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Adriana Fernandes: Coragem para cortar

Há quatro anos, o corte de renúncias fiscais vai e volta do debate econômico, absolutamente sem sucesso

O corte linear das renúncias fiscais concedidas pelo governo voltou à mesa na discussão das medidas de ajuste fiscal para 2021. Com o pouco tempo até o final do ano para decisões difíceis e impopulares, não se fala mais em mexer em apenas um ou outro grupo de isenções e benefícios tributários, mas passar a tesoura em todas elas ao mesmo tempo e na mesma proporção: algo em torno de 12% a 15%.

O alvo passou a ser todas as renúncias para engordar os cofres da União e abrir espaço para novas despesas sem piorar o déficit público. Essa medida se somaria também à discussão de corte das emendas parlamentares e outras ações do lado das despesas para o financiamento do novo programa de transferência de renda aos mais pobres e de investimentos. Frentes de dificílima execução.

O diagnóstico político é que dessa forma é mais fácil vencer as resistências daqueles setores, empresas e pessoas físicas que vão perder com a retirada dos benefícios e incentivos. Um movimento mais rápido e palatável para angariar apoio no Congresso.

Ainda que esteja no topo da agenda econômica do momento, é complicado colocar na conta como uma medida que tem chances reais de avançar em tão pouco tempo. Será preciso um esforço concentrado de convencimento das lideranças. Com a crise da pandemia, ninguém quer ver ser a sua carga tributária aumentar.

Há pelo menos quatro anos, o corte de renúncias vai e volta do debate econômico de Brasília, absolutamente sem sucesso. Tem sido quase um mantra o discurso de autoridades, políticos e economistas de que é preciso reduzir renúncias, pois o País não aguenta mais bancar patamar tão elevado, de 4% do PIB, de perda de arrecadação.

Nos últimos anos, para cada tentativa de aumento de gastos, o tema ressurge como medida compensatória. Mas na hora H não anda. Essa defesa tem sido muito mais da boca para fora.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 prometia um avanço: o envio de medidas para o atingimento da meta de reduzir os benefícios tributários para 2% do PIB em 10 anos. Nada aconteceu. Pelo contrário, apenas uma lista foi enviada ao Congresso sob sigilo e sem nenhum efeito prático.

Os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que propuseram cortes de renúncias para diminuir o déficit em 2021, estão enfrentando fortes resistências. É tão difícil mexer nesse vespeiro que a menção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Simples precisa ser revisto que a acendeu a luz vermelha das micro e pequenas para o risco. É que a desoneração das empresas pelo regime tributário diferenciado é incluído no cálculo da Receita como renúncia, uma briga antiga do Sebrae com o Fisco. Se a tesoura for linear, o Simples também será atingido num momento em que as micro e pequenas empresas alegam grandes perdas com a pandemia.

Para atropelar o debate, o presidente Jair Bolsonaro acabou de assinar um decreto tornando permanente em 8% o benefício fiscal a concentrados de refrigerante produzidos na Zona Franca de Manaus e que favorece grandes fabricantes, como a Coca-Cola e Ambev.

A redução do benefício havia sido adotada no governo Temer para compensar perdas de arrecadação com medidas voltadas para atender os caminhoneiros, que pararam o País. Foi a única medida de corte de renúncias. Agora, o benefício volta de forma permanente (embora não no mesmo patamar da época que foi reduzido) justamente quando se discute a revisão das renúncias. É mais uma decisão do presidente contrária ao ajuste fiscal.

Um olhar rápido sobre as grandes renúncias em 2021 dá a dimensão da encrenca. A lisa é longo e chata, mas a coluna faz questão de descrevê-la para mostrar a realidade: Simples (R$ 74,3 bilhões); rendimentos isentos e não tributáveis do IRPF (R$ 33,5 bilhões); agricultura e agroindústria (R$ 32,6 bilhões); entidades sem fins lucrativos e imunes (R$ 29,2 bilhões); Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 24,2 bilhões); deduções do IRPF (R$ 22,1 bilhões); medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos (R$ 14,4 bilhões), benefícios do trabalhador (R$ 14,3 bilhões); desenvolvimento regional (R$ 11,8 bilhões); poupança e títulos de crédito - setor imobiliário e do agronegócio (R$ 6,8 bilhões); setor automotivo (R$ 5,9 bilhões); e embarcações e aeronaves (R$ 4,5 bilhões). São números fresquinhos que constam na proposta de orçamento de 2021.

Quem vai ter coragem de cortar? Essa guerra será feroz.


Adriana Fernandes: Ouvidos moucos

A economia brasileira vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos

Em entrevista ao Estadão, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore não poderia ter definido melhor o quadro da política em Brasília nos dias atuais. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro e os congressistas teimam em não entender a situação da economia e da escalada acelerada de deterioração da percepção de risco do País. Fazem ouvidos moucos.

O resultado é que o Brasil poderia estar agora aproveitando uma onda mais positiva após as medidas de mitigação dos efeitos da pandemia da covid-19, que impediram um tombo maior da economia, e vêm sustentando o processo de recuperação neste segundo semestre.

Ao contrário, o Brasil vive um dos momentos mais delicados dos últimos anos e isso pode se agravar se governo e Congresso continuarem errando a mão. Qualquer que seja a solução, será preciso encontrá-la urgentemente. Até agora, porém, está todo mundo perdido em Brasília e atirando cada qual para um lado: não faltam propostas e sobra inação.

A mais recente ideia é a de criação de um fundo para receber receitas de renúncias tributárias e desonerações para deixar as despesas com o novo programa social fora do teto de gastos. Variações do mesmo tema.

Querem tirar um pedaço do Estado do Orçamento. Mas de que adianta ter uma PEC no Senado para extinguir fundos públicos? Proposta com credibilidade zero. Tal qual a do adiamento do pagamento das despesas com precatórios para financiar o Renda Cidadã, que não durou mais de três dias depois de anunciada. Não faltaram avisos que ela seria um desastre.

O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi direto ao ponto: o choque fiscal explica parte da depreciação cambial dos emergentes. Após a fase mais aguda da pandemia, a volta do apetite de risco dos investidores já acontece para um grupo de países emergentes, como Malásia, Indonésia, Polônia, Chile e Rússia.

