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Adriana Fernandes: Quem vive e quem morre

O orçamento “paralelo”, para apartar os gastos da crise, é uma boa ideia

O enfrentamento da grave crise econômica provocada pela pandemia da covid-19 não pode se transformar numa disputa política de quem dá mais dinheiro. Dos “R$ 3 bilhões, R$ 4 bilhões ou R$ 5 bilhões” anunciados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, no último dia 13 de março, para “aniquilar” o coronavírus, o governo passou nesta sexta-feira para uma promessa de injeção de R$ 700 bilhões na economia brasileira nos próximos meses.

Entre a primeira resposta da equipe econômica à crise até a nova cifra, passaram-se 14 dias. Mudança louvável e tomara que ainda tenha chegado a tempo de mitigar o cenário devastador já em curso no Brasil e no mundo.

Que se gaste todo dinheiro necessário para salvar vidas, o emprego dos trabalhadores e impedir uma quebradeira geral.

Mas a hora agora é também de foco e muita transparência. Mas muita transparência! Ainda estamos longe dela. Medidas foram anunciadas pelo governo sem o texto legal pronto, no afã de dar respostas à cobrança crescente por ação.

É preocupante demais a tentativa do presidente de restringir os instrumentos da Lei de Acesso à Informação (LAI), justamente agora. Péssimo sinal.

Não pode haver drible na contabilidade e muito menos espaço para escolhas do tipo “quem vive e quem morre”.

Vale para as pessoas e também para as empresas. Em crise passadas e ainda muito presentes na memória, muitas escolhas foram feitas para beneficiar os amigos do rei. O presidente Jair Bolsonaro tem também seus empresários de estimação – apoiadores de sempre. Muitos deles dos setores mais afetados pelo isolamento forçado e a paralisação do comércio.

Nos primeiros dias de enfrentamento das crises econômicas de grande magnitude, como a que vivemos agora, é comum a confusão inicial na busca pelo caminho das medidas. Faz parte do processo. Agora, com o risco de contaminação, a tarefa é ainda mais complicada.

É por isso que o momento exige ação forte da política fiscal, com expansão dos gastos, mas também muita visibilidade de como essa montanha de dinheiro será gasta e o seu tamanho real. Se o Tesouro capitalizar os bancos públicos, tudo tem que estar bem visível.

A sociedade precisa saber com clareza o que está empenhando dos seus recursos para combater a crise do novo coronavírus. E precisa estar informada para combater o oportunismo que pode surgir durante esse processo.

Com lupa, essas horas cruciais serão mapeadas no futuro. A ajuda tem que ser feita com máximo cuidado para que não haja direcionamento, discriminações e muito menos transferência de dinheiro para quem menos precisa agora.

Por isso, o orçamento “paralelo”, para apartar os gastos da crise, é uma boa ideia. Para isso, a PEC do “orçamento de guerra” articulada pela Câmara é a ideal, mais abrangente e com melhor controle para a sociedade.

Empurrado pela pressão do Congresso e da sociedade, o governo acordou e começou a dar sinais nessa sexta-feira de que deixa para trás a morosidade, com o anúncio de medidas mais potentes. O time de Guedes e os presidentes dos bancos públicos negociaram um plano de salvamento.

A cartilha liberal dos “Chigago Oldies” foi colocada na gaveta. Há um ano, o discurso da equipe econômica era deixar Caixa, Banco do Brasil e Petrobrás “bem magrinhas”. Quem não lembra?

A estratégia da equipe econômica era essa, para depois privatizar essas estatais, num eventual segundo mandato do presidente Jair Bolsonaro. Esses planos devem passar uma revisão mais tarde?

Bancos públicos, principalmente a Caixa, que é a ponte principal do governo com a população de baixa renda e vulnerável, assumem um papel essencial na crise. Os bancos privados, como se viu na última semana, se fecham até que o governo vá lá e abra as portas para eles.

O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, terá que conduzir esse momento com zelo e cuidado para defender a sustentabilidade do banco, que está muito líquido.

O momento é de guerra.


Adriana Fernandes: Oportunistas da crise

Respostas têm sido lentas por causa das picuinhas tão ao gosto dos nossos governantes

Primeiro, a negação dos riscos da epidemia e briga com o Congresso. Agora, o embate político entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores – muitos deles seus adversários políticos declarados nas próximas eleições – retardam uma ação coordenada de Brasília com os Estados para garantir a produção de alimentos, medicamentos e, acima de tudo, logística para que itens básicos cheguem aos brasileiros em isolamento domiciliar devido ao alastramento da covid-19.

A logística para garantir o transporte dos produtos depende do bom diálogo entre todos. Basta de palavras de efeito como as de que não faltará “arroz, feijão e carnes”.

