cidadania 23
“Hierarquização social violenta é responsável pelo grande número de analfabetos”, diz Marcos Bagno, da UnB
Comunicação FAP
O linguista Marcos Bagno, professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB) e autor do influente livro Preconceito Linguístico, publicado há mais de 25 anos, continua a discutir o problema que dá nome à sua obra, considerada grande aliada da maneira de falar da maioria da população. Em entrevista à Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, Bagno explicou a natureza desse fenômeno, afirmando que o "preconceito linguístico é de fato um preconceito social, uma forma de discriminar pessoas ou grupos sociais utilizando a língua como pretexto".
Na entrevista, Bagno reforça suas críticas ao preconceito linguístico, assunto importante para o debate especialmente nesta terça-feira (10/6), data em que é celebrado o Dia da Língua Portuguesa. Ele é autor de vários títulos especializados na área da linguística, tradutor com mais de 40 anos de carreira, com diversos livros infantis, alguns premiados. Sua obra inclui publicações influentes como Preconceito linguístico (1999), que vem ganhando leitores até hoje, com mais de 350 mil exemplares vendidos. Também publicou Gramática pedagógica do português brasileiro (2012) e Uma história da linguística (2023).
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Bagno enfaticamente posiciona o preconceito linguístico como mais uma ferramenta ativada para perpetuar a estrutura social brasileira: uma sociedade marcadamente desigual e injusta, caracterizada por uma hierarquização violenta onde as camadas dominantes oprimem e exploram a vasta maioria da população. Na entrevista, ele também diz que “as mídias sociais são um universo gigantesco, multifacetado, quase caótico em certa medida”.
A seguir, confira trechos da entrevista.
FAP: O senhor publicou, há mais de 25 anos, um livro em formato de bolso chamado Preconceito Linguístico, considerado grande aliado da maneira de falar da maioria da população. Por que esse problema estampado no nome do seu trabalho persiste até hoje e molda, sobretudo, o sistema de educação formal?
Marcos Bagno: O preconceito linguístico é de fato um preconceito social, uma forma de discriminar pessoas ou grupos sociais utilizando a língua como pretexto. É mais um dos instrumentos acionados para que a sociedade brasileira permaneça como é: profundamente desigual e injusta, marcada por uma hierarquização violenta, em que as camadas dominantes oprimem e exploram a grande maioria da população. No plano pedagógico, podemos dizer que a questão do preconceito linguístico tem sido ao menos abordada no ensino, graças ao trabalho de muitas e muitos linguistas há pelo menos três décadas. Hoje, a maioria das pessoas que exercem a profissão docente provêm de camadas sociais subalternas, têm histórico de discriminações em suas vidas (racismo, misoginia, homofobia etc.), de modo que o tema do preconceito linguístico não lhes é estranho. Também os livros didáticos têm contribuído para isso, porque, desde a década de 1990, as diretrizes oficiais de ensino de língua vêm alertando para que essa forma de discriminação seja reconhecida e combatida.
FAP: O conhecimento mecânico da gramática se transformou em um instrumento de discriminação e de exclusão social?
Marcos Bagno: Esse conhecimento não é mecânico e nunca é total. Não se trata propriamente de gramática neste caso, mas de uma norma-padrão elaborada segundo critérios pouco consistentes e até contraditórios, além de apegada a uma doutrina gramatical obsoleta, anacrônica. Mesmo não tendo pleno conhecimento dessa norma-padrão, muitas pessoas tentam usá-la como régua para avaliar a competência linguística de outras pessoas, especialmente das camadas sociais subalternas. Um dos critérios usados para isso é o rótulo de “erro”, atribuído às práticas de linguagem que supostamente se desviam desse padrão idealizado. No entanto, por causa do caráter anacrônico da norma-padrão, ninguém está livre de cometer “erros”, porque esse padrão bate de frente com a intuição linguística de todo mundo: ninguém se reconhece nesse padrão, ele parece definir regras para alguma língua estrangeira.
FAP: A língua é poder para libertar e oprimir?
Marcos Bagno: Tanto para a libertação quanto para a opressão, a língua – ou, mais especificamente, no caso do Brasil, as variedades linguísticas – é uma das bandeiras usadas para agrupar pessoas em torno de algum ideário político, cultural, religioso. É uma bandeira importante por falar diretamente à identidade étnica ou de classe dos grupos sociais que se reúnem debaixo dela. Em muitos países multilíngues, é a defesa de uma ou mais de uma língua que está em jogo. No caso brasileiro, a situação é mais complexa, porque se trata de uma mesma língua, o que torna difícil a luta pelo reconhecimento dos modos de falar das classes oprimidas.
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FAP: O senhor também diz que o maior e mais sério mito é afirmar que a língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente, inclusive apontando críticas a declarações de Darcy Ribeiro, que, em um de seus estudos, afirmou que “os brasileiros são um dos povos mais homogêneos linguística e culturalmente”. A quem esse mito interessa?
Marcos Bagno: O mito do monolinguismo tenta encobrir o grande abismo social que separa uma minoria dominante do resto da população. Se falamos todos uma língua homogênea, isso demonstra que somos um só povo, pois essa língua nos une, nos torna “irmãos” e simboliza nosso destino comum. Para começar, o Brasil é um dos países com a maior diversidade linguística do mundo: temos pelo menos 240 línguas indígenas, várias línguas trazidas por imigrantes (europeus e japoneses, por exemplo). Além disso, o português brasileiro é múltiplo, multifacetado, com incontáveis variedades dispersas por um dos maiores países do mundo. É ilusório imaginar que, com uma população tão grande e num território tão vasto, uma língua pode se manter homogênea. A heterogeneidade é própria da natureza de qualquer língua, por menor que seja o número de seus falantes. No caso do Brasil, a hierarquização social violenta é responsável pelo grande número de analfabetos plenos e analfabetos funcionais, que formam a maioria da população. Essa fratura social provoca uma fratura na possibilidade de alguém se apoderar das normas de prestígio e, principalmente, da escrita.
FAP: O senhor acredita que as mídias sociais abriram mais espaço para o preconceito linguístico ou para a língua viva?
Marcos Bagno: As mídias sociais são um universo gigantesco, multifacetado, quase caótico em certa medida. Quanto à língua, há de tudo: manifestações em defesa da heterogeneidade linguística e também projetos de imposição da norma-padrão convencional. É uma arena em que se confrontam atores vinculados a construtos ideológicos os mais variados.
FAP: Qual foi o ataque mais grave que o senhor já sofreu por ser contra o preconceito linguístico?
Marcos Bagno: Logo que o livro foi publicado, em 1999, ninguém menos do que Olavo de Carvalho fez uma avaliação demolidora da obra. Mas isso não impediu que o livro se tornasse, ao longo desses 25 anos, uma leitura de referência não só nos cursos de Letras, mas também em outras áreas. Em geral, os ataques que sofro têm – como sempre – muito mais a ver com meu posicionamento político do que com questões propriamente linguísticas. A defesa de um padrão anacrônico é a defesa de um modelo de sociedade excludente.
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FAP: Esses ataques aumentaram em meio à polarização política?
Marcos Bagno: Sinceramente, acompanho pouco o que se passa no universo digital. Por vezes recebo algumas notícias enviadas por pessoas conhecidas, mas sinceramente não levo muito em conta esses ataques. O livro está aí há 25 anos, tem servido para suscitar o debate, que sempre foi meu objetivo desde que o publiquei.
FAP: Formas de manifestação cultural popular, como Rap e Funk, são grandes propagadores da identidade da língua brasileira, mas ainda enfrentam críticas por parte da sociedade. Qual a avaliação do senhor sobre isso?