Num segundo grupo de países, onde está o Brasil, África do Sul, Turquia, Colômbia, México e Índia, as condições financeiras continuam ainda restritivas em razão de fundamentos econômicos desfavoráveis. O maior diferencial entre esses dois grupos de países é justamente a relação entre dívida e PIB. O Brasil é o pior entre os piores.

O País flerta com essa crise e a desconfiança dificulta o financiamento da dívida pública pelo Tesouro. Até agora, todo mundo falava que o encurtamento dos prazos dos títulos do Tesouro era mais um sinal do aumento do risco, além da maxidesvalorização do real, que já alcança 40% em 2020. Mas quando se mostra os números consolidados das consequências desse processo, a ficha cai ainda mais.

Como revelou o Estadão, os vencimentos de papéis no primeiro quadrimestre já chegam a R$ 643 bilhões, 15% do total da dívida interna.

O BC e Tesouro estão atuando junto para estabilizar o processo de abertura do deságio das LFTs, os títulos atrelados à taxa Selic que sempre foram o porto seguro da dívida. Esse risco estava adormecido e surgiu nos últimos dois meses. O aumento do deságio é um problemão para os fundos de investimentos DI que são lastreados pelas LFTs. Cotas negativas desses fundos, como se viu em setembro, podem alimentar uma crise de liquidez com investidores promovendo saques.

O governo tem em mãos muitos instrumentos que podem ser acionados para reduzir o estresse no mercado de dívida e estabilizar os prêmios que os investidores estão cobrando.

Em última instância, o próprio BC pode agir comprando os títulos do Tesouro. E não precisa do orçamento de guerra para fazer isso. Legislação anterior dá direito ao BC de comprar título público para fazer política monetária. Em outras palavras, se o BC achar que as taxas de juros de prazos mais longos estão distorcendo os prêmios de risco e afetando o câmbio, ele passa a ter uma razão de política monetária para comprar os títulos do Tesouro.

Nesse caso, uma comunicação bem feita terá de ser acionada para não passar a percepção de que o BC está financiando o Tesouro. O elemento surpresa é sempre um fator chave nesses movimentos.

O que os indicadores do mercado estão mostrando é que há pouca margem de manobra e que o País precisa sair logo desse impasse fiscal. 2021 está logo ali.


Adriana Fernandes: Renda Cidadã x Renda Brasil

Quem acredita que vai dar tempo para erguer um novo programa social até o fim de novembro?

Para tudo! O presidente Jair Bolsonaro decretou que até as eleições “não se fala mais nisso daí”. O isso daí são as medidas que precisarão ser tomadas para solucionar um problema que está estampado numa reportagem do Estadão desta semana: o fim do auxílio emergencial deve devolver 15 milhões de brasileiros à pobreza no próximo ano. A previsão foi feita pela FGV Social em levantamento coordenado pelo economista Marcelo Neri, que constata: é cristalino que isso vai acontecer.

Para “varrer o PT do Nordeste”, na expressão de um auxiliar do governo, o presidente e aliados promoveram a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro. Mas agora é hora dos aliados ganharem a eleição.

Todos contam com a falta de tempo para a solução do problema para empurrá-lo para 2021 quando o cenário político poderá ser outro com um rearranjo de forças. Quando a eleição acabar (o segundo turno está marcado para o dia 29 de novembro), quem acredita que até lá vai dar tempo para erguer o novo programa social? No Palácio do Planalto, espertamente, já se fala em mudanças por meio de dois programas: Renda Cidadã e Renda Brasil.

É por isso que não há confusão de nomes quando o ministro Paulo Guedes prefere usar Renda Brasil ao se referir ao programa social. Muitos viram no uso do nome mais antigo falha ou esquecimento do ministro. Foi proposital.

O Renda Brasil é o programa que a sua equipe trabalha e que estaria tecnicamente pronto, só faltando a coragem dos políticos para fazê-lo. Uma reformulação de 27 programas já existentes. Ao longo da semana, o ministro repetiu esse ponto várias vezes como quem diz: prestem atenção! Não foi confusão.

O Renda Cidadã pode se transformar na ponte até o Renda Brasil. Um Bolsa Família melhorado até que o Renda Brasil chegue mais adiante. Esse, sim, o programa-plataforma para reeleição de Bolsonaro.

Com o impasse do que cortar e a pressão do mercado para manter o teto, essa estratégia pode dar um pouco mais de fôlego para a equipe econômica conseguir apoio às medidas de corte de despesas e, assim, colocar o programa social dentro dos limites do teto.

Diante da urgência que o momento exige com a proximidade do fim do auxílio, porém, ganha força no Congresso a proposta de deixar os recursos extras do novo programa social (além dos R$ 35 bilhões já previstos no Orçamento de 2021) fora do teto de gastos. Uma exceção temporária até que o Congresso aprove medidas de ajuste mais duras e que não têm tempo de avançar até o fim do ano. Para mostrar compromisso com austeridade fiscal mesmo com essa flexibilização do teto de gastos, os recursos do programa fora do teto seriam compensados com aumento da carga tributária, corte de renúncias fiscais ou outras medidas que melhorem a arrecadação.

Funcionaria com um benefício variável temporário para superação da crise com um valor próximo aos R$ 300 dessa terceira e última rodada do auxílio. A vantagem para quem defende a ideia é que essa despesa adicional poderia fugir do conceito de despesa de caráter continuado e permanente, de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, exigindo um nível de redução para fins de compensação orçamentária menor.

Esse tipo de saída vai na direção proposta pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em artigo publicado pelo Estadão, FHC sugere que o governo poderia mexer na regra fiscal para, ao mesmo tempo, abrir espaço orçamentário para o gasto e não provocar uma reação muito negativa do mercado. Uma saída organizado desse tipo para o impasse atual ainda encontra resistência dos defensores puristas do teto de gastos no mercado, governo e Congresso, entre eles Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Maia e Guedes se alinharam na defesa do teto de gastos sem mudanças, que ajudou a diminuir o nervosismo, mas não tirou do radar as incertezas fiscais, que estão colocando o País à beira de uma crise da dívida na sequência da provocada pela pandemia da covid-19.

