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Luiz Carlos Azedo: Supremo deu o recado

Cármen Lúcia disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR

Ao manter o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, à frente das investigações sobre o presidente Michel Temer, neste fim de mandato, o Supremo Tribunal Federal mandou um recado para o mundo político: restaure-se a moralidade. Nove ministros da Corte rejeitaram o pedido de afastamento: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Não participaram da decisão os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR, e que as “instituições são mais importantes que as pessoas”. Não foi uma declaração descontextualizada da troca de guarda na PGR, porque sinaliza o que já se esperava: Raquel Dodge, que substituirá Janot a partir da segunda-feira, não será complacente com os malfeitos apurados na Operação Lava-Jato.

“Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos”, disse a presidente da Corte. Cármem Lúcia foi explícita quanto ao fato de que todos os processos que se referem à matéria penal não serão interrompidos, apesar das pressões. Esse foi o teor da recente conversa entre a presidente da Corte e a nova procuradora-geral. “O processo penal e a busca de apuração de erros praticados no espaço público, como se tem no espaço privado, não vão parar”, ressaltou.

A expectativa agora é quanto à segunda denúncia contra Michel Temer. O caminho ficou aberto para que isso ocorra nas próximas 48 horas, porque a segunda decisão da Corte, sobre essa possibilidade, foi adiada para a próxima semana, por causa da apreciação do Código Florestal. A sessão foi encerrada por Cármem Lúcia sem que os ministros do STF analisassem o pedido de Temer para impedir Janot de apresentar uma nova denúncia. Outro pedido era para que a Corte examinasse a validade das provas entregues pelos delatores da J&F, que embasam as investigações, mas o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Edson Fachin, manifestou-se contra a apreciação da validade das provas no momento.

A sessão do Supremo surpreendeu pelo estilo pessedista (a cúpula do antigo PSD só se reunia quando tudo já estava resolvido). O ministro Gilmar Mendes, crítico implacável da Lava-Jato e desafeto declarado de Janot, permaneceu no seu gabinete na primeira votação. Em nota, disse que “possui posição consolidada a respeito da interpretação restritiva das regras de suspeição e impedimento previstas na legislação brasileira”. Barroso, principal defensor de Janot e da Lava-Jato, não compareceu porque estava num seminário na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Janot também não compareceu, foi representado pelo vice-procurador-geral da República, Nicolau Dino, que chamou de “absolutamente infundadas” as acusações. Ele foi o mais votado na eleição interna do Ministério Público para o cargo de procurador-geral, mas foi preterido por Temer, que indicou Raquel Dodge. “Nada, absolutamente nada autoriza a conclusão de que haveria inimizade capital entre o procurador e o presidente da República”, afirmou.

Enquanto isso, segue o baile. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem, em Curitiba, perante o juiz Sérgio Moro, e não foi preso, como temiam os petistas. Continuará respondendo ao processo em liberdade. Lula foi agressivo, mas o magistrado não caiu na armadilha e evitou polêmicas. Uma nova denúncia foi feita por Janot no fim da tarde, desta vez contra o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), cujo teor foi mantido em sigilo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ontem, suspendeu a carteira do ex-procurador Marcelo Miller, por 90 dias. Desde março, Miller é investigado pelos colegas por sua atuação no escritório Trench, Rossi, Watanabe, que defendia a JBS no acordo de leniência. O escritório informou à coluna que não foi responsável pela entrega da gravação da conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud ao Ministério Público, como publicamos na terça-feira. Quem entregou a gravação foi a defesa na “delação premiada”, o processo criminal.

Seminário
Começa hoje, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, o seminário internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”, organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (PPS) e o Instituto Teotônio Vilela (PSDB). Entre os palestrantes, Adrian Wooldridge, Stefan Folster e Gianni Barbacetto, além de políticos dos dois partidos, como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque, Roberto Freire e José Aníbal. A grande ausência será o prefeito de São Paulo, João Doria, que está em Buenos Aires

 

 


Rubens Bueno: Lições para se tirar da crise 

À primeira vista a atual crise ética em que o Brasil se enfiou parece não ter conserto.

São tantos escândalos, tramoias, conchavos de bastidores e armações de conveniência que a impressão que a sociedade tem é que não há fundo do poço.

Vivemos uma espiral de notícias sobre crimes envolvendo políticos de diversas esferas, empresários e até mesmo representantes da Justiça.

Atordoado com a enxurrada de notícias, o cidadão brasileiro mostra não mais reagir como tempos atrás diante de escândalos que, para muitos, não terão fim.

No entanto, também vivemos uma ótima oportunidade para tirar lições da crise.

Em primeiro lugar ficou claro pelos resultados da Operação Lava Jato e outras tantas deflagradas nos últimos anos que a promiscuidade entre o público e o privado está no centro de todo o mecanismo de corrupção.

Políticos enxergam o patrimônio do Estado como sua propriedade pessoal ou de seu grupo. Empresários acreditam que o poder financeiro da propina é a mola mestra para a alavancagem de seus negócios com governos e estatais.

E assim, nesse palco de mão dupla, construíram um sistema de propina, financiamentos de campanhas e contrapartidas que perdurou décadas protegido pelo silêncio de seus participantes e pelo medo daqueles que, mesmo sabendo de falcatruas, temiam represálias.

Um esquema, diga-se de passagem, que funcionou azeitado com a benção de um grupo que ocupa os principais espaços de poder nos últimos 30 anos.

Por outro lado, a lentidão, e porque não dizer complacência da Justiça, também alimentou indiretamente o crescimento dos esquemas de corrupção. Até pouco tempo processos contra políticos e empresários corruptos tinham como destino quase certo o fundo dos escaninhos judiciais. O mecanismo de recursos, o foro privilegiado e a lentidão nos julgamentos acabavam, quase sempre, por livrar de pena os acusados de sugar o patrimônio público.

Uma das primeiras reações a isso aconteceu no início dos anos 2000, quando uma investigação sobre a Sudam (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia) atingiu políticos de alto calibre, levando alguns, mesmo que por breve tempo, a cadeia. Mas, sem dúvida, foi a Lava Jato que revolucionou de vez esse tipo de investigação. Hoje, podemos dizer que poderosos passaram a ter medo da lei e da cadeia.

Então, o que fazer agora que a sociedade conhece os meandros, os detalhes de bastidores e os principais atores da corrupção sistêmica que se instalou no país? Como bloquear ou pelo menos instalar alarmes eficientes nas portas dos cofres públicos?

Esse trabalho começa pelo fortalecimento dos órgãos de controle interno e externo dos órgãos públicos, transita pelo apoio e aumento das estruturas da Polícia Federal, Ministério Público e Justiça e caminha também pela transparência dos atos dos três poderes da República a fim de que a sociedade possa fiscalizar com mais eficiência o trajeto percorrido pelos recursos públicos.

É necessário ainda que se estabeleçam novos mecanismos para contratos entre governos e empresas para garantir que serviços ou mercadorias sejam negociados pelo preço de mercado, evitando-se o superfaturamento e os famosos aditivos abusivos que alimentam o mercado da propina.

Por outro lado, tiramos a lição de que os altos custos das campanhas eleitorais são ponto central nesse esquema. Quem financia um partido cobra lá na frente uma contrapartida. E o retorno esperado é, na maioria das vezes, pago com o superfaturamento de contratos.

Trata-se de um esquema viciado que se autoalimenta e precisa ser desmontado. Então, a primeira missão de uma reforma política deve ser o barateamento da disputa eleitoral.

Outra questão que precisa ser enfrentada é a reforma da estrutura do Estado.

Temos hoje um emaranhado burocrático, uma estrutura mastodonte de órgãos que acabam dificultando a relação entre os governos, as empresas e o cidadão. É um sistema que facilita a criação de dificuldades para vender facilidades. Por isso, o desafio que o Brasil tem pela frente é o de dar agilidade e transparência ao Estado.