Marcos Bagno: Essas manifestações não são apenas culturais, são essencialmente políticas, promovem a denúncia da desigualdade social e incitam à resistência diante da opressão. E fazem isso usando a linguagem própria das periferias, mais uma maneira de se contrapor à idealização de um modelo de língua que não promove nenhum tipo de inclusão social, muito pelo contrário.
Com PL 2159, 'porteira está aberta' para a devastação ambiental no Brasil, alerta especialista
Projeto de Lei que muda licenciamento ambiental representa o 'desmonte da regulação ambiental' e ameaça intensificar poluição e perda de biodiversidade, aponta Paulo Lyra
Comunicação FAP
Brasília - O Projeto de Lei (PL) 2159/2021, que propõe alterações significativas no licenciamento ambiental brasileiro e tramita no Congresso Nacional, gera confronto entre "uma visão desenvolvimentista de curto prazo e a negação de riscos que podem acontecer se esse tipo de legislação for implementada". Essa análise é do conselheiro consultivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ligada ao Cidadania 23, jornalista Paulo Lyra, que alertou para os riscos da proposta, nesta quinta-feira (5/6), Dia Mundial do Meio Ambiente. Segundo ele, a principal consequência da aprovação da proposta é o "desmonte da regulação ambiental no Brasil”.
Especialista em meio ambiente e saúde, com ampla atuação no Brasil e no mundo, Lyra disse que os riscos do PL 2159 são "muito grandes" para as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e o impacto humano direto, incluindo poluição e catástrofes ambientais como a de Brumadinho. “A porteira está aberta com esse novo projeto de lei", criticou. Nos últimos 25 anos, ele atuou nos escritórios da ONG ambientalista WWF e da OPAS, ambos em Washington (EUA), contribuindo para respostas contra desmatamento, mudanças climáticas, epidemias de HIV e COVID-19, além de emergências globais de saúde na América Latina e na Ásia.


































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Grandes retrocessos
Lyra considera alguns aspectos do projeto como grandes retrocessos. Um deles é a "licença de adesão e compromisso", pela qual o próprio empresário ou agricultor declara que sua atividade não apresenta problemas e garante que está tudo certo, eximindo-se da necessidade de apresentar Estudos de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA). Estudos iniciais indicam que até 90% dos projetos de pequeno e médio porte, inclusive na mineração, poderiam ser aprovados por essa nova licença, bastando que o empresário assegure o cumprimento da legislação e o mínimo impacto.
Outro ponto de preocupação é a "licença ambiental especial". Segundo Lyra, trata-se de uma licença "política" que permitiria a um presidente da República, em determinadas circunstâncias, aprovar um projeto de infraestrutura de grande porte, como a exploração de petróleo na margem equatorial, sem a aprovação obrigatória do órgão ambiental.
O projeto de lei também inclui várias cláusulas menores que flexibilizam a legislação, principalmente para o agronegócio. Lyra ressalta que, apesar de o agronegócio ser fundamental para alimentar a população brasileira, o país é o campeão mundial no uso de pesticidas, com impactos graves em comunidades, especialmente na Amazônia, necessitando de um caminho mais sustentável.
"Drástica regulação"
Além disso, embora não signifique o "fim de um licenciamento ambiental", o PL 2159 é considerado por Lyra uma "drástica regulação, uma drástica redução dos instrumentos de licenciamento ambiental". Ele reconhece que há espaço para alguma flexibilização e modernização dos instrumentos de licenciamento, que são mais antigos, incorporando a evolução da ciência e da transparência, buscando maior integração entre as esferas federal, estadual e municipal e considerando lições aprendidas.
No entanto, o especialista adverte contra a debilitação desses instrumentos a ponto de praticamente deixarem de existir. Um risco adicional é que o projeto transfere, em alguns casos, a responsabilidade do licenciamento para municípios que, muitas vezes, não possuem a capacidade técnica para analisar, gerir e acompanhar grandes projetos agropecuários e de mineração.
Consequências práticas
Para a população em geral, na avaliação de Lyra, a aprovação do PL pode significar, na prática, a "ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, o aumento das emissões de gás de efeito estufa, a redução ou a perda da biodiversidade e, também, intensificar as desigualdades sociais".
Lyra destaca que o meio ambiente é um desafio de longo prazo e coletivo, o que dificulta a compreensão da opinião pública. Embora a consciência sobre as mudanças climáticas tenha evoluído, mesmo em setores mais conservadores, essa mesma percepção ainda não existe para outros fatores, como a perda de biodiversidade. O Brasil, país com a maior biodiversidade do mundo e biomas como Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, é especialmente vulnerável.
Lyra aponta que o PL enfraquece "muito a proteção da Mata Atlântica", com uma cláusula específica no texto. Ele acredita que o que mais afeta os brasileiros no dia a dia é a poluição, a contaminação dos rios. “É, por exemplo, um desastre ambiental, como ocorreu em brumadinho, Minas Gerais", eventos que podem se tornar mais frequentes com a flexibilização.
Em sua avaliação, apesar dos problemas, o Brasil ainda possui uma grande área conservada e protegida. O principal desafio, para além do PL, seria "manejar esses recursos de uma maneira inteligente", explorando o potencial de florestas nacionais para produção sustentável, concessões florestais e projetos de agricultura compatíveis com a manutenção dos biomas.
Lyra reconhece que existia uma "chance real" de o projeto ser aprovado como está. No entanto, ele percebe que, "finalmente, a opinião pública, nacional e também internacional, começa a se levantar contra o projeto". Isso pode levar a algum tipo de alteração no texto. Apesar disso, ele manifesta dúvidas sobre a capacidade do governo de realizar vetos significativos caso o projeto seja aprovado, pois estes poderiam ser derrubados pelo Congresso.
Cidadania repudia ataques à Marina Silva durante audiência no Senado
NOTA DE REPÚDIO – Cidadania 23
O Partido Cidadania manifesta seu mais veemente repúdio ao episódio ocorrido nesta terça-feira, 27 de maio de 2025, durante audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, quando a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi desrespeitada de forma inaceitável por membros da comissão na tentativa de desqualificá-la e silenciá-la.
Trata-se de um ataque não apenas à pessoa da ministra, mas também a todas as mulheres que lutam diariamente para ocupar espaços de poder e representação na vida pública brasileira. Marina Silva tem uma trajetória de reconhecida contribuição aos direitos humanos e à ampliação da participação feminina na política. Tentativas de silenciá-la representam um retrocesso inadmissível.
O Cidadania condena com firmeza qualquer manifestação de autoritarismo ou intolerância no debate democrático. O respeito à divergência e à liberdade de expressão deve ser inegociável — sobretudo em ambientes institucionais, que devem servir de exemplo para a sociedade.
Reiteramos nosso compromisso com a democracia e o respeito à divergência em qualquer esfera da vida pública ou privada.
Não aceitaremos que o silêncio se imponha pelo autoritarismo. Estamos com Marina Silva.
Brasília, 28 de maio de 2025.
Executiva Nacional do Partido Cidadania 23
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No Rio de Janeiro, FAP e Cidadania 23 realizam seminário sobre 40 anos da redemocratização no Brasil
Evento é aberto ao público, na Associação Brasileira de Imprensa, e homenageará parlamentares constituintes
Comunicação FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e o Cidadania 23 realizam, no sábado (31/5), das 9h às 13h, no Rio de Janeiro, o seminário sobre os 40 anos da redemocratização no Brasil. A programação inclui exibição do filme Os 40 anos da redemocratização brasileira pelas lentes de Orlando Brito; mesa de abertura com o diretor-geral da entidade, Marcelo Aguiar, e o vice-presidente do diretório estadual do partido, Nilton Salomão; palestra de Miro Teixeira e homenagem a dez parlamentares constituintes do Estado. Os presidentes nacional do Cidadania 23, Comte Bittencourt, e do diretório estadual, Welberth Rezende, realizam o encerramento.