Políticos e até mesmo economistas experientes do mercado já viram que esse caminho está cada vez mais próximo. A dúvida é saber qual imposto vai subir ou isenção acabar. Se Maia começar a aceitar, vai ser a senha para a mudança. Quando novembro chegar e a eleição acabar, a pressa de dar uma solução deve levar à essa mudança de rota.


Adriana Fernandes: Encrenca geral

O que mais preocupa nessa confusão é que o desenho do Renda Cidadã está escanteado

O ambiente hoje em Brasília é o mais negativo possível e o resultado tem sido a escalada acelerada de deterioração da confiança com os rumos da economia do País.

Está tudo parado ou rodando em círculo: Renda Brasil (ou Cidadã), reforma tributária, Orçamento de 2021, PECs fiscais de cortes de despesas, reforma administrativa e votação de vetos importantes, como a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores.

A cada bate-cabeça em torno das medidas e novos sobressaltos – como o desta sexta-feira entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho – a piora dos indicadores do mercado se acentua.

A articulação que acontece no momento, e deve prosperar, é tirar o Renda Cidadã do teto de gastos, mesmo que temporariamente.

Se não houver algum tipo de entendimento nos mais urgentes pontos elencados acima, o Brasil vai entrar em 2021 num voo cego com os efeitos da pandemia da covid-19 ainda mostrando a sua cara.

Até aqui não há o que comemorar do novo eixo de articulação política com o Centrão montado para avançar a pauta econômica em três etapas de validação: acerto Ministério da Economia-líderes do governo; Líderes-Palácio; Bolsonaro-validação; e, por último, Palácio-líderes dos partidos aliados.

A batalha de sobrevivência de Guedes e da sua agenda pode até embaralhar esse jogo e tem servido de folclore para desviar a atenção para o fato de que todos os sinais apontam que está em curso uma inflexão da política econômica. Ela já começou apesar do uníssono grito de “vamos manter o teto de gastos”.

O deadline da mudança indicado por muitas dessas lideranças é da eleição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em 2021.

A monumental trapalhada do anúncio do financiamento do Renda Cidadã com recursos dos precatórios e do Fundeb mostrou que essa articulação não está dando certo. Por quê? A disputa pela presidência do Senado e da Câmara se antecipou e nada, absolutamente nada, se move sem que a eleição do início do ano que vem para o comando das duas Casas esteja na conta.

A tentativa dos partidos do Centrão de tomar a presidência da Comissão Mista de Orçamento do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), é mais um capítulo do que está acontecendo. O deputado Arthur Lira (PP-AL), à frente da manobra, acirrou a tensão e adiou a sua instalação. Elmar é aliado do presidente Rodrigo Maia e Lira candidatíssimo a ficar no seu lugar. Eleição na veia.

Faltando três meses para o fim do ano, é uma irresponsabilidade que a comissão não esteja discutindo saídas para o País em 2021. A guerra na CMO pode, inclusive, levar a votação do Orçamento e do Renda Cidadã para o ano que vem, “sob nova direção”.

O mais preocupante dessa encrenca geral com o Renda Cidadã é que governo e Congresso têm deixado escanteado o desenho do próprio programa. Tanto é que o Ministério da Cidadania pouco se envolve.

O governo ainda está voltado à primeira geração das políticas de transferência de renda, quando o mundo já está na terceira ou quarta geração, alerta o economista João Marcelo Borges, especialista em políticas educacionais.

Consultor do BID na época que o organismo emprestou US$ 1 bilhão para o governo aumentar os beneficiários do Bolsa Família, no início dos anos 2000, adverte que o substituto do auxílio emergencial não pode resultar de considerações meramente fiscais ou assistenciais.

Diz Borges: “Salvo raras exceções, que apontam a necessidade de usar o Cadastro Único e incorporar o conhecimento acumulado, a discussão sobre o Renda Cidadã tem se dado apenas em torno das fontes para seu financiamento, do teto de gastos e do valor do benefício”.

Um programa da magnitude que se discute (cerca de R$ 60 bilhões) não pode se restringir a elas. Há uma década se discutia portas de saída para o Bolsa Família. Hoje, parece que o debate é apenas sobre a largura da porta e sobre sua sustentação. É um retrocesso de duas décadas.


Adriana Fernandes: Propostas polêmicas para Renda Cidadã aumentam tensão

Governo mostrou pouca disposição para enfrentar a tarefa de passar a tesoura nos gastos para compensar despesas maiores com a transferência de renda aos mais pobres

Depois de tanto vaivém, o governo optou por duas medidas extremamente polêmicas para bancar o Renda Cidadã e pouca disposição para enfrentar a tarefa de passar a tesoura nos gastos para compensar despesas maiores com a transferência de renda aos mais pobres.

De um lado, o governo propõe criar um gasto permanente, o novo programa social, usando recursos do Fundeb, o fundo para educação que está fora do teto de gastos, a regra que proíbe que despesas cresçam em ritmo superior à inflação.

Essa tentativa já foi feita na votação do novo Fundeb e rejeitada por razões diversas: retira recursos que foram ampliados por votação estrondosa do Congresso e, na prática, “burla” o teto de gastos para arrumar recursos para a vitrine do presidente Jair Bolsonaro, o programa que vai substituir o auxílio emergencial dado na pandemia aos mais vulneráveis e o Bolsa Família.

A proposta de adiar o pagamento de parte dos precatórios é ainda mais crítica. Não à toa pouco depois do anúncio já está sendo chamada de “calote temporário”. O governo simplesmente propõe financiar um programa permanente com base em uma despesa judicial líquida e certa. A dívida não deixa de existir. Esse é o ponto que participantes do mercado financeiro já questionam.

A pergunta que foi feita à coluna: por que com tanta despesa para remanejar vão em cima de uma pagamento de uma dívida judicial líquida e certa?

Nas duas propostas, não há compromisso de ajuste, o que na prática é o motivo por trás da ideia da equipe econômica de insistir com a manutenção do teto.

Os líderes envolvidos chegaram a falar em medidas duras para financiar o Renda Cidadã, em conversas internas e fechadas à imprensa, promovidas por instituições financeiras. Por isso, a frustração com a proposta é o temor de agravamento da crise fiscal.

