PT consolidou força com ‘economia do afeto’ e união dos ‘de baixo’, aponta Alberto Aggio

Livro A Construção da Democracia no Brasil: 1985-2025 é lançado na Unesp, em Franca | Foto: Divulgação
Livro A Construção da Democracia no Brasil: 1985-2025 é lançado na Unesp, em Franca | Foto: Divulgação

Historiador discutiu o assunto durante o sexto lançamento do livro A Construção da Democracia no Brasil: 1985-2025

Comunicação FAP

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi capaz de ressignificar a polarização do “governo versus oposição”, um movimento que permitiu a consolidação de sua identidade com os setores “de baixo” da sociedade brasileira. A análise é do historiador Alberto Aggio, professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Segundo ele, essa ascensão e permanência da sigla como uma força política central no país não se deu apenas pela defesa de causas ideológicas tradicionais, mas também por meio da adoção de uma estratégia que pode ser descrita como uma “economia do afeto”.

Essa “economia do afeto” teve o efeito de unir as classes trabalhadoras por meio de um forte sentimento de pertencimento. Essa cultura política, centrada na criação de vínculos emocionais e identitários, mostrou-se fundamental tanto para o sucesso eleitoral do partido quanto para a sua influência nas disputas políticas que moldaram o Brasil recente.

Livro à venda na internet | Foto: Comunicação FAP
Livro à venda na internet | Foto: Comunicação FAP

Essa análise faz parte das reflexões do historiador Alberto Aggio, apresentadas na Unesp, quarta-feira (28/5), em Franca (SP), durante o sexto lançamento de seu mais recente livro, A Construção da Democracia no Brasil: 1985-2025. A obra, editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, e pela Annablume, se debruça sobre o período que vai do fim da ditadura militar, em 1985, projetando-se até 2025, abrangendo o terceiro mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Este recorte temporal, segundo Aggio, configura o período mais longevo da história da democracia brasileira. Trata-se de uma história do tempo presente, cujos impactos ainda são sentidos, e que carrega dificuldades específicas para a análise.

> “Não vamos nos calar, vamos gritar”, diz presidente estadual do Cidadania após caso Marina Silva

> “Exploração absurda”: Ex-ministro critica super elite da tecnologia e perda de força política da imagem na era digital

> Fim da reeleição: Proposta exige amplo debate e teste de forças políticas no Senado

Marco trágico

A narrativa dessa história começa com um marco trágico: a agonia e morte de Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral, um evento que representou uma derrota política para o regime ditatorial e a abertura de um novo ciclo, conhecido como Nova República. Uma das questões centrais abordadas pelo autor é se o Brasil ainda se encontra dentro dos limites dessa Nova República.

Analisar este período, de acordo com o professor, implica considerar tanto os ganhos e conquistas democráticas quanto as oportunidades que foram perdidas. Significa, também, observar a atuação dos atores políticos, em especial os partidos, suas realizações, os caminhos percorridos, os desvios e as decisões que conduziram o país à situação atual.

O período de 1985 a 2025 é visto por Aggio como um conjunto único, dotado de significativa unidade. De acordo com ele, essa unidade reside na conquista e no avanço da democratização, marcados pelo pluralismo político e pela alternância no poder. Um ponto crucial é a constatação de que não houve regressão ao status quo ante da ditadura. Trata-se de um período caracterizado como virtuoso e de muitíssimas mudanças.

> Relação mais confiante entre Estado e cidadãos ainda está incompleta, diz historiador Alberto Aggio

> “A abolição da escravidão não libertou o negro”, diz o historiador Ivan Alves Filho, autor do livro Memorial dos Palmares

Entre as conquistas, conforme aponta o historiador, destacam-se a promulgação da Constituição de 1988, a realização de eleições ininterruptas em todos os níveis, a normalidade democrática e a garantia de liberdades fundamentais como as de ir e vir, de pensamento e de associação. O período também viu o controle da inflação, processos de privatização em áreas onde o Estado já havia cumprido seu papel e onde há capital privado disponível. A implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), a expansão de uma rede de universidades públicas que abrange todos os estados, o aumento da oferta de ensino superior privado e a criação de importantes políticas públicas de caráter social, como o Bolsa Escola e o Bolsa Família, também são elencados como avanços significativos.

Déficits e impasses

Contudo, Aggio destaca que a análise do período não ignora os déficits e impasses. Ele observa que a Nova República também é marcada pela corrupção, por uma sociedade que se mostra esgarçada, pelo aumento da violência e pelo avanço do neo-pentecostalismo sobre a vida política. A questão militar é apontada como resolvida de maneira insuficiente e incompleta, o que teria levado os militares a se conceberem como um Estado dentro do Estado. Além disso, problemas estruturais como a pobreza e a desigualdade ainda persistem como questões fundamentais, apesar das iniciativas adotadas pelos governos democráticos.

Em síntese, de acordo com o autor, os últimos 40 anos da vida política brasileira merecem ser valorizados de forma justa por suas conquistas, embora seja crucial reconhecer seus déficits, impasses e processos inconclusos. Ele diz que a “Nova República”, para a sociedade em geral, significou a implantação da liberdade política integral para partidos, associações e movimentos.

> Compreender as novas direitas é imprescindível para combatê-las, afirma professor Marcus Vinícius Oliveira

> 13 de maio: Conquistas da população negra mudam cenário brasileiro, mas desafios persistem

No entanto, acrescenta Aggio, apesar do avanço na participação política, a construção de uma relação mais confiante e produtiva entre o Estado e os cidadãos ficou “a meio caminho”. Há um consenso de que o período apresenta avanços, mas também grandes déficits na coesão social, na democratização da própria política e na eliminação ou, ao menos, na diminuição das desigualdades existentes.

Processo inacabado

Diante desse quadro, o historiador defende que a melhor forma de abordar este período é vê-lo de maneira crítica. Essa postura é essencial não apenas para fazer justiça à luta que se travou pela democracia, mas também para valorizar os momentos-chave em que impasses foram superados e que poderiam ter bloqueado o caminho da construção democrática. O livro, portanto, busca entender a construção da democracia no Brasil como um processo inacabado, permeado por lutas, impasses e incompletudes.

Segundo Aggio, é importante o reconhecimento de que a superação do regime ditatorial de 1964 sinalizou para a sociedade brasileira a possibilidade de uma “mudança de época”. Essa mudança poderia, em tese, deixar para trás o padrão político praticado desde a década de 1930. Esse era um desafio que se colocava indistintamente a todos os atores políticos. Desde 1985, ressalta ele, os governos democráticos foram desafiados a reformar o Estado e a colocá-lo a serviço de uma sociedade que demandava um novo tipo de representação, com mais espaços de autonomia para a livre construção de estruturas de bem-estar em um ambiente democrático em crescimento.

Após 40 anos, a conclusão a que se pode chegar é que a grandiosa tarefa de levar adiante essa “mudança epocal” não conseguiu ser plenamente apreendida em toda a sua integridade por boa parte dos atores políticos que conduziram o processo de construção da democracia. Na construção democrática brasileira, a interpretação pela ótica da teoria da revolução passiva permitiu avanços, mas sempre à sombra de tensões políticas e sociais, além de bloqueios que se revelaram severos para o futuro do país.

Durante o lançamento, também houve discussão sobre o caráter das novas direitas que emergiram no século XXI, distinguindo-as das direitas tradicionais que apareceram no século XX, como o fascismo e o nazismo. Nesse sentido, as intervenções do historiador Marcus Vinicius Oliveira, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), foram fundamentais no debate.

Privacy Preference Center