No Rio de Janeiro, o evento será aberto ao público, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), na Rua Araújo Porto Alegre, 71, Centro. O seminário marca a continuidade de celebrações organizadas pela Fundação Astrojildo Pereira e pelo Cidadania 23. A primeira foi realizada, em Brasília, no dia 15 de março, na mesma data em que, em 1985, o então vice-presidente José Sarney tomou posse, encerrando, assim, 20 anos de ditadura no Brasil. A eleição de Tancredo Neves e a assunção de Sarney à Presidência da República, em virtude da morte do presidente eleito, marcaram o início da democracia no país.
Esse período histórico foi responsável pela promulgação da Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã – e pela conquista das eleições diretas para todos os cargos eletivos. Ao mesmo tempo em que consagrou avanços sociais e buscou estabilidade econômica, a democracia brasileira ainda carrega dívidas e enfrenta novos desafios. É sobre esse caminho, suas conquistas e seus impasses que o evento propõe refletir.
"Convicções democráticas"
O presidente nacional do Cidadania 23 diz que, nos últimos 40 anos, duas gerações de brasileiros nasceram e cresceram respirando em um ambiente democrático, com uma série de direitos individuais garantidos, como o de escolher os seus próprios governantes. “Temos consciência de que muitos desafios ainda precisam ser superados, porque a democracia é uma obra em constante aperfeiçoamento, sobretudo, neste momento conturbado que o mundo atravessa, quando a sociedade está sendo testada em suas convicções democráticas”, afirma Bittencourt.
> Democracia 40 anos: Conquistas, dívidas e desafios
“O Cidadania é o partido da radicalidade democrática. Estivemos presentes todas as vezes em que a democracia esteve ameaçada no Brasil. Celebrar aqueles que fizeram esta transição após a ditadura militar é uma obrigação e uma justa homenagem”, destaca o presidente nacional do partido.
Compromissos
O diretor-geral da FAP reforça que, há 40 anos, o Brasil retomava o caminho da democracia após um longo período de autoritarismo. Segundo ele, celebrar essas quatro décadas de redemocratização é, antes de tudo, reafirmar o compromisso com a liberdade, os direitos fundamentais e o fortalecimento das instituições republicanas.
“Como diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira, vinculada ao Cidadania 23, vejo nessa data um marco fundamental para refletirmos sobre os avanços conquistados e os desafios que ainda enfrentamos. A redemocratização não foi um ponto de chegada, mas um ponto de partida para a construção de uma sociedade justa, plural e participativa”, assevera Aguiar.
Ele destaca, também, a importância de manter acesa a memória do país. “É nossa responsabilidade, enquanto instituição de pensamento e formação política, manter viva a memória das lutas democráticas, promover o diálogo qualificado e cultivar uma cultura política que rejeite o autoritarismo em todas as suas formas. Que os próximos anos sejam de aprofundamento democrático, com mais inclusão, transparência e respeito às diferenças."
Veja programação, abaixo:

Clube de leitura online debate livros que marcaram a vida de participantes do grupo
Cida, Demônios, O estrangeiro e Clô foram escolhidos para sessões de discussão de maio a julho
Comunicação FAP
O Clube de Leitura Eneida de Moraes, da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) em Brasília, debaterá livros que marcaram a vida dos participantes do grupo. Os encontros virtuais ocorrem sempre na primeira segunda-feira de cada mês. No primeiro dessa série, realizado no último dia 5, eles discutiram a o conto Cida, de Chico Buarque. Demônios, de Aluísio de Azevedo; O estrangeiro, de Albert Camus; e Clô, de Lima Barreto, serão analisados em 2 de junho, 7 de julho e 4 de agosto, respectivamente.
O grupo escolheu as obras entre dez sugestões apresentadas por seus integrantes. Cada participante indicou conto, crônica, poema ou romance significativo em sua trajetória como leitor. O objetivo é gerar ainda mais conexão entre os participantes, ampliando o alcance e a participação do público, por meio de suas experiências.
Veja vídeo abaixo:
Os encontros do Clube de Leitura Eneida de Moraes são realizados a partir das 19h30, pela plataforma Zoom, com transmissão ao vivo nas redes sociais da biblioteca e da Fundação Astrojildo Pereira (FAP). Os interessados em participar do grupo podem enviar solicitação, por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61 984015561).
Clube de Leitura
O Clube de Leitura Eneida de Moraes é uma iniciativa literária no formato online que reúne participantes de diversos estados do Brasil, promovendo um espaço descentralizado e plural de formação e manutenção de leitores. Essa diversidade geográfica fortalece o intercâmbio cultural e amplia as perspectivas de leitura e interpretação.
Diferente de outros, o Clube de Leitura Eneida de Moraes se destaca pela curadoria coletiva: os próprios integrantes escolhem os livros a partir de um tema central definido por trimestre. Essa construção compartilhada estimula o engajamento e valoriza as experiências individuais com a literatura.
Livro A Construção da Democracia no Brasil será lançado na Academia Paraibana de Letras
Trabalho é editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pela Annablume
A Academia Paraibana de Letras abre suas portas para receber, na próxima terça-feira (29/4), a partir das 17h, o escritor e historiador paulista Alberto Aggio, para o lançamento de seu livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: Mudanças, metamorfoses, transformismos (232 páginas). O trabalho, editado pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, e pela editora Annablume, é parte do projeto 40 anos de democracia no Brasil, organizado pela entidade e pelo partido, e será comercializado na internet.
O lançamento, dentro do projeto Pôr do Sol Literário, da APL, será precedido por um debate sobre a obra, com a participação do autor, do historiador José Otávio de Arruda Mello e do presidente do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, Jean Patrício. O endereço da Academia Paraibana de Letras é Rua Duque de Caxias, 25/37, Centro João Pessoa - PB, 58010-821.
Aggio é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e titular pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Também tem pós-doutorado pela Universidade de Valencia, na Espanha, e pela Universidade Roma Tre, na Itália.
“Uma ideia organiza o livro: a construção da democracia. Nesse processo, coincidem mudanças, metamorfoses e transformismos que marcam os principais atores políticos dessa construção”, diz o autor, convidando o público para marcar presença no lançamento.
O processo de construção democrática dos últimos 40 anos no Brasil, segundo o texto, defronta-se hoje com um cenário global no qual os desafios à democracia são cada vez mais evidentes. “Tal situação produz mal-estar e desorientação ao conjunto da sociedade brasileira”, diz um trecho do livro.
“É reconhecível, quase que consensualmente, que há uma crise de legitimação democrática, que se vem impondo às democracias hodiernas, produzida por um gradativo e persistente arrefecimento da formulação programática dos partidos políticos, enfraquecendo as estruturas de representação, acompanhado por processos de colonização da lógica de mercado, o que tem proporcionado um enfraquecimento das possibilidades de consenso democrático”, afirma.
“Marca dolorosa”
No livro, Aggio ressalta que o elevado índice de desigualdade social, chamada por ele de “marca dolorosa que ainda se mantém”, a despeito da ampliação do consumo das classes populares, nas últimas décadas, continua como um dos principais obstáculos que se colocam à construção de uma democracia de maior qualidade no Brasil. Essa constatação, segundo o autor, é possível ao analisar o caminho percorrido e o lugar a que se chegou o país.