Criou-se uma expectativa de algo melhor do lado das despesas, que não chegou. A resposta é tensão. Do mercado, que quer o teto vivinho. Para quem defende mais recursos para a transferência de renda, nova constatação da perda de rumo.

Depois do anúncio de hoje, aumenta a desconfiança de que o fracasso do Renda Cidadã pode abrir as portas da flexibilização do teto e saída do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Tem gente que até desconfia que essa é uma estratégia já desenhada por líderes e não apenas resultado de falhas no desenho das medidas.

Para piorar, o governo não conseguiu acordo para emplacar o novo tributo sobre transações financeiras, a nova CPMF repaginada pela equipe econômica para desonerar a folha Até então, a tentativa do governo era fechar um acordo hoje para incluir a CPMF na proposta de reforma tributária.

Os estudos do ministro da Economia, Paulo Guedes, não convenceram os líderes dos partidos que apoiam o governo porque a rejeição é grande ao novo tributo. A espera de mais respostas do governo e dos líderes que tomaram a dianteira do anúncio.


Adriana Fernandes: Xadrez econômico

Muitos senadores não querem nem saber de novo imposto, mesmo que seja repaginado com a desoneração da folha

A campanha do presidente Davi Alcolumbre pela sua reeleição na Presidência do Senado deve dar um nó no xadrez da pauta econômica do governo no Congresso. Melhor dizendo: na agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O ambiente é de negociação intensa pela reeleição justamente na véspera da apresentação do parecer do senador Márcio Bittar (MDB-AC) da PEC do pacto federativo, que surgirá com muitas “maldades”, como são chamadas as medidas impopulares que mais tarde viram “bode na sala” para serem descartadas pelos parlamentares.

A divulgação do parecer, que aconteceria na última terça-feira, foi adiada para a próxima semana depois que o presidente Jair Bolsonaro deu aval a Bittar para seguir com as medidas mais duras e incluí-las no seu parecer, como quer a equipe de Guedes.

Bolsonaro foi convencido pelos seus aliados que as propostas polêmicas de corte de gastos podem ficar no parecer porque não terão o seu carimbo, mas o do relator.

Se passar, passou. Se não passar, a derrota não será dele. Ao Senado, caberá a tarefa de retirar do texto os pontos que já avisaram de antemão que não passa. Tudo combinado.

O problema é que o corte de despesas que resultará dessa desidratação muito provavelmente será insuficiente para garantir o Renda Brasil, o novo programa social do governo, dentro dos limites restritos do teto de gastos.

Como o caminho é de difícil aprovação de medidas mais impopulares, muito senadores nos bastidores já falam abertamente que, se for necessário, estão dispostos a abrir espaço para excluir o programa do teto. Com valores bem definidos. Se tudo for bem explicado ao mercado, que dá sinais de estresse com os riscos fiscais e tem cobrado mais prêmio para financiar o Tesouro Nacional.

Alcolumbre já conta com o apoio do PT para a sua reeleição e essa semana partiu para o contra-ataque público ao rebater uma avaliação da consultoria da Casa contra a possibilidade da sua reeleição no cargo, em fevereiro de 2021. Ele busca aval do Supremo Tribunal Federal para sua tentativa de reeleição e enfrenta oposição de caciques antigos da Casa.

Nesse ambiente em que todos pisam em ovos e compromissos vão sendo assumidos, um movimento importante precisa ser observado: a apresentação no mesmo dia pelo líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), de uma PEC com a defesa de novas regras para o teto de gastos. A proposta teve 31 signatários de vários partidos, inclusive aliados do presidente Bolsonaro e o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Para uma PEC tramitar no Senado, é preciso pelo menos 27 senadores.

A proposta petista defende gastos emergenciais em 2021 e 2022 e, a partir de 2023, revogação do teto e metas de gastos diferenciados por áreas, de quatro em quatro anos. Alcolumbre também abriu o plenário do Senado nessa sexta-feira para o debate da proposta do PT, que considera que o Brasil está desalinhado em relação ao resto do mundo com o teto de gastos.

O que tem atraído os senadores é cobrança por mais recursos emergenciais para manter os 20 mil leitos abertos no SUS durante a pandemia e para o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), a linha de crédito com garantia do Tesouro para as empresas mais afetadas pela crise.

O movimento em si é mais importante do que a própria PEC da oposição, que dessa vez mudou de estratégia e já não fala da revogação do teto de gastos sem colocar nada do lugar. Outras propostas de mudanças no teto já tramitam, entre elas, a do senador e líder do MDB, Eduardo Braga (AM), que propõe a exclusão do programa social do limite de gastos.

A assinatura de tantos senadores não significa que a proposta pode avançar. É mais um sinal de que o Senado quer debater. À coluna, senadores, que não são da oposição e assinaram a PEC, dizem que querem discutir. A porta está aberta.

Muitos deles já avisaram ao governo que não querem nem saber também de novo imposto, mesmo que repaginado com a desoneração da folha de pagamentos. O xadrez está sendo jogado.


Adriana Fernandes: Cansaço

O Renda Brasil não sai sem medidas duras que terão de ser aprovadas pelo Congresso

O Renda Brasil se transformou no estranho caso do programa que nem mesmo nasceu, morreu e ressuscitou no dia seguinte. O disse me disse desta semana em torno do Renda Brasil do presidente Bolsonaro revelou a dificuldade que é colocar de pé um programa social com mais dinheiro e beneficiários, sem uma afinação entre as área econômicas e social, o Palácio do Planalto, líderes partidários e os parlamentares.

O cansaço do debate está visível, como reclamou a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet. As semanas começam e terminam no mesmo ponto. Não há avanço concreto. Em alguns casos, retrocesso. E já estamos no final de setembro com o fim do auxílio emergencial chegando junto com o aumento da fome.

É um erro achar que agora, com o apoio do Centrão, tudo poderá ser aprovado. O Centrão vai até aonde a corda estica. O imbróglio em torno da desindexação dos benefícios previdenciários, medida já tentada no passado e sempre abortada, mostrou o deslocamento entre o desejo antigo da equipe econômica e a realidade.