As pessoas querem se sentir seguras e ver as medidas efetivas. O pico da epidemia ainda não chegou e os próximos meses serão muitos duros, como relatou o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
As respostas têm sido lentas também por causa das picuinhas políticas tão ao gosto dos nossos governantes atuais. O que se vê é uma corrida insana para quem fica melhor na foto.

O presidente só tomou a decisão de pedir ao Congresso o reconhecimento da calamidade pública, na noite de terça-feira passada, quando viu que o Congresso tomaria a medida na sua frente. Logo depois de o senador José Serra (PSDB-SP) comunicar que estava com um decreto legislativo para ser apresentado imediatamente, o presidente agiu.

No mesmo dia, o presidente da Câmara (DEM-RJ), Rodrigo Maia, também já havia antecipado em entrevista ao Estado muitas das medidas que seriam anunciadas no dia seguinte pela equipe econômica. Bolsonaro começou a agir empurrado por todas essas circunstâncias.

Até então, o governo estava se debatendo sobre o que fazer: mudar a meta fiscal de resultado das contas públicas ou decretar a calamidade para ampliar os gastos necessários. Só depois da decisão é que o Ministério da Economia começou a disparar o anúncio de medidas para atender os informais, a população de baixa renda e antecipação do seguro-desemprego para uma parcela dos empregados. Nenhuma delas, porém, foi ainda efetivamente publicada.

Em meio ao caos dos últimos dias, só ontem o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, em entrevista dada para a repórter Amanda Pupo, do Estadão/Broadcast, falou em formar um conselho de secretários de transporte dos Estados para ações coordenadas de enfrentamento ao novo coronavírus, e evitar “voluntarismo inadequado”.

Após o reforço no atendimento da saúde, dos hospitais, dos profissionais da área médica, a produção e a logística de distribuição são centrais.

O ministro Tarcísio Freitas calculou 54 decretos de Estados e municípios com medidas na área de transporte. Bolsonaro reclama dos governadores e prefeitos.

O tom do presidente foi belicoso, o que ampliou o desgaste desnecessariamente. Na ausência de diálogo com o Palácio do Planalto, de onde o presidente Bolsonaro resistiu até quando pôde (ou, melhor dizendo, até onde sua popularidade despencou), governadores e prefeitos começaram a agir por conta para proteger seus moradores. Quem pode culpá-los?

É bom lembrar que a demora de ação também parte dos governadores de grandes centros urbanos preocupados com o tombo da atividade econômica e, consequentemente, na arrecadação. Foi assim com São Paulo, que saiu depois na reação.

É preciso registrar também que a preocupação da equipe econômica com o tombo da atividade retardou a adoção de medidas mais duras no fechamento de fronteiras, comércio e serviços para o isolamento forçada dos brasileiros.

Algumas medidas que já tinham sido tomadas por outros acabaram sendo replicadas por decisão de governadores e prefeitos, o que gerou novo motivo de discórdia política.

É torcer agora para que essa disputa não atrapalhe e retarde a organização do socorro federal aos Estados e municípios para o atendimento à população nesse momento tão dramático para o Brasil e o mundo. É para ontem.

A crise não pode servir, no entanto, para oportunistas de plantão botarem a faca no pescoço do Tesouro. Todo cuidado é pouco para afastar essa gente.


Adriana Fernandes: Governo ainda vai precisar botar a mão no bolso para socorrer mais vulneráveis

Boa parte das medidas anunciadas pelo governo é mera antecipação de algo que já ia ocorrer nos próximos meses

O pacote de R$ 150 bilhões do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem cifra elevada, mas é muito, muito tímido no socorro à população mais vulnerável, de baixa renda. Como antecipou o Estado, o governo anunciou um reforço de R$ 3,1 bilhões ao programa Bolsa Família para acabar com a fila.

Não é suficiente. O foco terá que ser também naquelas famílias que recebem regularmente o dinheiro do programa. São os mais pobres que vão precisar de mais ajuda. Estarão expostos à contaminação, têm menor acesso à saúde e as crianças e jovens carentes dependem, sobretudo, da merenda escolar.

Esses jovens passarão a ficar em casa após a suspensão das aulas em diversos Estados. Muitas delas fazem a principal refeição na escola e podem ficar sem acesso a uma refeição completa.

A injeção de recursos terá que ser direta, como uma adicional extra para quem já recebe o benefício assistencial. O governo anunciou que o reforço de R$3,1 bilhão é para incluir mais 1,2 milhão de pessoas no programa. Mas a medida não dá para compensar a fila de espera do Bolsa Família, que alcança mais de 3 milhões de pessoas, de acordo com levantamento feito de forma conservadora pelo Estado.