“Apesar da diminuição da extrema pobreza, o país não conseguiu resolver o problema da desigualdade social e racial dentro de parâmetros aceitáveis. Não há como não reconhecer que isso afeta a convicção de que a democracia pode mudar a vida para melhor”, observa o autor.
De acordo com o livro, depois de 20 anos de autoritarismo e da imposição de uma modernização avassaladora que alterou a morfologia da sociedade brasileira e 40 anos de uma construção democrática exitosa, mas com reconhecidos déficits, não é facultado ao Brasil perder o rumo que o mantém atrelado à trilha do moderno. Isto é expresso principalmente nos atores representativos da política democrática.
Apesar de todas as dificuldades e das poderosas dúvidas a respeito do presente, segundo o texto, resta a expectativa de que o país possa ser capaz de romper os entraves que bloqueiam os avanços democráticos e, simultaneamente, inventar maneiras de aprofundar, em novo patamar, a modernidade política que, de alguma forma, a construção democrática dos últimos 40 anos estabeleceu como uma aspiração compartilhada. Isso, de acordo com o autor, é possível em um contexto que valoriza o que se fez de positivo e projeta aberturas e inovações correspondentes às irreversíveis mudanças tecnológicas.
A democracia, segundo o livro, se consolidou institucionalmente, prova disso é que conseguiu suportar a realização de dois processos de impeachment – um acontecimento político sabidamente traumático –, o que, de acordo com o autor, ocorreu “sem sobressaltos dramáticos”.
Risco para a democracia
A partir de 2018, no entanto, a democracia brasileira viveu sob risco com a chegada da extrema-direita ao poder, mas os órgãos de controle institucionais conseguiram barrar as iniciativas de erosão democrática colocadas em marcha durante o governo de Jair Bolsonaro, impedindo que sua “guerra de movimento” contra as instituições políticas prosperasse.
O livro afirma, ainda, que a democracia brasileira conseguiu suportar a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que fazia parte de um dispositivo previamente preparado de quebra da ordem institucional para impedir que se consumasse o retorno de Lula à presidência da República.
A fortaleza institucional da democracia contrasta, todavia, com a fragilidade da forma como a sociedade vivencia e participa da política, segundo o texto. Os partidos políticos, organismos centrais da vida democrática, foram e ainda são incapazes de se abrirem para a dinâmica de transformações que ocorrem na vida social e econômica. “Os partidos se oligarquizaram e se enrijeceram”, diz o livro.
“[Os partidos] passaram a ser estruturas voltadas para o enriquecimento de suas lideranças – e aqui não estamos nos referindo à corrupção –, o que gera um sentimento de rejeição da sociedade em relação aos partidos. O resultado é a perda de confiança na política, processo que acaba se generalizando por todos os setores sociais”, diz um trecho.
O livro reconhece avanços nessa dimensão, especialmente no que se refere à mecânica eleitoral, transformando o Brasil numa democracia de massas, legitimada interna e internacionalmente. Contudo, diz o autor, o sistema político presidencialista, com seu hibridismo característico, no qual o Executivo é eleito majoritariamente e o Parlamento proporcionalmente, não tem permitido e tampouco impulsionado reformas políticas significativas no campo da representação, o que afeta a qualidade da democracia.
Muitas oportunidades foram perdidas, nesses 40 anos, para serem realizadas reformas que melhorassem a estrutura de representação, como a implantação do voto distrital misto. Segundo o autor, algumas que foram feitas, como a cláusula de desempenho para os partidos nas eleições parlamentares, tardarão a ser implementadas integralmente.
“Esses dois exemplos apenas evidenciaram a dificuldade de legitimação das instituições na sociedade. Por isso, o êxito da construção democrática e o mal-estar diante da dificuldade de legitimação das instituições políticas parecem compor, paradoxalmente, duas faces de uma mesma moeda. Em razão disso, acaba predominando a desconfiança em relação às instituições políticas que dão sustentáculo à democracia. Mesmo assim, apesar das imperfeições e ineficiências, as instituições políticas têm sido um fator real de sobrevivência da democracia no Brasil”, diz o livro.
Enem 2025: Abertas inscrições para cursinho preparatório Educafro, em Brasília
Aulas serão oferecidas em espaço da Biblioteca Salomão Malina, vinculada à Fundação Astrojildo Pereira, do Cidadania 23
Comunicação FAP
Estão abertas as inscrições online para a segunda edição do Cursinho Pré-Enem Educafro, destinado a estudantes de baixa renda do Distrito Federal e que será realizado na Biblioteca Salomão Malina, vinculada à Fundação Astrojildo Pereira (FAP), do Cidadania 23. As inscrições são gratuitas, e as vagas, limitadas.

O início das aulas está previsto para 5 de maio. O curso seguirá até 24 de outubro, de segunda-feira a sexta-feira, das 19h às 21h10.
O diretor-geral da FAP, Marcelo Aguiar, ex-secretário de Educação do DF, disse que o cursinho é uma oportunidade de aumentar e democratizar o acesso ao ensino superior no Brasil, que tem o desafio de investir em tecnologia e inovação para a produção do conhecimento. “É parte da missão da FAP promover o estudo e a reflexão crítica sobre a sociedade, a educação e desenvolvimento da cidadania”, ressaltou. “Investir na educação e na juventude é o caminho para o desenvolvimento socioeconômico do país”, acrescentou o dirigente.
Segundo o diretor-executivo da Educafro Brasil, Frei David Santos, o cursinho é vetor de inclusão social no Brasil. "A Educafro Brasil quer ver os pobres descobrindo e priorizando os pré-vestibulares comunitários, como uma das melhores ferramentas de empoderamento e transformação de suas vidas. Os jovens afro-brasileiros estão voltando a descobrir o caminho da universidade e isso nos alegra muito. Estamos aqui para ajudá-los', enfatizou.
A ONG Educafro Brasil reúne pessoas voluntárias, solidárias e beneficiárias, que lutam pela inclusão de negros, em especial, e pobres em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma universidade particular com bolsa de estudos. O objetivo é possibilitar empoderamento e mobilidade social para população pobre e afro-brasileira.
O curso
A mensalidade do curso custa de 20 reais. As aulas serão oferecidas no Espaço Arildo Dória, na parte superior da biblioteca, em um espaço climatizado com poltronas confortáveis. O material escolar será fornecido aos estudantes inscritos.
Aulas de redação, língua portuguesa, literatura, matemática, biologia, física, química, matemática, história, geografia, língua estrangeira, sociologia, filosofia. Haverá duas aulas por dia, com dez minutos de intervalo.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) O Inep ainda vai publicar os editais específicos com as regras e datas do Enem 2025. Os interessados em realizar o Enem 2025, isentos ou não da taxa de inscrição, deverão realizar sua inscrição na Página do Participante, no período que ainda será divulgado.
Biblioteca Salomão Malina
Inaugurada em 28 de fevereiro de 2008, a Biblioteca Salomão Malina é um importante espaço de incentivo à produção do conhecimento em Brasília. Localizada no Conic, tradicional ponto de cultura urbana próximo à Rodoviária do Plano Piloto, a biblioteca foi reinaugurada em 8 de dezembro de 2017, após ser revitalizada. Isso garantiu ainda mais conforto aos frequentadores do local e reforçou o compromisso da biblioteca com a cultura.
O espaço integra a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mantida pelo Cidadania23, e conta com mais de 7 mil títulos para empréstimos, que são constantemente atualizados por meio de doações e pela aquisição de obras de pensadores contemporâneos. O acervo é especializado em Ciências Sociais e Humanas, contando também com livros da literatura que fazem menção à crítica social e dos costumes, na transição do Brasil rural para o urbano.