Do jeito que está hoje o arranjo da política fiscal e o teto de gastos, o programa não sai sem medidas duras que terão que ser apresentadas pelo Congresso e aprovadas.

Bolsonaro quer que os parlamentares aprovem o novo programa sem patrocinar nenhuma delas: nem para tirar dos “pobres para os paupérrimos” e nem para tirar dos “ricos e privilegiados para os pobres e paupérrimos”. Não tem jogo, embora a segunda opção esteja sendo cobrada pela sociedade e a maioria dos políticos continue cega para essa demanda.

Tem muito negociador político que parece não entender esse ponto ou está de má-fé empurrando com a barriga a confusão para ver quem cai primeiro.

A sucessão no início de 2021 do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM RJ), que abraçou a pauta econômica de Guedes e do mercado, deve ser o ponto final da inflexão de política econômica que começou com a pandemia. Quando fevereiro chegar lá, veremos o time mudar de campo de vez. Essa é o cálculo político de quem está embaralhando as cartas. Se nada mudar, provavelmente ficaremos nesse rame-rame até lá.

Ganha força agora a ideia de aprovar o Renda Brasil no Orçamento com despesas condicionantes. A estratégia já foi usada na “regra de ouro” (que impede o governo de fazer dívida para pagar despesas correntes).

Funciona assim: a fonte de financiamento fica carimbada no Orçamento com a condicionante de aprovação de uma determinada medida. O gasto só pode ser feito se a medida de corte de despesa for aprovada. Ou seja, o Renda Brasil aumenta além dos recursos destinados ao Bolsa Família em 2021 – R$ 35 bilhões – se as medidas forem votadas.

Se for esse o caminho para arrumar mais dinheiro para a para a área social e os investimentos necessários à retomada, o Congresso deveria aproveitar o impasse fiscal em torno da criação do programa social para aprovar o projeto de revisão periódica de gastos. Resolveria de cara um problema recorrente: planejamento.

É bom esclarecer que revisão de gastos não é o mesmo que avaliação da eficiência dos programas governamentais.

A revisão (spending reviews, em inglês) tem como produto a obrigatoriedade de cortar os gastos, explica o economista do Senado Leonardo Ribeiro, que estuda o tema há quatro anos. Ribeiro ressalta que essa prática institucionalizada como regra passou a ser adotada por vários países depois da crise financeira internacional de 2008.

Antes da crise, alguns países da Europa, como Dinamarca, Finlândia, Reino Unido, e a Austrália, já usavam esse modelo. Mas foi depois do terremoto financeiro que a maioria dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) passou a adotar a revisão. Historicamente, o Brasil tem dificuldade em cortar despesas e renúncias fiscais. Um ponto de partida importante foi essa semana inclusão da necessidade de uma revisão periódica de gastos no relatório da Comissão Mista do Congresso da covid-19. Pode ser um começo. Ou recomeço.


Adriana Fernandes: Dois tetos, duas medidas

Muitos dirão que a economia com os privilégios da alta burocracia não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?

As lideranças do Congresso que se reuniram há poucas semanas com o presidente Jair Bolsonaro num manifesto em defesa do teto de gastos e austeridade fiscal deveriam correr para aprovar o projeto que garante o cumprimento de outro teto: o limite previsto na legislação brasileira que impede os servidores de ganharem mais do que os ministros do Supremo.

Hoje, esse limite está em R$ 39,2 mil – valor considerado baixo pelo ministro Paulo Guedes – mas burlado à vista de todos pelo Poder que deveria fazer cumprir a legislação aprovada pelo Congresso.

É essa trapaça da lei – melhor dizer, escárnio – que abre as portas para os altos salários e privilégios.

É interessante notar que a defesa do teto de gastos tem sido feita por muitos em Brasília (até mesmo por aqueles que no fundo não o querem atravancando o seu caminho) e são os mesmos que apostam na reforma administrativa para consertar o RH do serviço público brasileiro. Esses “guardiões” do controle de gastos, porém, não querem mexer nos seus próprios tumores.

Temos dois tetos e duas medidas.

Os dois tetos, porém, estão intrinsecamente conectados para abrir espaço no Orçamento. Não dá para querer falar em quebrar o “piso” do teto de gastos (em bom português isso significa dizer em reduzir os gastos obrigatórios, por exemplo, com a desindexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários) sem mexer nos privilégios do “andar de cima” da burocracia.

Muitos dirão e, com razão, que a economia com o cumprimento do teto remuneratório não faz cócega no buraco fiscal. E daí? Não vamos começar?

Não se trata de “vilanizar” o servidor público, como os beneficiários desses privilégios tanto querem emplacar na narrativa oficial para vencer as suas teses. Estamos falando de desigualdades dentro do serviço público que a reforma administrativa enviada pelo governo não ataca de forma corajosa.

Quem ganha hoje R$ 60 mil vai querer perder R$ 20 mil do seu rendimento mensal?

São tantos “penduricalhos”, auxílios, gratificações, bônus… que a transparência sobre esse mundo a parte dos rendimentos da elite do funcionalismo é muito pequena. “Puxadinhos” salariais que nem se consegue calcular. Esses adicionais têm sido usados pelos órgãos públicos para turbinar a remuneração dos servidores fora da alçada do teto remuneratório.

Se não querem o teto remuneratório, que fique claro e mudem a legislação. Idem para o teto de gastos, que é hoje o maior empecilho aos planos do presidente Jair Bolsonaro de turbinar o Renda Brasil.

O que se fez e continua sendo feito é ampliar os penduricalhos e minar o teto remuneratório e também o teto de gastos E não é que, uma semana depois do envio reforma administrativa blindando a elite do funcionalismo civil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova gratificação para os juízes que tem potencial para turbinar ainda mais o custo médio de cada magistrado, hoje em R$ 50,9 mil mensais. A resolução foi aprovada na terça-feira na última sessão do ministro Dias Toffoli como presidente do Supremo e do CNJ.

Belo presente de despedida que Toffoli deixou para o seus pares. Os magistrados estão fora da reforma, como também procuradores e parlamentares.