No entanto, o mais importante, a lição mestra que podemos tirar dessa crise é que tudo começa pelo voto. Se os políticos precisam mudar, e não há dúvida, o eleitor brasileiro precisa aprender a votar. Sem isso, nada adianta.

* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná

 

 


José Anibal: A resposta da boa política aos desafios e transformações do mundo

Nos últimos anos, o Brasil enfrentou algumas das mais difíceis crises de sua história.

Atravessamos quase três anos de uma recessão que, finalmente, parece ter ficado para trás, ainda que persistam questões estruturais para um estado com efetivo equilíbrio fiscal, sem artifícios como os vistos no passado recente.

O sistema político carece de uma reorganização com o objetivo de reaproximá-lo das pessoas, do cidadão comum, e fazer com que o governo seja menos custoso à sociedade e, principalmente, mais eficiente.

São desafios inegavelmente complexos, mas igualmente estimulantes para aqueles engajados na construção de um país mais próspero e uma sociedade mais justa e menos desigual.

Ao mesmo tempo que os problemas do dia a dia exigem ações imediatas e eficazes, é também fundamental ter capacidade de discussão, reflexão e elaboração de novas e criativas formas de enfrentar e solucionar as questões estruturais do mundo contemporâneo.

Nesse sentido, não poderia haver momento mais singular e necessário para a promoção de um grande seminário internacional como o que o Instituto Teotônio Vilela, do qual sou presidente nacional, e a Fundação Astrojildo Pereira realizam nesta semana, em São Paulo.

Ao longo de dois dias e sete sessões de trabalho, mais de duas dezenas de intelectuais, analistas, jornalistas e políticos do Brasil e de outros quatro países vão debater temas como a reinvenção do estado democrático, o impacto das novas tecnologias no mundo do trabalho, as transformações provocadas pela globalização, os avanços e as consequências das grandes operações de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

Faço aqui um convite a todos para que acompanhem as discussões do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação.

É inegável que as questões a serem debatidas, num primeiro momento, despertam preocupação ou mesmo desesperança, mas é precisamente por isso que tais questões devem ser encaradas com racionalidade, coragem e ousadia.

Só assim construiremos novas e criativas formas de exercer e revigorar a boa política, elaborar soluções pertinentes e plausíveis de serem implementadas e, enfim, pavimentar caminhos para um Brasil mais próspero e mais preparado para os grandes desafios deste mundo em intensa transformação.

* José Aníbal é presidente nacional do Instituto Teotônio Vilela. Foi deputado federal e presidente nacional do PSDB

 


Roberto Freire: Narrativas que caem  

Como se não bastasse o desmantelo econômico e moral legado ao país após 13 anos de governo, o lulopetismo se caracteriza pela construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e tentam confundir ou mesmo ludibriar a opinião pública. Felizmente, à medida que deixamos para trás esse período de triste memória que tanto infelicitou o Brasil, as mentiras enfileiradas por aqueles que não têm nenhum compromisso com os fatos vão sendo desmascaradas uma a uma, o que só comprova o tamanho da desonestidade que marcou a atuação do PT no poder.

A mais nova narrativa a cair por terra, a partir de um estudo de repercussão internacional, é a de que teria havido uma forte redução da desigualdade durante o período em que Lula e Dilma Rousseff governaram o país. Segundo um levantamento feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido por Thomas Pikety – renomado economista francês e autor do já icônico “O Capital no Século XXI” –, os 10% mais ricos da população brasileira aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres viram sua participação oscilar de 11% para 12%.

O crescimento econômico registrado nesse período não teve praticamente nenhum impacto na redução da desigualdade, que se manteve estável entre 2011 e 2015 e permanece em “níveis chocantes”, de acordo com a pesquisa. Isso se deu em função de 61% da expansão registrada pela economia brasileira ter sido capturada pelos 10% mais ricos, ao passo que os 50% mais pobres foram beneficiados com apenas 18% desse avanço. Os resultados apresentados vão de encontro ao que os pesquisadores brasileiros Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília (UnB), já haviam apontado em estudo sobre a estabilidade no nível de desigualdade no país entre 2006 e 2012.

Como se vê, desta vez com o respaldo de dados colhidos por meio de pesquisas, o propagado avanço social cantado em prosa e verso por Lula e Dilma se resumiu a um símbolo midiático, o Bolsa Família, que jamais deixou de ser um mero instrumento de transferência de renda – e não uma ferramenta que permitisse, verdadeiramente, uma profunda transformação no Brasil.

É evidente que, para aqueles mais desassistidos e que vivem de forma muito precária, o programa proporciona uma melhoria imediata que não pode ser desconsiderada. Entretanto, não há como negar que se trata de uma solução paliativa, um remendo incapaz de mudar a realidade de milhões de brasileiros em situação de pobreza. Tanto é assim que basta uma primeira grave crise econômica, como esta que vivemos hoje e da qual finalmente começamos a sair depois de tanto sacrifício, para que as pequenas conquistas obtidas até então se esvaiam.

Além de não terem oferecido aos brasileiros mais pobres a possibilidade de transformarem a sua realidade de vida, os governos lulopetistas se revelam quase como uma contrafação do pensamento mais progressista e avançado da esquerda brasileira – que foi às ruas, por exemplo, para defender as reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart no início dos anos 1960. Hoje, o PT e seus satélites, PCdoB e PSOL, tomam as ruas para repudiar toda e qualquer proposta de reforma. Não há nada mais conservador e até mesmo reacionário do que tal comportamento.

A desfaçatez, lamentavelmente, não se restringe à área social. Não podemos nos esquecer do desastre moral e ético dos governos petistas, escancarado pelo saque aos cofres públicos revelado diuturnamente pelas investigações da Operação Lava Jato. Atônita, a sociedade acompanha a sucessão interminável de escândalos, denúncias, indiciamentos e até condenações envolvendo os próceres do PT – especialmente Lula, o “chefe” de uma estrutura que, para o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Moro, funcionava como uma sofisticada organização criminosa.

O nível de degradação da esquerda lulopetista foi de tal ordem que permitiu o recrudescimento de uma extema-direita preconceituosa e intolerante, como raras vezes se viu no Brasil - talvez jamais com essa intensidade. Essas forças autoritárias e reacionárias se organizam politicamente e vêm ganhando terreno, inclusive com vistas às eleições gerais de 2018. Isso só reforça a necessidade de construirmos uma alternativa no campo do centro democrático para livrar o Brasil de uma disjuntiva entre simpatizantes do regime de Nicolás Maduro na Venezuela, por um lado, e entusiastas das torturas praticadas pela ditadura militar brasileira nos anos de chumbo, por outro.

É necessário apresentar ao país um projeto nacional de desenvolvimento que dê condições para que a realidade econômica e social mude efetivamente - e não apenas de forma paliativa. Precisamos de menos propaganda e mais propostas. De menos narrativas e mais ações concretas. Fundamentalmente, de mais dignidade no trato da coisa pública e respeito pelo cidadão.

 


O impeachment de Dilma Rousseff: crônicas de uma queda anunciada

Obra do jornalista Luiz Carlos Azedo mostra a queda da presidente Dilma Rousseff de forma analítica, refinada e concebida no calor das horas

A Verbena Editora e a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) estão lançado o livro "O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada", de autoria do jornalista Luiz Carlos Azedo, colunista político dos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas. Com longa experiência na cobertura da política nacional na capital federal, o autor, a partir das colunas publicadas nos dois jornais de amplitude nacional, faz uma análise refinada de um dos períodos mais conturbados da história democrática do nosso país. São textos que mostram o desmanche do governo petista, a reação palaciana, as implicações da Operação Lava-Jato no governo petista, os efeitos colaterais da saída de Dilma Rousseff e os novos cenários enfrentados pelo país com o governo Temer.