Dia do Jovem: Presidente do Juventude 23 analisa preocupações e desafios de jovens
Geovanna Machado observa dificuldades de engajamento político e alerta para necessidade de se aprender cidadania
Comunicação FAP
Novas relações com o mercado de trabalho, qualidade de vida, liberdade e realização de sonhos que conciliem bem-estar pessoal e carreira profissional estão entre os grandes desafios na vida dos jovens. Por outro lado, eles também enfrentam a batalha de formar uma parcela da população mais suscetível à depressão e ansiedade. A socialização e o engajamento político ocorrem, sobretudo, por meio das mídias sociais, com enorme volume de informações. A análise é da presidente nacional do Juventude 23, Geovana Machado, de 26 anos, líder do grupo do Cidadania 23, ao qual a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) é vinculada.
Para celebrar o Dia do Jovem, 13 de abril, a paranaense e advogada eleitoral compartilhou suas impressões por ter contato com centenas de jovens no país, observando que as novas relações com o mercado de trabalho estão no topo das preocupações da juventude. Ela afirma que os sonhos e as aspirações dos jovens, bem como a dificuldade de concretizá-los, diferem significativamente das gerações anteriores, que, segundo ela, tinham a vida mais pautada por cobranças como a da busca por sucesso profissional.
"Patamar diferente"
“Hoje, os jovens não se submetem a qualquer condição e não toleram mais a mesma pressão que as gerações passadas. Eles almejam patamar diferente e, talvez, não tenham a mesma ambição de outrora”, analisa a presidente do Juventude 23.
Na avaliação de Geovanna, é necessária uma reflexão sobre o significado da juventude contemporânea. Segundo ela, o momento atual representa uma “fase de transição” que molda uma geração, marcada por novidades e pela aceleração dos tempos e que reúne duas juventudes em uma só.
“Se antes as gerações se definiam a cada década, hoje esse período se reduziu a cinco anos, em média, com mudanças cada vez mais rápidas. Vivencio essa geração de transição, marcada por conceitos diversos. A mudança conceitual é notável, principalmente em relação à qualidade de vida, emprego, renda e sonhos”, ressalta.
Sonhos
A questão dos sonhos, de acordo com a presidente do Juventude 23, é crucial e se difere entre os jovens de hoje. “Eles almejam liberdade para realizar seus planos, mas também buscam estabilidade, não necessariamente um emprego fixo, mas, sim, uma estabilidade de vida”, observa.
“A preocupação com a saúde é evidente, com jovens que não fumam, não bebem, se dedicam a um estilo de vida mais saudável e, muitas vezes, são religiosos. Ao mesmo tempo, buscam aproveitar o melhor da vida, com amigos e família”, destaca.
Essa mudança de paradigma geracional também reflete na forma de relação dos jovens com o trabalho. “Os jovens não querem se esgotar em seus empregos. Desejam trabalhos que ofereçam satisfação financeira e permitam aproveitar a vida, viajar, estar com amigos e ter lazer”, pondera.
Obstáculos
A busca por esse estilo de vida, no entanto, enfrenta obstáculos de ordem comportamental. “O Brasil tem muitos casos de ansiedade, devido ao excesso de informação e às infinitas possibilidades de caminhos. Se antes as pessoas tinham poucas escolhas, hoje os jovens se deparam com a infinidade de opções e a necessidade de refletir sobre seus desejos. O trabalho se torna o mínimo necessário para a sobrevivência, querendo buscar tempo para as atividades que realmente os fazem felizes”, diz.
Na vida política, conforme observa Geovana, o engajamento ocorre principalmente nas redes sociais, com curtidas, compartilhamentos e outras formas de interação. “Políticos jovens utilizam as redes sociais para tentar engajar o público, que precisa de outros atrativos, como dancinhas e sensacionalismo, a fim de atrair jovens que não se aprofundam em debates”, acentua.
“Influenciadores digitais representam uma parcela significativa da juventude, mas será que isso é exercer a cidadania? Antes de exercer a cidadania, é preciso aprendê-la. A política se torna cada vez mais distante, refletindo uma socialização antissocial e uma sociedade líquida e dispersa, que produz jovens ansiosos e com outras prioridades”, afirma.
Número de mortes por parto deveria ser nulo, diz Luiz Santini, um dos criadores do SUS
Conselheiro da FAP destaca Programa Nacional de Imunização em análise no Dia Mundial da Saúde
Comunicação FAP
Um dos criadores do Sistema Único de Saúde (SUS), o médico Luiz Santini disse que a mortalidade materna “nem deveria existir no Brasil”. “O número de mortes por parto ou procedimento obstétrico deveria ser nulo, mas ainda há nas regiões mais pobres, sobretudo no Norte e nos bolsões do Nordeste, taxa de mortalidade materna além do desejável. Se houver uma morte, significa que houve falha do sistema em algum momento”, alertou, nesta segunda-feira (7/4), Dia Mundial da Saúde.
Em alusão à data, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou nesta segunda-feira uma campanha, com duração prevista de um ano, em favor do bem-estar materno e neonatal. O tema escolhido é “Começos saudáveis, futuros esperançosos”. Segundo a OMS, quase 300 mil mulheres perdem a vida todos os anos em razão da gravidez ou do parto, enquanto mais de dois milhões de bebês morrem ao longo do primeiro mês de vida e outros dois milhões são natimortos (bebês que morrem após 20 semanas de gestação no útero ou durante o parto).
Mortalidade
De acordo com Santini, a mortalidade infantil no Brasil caiu, mas ainda há desafios. “Há mortalidade de nascituro elevada em determinadas regiões por falta de apoio tecnológico e de suporte a crianças nascidas abaixo do peso ou com alguma doença congênita e que não tenham suporte tecnológico necessário, até que seja possível alguma intervenção médica”, afirmou. Ele também é conselheiro da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ligada ao Cidadania 23, e pesquisador de saúde pública no Centro de Estudos Estratégicos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A OMS estabeleceu como meta reduzir a taxa global de mortalidade materna para 70 mortes a cada 100 mil nascidos até 2030. Hoje, esse número é de 223 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. No Brasil, em 2021, esse índice foi de 117 mortes, impulsionado principalmente pela pandemia de covid-19.
Vacinação
Na avaliação do professor, um dos grandes aliados da saúde pública no país é o Programa Nacional de Imunizações (PNI), iniciativa do governo brasileiro que oferece vacinas gratuitas à população. É uma política pública que ajuda a proteger toda a população, inclusive mães e crianças, que são consideradas prioridade absoluta pela Constituição Federal.
“O PNI é universal, incluindo a vacinação desde o nascimento, com a BCG, a primeira aplicada, até o calendário integral, hoje com mais de 30 vacinas. Nesse aspecto, na atenção materno-infantil, o SUS propiciou evolução muito grande no país”, disse, lembrando que o sistema completará 35 anos em 2025, depois de ser criado pela Constituição de 1988 e implementado pela Lei 8.080, de 1990.
Para Santini, o país também precisa considerar outras questões ligadas a mulher, em razão de sua fertilidade e de sua decisão de continuidade ou não à gravidez, considerando, inclusive, o acesso aos meios de evitá-la, por meio da utilização de medicamentos durante o período fértil. Em outros casos, segundo ele, é preciso que haja oferta de medicação que possa impedir a gestação, considerando as hipóteses previstas na lei. “O Ministério da Saúde oferece programas, mas há regiões mais excluídas, principalmente Norte e Nordeste”, observou.