Como bem pontuou a professora de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Gabriela Lotta em entrevista ao Estadão, o que chama mais atenção é que o Judiciário não se sente constrangido em aprovar agora a gratificação por resolução em meio à crise fiscal e todo esse debate em torno do cumprimento do teto de gasto. Não se falou em impacto fiscal. Os números não foram colocados na mesa.

O que sabe que com dados do próprio CNJ é que o custo médio de um magistrado para a administração pública está bem acima do que seria a sua remuneração bruta. O gasto por magistrado é calculado em R$ 42,5 mil mensais na Justiça do Trabalho, R$ 52 mil na Justiça Federal e chega a R$ 75,4 mil no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

“Todo mundo tendo que dividir o pagamento da conta dos nossos problemas fiscais e o Judiciário se vê no direito de pagar mais salário quando tem toda essa discussão do aumento da desigualdade no Brasil”, critica Lotta.

A população está certa de dizer não à reforma enquanto o “andar de cima” do funcionalismo não for alcançado. Que tal a Câmara aprovar logo projeto que está lá e já foi aprovado pelo Senado regulamentando o teto remuneratório para barrar os supersalários. Seria um bom começo para a reforma administrativa.


Adriana Fernandes: A boiada das reformas

O Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administrar até o final do ano

Em 2017, o Congresso fervia com o debate nacional em torno da reforma da Previdência. A PEC 287 tinha sido enviada pelo presidente Michel Temer no dia 5 de dezembro de 2016 no embalo da aprovação rápida da emenda do teto de gastos.

Enquanto todos os holofotes estavam voltados para as mudanças nas regras previdenciárias, apontada na época como a solução para a crise fiscal do País, a reforma trabalhista foi sendo construída e aprovada sem muitos obstáculos e debates nas duas Casas e na sociedade civil.

O relator da reforma, o ex-deputado tucano pelo Rio Grande do Norte e hoje ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, propôs mudanças em 100 pontos da septuagenária CLT.

De repente, quando se viu, a reforma já estava pronta e rapidamente a votação do projeto foi concluída em julho de 2017 pelo Senado. Já a PEC da reforma da Previdência só saiu do Congresso aprovada após três anos da primeira tentativa do governo Temer.

Mais tarde, a estratégia de negociação da reforma trabalhista – à sombra da “gritaria” que acontecia na discussão da Previdência – foi saudada pela base governista como extremamente hábil e bem-sucedida para iniciar o que as lideranças chamaram de novo ciclo de reformas estruturantes. Marinho perdeu a eleição em 2018, mas ganhou a parada ao ser alçado ao cargo de secretário do ministro Paulo Guedes e articulador principal do governo Bolsonaro para a reforma da Previdência. Hoje, é um dos ministros mais influentes do governo.

No meio desse caminho, até hoje, diversas pautas-bomba e inúmeros “jabutis” foram sendo aprovados, armados e desarmados a um custo elevado para as próprias contas públicas.

Em nome de reformas para garantir a sustentabilidade das contas públicas, uma penca de medidas com aumento de gastos foi aprovada. Maior contradição impossível.

O caso mais recente foi a votação do congelamento dos salários dos servidores públicos até dezembro 2021 e das restrições ao aumento de gastos com pessoal. Foi uma batalha longa até a manutenção do veto presidencial pela Câmara.

Na semana seguinte, a fatura já estava sendo cobrada: a Câmara aprovou a proposta que cria o Tribunal Regional Federal da 6.ª Região, com sede em Minas Gerais. Sem falar nas categorias que correram para garantir reajustes antes do congelamento com as bênçãos do presidente Bolsonaro.

Agora, se fala em parecer do próprio governo que flexibiliza as restrições impostas pela lei recém-aprovada.

A lembrança de 2017 se justifica agora porque várias propostas importantes e polêmicas estão tramitando ao mesmo tempo. A mais ruidosa delas, e que gera debates intensos nas redes sociais, a reforma administrativa que mexe com o funcionalismo público, chegou esta semana desidratada e com blindagem para a elite do funcionalismo e os altos salários.

A reforma administrativa entrou no Congresso como resposta à pressão externa, que incluiu uma mobilização bem articulada de uma frente de parlamentares e de setores da sociedade civil, mas também pela interdição branca que o setor produtivo tem feito na reforma tributária. Todo mundo diz que quer aprovar a tributária para acelerar o crescimento, porém, lá no fundo não é bem assim. Isso vale também para o governo que retirou o pedido de urgência para a votação da primeira fase da sua proposta de reforma enviada no mês passado.

Os maiores riscos desse cenário de múltiplas reformas e escolhas são: aprovar propostas como remendos sem eficácia alguma e abrir a porteira para a passagem de jabutis que minam ainda mais as contas do governo e também as instituições públicas, com o aparelhamento da máquina pública.

Depois da pressão para o envio das reformas, o Congresso tem agora o seu próprio Big Bang para administrar até o fim do ano. A reforma administrativa é só mais um item polêmico a compor a extensa agenda de propostas que estão no Senado e na Câmara sem uma definição de qual delas é de fato a prioridade número um de votação nos quatro meses que faltam para terminar 2020.

Para quem não acompanhou de perto o frenesi do noticiário econômico das últimas semanas, Big Bang foi o apelido dado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao anúncio de um pacote de medidas para a retomada da economia na fase pós-pandemia.

Reforma tributária? Reforma do “RH”? PEC do pacto federativo para corte de gastos? Renda Básica? Novos gatilhos para investimentos? Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Orçamento de 2021? Plano Mansueto para salvar os Estados com as finanças em frangalhos em 2021?

Tudo isso junto e misturado com a disputa pelas presidências do Senado e Câmara, a briga pelo protagonismo e as sessões ainda afetadas pela pandemia. Prato feito para a aprovação de jabutis e propostas malfeitas para “inglês ver”. Mas como inglês não é bobo nem nada, uma hora a ficha cai.


Adriana Fernandes: A caneta Bic de cada um

Bolsonaro parece estar caindo na tentação de que sua caneta pode tudo. Não pode.

O presidente Jair Bolsonaro costuma dizer que assina os documentos da Presidência com uma caneta Bic. Foi assim no termo da sua posse no cargo em janeiro de 2010 e segue nos dias atuais.