"A leitura das crônicas de Azedo não deixa dúvida de que o impeachment de Dilma Rousseff está longe da chamada 'narrativa do golpe' construída pelos apoiadores do governo deposto", afirma o professor e historiador Alberto Aggio. Segundo ele, a obra "mostra que o impeachment foi um processo político, como não poderia deixar de ser - e todos sabiam disso - , sustentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que sancionou o rito jurídico a ser seguido, de acordo com a Constituição e a legislação correspondente a esse tipo de processo."

De acordo com Aggio, a obra que o leitor tem em mãos é uma análise refinada, concebida no calor da hora, que faz jus ao melhor do jornalismo público. "Reler o impeachment de Dilma Rousseff pelas letras de Azedo ajuda a repensar esse processo processo tão cheio de controvérsias, mas que está longe de ser algo injusto ou despropositado", diz o professor e historiador. "O país soube enfrentar aquela situação dramática e o fez democraticamente", completa Aggio.

No prefácio que escreveu para a obra de Azedo, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), destaca que ainda é cedo para saber se o impedimento da presidente Dilma ficará como um simples pé de página ou será um capítulo importante da história do Brasil. "Em qualquer dos casos, O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada, livro do jornalista Luiz Carlos Azedo, será um importante marco de pesquisa no futuro, e uma excelente lembrança para quem acompanha as notícias do dia a dia brasileiro", destacou o senador.

"Ao longo dos últimos anos, como leitor do Correio Braziliense, eu já havia lido todos os artigos que o Azedo nos oferece nesta sua obra. Ao reler cada um deles, desde que os fatos aconteceram, na curta distância dos meses, senti como se o autor fosse um historiador em campo", avalia Cristovam Buarque. "Isto é possível porque ele é um profissional de imprensa com robusta, múltipla e variada bagagem de leitura. Por isto, reúne a sensibilidade de jornalista, do local e do agora, com o sentido do conjunto de conhecimentos relativos ao passado e ao presente e sua evolução, do rumo para o futuro", completa o senador.

A publicação deste livro "é um presente para quem deseja navegar pela complexa conjuntura brasileira, tornada simples e cristalina no texto de Luiz Carlos Azedo", avalia o jornalista Fernando Rodrigues, diretor do portal de notícias Poder360 (http://www.poder360.com.br). "A erudição política e o conhecimento nos escritos de Azedo ajudaram a compreender o tortuoso processo do impeachment da então presidente Dilma Roussef, em 2016", completa Rodrigues.

O senador José Antonio Reguffe (sem partido) destaca que a qualidade dos textos e o conteúdo histórico das colunas publicadas por Azedo, que resultaram nesta obra. "Quem lê suas colunas no Correio Braziliense vê análises profundas, embasadas, fora das análises rasas e superficiais que vemos muitas vezes hoje em dia. Além disso, se delicia com vários casos históricos testemunhados ou acompanhados de perto pelo autor". De acordo com o senador, "nesse livro, Azedo relata e deixa para as próximas gerações a sua análise sobre este importante período de nossa história".

A versão digital do livro "O impeachment de Dilma Rousseff - Crônicas de uma queda anunciada" pode ser baixada em http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/produto/o-impeachment-de-dilma-rousseff/

 


Luiz Carlos Azedo: Movimento dos barcos

Quando a notícia chegou, lembrei-me da velha música de Jards Macalé e José Carlos Capinam, na voz de Maria Bethânia, um dos ícones da Tropicália. “Tô cansado/E você também/Vou sair sem abrir a porta/E não voltar nunca mais/Desculpe a paz que eu lhe roubei/E o futuro esperado que eu não dei/É impossível levar um barco sem temporais/E suportar a vida como um momento além do cais”. No contexto em que foi lançada, a letra do baiano Capinam tinha duplo sentido, assim como a melancólica melodia tecida no violão de Macalé.

No começo dos anos 1970, o regime militar estava em pleno processo de fascistização. Ninguém imaginava a política de distensão de Geisel e a acachapante vitória da oposição nas eleições de 1974, que desencadeou nova onda de repressão contra os que conseguiram permanecer no país e organizaram a resistência pacífica e democrática de oposição. Naquela época, muitos foram forçados ao exílio, estavam presos, foram mortos ou haviam desaparecido. Hoje, o sentido pode ser outro, em meio à crise ética. Ainda bem que a recessão acabou.

A letra fala em partida e derrota, em decepção e separação: “Não quero ficar dando adeus/Às coisas passando, eu quero/É passar com elas, eu quero”. E deixa um fio de esperança: “Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando, não/Lamentando o eterno movimento/Movimento dos barcos, movimento”. Lembrei-me do Porto de Santos, cuja barra já cruzei no velho Normandie, do meu amigo Jadir Serra, saindo do canal do Guarujá rumo à Ilha Grande, no litoral fluminense.

Perdão pela licença poética, a notícia do dia me fez viajar no tempo. Vamos a ela: a abertura de inquérito para investigar o presidente da República, Michel Temer, por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na edição de um decreto no setor de portos, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, vai exumar velhas histórias policiais do Porto de Santos, da época em que gente graúda embarreirava uma investigação.

Segundo Barroso, existe razoabilidade no pedido da Procuradoria-Geral da República para a instauração de inquérito. Supostamente, “os elementos colhidos revelam que Rodrigo Rocha Loures, homem sabidamente da confiança do presidente da República, menciona pessoas que poderiam ser intermediárias de repasses ilícitos para o próprio presidente da República, em troca da edição de ato normativo de específico interesse de determinada empresa, no caso, a Rodrimar”. Esse pedido do procurador-geral Rodrigo Janot não fazia parte das suas flechadas de fim de mandato, foi encaminhado em junho para o Supremo Tribunal Federal (STF) e redistribuído. O assunto não integra o escopo de investigações da Operação Lava-Jato, cujo relator é o ministro Edson Fachin. Por sorteio, foi parar logo nas mãos de Barroso, um ministro defensor da Lava-Jato.

“A ninguém deve ser indiferente o ônus pessoal e político de uma autoridade pública, notadamente o presidente da República, figurar como investigado em procedimento dessa natureza”, disse Barroso. “Mas esse é o preço imposto pelo princípio republicano, um dos fundamentos da Constituição brasileira, ao estabelecer a igualdade de todos perante a lei e exigir transparência na atuação dos agentes públicos”, completou o ministro.

A investigação vai apurar se o decreto que prorrogou as concessões dos portos por 30 anos foi editado com o objetivo de beneficiar a empresa Rodrimar, que atua no Porto de Santos. O Palácio do Planalto foi pego de surpresa. Temer esperava a tão anunciada segunda denúncia de Janot, que seria baseada na delação premiada de Lúcio Funaro. Aparentemente, o procurador-geral aguarda a sessão plenária do Supremo desta quarta-feira, que julgará os recursos de Temer que pedem a paralisação de toda e qualquer ação de Janot enquanto não se esclarecer o caso das relações do empresário Joesley Batista com o ex-procurador Marcelo Miller.

Bateu, levou!
Ontem, o Palácio do Planalto adotou o estilo bateu, levou! Em nota, afirmou que “mais de 60 empresas tiveram seus processos de licitação prorrogados com as condições de investimento e modernização dos terminais e portos brasileiros”. E que o presidente Michel Temer “não teve interferência no debate e acatou as deliberações e aconselhamentos técnicos, sem que houvesse qualquer tipo de pressão política que turvasse todo esse processo.” Pela manhã, já havia sido divulgada uma nota duríssima: “O Estado democrático de direito existe para preservar a integridade do cidadão, para coibir a barbárie da punição sem provas e para evitar toda forma de injustiça. Nas últimas semanas, o Brasil vem assistindo exatamente ao contrário”.

