postos de trabalho para assegurar renda à população depois que o auxílio emergencial acabar, poderemos ter problemas sérios, com grande potencial de impacto sobre a popularidade presidencial.

A inflação de alimentos, outro fator conhecido de revolta, que já dá as caras, tampouco ajuda Bolsonaro.


Hélio Schwartsman: Na pandemia, Jair age como um tecelão de oxímoros

Não surpreende que Bolsonaro aja como Bolsonaro

No dia em que o Brasil contabilizava 115 mil mortes por Covid-19 —o que representa uma taxa de óbitos por 100 mil habitantes 47 vezes maior que a do vizinho Uruguai—, Jair Bolsonaro promoveu um evento em que arrebanhou ministros e alguns médicos para juntos enaltecerem a cloroquina. O nome escolhido para a cerimônia foi "Brasil vencendo a Covid-19".

É genial. Com essa, Bolsonaro conquistou um lugar no panteão dos oximoristas, as pessoas que criam nomes ou expressões que aglutinam conceitos contraditórios ou absurdos. Meu exemplo favorito é o Sacro Império Romano Germânico (a designação dada ao mosaico de Estados alemães que conviveram entre 963 e 1806), que, como observou Voltaire, não era sacro, nem era um império e também não era romano. Ao menos era germânico. Uma lista mais tradicional de oxímoros inclui: silêncio eloquente, instante eterno, crescimento negativo e inteligência militar.

Contradições à parte, não surpreende que Bolsonaro aja como Bolsonaro. O que me preocupa mais é que existam médicos que aceitam participar de uma pantomima eleitoreira que nega o método científico pelo qual a medicina deveria se pautar.

De fevereiro até abril, fazia sentido depositar esperanças na cloroquina. Havia uma hipótese teórica a justificar sua ação contra a Covid-19 e alguns trabalhos indicando efetividade. Mas a ciência fez o que tinha de fazer e procedeu a testes mais rigorosos. Nunca uma droga foi alvo de tanta pesquisa.

E a conclusão a que se chegou é a de que nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina são fármacos muito úteis contra a doença (ainda não dá para descartar que produzam efeitos muito modestos) e ainda trazem o risco de danos colaterais, que se tornam uma certeza se distribuídos a grandes populações.

O médico que não aceita os resultados de ensaios clínicos controlados não entendeu como a medicina se relaciona com o método científico.