A pandemia da covid-19 encheu de tinta a caneta presidencial com bilhões de reais para gastos. São valores tão altos que muito provavelmente Bolsonaro não teria condições de assinar até o final de um eventual segundo mandato, caso consiga a sua reeleição para qual já está trabalhado desde agora.

Passados 20 meses de governo e cada vez mais confortável com a sua Bic, o presidente parece estar caindo na tentação que acomete muitas autoridades que desembarcam em Brasil. A de que a sua caneta pode tudo.

Não pode.

Quando essa visão chega à esfera orçamentária e o bom senso vai embora, o perigo ronda e acende os sinais de alerta da burocracia estatal.

O exemplo mais recente tem sido a discussão enviesada que tomou conta do Orçamento de 2021 na Junta de Execução Orçamentária, que define as diretrizes para a destinação e depois execução das despesas aprovadas pela lei orçamentária.

Primeiro foi a tentação de usar recursos via o orçamento de guerra da pandemia da covid-19 para bancar investimentos em obras de infraestrutura e outras tentativas para poder liberar mais dinheiro até o final do ano, quando as regras fiscais estão suspensas por conta do coronavírus.

Agora, o que se vê é a estratégia de reforçar a todo custo o orçamento do Ministério da Defesa em detrimento de outros gastos em áreas mais importantes, como saúde e educação.

Se não bastassem os gastos com a reformulação das carreiras militares, o presidente determinou um aporte ainda maior do já turbinado orçamento da Defesa. Como? Adiando o censo de 2020 previsto para 2022.

São cerca de R$ 2 bilhões a mais a custo sem precedentes para o trabalho de pesquisa do IBGE, o planejamento das políticas publicas e a transferências de recursos para Estados e municípios. A contagem populacional é determinante para a repartição. É bom lembrar que o censo, previsto para esse ano, já tinha sido adiado para 2021.

O risco de um novo adiamento, sem uma justificativa plausível, certamente pode levar a uma judicialização dos municípios que se sentirem prejudicados.

Como explicou o presidente do IBGE, distribuição do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) está congelada esperando o censo de 2020. “Isso é muito grave porque o censo de 2022 só vai ter resultado em 2023. Vai ter 13 anos sem nenhuma informação demográfica ”, disse o ex-presidente do IBGE, Roberto Olinto, ainda incrédulo com tamanha audácia do governo de fazer essa proposta, revelada em reportagem do Estadão dessa semana.

O que chamou atenção na decisão de ampliar em R$ 2,27 bilhões o orçamento para a área militar foi o comunicado da ampliação do Orçamento para os militares foi feito pelo secretário de Orçamento do Ministério da Economia, George Soares, em ofícios nos quais afirma que os pedidos foram feitos por Bolsonaro.

Quem conhece a burocracia de Brasília sabe que esse foi um ato de cautela e cuidado com assinatura da sua caneta Bic. Depois dos inúmeros processos abertos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no rastro das manobras contábeis da ex-presidente, conhecidas como pedaladas fiscais, que atingiram servidores da elite do funcionalismo, ficaram muitas sequelas.

As carreiras que compõem o Ministério da Economia, diferentemente da maioria de outras carreiras existem há muito tempo com servidores que foram recrutados em concursos muito difíceis, com os da Receita, Tesouro e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Um técnico experiente, por exemplo, não foi condenando por que tinha registrado nos seus e-mails todas as advertências feitas ao seu superior, o ex-secretário do Tesouro, Arno Augustin. Na época, os técnicos se rebelaram numa reunião, como está relatado no livro “Perigosas Pedaladas” do jornalista João Villaverde. Muitos desses processos ainda estão em andamento. Um deles com resultado recente, cinco anos depois das pedaladas.

Com certeza é de se imaginar que outras canetas Bic estão dando alertas ao presidente.


Adriana Fernandes: É o dinheiro das eleições!

O comando do Ministério da Economia não ofereceu resistências à MP e não viu problemas no uso de créditos extras

É a pressa do calendário político que move o acordo do presidente Jair Bolsonaro com lideranças partidárias do bloco do Centrão para enviar ao Congresso uma Medida Provisória (MP) que abre um crédito extraordinário de cerca de R$ 5 bilhões para custear investimentos em infraestrutura e ações indicadas por parlamentares.

Esse tipo de crédito é uma das poucas exceções possíveis para que despesas fiquem livres de qualquer limitação imposta pelo teto de gastos e pode ser feito por meio de MP. É com esses créditos que o governo tem liberado recursos para o enfrentamento da covid-19 no chamado orçamento de guerra.

Em ano eleitoral, os parlamentares querem mesmo é ver recursos na mão e bem rápido. Simples assim. A pandemia do coronavírus é só o pano de fundo. Não há uma política coordenada, bem desenhada e planejada de investimentos públicos para estimular a retomada econômica, como defendem muito economistas de dentro e fora do governo.

Como o Palácio do Planalto argumenta que a quantia de R$ 5 bilhões não é tanto dinheiro assim e que há espaço fiscal, Bolsonaro bem que podia tentar um remanejamento de recursos do Orçamento via crédito suplementar.

O problema técnico e político do crédito suplementar é que ele tem que ficar dentro do teto e só pode ser aberto se cancelar outra dotação orçamentária. Pelo valor proposto, o mais provável é que a liberação dos recursos exigisse, ao final, projeto de lei e não a edição de um decreto. Levaria, portanto, mais tempo, o que os políticos não têm.

Bolsonaro teria que mandar o projeto pelo Congresso e, dessa forma, enfrentar mais negociações por causa do controle da pauta de votação. Mas há urgência para gastar tudo até dezembro, e não deixar restos a pagar para 2021, que são aquelas despesas transferidas de um ano para o outro.

O comando do Ministério da Economia não ofereceu resistências à MP e não viu problemas jurídicos no uso de créditos extraordinários embasado nas regras do orçamento de guerra. Pelo contrário, divulgou nota apontando sua posição de que a medida está em consonância com a legislação.

Segundo o ministério, o orçamento de guerra permite a ampliação de gasto sem 2020 desde que respeitado o “princípio exclusivo de enfrentar a calamidade e suas consequências econômicas e sociais”. Técnicos especialistas em Orçamento questionam, no entanto, o fato de a Constituição restringir o uso a “despesas imprevisíveis e urgentes”.