A denúncia é contra Janot: “Garantias individuais estão sendo violentadas, diuturnamente, sem que haja a mínima reação. Chega-se ao ponto de tentar condenar pessoas sem sequer ouvi-las. Portanto, sem se concluir investigação, sem se apurar a verdade, sem verificar a existência de provas reais. E, quando há testemunhos, ignora-se toda a coerência de fatos e das histórias narradas por criminosos renitentes e persistentes. Facínoras roubam do país a verdade. Bandidos constroem versões “por ouvir dizer” a lhes assegurar a impunidade ou alcançar um perdão, mesmo que parcial, por seus inúmeros crimes. Reputações são destroçadas em conversas embebidas em ações clandestinas”.

 


Alberto Aggio: Chile, da revolução à democracia

Uma coluna de fumaça espessa e escura levantou-se na área central de Santiago do Chile na manhã de uma terça-feira, 11 de setembro de 1973. Era um estranho acontecimento. Não parecia um incêndio qualquer, mas algo mais grave e ameaçador, especialmente porque minutos antes foi possível ouvir o ruído dos caças da Força Aérea do Chile em voos rasantes sobre o centro da cidade, onde fica o Palácio La Moneda. O que ocorria não era fortuito.

O governo do socialista Salvador Allende chegava ao fim com seu suicídio no interior do palácio, que estava sendo bombardeado. O golpe militar e o regime autoritário que se instaurou em seguida alterariam profundamente a história contemporânea do Chile. Foi derrubado não apenas o governo da Unidade Popular (UP), que Allende encabeçava, mas suprimida a democracia em todos os aspectos da sociedade chilena.

O presidente deposto, que assumira o mandato em novembro de 1970, queria construir o socialismo por meio de mecanismos democráticos. Através de decretos do Executivo, Allende realizava estatizações e, em alguns momentos, procurou também fazer alianças no Parlamento com a Democracia Cristã (DC), um partido considerado de centro. Para ele e parte importante da esquerda de então, socialismo significava poder popular e estatização. Mas havia vertentes da esquerda que se opunham às vias institucionais. Fortemente influenciados pela Revolução Cubana, amplos setores da UP e do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) procuraram acirrar as contradições. Queriam acelerar as mudanças, pressionando o governo. As bases sociais mobilizadas por esses setores buscavam resolver a chamada “questão do poder” para implantar mais rapidamente o socialismo.

As diferenças de estratégias e condutas no interior da esquerda afetavam o ambiente político, que cada vez mais se polarizava com a radicalização de ações da direita em oposição ao governo Allende. A falta de consenso dentro da esquerda fez com que a “via chilena ao socialismo” permanecesse apenas como um slogan, o que bloqueou a sua real transformação numa “via democrática ao socialismo”, inédita na história. Era notório que o governo buscava realizar uma revolução feita por mecanismos legais do Estado, mas por meio dela pretendia implantar um socialismo equivalente ao que existia na União Soviética, na China ou em Cuba. A espiral crescente das contradições condenou a liderança de Allende como “disfuncional”, uma vez que o presidente nunca advogou a ruptura institucional, mas também não parecia ter completo controle do processo político. O resultado foi uma polarização catastrófica e o advento do golpe que colocou por terra o governo Allende.

Desfecho
Esse desfecho obviamente não estava estabelecido de antemão, mas acabou por comprovar que aquela proposta de revolução era impossível, ao menos no Chile da época. Salvador Allende e a UP concebiam a revolução e o socialismo a partir da cultura política convencional que predominava na esquerda latino-americana e mundial, com raízes marxistas, bolcheviques, maoístas e, mais tarde, guevaristas e castristas. Tais linhagens têm como referência a revolução como tomada de poder de Estado pela via armada, por insurreição ou guerrilhas. Essa cultura política revelou-se incapaz de enfrentar o ineditismo do processo, demonstrando que não estava amadurecido na esquerda chilena o significado e as implicações da adoção de uma via democrática ao socialismo. Por isso, o governo Allende não pode ser interpretado como o exemplo histórico da impossibilidade desta transição ao socialismo. A chamada “experiência chilena” apenas anunciou esta possibilidade, mas fracassou inapelavelmente.

Personificado no general Augusto Pinochet (1915-2006), a partir de 1973, o novo regime assumiu uma perspectiva fundacional — com a intenção de fundar um novo regime, e não de restaurar a democracia — e impôs ao país uma nova ordem econômica, social e política. Para isto, contou com um aparato repressivo que perseguiu, torturou e assassinou quem era considerado opositor. Em seus primeiros momentos, a ditadura procurou encarnar o inverso dos anseios revolucionários da UP. Paradoxalmente, foi a partir de sua negação que os chilenos vieram a conhecer, de fato, o significado da palavra revolução. Tratava-se agora de uma contrarrevolução: havia metas de transformação radical a serem alcançadas, e não prazos. Em analogia ao “socialismo real” (da URSS e do Leste europeu), o que se estabeleceu no Chile foi uma espécie de “liberalismo real”: um capitalismo quase sem regulações, apoiado num Estado autoritário sustentado por mecanismos institucionais conservadores.

O regime autoritário, que se estenderia até 1990, não foi um “parêntese” na história do Chile. Nesse período, a privatização de empresas, serviços de saúde e previdência, além da abertura comercial, do estímulo às exportações e da supressão do controle de preços redefiniram as estruturas da sociedade. O regime Pinochet transformou-se no show case dos neoliberais de todo o mundo. Até então, o neoliberalismo não havia sido implementado integralmente em nenhum país. O Chile foi, portanto, anterior à Inglaterra de Margareth Thatcher e aos Estados Unidos de Ronald Reagan. Para os ideólogos do regime, tratou-se de uma “revolução silenciosa”, cujo resultado mudaria os valores da sociedade, tornando-a mais individualista, consumista e despolitizada, ou seja, anulando traços distintivos da cultura política anterior. O reconhecimento dessa mudança profunda iria cobrar o seu preço no momento de superação do autoritarismo.

As tentativas de derrubar a ditadura por via armada fracassaram. As ações armadas, inclusive contra o próprio Pinochet, e as rebeliões populares (las protestas) que eclodiram entre 1983 e 1986, pensadas como possível embrião de uma insurreição de massas, revelaram-se impotentes. A batalha decisiva contra a ditadura viria de onde menos se cogitava. A Constituição de 1980, outorgada por Pinochet por meio de um referendo inteiramente controlado, previa a realização, em 1988, de um plebiscito para estabelecer mais um mandato de oito anos para o ditador. Foi em torno da ideia de politizar o plebiscito, negando esse novo mandato, que se vislumbrou a possibilidade de derrotar a ditadura.

Vitória do "No"
A surpreendente vitória eleitoral do Comando por el No, que dizia “não” ao governo Pinochet, em outubro de 1988, abriu o processo de transição à democracia. O resultado do plebiscito foi de 56% dos votos válidos pelo “Não” contra 44% pelo “Sim”. Os partidos políticos puderam se reorganizar e a oposição a Pinochet, com exceção do Partido Comunista, criou a Concertación de los Partidos por la Democracia, numa tentativa de manter-se unida para a eleição presidencial prevista para o ano seguinte. Mas Pinochet, presidente da República e chefe das Forças Armadas, forçou um pacto com a oposição em torno de reformas constitucionais. Este pacto redundou em um referendo, realizado em julho de 1989, para sancionar as reformas da Constituição de 1980 acordadas entre os principais atores políticos legalizados. Nesse ponto, a submissão da transição democrática à “política do autoritarismo” ficou evidente. O referendo sancionou o que ficou conhecido como enclaves autoritarios: normas concebidas para bloquear, sem transgredir a legalidade, qualquer iniciativa reformista que se propusesse a desmontar a arquitetura básica do ordenamento jurídico-constitucional da ditadura.