Violência obstétrica
O pesquisador também analisou uma situação que aterroriza mulheres no país, nas redes pública e privada de saúde. “Há relatos de violência obstétrica cada vez mais frequentes, o que é muito lamentável”, disse. “É reflexo de um comportamento machista, dominador, de desnível e de hierarquia e às vezes a pessoa se sente hierarquicamente superior e tende a provocar situações como essa”, acrescentou.
Segundo ele, a continuidade de denúncias de violência obstétrica é ruim por confirmar que esses casos ainda persistem. No entanto, acrescentou, é positiva porque as mulheres têm consciência da necessidade de proteção da sua integridade física e mental, durante a gravidez, o parto e o puerpério. “É direito da mulher ter, nesse período da sua vida, maior cuidado e carinho”, afirmou.
Para a maior efetividade de oferta de atendimento em saúde pública no país, Santini reforçou a importância da expansão de programas de saúde da família e de todos os demais que visam garantir atenção básica, perto da população, inclusive com especialistas. “Muitas vezes, a pessoa tem acesso ao atendimento básico, mas depois encontra dificuldade no atendimento especializado por vários motivos”, asseverou.
Apesar dos desafios, o pesquisador entende que o país tem muito potencial por causa do Sistema Único de Saúde. “O diferencial do SUS é a abrangência do sistema. É um dos poucos sistemas, mesmo comparado com países europeus, que é universal, por considerar que todas as pessoas têm direito ao atendimento em saúde, o que inclui todos os componentes da saúde, desde a atenção primária”, ponderou, ressaltando a importância da defesa desse modelo como instrumento do próprio regime democrático. “Democracia é saúde. Sem democracia, não há sistema de saúde popular, universal, equânime. Com democracia, é muito difícil; sem democracia, é impossível”.
Primeiro autista a tornar público diagnóstico no Congresso preside sessão
Em dia histórico, Amom Mandel, relembra soluções legislativas que estão em tramitação avançada e mostra desafios com “apagão de dados” sobre a população com TEA no Brasil
Amom Mandel (Cidadania-AM), primeiro deputado federal a tornar público diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Congresso Nacional, presidiu a sessão solene em alusão ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo, comemorado nesta quarta-feira (02/04). Pela primeira vez, um parlamentar autista comanda a homenagem feita na Casa para discutir os desafios enfrentados por essa parcela da população. A tônica da solenidade foi o clamor por inclusão real, respeito e efetividade nas políticas públicas.
Mandel ressaltou que a burocracia vivida por pessoas autistas no acesso a direitos básicos ocorre diariamente. Por isso, instituir a Carteira Nacional de Identidade da Pessoa com Deficiência (CNIPCD), relatado pelo parlamentar no plenário da Câmara dos Deputados, é uma solução para padronizar a comprovação das pessoas com deficiência e retirar obstáculos desnecessários a serviços e benefícios.
“A inclusão não pode ser só uma palavra vazia. Ela precisa partir de cada um de nós e se transformar em prática diária. Minha luta é para que cada um deles tenha o direito de viver com dignidade”, afirmou o parlamentar.
O “apagão de dados” oficiais sobre a população autista no Brasil foi outro tema levantado na tribuna por Amom. O limbo de informações detalhadas sobre esse grupo social dificulta, principalmente, a implementação de políticas públicas. “A ausência de um registro unificado contribui para a invisibilidade dessas pessoas, comprometendo seu acesso a direitos fundamentais”, disse.
Simplificar para população
Como membro da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência (CPD), Amom se comprometeu a ser linha de frente na criação do Código Brasileiro de Inclusão. A ideia é consolidar todas as leis federais sobre PCDs em um único lugar, tornando-as mais acessíveis à própria população e, portanto, mais eficazes na promoção da inclusão. Legislações referentes aos direitos das pessoas com deficiência estão dispersas, o que dificulta a compreensão e aplicação.
“Junto ao presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, deputado Duarte Júnior, iniciamos debates, realizamos audiências públicas e estabelecemos diálogos contínuos com especialistas, autoridades e famílias, visando identificar e implementar soluções concretas para os desafios enfrentados pela comunidade autista”, disse.
Fonte: Cidadania 23
Os maus jogadores da Nova República e os 40 anos de redemocratização
Vinícius Müller*
Uma das maiores complexidades da história se revela na dificuldade de estabelecermos certo consenso sobre quais itens e personagens de um determinado período merecem ser considerados fundamentais ou mais relevantes para quem, no futuro, tenta capturar a essência daquela conjuntura. Essa dificuldade se acentua quando a história a ser compreendida é suficientemente atual para que possamos chamá-la de ‘história do tempo presente’, afinal não podemos contar, nesse caso, com o distanciamento temporal como um aliado daqueles que se dedicam a decifrar o passado. Por isso, uma das maneiras de mitigar essa dificuldade reside no uso das efemérides como um auxílio para a definição de parâmetros, criando um espaço que, ao mesmo tempo, limita e possibilita nosso entendimento sobre a história. E apenas com essa limitação dada pela efeméride é que podemos identificar os itens persistentes e personagens ainda vivos que tornam essa história não só inteligível, mas própria ‘do tempo presente’.
Neste ano de 2025 temos uma chance maiúscula de usarmos uma efeméride para reconstruirmos uma história que ainda nos define como sociedade. Há 40 anos, o colégio eleitoral escolhia Tancredo Neves como presidente da República, formalizando a ascensão de um civil ao cargo maior do País após 21 anos de ditadura militar. Esse é o recorte histórico estabelecido por Alberto Aggio em seu novo livro A Construção da Democracia no Brasil, 1985-2025: mudanças, metamorfoses, transformismos (Fundação Astrojildo Pereira/Editora Annablume). Aggio, professor de História na Unesp e intelectual com longa contribuição ao entendimento da história política do Brasil e da América Latina, não apenas descortina a origem da Nova República brasileira, cuja fundação ocorreu exatamente no episódio da eleição de Tancredo, mas lança luz sobre os itens e personagens fundamentais desse que, embora seja o mais longevo período democrático brasileiro, enfrenta nos últimos momentos o aumento da desconfiança em relação aos seus próprios fundamentos. Ou seja, reconstrói aquela que se apresenta como a mais urgente ‘história do tempo presente’ para uma geração, da qual Aggio faz parte, que vivenciou a transição do poder militar para os civis e que inaugurou a redemocratização brasileira.
Transições e rupturas na redemocratização brasileira
O modo como essa história nos é revelada se relaciona à uma série de leituras que temos sobre nosso passado. Essa variedade é a janela que possibilita o entendimento das origens não só da Nova República, mas também — e principalmente — dos motivos que nos levaram a pensar que ela está em risco desde, ao menos, 2013.
Explicitamente, três questões se impõem a partir da escrita de Aggio. Uma delas é o uso, caro ao autor, da abordagem do italiano Antonio Gramsci, teórico que cunhou a tese da revolução passiva. Nesse caso, a transformação operada pela redemocratização que caracteriza a Nova República não deve ser vista pela ruptura, mas sim por uma transição cujos elementos da mudança são tão visíveis quanto os elementos da continuidade, embora a direção dessa transformação aponte para certa predominância dos primeiros sobre os últimos. Dessa forma, há uma espécie de sentido da história que, entre avanços e obstáculos, se consolidou majoritariamente como uma transformação cujos itens constitutivos devem ser vistos ao longo da trajetória. Tais itens são inegavelmente aqueles que formam uma estrutura que, mesmo insuficiente, dá coerência ao período: eleição de Tancredo Neves; Constituição de 1988, Plano Real e avanço das questões sociais sob os dois primeiros governos de Lula.