Aliás, é bom lembrar que o acordo da MP foi acertado no encontro “histórico” desta semana entre Bolsonaro, ministros, lideranças políticas e os presidentes do Senado e da Câmara. Na reunião, o ministro Paulo Guedes conseguiu o apoio que queria depois da “debandada” da equipe que fragilizou a sua agenda liberal. No encontro, todos reafirmaram o compromisso com o teto e a tal responsabilidade fiscal.

Mas só que não.

O que está em curso é uma negociação para gastar mais em 2021. Os lados estão fazendo os seus acertos e a forma de fazê-lo. Para muitos observadores da cena política em Brasília, está cada vez mais claro que essa mudança acontecerá mais cedo (2020) ou mais tarde (2021), com ou sem Paulo Guedes.

Será com ou sem dor. Sem dor: mudando o teto logo por meio de tampão. Com dor: como tenta o ministro da Economia, acionando gatilhos de medidas automáticas de corte de despesas, como proibição de criação de despesas obrigatórias, eliminação de renúncias e gastos com pessoal e programas com o abono salarial.

Os gatilhos são tão duros e demandará muita articulação política para aprová-los. Os líderes vão querer enfrentar esse desgaste ou farão corpo mole? Nada mais urgente do que construir essa saída e com planejamento até para não faltar dinheiro para saúde e programas sociais em 2021 – esse, sim, os problemas mais urgentes.

O tamanho do ajuste de rota veremos mais à frente. Vai depender da empolgação do presidente com o aumento da popularidade e dos compromissos que estão acertados com os parlamentares do Centrão.

Bolsonaro quer chegar vivo em 2022 e com gás para sair vencedor nas eleições. Depois é que são elas.


Adriana Fernandes: Cadê a bússola?

Teto de gastos está caindo de maduro com todos os movimentos que têm ocorrido em Brasília

Após quase cinco meses dos efeitos da pandemia no Brasil, já era tempo de o governo ter apresentado um mapa de navegação para os gastos na travessia deste segundo semestre. Isso inclui um plano efetivo de transição do auxílio emergencial de R$ 600.

Um planejamento mínimo do que pretende fazer até o fim do ano, inclusive para os que estão recebendo os diversos auxílios do governo (pessoas físicas, empresas e governos regionais), quando está previsto o fim do estado de calamidade decretado por conta da pandemia.

Quanto se espera gastar? Tirar o País do escuro e dizer de fato o que quer fazer com o teto de gastos e as prioridades para os próximos meses. Aumentar a previsibilidade. Não teria sido melhor traçar uma estratégia clara e objetiva até o fim do ano, como recomendaram os especialistas?

Mais do que nunca é preciso insistir na mesma tecla (o assunto já foi abordado na coluna da semana passada) porque só piora empurrar a discussão para debaixo dos panos. Muito menos por meio de balão de ensaio, com consultas mandrakes no TCU e tentativas atabalhoadas lançadas por aliados no Congresso, inclusive com propostas de prorrogação da calamidade para 2021 – o que garantiria a retirada das travas fiscais também no ano que vem.

Como se viu nas últimas semanas, o Tesouro já sofre com o encurtamento da dívida. Investidores estão no escuro porque não querem comprar os títulos públicos, que financiam a dívida e colocam dinheiro no caixa, sem saber qual é o compromisso do governo para a recuperação econômica no curto e médio prazos. O problema de liquidez é preocupante.

É tema técnico, árido, quase burocrático, mas de enorme importância porque afeta a maneira pela qual o governo pretende encaminhar o Orçamento de 2021. Perdoem alguns, mas o assunto tem efeito na vida da população.

A encruzilhada está logo ali, no fim de agosto, quando o governo terá de enviar o projeto de Orçamento de 2021. Por isso, o tema “aumento de gastos” ganhou nos últimos dias a dimensão que teve. Viralizou em Brasília.

É pressão por todos os lados. Desta vez, nem os militares que costumam tachar tudo de secreto escondem mais o jogo: queremos e cobramos mais dinheiro para as Forças Armadas. Ponto pacífico. Vão ganhar.

Como ainda não conseguiu viabilizar o Renda Brasil, o seu programa social e também uma plataforma eleitoral rumo a 2022, o presidente dá corda para os seus auxiliares e líderes lançarem os seus balões de ensaio.

O teto é um empecilho para os planos e o TCU avisou esta semana que não vai aceitar manobras no orçamento de guerra aprovado na pandemia para enfrentar a covid-19 para driblar o teto de gastos. O recado foi dado, durante sessão virtual da Corte de Contas, pelo ministro Bruno Dantas, que é responsável pelas contas do Ministério da Economia. Foi o mais importante alerta até agora.

Uma saída que passou a ser discutida é a aprovação de uma espécie de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para definir o caminho do orçamento de guerra em 2021.

Bolsonaro quer fazer a mudança do teto via mão do Congresso. Se der errado o plano de estimular a economia com a flexibilização fiscal, a responsabilidade será dos parlamentares. A prática comum até aqui do presidente tem sido a de transferir responsabilidades. Essa não será a primeira vez.

O que se vê até agora é que o teto de gastos está caindo de maduro com todos os movimentos que têm ocorrido em Brasília.

Até os mais fiscalistas dentro do próprio governo concordam nesse ponto e vão além: a certeza de que será preciso aumento de impostos. Esse caminho já estaria “contratado” na reforma tributária, mesmo com o discurso do governo e do Congresso de que não haverá aumento da carga tributária.

Muitos vão dizer que o trabalho tem sido intenso na pandemia. É verdade. Mas falta organização das prioridades e sobra desgaste com coisas de menor importância.

A essa altura do avanço da pandemia, após o presidente recomendar à população “tocar a vida para buscar uma maneira de se safar desse problema”, mesmo diante da perspectiva de que o Brasil atinja a trágica marca de 100 mil mortes pelo coronavírus, fica mais difícil convencer que precisará de regras fiscais mais brandas para gastar mais em nome da pandemia que ele mesmo nega todo o tempo.