A derrota eleitoral sofrida por Pinochet em 1988 converteu-se, portanto, numa vitória política estratégica em 1989, uma vez que se aprovaram apenas reformas superficiais na Constituição de 1980. A transição, contudo, seguiria em marcha. No início da década de 1990, os espaços políticos se democratizam e a disputa se concentra em dois polos: a Concertación, agregando os partidos de centro-esquerda — como o Partido Socialista e a DC — e a Alianza por Chile, articulando as forças de direita e neoliberais — como a Renovação Nacional (RN) e a União Democrática Independente (UDI).

Em relação às outras transições para a democracia no continente latino-americano, o Chile viveu dois aspectos peculiares: não herdou nenhuma crise econômica do regime anterior e conseguiu eleger sucessivamente quatro presidentes pertencentes à mesma coalizão política que havia derrotado a ditadura. A partir de 1990, governaram o Chile Patricio Aylwin, Eduardo Frei, Ricardo Lagos e Michele Bachelet. Os governos da Concertación conduziram com êxito a integração do Chile ao processo de globalização, o que fez avançar os traços de modernidade do país, como a melhoria do setor de serviços, a especialização da produção agroindustrial para a exportação, a despoluição, a inovação e a diversificação empresariais. O crescimento contínuo da economia chilena nesses anos, até a crise econômica mundial que abriu o século XXI, foi notável. As temáticas sociais sufocadas durante a ditadura foram reconduzidas como tarefas do Estado, ampliando a coesão social, ainda que as políticas públicas dos governos da Concertación tenham se revelado insuficientes.

A manutenção de boa parte dos enclaves autoritários, pelo menos até 2005, acabou por gerar um paradoxo: o regime democrático está consolidado, mas a presença de Pinochet no imaginário político chileno deixa a sensação de que a transição permanece inconclusa. A imagem que fica do Chile pós-Pinochet é a de uma “democracia de má qualidade”, resultante de uma transição muito condicionada aos ditames do regime anterior, que só conseguiu produzir “governos de negociação” e, com eles, um “reformismo fraco”. Em 2010, o fim da sequência de governos da Concertación, com a eleição de Sebastián Piñera, da Alianza, representou uma preocupante involução.

Os 20 anos da Concertación não passaram em vão, mas deixaram muitos déficits nos planos político e social. Em meio a novos movimentos sociais de estudantes e indígenas e a um conjunto de insatisfações resultantes do excesso de privatizações realizadas durante a ditadura e do avanço de empresas capitalistas em terras indígenas, os chilenos vêm demonstrando nos últimos anos que procuram alternativas que possam resultar em reformas efetivas para uma vida melhor. Mas sabem também que essa é uma história aberta e bastante distinta daquilo que eles viveram 40 anos atrás.

 


Revista PD#48: Homem público

A expressão está em desuso porque, a cada ano, é menor o número de homens verdadeiramente públicos ou porque a linguagem vai se adaptando às novas realidades e qualificativos – como este – começam a ficar inconvenientes. Nunca se usou, por exemplo, designar a mulher que conquistava um mandato eleitoral e ingressava no Parlamento como uma mulher pública. Pegaria mal. E elas nem sabiam que já foram “mulheres sapiens”, descoberta de Dona Dilma, quando ainda presidente da República.

Por Antônio de Faria Lopes
Revista Política Democrática #48

Do homem público se exigiu, desde sempre, virtudes como honestidade, seriedade, respeito, transparência, honradez, sem as quais ele não poderia ser mandatário e nem agir em nome da sociedade, representando-a por escolha dela própria. Nunca se contestou o direito de todos, políticos inclusive, à privacidade, às suas escolhas, sua religião, suas preferências sexuais, o seu “direito de estar só” como defende o professor Paulo José da Costa Júnior.

Todavia, é inegável que existe um processo de privatização dos governos e do próprio Estado. O princípio de que “todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (§ único do art. 1º de nossa Constituição) não passa hoje de uma frase sem nenhum respaldo na realidade. Nem sempre foi assim. Houve tempo em que, embora já existisse corrupção, ela não era a regra.

Em julho de 2003, o jornal O Tempo publicou um artigo com o título de “Saudosismo”, no qual eu tratava deste mesmo tema. Assim: Já profetizaram o fim da História. Todo o vivido, de repente, sem qualquer serventia. Os exemplos, os bons e também os maus, sem nenhum valor. Matéria para literatura, para o saudosismo dos velhos, para o tempo da memória que nada constrói. Começamos a viver em um império pós-moderno, globalizado e sem território no qual o mercado, quase sempre nervoso, dá as cartas e a todos submete sob a vigilância armada dos Estados Unidos que a ninguém deve explicações. O que passou não tem a mínima importância.

Mesmo assim acho que vale a pena contar um episódio dos tempos de Milton Campos. Mesmo que seja só saudosismo. Foi o professor Edgar da Mata-Machado que me contou, com a graça e a sabedoria que marcaram a sua exemplar passagem por este mundo. Passado tanto tempo, para não aumentar um ponto, liguei para o jornalista José Bento Teixeira de Sales que não relata o fato no seu belíssimo livro Milton Campos – uma vocação liberal . Ele o confirmou e lembrou outros, alertando para o permanente risco da memória. Os dois, Edgar e José Bento, acompanhavam o governador nas audiências públicas mensais em que o dr. Milton falava com os cidadãos que batiam às portas do Palácio da Liberdade. Uma imensa fila de pedidos, notícias, convites, reclamações que o governador ouvia e os secretários anotavam para providências posteriores. Coisa impensável nos dias de hoje.

Nessa época, um dos filhos do dr. Milton prestava serviço militar. Obrigação de todo jovem, filho de quem fosse. Um dia, como costuma acontecer, o jovem acordou mais tarde. Não chegaria a tempo para a chamada matinal dos recrutas. A punição poderia ser, entre outras, 24 horas de xadrez. O Exército era rigoroso e o atraso um ato de indisciplina. O jovem, aflito, apelou para o pai governador pedindo-lhe que autorizasse o motorista a levá-lo ao quartel para evitar a punição.

Calmamente, como era do seu feitio, o governador explicou ao jovem cidadão que o carro oficial (na verdade, chamava-se automóvel) só poderia ser usado para atividades do Governador do Estado. Não era uma propriedade privada, era pública. O pai aconselhou o filho a levantar-se mais cedo e a assumir as responsabilidades pelos seus atos e a ser humilde para receber a punição, se houvesse.

Privado
Pode parecer romântico, ingênuo, até piegas rememorar fatos como este. O uso do que é público como propriedade privada banalizou-se de tal forma que não escandaliza mais ninguém. Os carros são usados para levar as crianças à escola, os aviões para ministros gozarem férias em Fernando de Noronha, o nepotismo campeia e os cargos em comissão, preenchidos sem nenhuma exigência de competência, são moeda de troca puramente eleitoral. Mais grave ainda é a fraude nas licitações, a remessa ilegal de dólares para o exterior, o uso de informações secretas para negócios no mercado, a manipulação de índices que fazem a festa dos especuladores de plantão. E imensas fortunas.

Mesmo que a História não acabe, exemplos como o de Milton Campos são propositadamente esquecidos e evitados por inconvenientes. Ou será que ele é que estava errado? Se o seu exemplo valesse, cadelinhas de estimação não andariam em carros oficiais. Mesmo que tivessem nome francês e estivessem estressadas. Esta cadelinha tinha o nome de Michele e era transportada do Palácio da Alvorada, onde morava, para o gabinete do presidente da República por sugestão do veterinário-psicólogo que a assistia. A impunidade e um sistema de publicidade que dava mais importância à fantasia do que à realidade transformaram a maioria dos brasileiros em cordeirinhos que, sem nenhum senso crítico, a tudo aplaudiam. A crise da economia, o domínio da corrupção, o nascimento da Operação Lava-Jato e a presença mais firme do Judiciário vão revelando o país verdadeiro e os responsáveis pelos desmandos.