A segunda questão, de certa forma complementar à primeira, é a leitura da Nova República a partir da obra de Luiz Werneck Vianna e sua citada frase de que o Brasil “tem horror à linha reta, uma vez que o traço de preferência nacional é o ziguezague”. Esse vai e vem tem se revelado nas últimas quatro décadas por aparentes contradições entre a modernização e o arcaísmo que, de tempos em tempos, ganha nova roupagem. No caso da Nova República esse conflito pôde ser visto de forma mais nítida na contingência da presidência de José Sarney. Eleito como vice na chapa de Tancredo, Sarney carregava a contradição de ter sido aliado da ditadura militar e o primeiro presidente, de fato, da Nova República. Mais do que isso, de ter operado seu governo a partir de elementos contidos no ambiente democrático, mas ainda carregando o ‘entulho autoritário’ do período anterior. Em uma leitura que desconsidera a ‘revolução passiva’ e seu andar em ziguezague que, com temporalidades diversas, ao fim e ao cabo, garantiu avanços significativos e democráticos à Nova República, Sarney e seu governo foram e ainda são vistos por certos segmentos da esquerda brasileira como muito pior do que realmente foram. Cabe aqui, portanto, a proposta de que sem uma revisão dos primeiros anos da Nova República que reposicione, sob um olhar amplamente positivo sobre o que significou o governo de Sarney para a redemocratização brasileira, não teremos a dimensão necessária para compreendermos o debate sobre uma possível crise que nossa democracia estaria vivendo desde 2013. Ou seja, o destaque ao governo Sarney não deve ser dado ao seu passado de aliado aos militares, e sim à sua relação fortemente amparada em valores democráticos junto à Constituinte de 1988, criadora da principal sustentação da Nova República.
E a aproximação entre a abordagem da revolução passiva e o ziguezage de Werneck Vianna possibilita transparecer o terceiro item fundamental da obra de Aggio. Parcelas significativas entre aqueles que se diziam os restauradores da democracia, notadamente entre as esquerdas brasileiras, têm uma histórica dificuldade em compreender para além da perspectiva do conchavo, a possibilidade de um avanço democrático, em sentido amplo, e, portanto, uma transformação verdadeira, a partir da política da conciliação. Tal dificuldade revela um olhar maniqueísta sobre a história brasileira e que, de certa forma, justificou a equivocada percepção de que a verdadeira redemocratização só ocorreria por ruptura. Embora a obra de Aggio concentre a análise no período da Nova República, essa percepção se repete em outras leituras sobre momentos variados de nossa história, como a Independência, a conciliação do Império, a Proclamação da República e a lei da Anistia.
O resultado dessas diferentes leituras de nossa história foi a criação de ao menos dois grandes rompimentos. Um deles, interno à esquerda, foi a cisão entre aqueles que rapidamente se posicionaram não só como democratas, mas que também reconheceram a legitimidade dos itens que formam o escopo da democracia brasileira. De outro lado, aqueles que se disseram democratas, mas se posicionaram contrariamente aos itens que constituem a institucionalidade da Nova República. O problema é que, passados 40 anos, está evidente que foi o segundo grupo que se destacou e se transformou numa das forças hegemônicas no País.
A regra do jogo e os jogadores
Em certa medida, a repactuação do federalismo contemplada pela Constituição de 1988 potencializou certa hegemonia sobre o jogo eleitoral da Nova República ao PMDB. Oriundo do antigo MDB, de oposição ao regime militar, o partido teve três presidentes (Sarney, Itamar e Temer), mas inúmeros poderes subnacionais, além de figurar tanto no Congresso quanto na divisão ministerial dos governos nacionais como protagonista durante quase todos os quarenta anos de redemocratização. Teve também sua dissidência à esquerda, o PSDB, como responsável por um dos pilares fundamentais do período, o Plano Real, sob a liderança de Fernando Henrique Cardoso. Contudo, a cultura política que após as quatro décadas ainda se revela majoritária é aquela identificada na intersecção entre o petismo e o papel de seu líder máximo, Lula da Silva, e sua ideologia, o lulismo. Com cinco vitórias eleitorais ao cargo majoritário do País — e mais tantas outras derrotas, quase todas em segundo turno — o petismo e o lulismo estiveram sempre como um dos dois protagonistas no plano eleitoral e político do País. Aggio acerta ao concentrar parte significativa de sua análise sobre a Nova República na cultura petista e, por isso, insinua o que pode ser o cerne de certa dicotomia que, depois de quatro décadas, nos deixa apreensivos quanto à crise da nossa democracia.
Não é novidade na história brasileira o embate entre as regras do jogo e seus elementos fundamentais de construção institucional, de um lado, e os principais jogadores, de outro. Como se houvesse um limite, testado sob forte pressão feita por alguns jogadores que oscilam, calculadamente, entre a aderência às instituições a partir de certa posição organicamente forjada e o descrédito dessas mesmas instituições a partir da construção de uma narrativa que se ampara no confronto, nunca na conciliação. A cultura petista e lulista que parcialmente se confunde com a trajetória desses quarenta anos de redemocratização apostou, ao longo de sua construção, no descrédito dos processos e eventos que deram, ao fim, a sustentação da Nova República. Embora tenha usado todos esses itens como trampolim não só para a sua contribuição mais acertada — o avanço das pautas sociais — mas também e, oportunamente, na defesa de alguns dos itens que estruturam a Nova República, o petismo se opôs à eleição de Tancredo (chegou a expulsar membros do partido que votaram em Tancredo no Colégio eleitoral), fez feroz oposição a Sarney, não chancelou a Constituição de 1988, foi contra a modernização econômica iniciada de modo atrapalhado por Collor, não aceitou compor o governo Itamar, chegando a desligar membros do partido que aceitaram cargos no governo (como ocorreu com Luiza Erundina), se opôs ao Plano Real — o qual acusava, infantilmente, de ser neoliberal — e contribuiu decididamente para a polarização que antecipa a tragédia atual ao associar sem nenhum pudor o governo FHC à direita ideológica.
Portanto, uma trajetória na qual o principal jogador usa as regras do jogo, no limite de sua violação, mas sem violá-la, para desacreditar os próprios marcos de criação e legitimidade das instituições. Essa aparente contradição não é novidade e nem exclusividade da Nova República. Infeliz e coincidentemente, ocorreu em certa medida no início da década de 1930, no período que imediatamente antecede ao golpe do Estado Novo varguista e na década que antecede o golpe militar de 1964. Não à toa, a última eleição presidencial foi disputada entre um saudosista do varguismo e um apologista da ditadura militar.
Entre os avanços e obstáculos da Nova República, a sociedade mostrou que identificava que parte das dificuldades desse período histórico vinha do confronto entre o ‘espírito’ das instituições e o modo como os jogadores se comportavam. A resposta foi a ampliação da recusa de um e outro, que significou a radicalização de alguns contra as instituições democráticas e a desconfiança em relação à honestidade e integridade dos agentes políticos. Ou seja, uma avenida para a ascensão da direita (essa sim, de verdade!) que estressou ainda mais a polarização e seriamente se comprometeu com a ruptura institucional.
Se a Nova República e a democracia brasileira estão sob risco, o livro de Aggio é esclarecedor na medida em que identifica e explica sem moralismos e vulgaridades a trama que, nas últimas quatro décadas, nos levou até essa situação. Se, de fato, não estão sob risco, é exatamente pela força das instituições que foram criadas e sustentaram o maior período democrático da história brasileira. Mesmo sob forte descrédito de alguns seus principais jogadores.