Hoje, a grande maioria dos brasileiros sabe que os nossos representantes agem sempre em proveito próprio e têm como principal objetivo permanecerem no poder. Com exceções, cada vez menores. Não são mais homens públicos, uma vez que só cuidam dos seus interesses privados. E tratam de tornar sigilosas suas ações, principalmente os responsáveis pelo Poder Executivo que, através de decretos, impedem que o povo saiba como e com quem são usadas as aeronaves públicas, por exemplo. E depois, simplesmente, alegam que não praticaram nenhuma ilegalidade. Assim também ministros, deputados e senadores que usam os aviões da FAB por todo o Brasil de forma abusiva e desonesta. Mas legais, dirão eles sempre.

Não superaremos a crise que vivemos se o exemplo não vier dos ocupantes do poder. O nosso sistema político é muito caro e pouquíssimos partidos querem modificá-lo. A grande maioria, ao contrário, quer sempre tirar mais vantagem. Não há decreto, nem medida provisória que possa ocultar os abusos.

O homem pode até deixar de ser público mas a sua privacidade não será mais respeitada. Os sistemas de comunicação instantâneos, os aparelhos que fotografam e gravam conversas e sons estão nas mãos da maioria dos brasileiros, as câmeras estão em todas as esquinas, prédios e casas.

O povo não é mais um bando de idiotas. O direito de estar só vai acabando. Diante dessa nova realidade, a privatização e aparelhamento da administração pública tornam-se comportamentos verdadeiramente públicos, do conhecimento de todos, e espalhados pelas redes sociais aos quatro cantos do país. As alegações de legalidade acabam ficando ridículas.

*Antônio de Faria Lopes é advogado, ex-líder sindical dos bancários e ex-deputado estadual por Minas Gerais


Nova programação do Seminário Internacional 'Desafios políticos de um mundo em intensa transformação'

Evento vai discutir temas imprescindíveis para a população brasileira, como a globalização, a democracia e o combate contra a corrupção à luz da experiência internacional. Cerimônia de abertura contará com a participação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Confira a nova programação.

Germano Martiniano
Paulo Jacinto

A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em parceria inédita com o Instituto Teotônio Vilela (ITV) realizará, nos dias 14 e 15 de setembro, em São Paulo, o Seminário Internacional "'Desafios políticos de um mundo em intensa transformação", que pretende discutir temas de grande importância para o Brasil e o mundo. Como está a democracia brasileira? Qual a representatividade do cidadão? Quais as mudanças que a globalização tem causado na estrutura das sociedades? Como o mercado de trabalho mudou por conta da revolução tecnológica dos últimos anos? Como o nosso país tem sido afetado por um dos grandes males deste século: a corrupção?

O Seminário terá entre seus debatedores nomes reconhecidos nacionalmente e internacionalmente, como do ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, Roberto Freire, deputado federal (SP) e presidente do PPS nacional e de Cristovam Buarque, senador (PPS-DF) e presidente do Conselho Curador da FAP e do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. O evento contará com os palestrantes Adrian Wooldridge (Coautor de A Quarta Revolução), Stefan Folster (Coautor de Riqueza Pública das Nações), Gianni Barbacetto (Coautor de Operação Mãos Limpas) e outros importantes convidados reconhecidos internacionalmente.

De acordo com André Amado, secretário executivo do seminário, o evento surgiu da necessidade de se discutir temas imprescindíveis à população, não só brasileira, mas também mundial. “O seminário buscou reunir nomes respeitáveis em diversas áreas, pois as questões atuais são de grande complexidade e exigem pessoas de alto nível para debatê-las”, avalia.

“O mundo está em repletas transformações. As garantias que tínhamos tempos atrás não existem mais. Temos liberdade de impressa, mas temos crise de democracia; temos a globalização com promessa de prosperidade, porém uma desigualdade social acentuada; temos o avanço tecnológico, contudo milhões de desempregados”, completa o secretário executivo do seminário.

Para Luiz Carlos Azedo, diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira, o evento se reveste de grande importância pelos temas atuais que pretende discutir, como a questão da globalização, da democracia brasileira e do combate à corrupção, com exemplos do que foi feito em outros países. “É uma oportunidade única de debater algumas das questões mais importantes da atual conjuntura política brasileira, à luz da experiência internacional”, avalia Azedo.

Temas
O seminário será divido em quatro temas. O primeiro deles, Crise de representação política e o futuro da democracia. Nesta mesa será abordada a questão da democracia brasileira: como em um país que se tem 513 deputados, 81 senadores e mais de 30 partidos pode se garantir o fortalecimento da democracia e a representatividade do cidadão?

A globalização e a mudança da estrutura das sociedades será o segundo tema em debate. Para esta discussão um dos convidados foi Caetano Araújo, sociólogo e consultor legislativo do Senado Federal. Para ele, a globalização é um processo contraditório. “Ao passo que vemos, por exemplo, o desemprego crescer na Europa e nos EUA, a crise do Estado de bem estar e o aumento de posições politicas nacionalistas e xenófobas, também vemos milhões de pessoas retiradas da pobreza na Ásia e, ao que tudo indica, na África”, informa Caetano.

O terceiro tema que será abordado será A revolução tecnológica e o mercado do trabalho. Nesta mesa será discutido, segundo André Amado, como o avanço tecnológico tem modificado as relações de trabalho e também sociais. “O avanço tecnológico tem deslocado milhões ao desemprego, ao mesmo tempo que proporcionou melhorias na qualidade de vida das pessoas e também na capacidade técnica de diversos trabalhos”, avalia o secretário-geral do seminário.

Por fim, o quarto e último tema, é algo bastante recorrente na vida politica brasileira: a corrupção. A temática Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites irá abordar casos de corrupção e de combate à mesma, que ocorreu na Itália e, atualmente, ocorre no Brasil. Para Alberto Aggio, historiador e dirigente da FAP, embora as duas operações em questão sejam distintas, “será importante realizar um debate esclarecedor sobre a positividade e os limites dessas operações, e ver suas relações com a democracia e a necessidade de alicerçar a coesão social em torno de ideias fundamentais, como a do bem-comum.”

Programação

Sessão de abertura (14/09/2017, às 14h30)

- Senador José Anibal (PSDB-SP), Presidente do Instituto Teotônio Vilela e representando o Senador Tasso Jeressaiti, Presidente interino do Partido da Social Democracia Brasileira.

- Geraldo Alkmin (PSDB-SP), Governador do Estado de São Paulo

- Cristovam Buarque, Senador (PPS-DF) e Presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira.

A reinvenção do estado democrático (15h)

- Moderador: Milton Seligman (Professor do INSPER e Global Fellow do Woodrow Wilson Center)

- Palestrantes:

. Adrian Wooldridge (co-autor de A Quarta Revolução)

. Fernando Henrique Cardoso (presidente da república de 1995 a 2002)

. Roberto Freire (Deputado Federal por São Paulo e presidente do Partido Popular Socialista - PPS)

Crise de representação política e o futuro da democracia (Dia 14/09, às 16h30)
- Moderadora: Helena Chagas (jornalista)
- Palestrantes:
. Alessandro Ferrara (filósofo, Roma2, Tor Vergata)
. José Álvaro Moisés (Professor Titular do Departamento de Ciência Política da USP)
. Marco Aurélio Nogueira (cientista político, UNESP)
. Marcus Melo (cientista político, UFPE)

A globalização e a mudança da estrutura das sociedades (Dia 15/09, às 9h)
- Moderadora: Hercídia Coelho (Professora Livre Docente História/UNESP e advogada)
- Palestrantes:
. Caetano Araújo (sociólogo, Senado Federal)
. Demétrio Magnoli (sociólogo, membro do GACINT-USP)
. Sergio Fausto (sociólogo, Fundação Fernando Henrique Cardoso),
. Stefan Folster (co-autor de Riqueza Pública das Nações).

A revolução tecnológica e o mundo do trabalho (Dia 15/09, às 11h15)
- Moderadora: Ana Paula Couto (jornalista)
- Palestrantes:
. Carlos H. Britto Cruz (físico, UNICAMP e FAPESP)
. Dora Kaufman (socióloga e pesquisadora, ATOPOS USP e TIDD PUC/SP)
. Mario Albuquerque (sociólogo e consultor, Chile)
. Mauro Magatti (sociólogo, UC de Milão, Itália)

Mãos Limpas e Lava Jato, relações de força e limites (Dia 15/09, às 15h)
- Moderadora: Denise Frossard (juíza aposentada)
- Palestrantes:
. Gianni Barbacetto (co-autor de Operação Mãos Limpas)
. Marcelo Moscogliati (Subprocurador-Geral da República
. Oscar Vilhena (Diretor da Faculdade de Direito, FGV),
. Rodrigo Chemim (Procurador do Ministério Público, Paraná).

Sessão de encerramento (Dia 15/09, às 17h)
- Moderador: Luiz Carlos Azedo (jornalista, comentarista político)
- Palestrantes:
. Cristovam Buarque (Senador PPS-DF e Presidente do Conselho Curador da Fundação Astrojildo Pereira)
. José Anibal (Senador e Presidente do Instituto Teotônio Vilela).
. Lourdes Sola (cientista político, USP

 


Alon Feuerwerker: As perguntas, respostas e probabilidades para projetar o essencial do futuro próximo do Brasil

1) Michel Temer terminará o mandato em 31 de dezembro de 2018 ou antes?

A chance de Rodrigo Maia decidir desencadear o impedimento do presidente da República por crime de responsabilidade é baixa neste momento. Em torno de 10%. As acusações derivadas da delação dos colaboradores da J&F não são facilmente caracterizáveis como tal. E a recente turbulência na colaboração deles dá mais motivos de prudência ao presidente da Câmara.

A probabilidade de a Câmara dos Deputados autorizar um processo contra o presidente por crime comum é ascendente, mas continua baixa (20%). Há muita especulação sobre o conteúdo da colaboração de Lúcio Funaro, assim como em torno de eventuais colaborações de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, mas elas precisariam trazer o assim chamado smoking gun contra Temer.

O presidente continua beneficiando-se da agenda. Quem elege presidente é o povo, mas quem derruba é a elite. Esta não tem motivo de queixa contra Temer. A economia ensaia alguma recuperação e o Planalto impulsiona agressivamente as privatizações e concessões. Se o #ForaTemer da esquerda é apenas ritual, do outro lado do campo ele desperta entusiasmo zero.

Problema para um fragilizado Temer é a dúvida sobre sua força para continuar a avançar reformas liberais. Mas não há certeza de que um temerismo sem ele, eventualmente liderado por Maia, possa acelerar ou trazer musculatura para, por exemplo, a reforma da Previdência. Nenhuma ruptura está 100% garantida contra a instabilidade subsequente.

2) Se Temer sair, qual é o risco para a agenda da sua coalizão?

Muito baixo. Só não é zero porque a política cultiva o imponderável. Mas, se a probabilidade de Temer não concluir o mantado é de 30%, a chance de a agenda, sem ele, ser substituída por alguma modalidade de nacional-estatal-desenvolvimentismo está em torno de 5%. Ou seja, tende a zero. Até por não haver no momento alternativa, sequer em construção.

3) Lula conseguirá ser candidato a presidente?

Cada vez menos provável. Hoje o número está em torno de 30%. A bateria de denúncias do MPF e a maciça propagação jornalística vão criando um ambiente de condenação política antecipada. A inércia empurra Lula para a inelegibilidade, até por não haver um movimento musculoso em contraposição. A iniciativa está com os adversários.

4) Qual é o espaço real para um outsider em 2018?

O aparente estancamento da piora econômica e, principalmente, a baixa inflação ajudam a manter em estado potencial a aversão aos políticos. Continuam relativas as chances dos outsiders autênticos (em torno de 20%). Mas elas podem crescer num cenário de terra arrasada.

Principalmente se Lula não puder mesmo se candidatar. Não há nenhum personagem relevante suficientemente desembaraçado de problemas para poder decolar com leveza. O que melhor caracteriza o grid para 2018 são as âncoras dos atuais pré-concorrentes.

5) Qual é a margem de segurança destas projeções?

É mais provável que elas estejam certas (70%). Mas não é desprezível (30%) a probabilidade de um terremoto político. Os sismógrafos precisam estar ligados e monitorados. Nunca na história brasileira a autoridade do poder esteve tão debilitada. A impressão é que só não há uma ruptura por não haver candidatos com massa crítica para liderá-la. Por enquanto.

Até a semana que vem. Ou a qualquer momento, se o fato novo decisivo, ou algo que dê essa impressão, resolver finalmente dar as caras.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


O Estado de S.Paulo: ‘Mãos Limpas deu lugar a multidão de esquemas'

Antigo sistema ruiu e corrupção apenas mudou de forma; nova política se voltou contra ação de procuradores na Itália. Entrevista com Gianni Barbacetto, jornalista e escritor

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

Vinte e cinco anos depois do início da Operação Mãos Limpas, uma multidão de esquemas de propina tomou o lugar do sistema centralizado que existia até 1992. A política deixou de guiar a economia e, agora, é esta que comanda e estabelece novos formas de corrupção na Itália. A conclusão é do jornalista italiano Gianni Barbacetto é dos autores do livro Operação Mãos Limpas, cujo prefácio foi feito pelo juiz Sérgio Moro. Barbacetto critica ainda a decisão de magistrados, como Antonio Di Pietro, que entraram para a política. “Era um excelente magistrado; tornou-se um péssimo político.” O jornalista estará nesta semana em São Paulo para participar do seminário Desafios Políticos de um Mundo em Intensa Transformação, uma parceria entre o Instituto Teotônio Vilela (ITV) e a Fundação Astrojildo Pereira.

Após 25 anos da operação, onde estão as pessoas que apoiavam Mãos Limpas?

Em 1992, Mãos Limpas, os magistrados de Mãos limpas tinham o apoio de 90% da sociedade italiana, seja da esquerda, seja da direita, porque todos tinham o objetivo de derrotar um sistema que era corrupto. Isso mudou após a vitória de Silvio Berlusconi. Em 1994, nas eleições, Berlusconi usou Mãos Limpas para substituir os partidos políticos que estavam no governo. Em poucos meses, o cenário mudou. Ele se tornou investigado na Mãos Limpas. Berlusconi havia vencido a eleição dizendo ser um empresário de fora do meio político, não comprometido, que era o novo, como se fosse uma alternativa ao sistema corrupto. Muitos italianos – a maioria – acreditaram nele de boa-fé.

O juiz Gherardo Colombo, da Mãos Limpas, disse que a operação acabou quando as investigações chegaram ao cidadão comum. O senhor concorda?

O apoio dos cidadãos terminou quando perceberam que as investigações podiam chegar a quem não pagava impostos. Mas essa é parte da verdade. A outra é que enquanto o velho sistema político era atacado, todos à direita e à esquerda eram a favor da Mãos Limpas, porque esperavam tomar o lugar do velho sistema. Com Berlusconi criou-se uma nova direita, diversa da Democracia Cristã. Quando viram que até mesmo ela seria investigada, pois a corrupção também afetava os novos atores, disseram: “Agora basta”. E isso ocorreu também com o PDS (ex-Partido Comunista Italiano), que teve homens envolvidos em corrupção. Assim, a operação era boa enquanto investigava os velhos políticos, mas quando se voltou contra a direita e a esquerda, todos disseram “basta”.

Qual foi a mensagem à sociedade o fato de que nenhum grande político italiano foi para a cadeia?

Eu não comemoro quando alguém vai parar na cadeia. O problema, porém, é o senso de Justiça. As pessoas dizem que tudo aquilo não serviu para nada. Na Itália aconteceu isso. Mãos Limpas durou pouco mais de dois anos. As apurações seguiram, mas com Berlusconi o sistema se compactou – com a ajuda do PDS – e surgiram uma série de leis sob medida e ad personam para retirar dos magistrados instrumentos processuais, como a reforma sobre a falsificação de balanços de empresas. Houve uma ação da política contra Mãos Limpas.