*Doutor em História Econômica, professor do INSPER, da Faculdade Belavista, da IBMEC, da FECAP, da Fundação Dom Cabral e do CLP-FAAPO. O autor publicou o texto, originalmente, no Estado da Arte/Estadão. Foto destaque: Felipe Rau/Estadão.
Uma Homenagem ao “Partido da Democracia”
Nossa democracia veio à luz a partir de um processo de transição negociada
Foi bastante importante, em termos políticos e também históricos, a propositura, montagem e realização do evento de lembrança dos quarenta anos da nossa redemocratização, celebrado no Seminário “40 anos de democracia no Brasil – conquistas, dívidas e desafios”, realizado em 15 de março no “Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves”, em plena Praça dos Três Poderes de Brasília. O evento, promovido pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e pelo Cidadania 23, contou com apoio do jornal Correio Braziliense, que produziu uma exposição magnífica de fotos, documentos e objetos significativos. As palestras e debates reuniram políticos, intelectuais, dirigentes e militantes políticos, além do público interessado.
Pelo espírito que guiou o encontro e pelas personalidades que lá discursaram, destacando-se o ex-presidente José Sarney, tratou-se de um evento que, no essencial, homenageou o “partido da democracia” – o “partido” que conduziu a transição, produziu a Constituição de 1988 e a sustenta até os dias que correm. Não se trata de um “partido” com registro no TSE. Refiro-me aqui a uma “invenção política”, melhor dizendo, a uma “convicção política”. Para todos que lá estiveram, o sentimento era de que esse “partido da democracia” lá se expressou desde a ideia que decantou o evento até as últimas palavras pronunciadas naquele espaço. Por outro lado, a contrapelo, a celebração dos 40 anos de democracia no Brasil não foi a produção de mais uma “narrativa”. Diferentemente, o que se fez foi refletir e produzir História in atto, a saber, um “discurso” interpretativo e aberto, mas colado aos fatos históricos.
No contexto desse evento pude apresentar ao público o meu livro A construção da democracia no Brasil, 1985-2025 – mudanças, metamorfoses e transformismos (FAP/Annablume, 2025), cuja intenção maior foi a de elaborar uma interpretação crítica sobre a história política dos últimos 40 anos. Como se sabe, a democracia vem sendo acossada pelo extremismo de direita no mundo e também no Brasil e, por isso, é preciso defendê-la mais do que nunca. Não há melhor forma de defende-la senão por meio de uma releitura da história da sua construção, apontando os momentos cruciais de suas conquistas bem como os pontos essenciais em que os atores que protagonizaram essa trajetória claudicaram no seu desenvolvimento, o que acabou produzindo um conjunto de déficits reconhecidamente problemáticos.
Apesar disso, é preciso registrar, antes de mais nada, que além da Constituição de 1988, os 40 anos de democracia legaram à sociedade a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), consagrando o direito à saúde como sendo de todos e não um privilégio. Com o Plano Real, recuperou-se o valor da moeda e selou-se o fim da hiperinflação, iniciando-se um processo de redução da pobreza que viria a ser aprofundado em seguida. Nessa jornada, houve reconhecidamente uma ampliação do acesso à educação a segmentos sociais antes excluídos. Em síntese, a democracia está sendo, para milhões de brasileiros, um fator civilizador capaz de efetivamente melhorar a vida.
Mesmo assim, nem todos os atores políticos, dentre os mais significativos, compartilham a mesma visão a respeito dos passos positivos que foram dados para que pudéssemos construir a democracia nos últimos 40 anos. É difícil obter um consenso interpretativo a respeito da necessidade histórica desses passos bem como do seu significado e mais difícil ainda obter consensos a respeito da validade das etapas percorridas. Por isso somos tão divididos e incapazes, no mais das vezes, de enfrentar e vencer os mais poderosos desafios que se apresentam.
A começar pelo processo de transição do autoritarismo para a democracia. Nossa democracia não nasceu de uma revolução. Nossa democracia veio à luz a partir de um processo de transição negociada, como foi na Espanha, depois da morte de Franco, ou no Chile, depois da derrota de Pinochet no plebiscito de 1988. São exemplos de democracias que nasceram de transições negociadas com a institucionalidade ou com segmentos do regime anterior. Foram necessárias operações políticas complexas para se extrair resultados positivos dessas negociações. Por isso, algumas forças políticas, à esquerda e à direita, não compreenderam a transição e se colocaram contra ela. Contudo, é preciso que se afirme que a transição brasileira foi negociada, mas também foi uma transição com um apoio popular. Como escreveu a economista Maria Conceição Tavares, asseverando, no calor da hora, que o Brasil daqueles anos não era mais o Porto Seguro das elites e nem a Estação Finlândia dos revolucionários.
Como afirmou, no evento, o ex-deputado constituinte, Miro Teixeira, “não foi fácil chegar até onde estamos”, reconhecendo que a nossa transição foi heroica, popular e, sobretudo, empenhou-se em isolar e conter os extremistas e os extremismos. É, portanto, falsa a avaliação de que se tratou de uma transição conservadora. É hora de a intelectualidade compromissada com a democracia rever essa visão enganadora e equivocada que maltrata a história – nos dois sentidos, pode-se enfatizar.
Hoje, mais do que uma crise da democracia, o que se observa é uma crise do sujeito político portador do moderno, que sempre carregou consigo a proposição que conectava liberdade, democracia e autonomia com vistas a uma sociedade mais justa, próspera e igualitária. Na hora presente, é preciso convocar os democratas a construírmos os desenhos que possam informar um novo horizonte democrático, isto é, uma nova cultura política, democrática e interdependente, que se afirme no Brasil e se expanda pelo mundo.
Para isso, precisamos de estadistas à altura dos desafios do nosso tempo. Infelizmente, como bem observou o jornalista José Casado em seu artigo intitulado “O ‘pobrismo’ se tornou matéria-prima eleitoral básica”, publicado na edição de 15 de março de 2025, Lula e o PT “parecem não ter compreendido a dimensão da mudança ocorrida sob seus pés nos últimos quarenta anos”, cujo processo ultrapassou “a representação política baseada no critério de classes”. As metamorfoses dos atores democráticos que o país vivenciou no contexto de uma globalização triunfante, na passagem do século XX para o XXI, dentre eles Lula e o PT, ensejaram a possibilidade de um transformismo positivo. Naquele contexto, como escrevi no livro e que Casado reproduz, “foi possível vociferar diante de tudo, de todos e das mais difíceis circunstâncias que o projeto político (de Lula e do PT) era, como dizia o ex-deputado petista José Dirceu, ‘governar no Brasil’. Pois era, enfim, simplesmente isso e não construir uma sociedade democrática, justa, solidária, mesmo que não se conseguisse alcançar o poder. Agora, tudo indica que não será mais possível, pelo menos na forma como se pensava”.
No andamento do terceiro mandato, continua Casado – ainda citando literalmente o meu livro –, as identidades se esfumaçaram “num ambiente onde partidos e seus líderes substituíram projetos de modernização nacional pela visão tosca da política como negócio, com prioridade às transações nem sempre transparentes, mas convergentes à garantia de poder numa “partidocracia” patrimonialista e endinheirada”.
Em absoluta contradição com o momento inicial da construção democrática, a sensação que temos hoje é de degradação política pelo vazio de hegemonia, derivando no estabelecimento de um transformismo negativo, no qual a política significa apenas negócio. Para concluir, como anotei no final de um dos capítulos do livro, “trata-se de um transformismo que poderá bloquear a democracia e seus possíveis avanços. Seria desastroso para o país cumprir esses 40 anos de construção democrática sem reconhecer uma ameaça dessa magnitude”.
*Artigo publicado originalmente no portal Revista Será