Alguns meses após o começo da Mãos Limpas, as investigações se multiplicaram. Mais de 70 sedes de procuradorias abriram inquéritos.

Essa multiplicação não provocou impunidade?

O problema da multiplicação das investigações aconteceu porque Tangentopoli (o esquema de corrupção) era um processo ‘científico’. Era automático. Toda obra pública era regulada por um sistema que previa a propina. Não era possível haver um contrato sem pagar propina. Sempre havia um porcentual dado aos partidos e dividido entre eles. Mas as investigações não foram feitas todas com o mesmo padrão de Milão. Em algumas procuradorias ocorreu uma corrida em que juízes jovens, que queriam fazer carreira, abriram investigações e cometeram erros. Não chegaram a lugar nenhum.

Na próxima semana o senhor estará no Brasil. Muitos enxergam semelhantes entre Mãos Limpas e Lava Jato. O que significa para um País descobrir sua elite política nessa situação?

Eu sou muito cauteloso com esses paralelos. Conheço pouco os fatos do Brasil. Na Itália, a maioria, no início, era a favor da Mãos Limpas, enquanto no Brasil uma parte considera a Lava Jato uma operação de limpeza e outra parte a chama de golpe de Estado. Essa divisão na Itália não existia. Isso só aconteceu na Itália três anos depois, quando começaram a dizer que os juízes da Mãos Limpas faziam uma operação política.

Deslegitimar Mãos Limpas foi uma estratégia consciente dos partidos políticos italianos?

Com Berlusconi sim. Mas, no início, cinco partidos italianos se dissolveram como neve ao sol. Desapareceram porque as pessoas não mais votavam neles, porque era claro que havia um sistema corrupto. Após isso, o sistema político se renovou e reagiu. Berlusconi fez a luta contra os juízes.

O fato de magistrados que participaram das investigações, como Antonio Di Pietro, terem entrado na política foi um erro?

Para mim, sim. Os magistrados devem ficar longe ds política até porque não sabem fazer política. Di Pietro demonstrou que era um ótimo magistrado, um grande investigador e um péssimo político.

É possível ainda descrever a Itália como o país da ‘impunidade permanente’?

Creio que sim. A corrupção continua. O que mudou foi a forma. Enquanto em Tangentopoli os partidos haviam criado uma sistema democrático, que se repartia as propinas entre eles segundo a proporção dos votos recebidos, hoje, em vez disso, qualquer um pode criar um esquema de corrupção. Há uma multiplicação de esquemas sem um sistema que a controle. Um tesoureiro do antigo Partido Social Democrata Italiano me disse: “Nós impedíamos que roubassem”. No sentido de que recolhiam a propina e a usavam para a política. A política governava a economia e decidia sobre a economia. Hoje é a economia que governa a política, que decide qual obra pública será feita. É o empresário faz amigos políticos e guia a política e não o contrário.

 

 


Luiz Carlos Azedo: Aposta na reforma

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud

O presidente Michel Temer reuniu ontem, para um almoço, uma espécie de estado-maior das reformas política e da Previdência: os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE); os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles: da secretaria de Governo, Antônio Imbassahy; da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco; da Justiça, Torquato Jardim; e da Integração Nacional, Hélder Barbalho; além do deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), que virou uma espécie de ministro sem pasta, como articulador de bastidores no Congresso.

Temer tenta andar duas casas na frente da oposição, aproveitando a oportunidade criada pela escandalosa gravação da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, sobre a atuação do ex-procurador Marcelo Miller nas negociações da delação premiada da JBS. O caso pôs na berlinda o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas uma semana no cargo para fazer a tão anunciada segunda denúncia contra Temer, baseada na delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Janot corre o risco, porém, de ver a primeira denúncia, já rejeitada pela Câmara, ser anulada pelo Supremo Tribunal Federal (ST¨F), o que significará uma espécie de saída pela porta dos fundos da Procuradoria-Geral.

Janot pediu a prisão dos três protagonistas de sua desgraça: Joesley, Ricardo e Marcelo. Não havia outra saída, uma vez que, se não o fizesse, alimentaria as especulações de que tinha conhecimento das tratativas entre Marcelo e Joesley. Não bastou desovar, nessas últimas semanas, as denúncias que mantinha na gaveta, contra o PP, o PMDB, o PT e o PSDB. No próximo dia 18, a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, assumirá o cargo e dará um freio de arrumação na instituição, num momento crucial para a Lava-Jato. A velha guarda da PGR, que comemora a saída de Janot, jamais imaginaria uma situação como a atual. A preocupação agora é com o retrocesso que a trapalhada pode provocar nas relações entre o MP e os poderes da República, inclusive com a perda de vantagens e regalias.

Ofensiva

Para reagrupar sua base política no Congresso, fragilizada desde a primeira denúncia, Temer aposta na votação da reforma política e na aprovação da reforma da Previdência. Como se sabe, não houve votos suficientes para afastar o presidente da República, mas a operação para rejeitar a renúncia na Câmara desarrumou a base do governo. O Palácio do Planalto prometeu mundos e fundos para os parlamentares que garantiram o mandato de Temer, mas não entregou os cargos e as verbas que havia prometido. Temia-se, inclusive, que a segunda denúncia pudesse fomentar retaliações dos parlamentares insatisfeitos. Até as velhas desconfianças em relação à lealdade de Maia, o presidente da Câmara, estavam brotando nos jardins do Palácio do Jaburu, a residência de Temer.

Agora, mudou a correlação de forças. Parlamentares da base acuados pela Lava-Jato ganharam mais coragem para atacar Janot, as investigações e defender a inocência de Temer. A narrativa de que a Lava-Jato e as delações premiadas são uma excrescência jurídica ganharam vida nova a partir da conversa de Joesley e Saud, motivando um pedido de instalação de CPI contra a JBS. Além disso, a sensível mudança no ambiente econômico, com indicadores positivos de que a recessão acabou e o país lentamente está retomando o crescimento, encoraja os governistas a passarem à ofensiva. Temer voltou da China com o discurso afiado e não é à toa que o ministro da Fazenda foi chamado para o almoço de ontem.

O raciocínio é aquele mesmo da campanha eleitoral de Bill Clinton contra George Bush, que havia vencido a Guerra do Golfo, em 1991, e resgatado a autoestima dos americanos perdida após a derrota no Vietnã. Era o favorito absoluto nas eleições de 1992, ao enfrentar o então desconhecido governador de Arkansas, Bill Clinton. O marqueteiro de Clinton, James Carville, apostou que Bush não era invencível com o país em recessão e cunhou a frase que virou case de marketing eleitoral: “É a economia, estúpido!”. Mas esse tipo de análise não se aplica a uma economia que saiu da recessão, mas não recuperou ainda a capacidade de investimento e de geração de emprego necessárias para reverter a impopularidade do presidente da República, que é igual à de Dilma Rousseff à época da aprovação do impeachment.

Para reverter a impopularidade de Temer e tornar possível o surgimento de uma candidatura competitiva do Palácio do Planalto, a economia precisa crescer a taxa maiores. Isso não é possível com o atual deficit público, cuja meta foi aumentada de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões. Para isso, é preciso aprovar a reforma política, blindando os grandes partidos e seus caciques com vantagens estratégicas que impeçam um desastre eleitoral, e a reforma da Previdência, que, tanto vai reduzir o deficit sem cortes ainda mais drásticos no Orçamento da União, quanto sinalizar aos investidores que o rumo de modernização da economia traçado por Temer foi consolidado. O problema é que essa insegurança dos investidores decorre também do cenário que está sendo armado para as eleições de 2018 e não apenas dos tropeços do governo Temer até aqui.