Nessa primeira leva do pacote, a estratégia foi acionar medidas com menor impacto das contas públicos, sem adicionar dinheiro extra em relação ao que já estava planejado anteriormente. Boa parte das medidas é mera antecipação de algo que já ia ocorrer nos próximos meses. Isso vale para o adiamento do pagamento de tributos. Não há renúncia.

As regras fiscais atuais impedem renúncia fiscal sem a compensação com corte de despesas ou aumento de tributo. Essa é uma dificuldade a mais nesse momento de crise.

O governo quer garantir - por enquanto – uma travessia para as empresas menos desfavorável nos próximos três meses. Evitar demissões de trabalhadores em massa.

A engenharia com o dinheiro não sacado do PIS/Pasep que será transferido para o FGTS garante o saque emergencial e deve ajudar muito. Mas o governo ainda vai precisar botar a mão no bolso. A magnitude dessa necessidade é uma incógnita. Por isso, a dificuldade do governo em definir quanto vai precisar mudar a meta fiscal e aumentar o endividamento em 2020. As medidas mais potentes ainda não foram tomadas e quase tudo depende do apoio do Congresso.


Adriana Fernandes: Até quando?

Não há um momento de trégua entre o governo e os líderes do Congresso

É inacreditável que depois de a pandemia do coronavírus mostrar a sua cara no Brasil, ameaçando a população e derrubando o Produto Interno Bruto (PIB) do País, ainda se veja uma sequência de bate e apanha entre governo e Congresso.

Não há um momento de trégua entre as duas partes para, juntas, traçarem uma estratégia de votação de projetos importantes para o País segurar o tranco enquanto os efeitos da pandemia estiverem por aí.

Dane-se a população.

Um plano de contingência para as próximas votações já deveria estar sendo traçado. E não só para avançar nas ditas reformas, mas também para a votação dos créditos extraordinários e as medidas de curto prazo que o governo deverá enviar ao Congresso para atender as necessidades mais urgentes do combate do vírus em várias frentes.

De um lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cobra de Paulo Guedes responsabilidade para anunciar um plano organizado e eficiente. Em seguida, Guedes responde a Maia cobrando do Congresso avanço das reformas.

Assim, os dias estão se passando sem que nada aconteça de fato. Só elencamos até agora frases de efeito de cada lado, que alimentam os cliques das redes sociais.

Alguém já se perguntou como ficará o quadro se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), tiver que suspender as sessões?

Parlamentares com mais idade, preocupados com o risco de contaminação, já pediram ao presidente Alcolumbre que tome essa decisão.

Mesmo de forma precária e desorganizada, a equipe econômica, que conta na sua retaguarda com técnicos de carreira experientes (muitos já passaram pelas últimas grandes crises em vários governos do PSDB, PT a Bolsonaro), começou a organizar a sua reação. E a Câmara e o Senado? Em outros países o Parlamento está ajudando. A responsabilidade é de todos.

Quem viveu a crise financeira internacional de 2008, que abalou os alicerces do mercado financeiro mundial, lembra que a reação brasileira à crise não foi assim tão imediata. As medidas foram surgindo. É um processo, mesmo. Cheio de trancos.

Apesar da urgência do momento, não se tira medidas de socorro, com implicações diversas na economia, da noite para o dia.

As primeiras medidas já foram anunciadas. O mais importante nesse primeiro momento é garantir todo dinheiro necessário para que população tenha acesso a tratamento eficiente nos hospitais públicos; que, caso haja uma expansão do coronavírus, com a necessidade de maior isolamento das pessoas, não falte comida e produtos de primeira necessidade.

Crédito, socorro e subvenções temporárias vão aparecer no cardápio, se a crise piorar. Que ninguém se engane disso. Mas precisa ser de forma organizada.

É bem verdade que o presidente Jair Bolsonaro atrapalha o avanço da agenda econômica. Isso não é novidade. Assinou um projeto que selaria um acordo com o Congresso para o impasse em torno das novas regras do Orçamento, que dão mais poder ao relator, Domingos Neto (PSD-CE), e depois voltou atrás.

Dar mais poder ao relator do Orçamento, mesmo diminuído as suas emendas de R$ 30 bilhões para R$ 15 bilhões, significa dar mais poder a Maia, Alcolumbre e aos seus líderes e retirar dos parlamentares que são opositores a eles no Congresso.

É preciso ficar claro que a guerra pelo poder de mando do dinheiro do Orçamento não é só entre Bolsonaro-Guedes versus Congresso. É uma briga também entre o alto e o baixo clero.

À medida que as regras do Orçamento impositivo foram sendo construídas ao longo dos últimos anos (vale muito a pena a leitura do material especial produzido pelo portal do Estado na internet sobre a linha do tempo desde a sua semente em 2009), os mecanismos de controle dos líderes por meio das emendas também diminuíram.

Com um governo medíocre na articulação política, o alto clero abocanhou para si uma fatia maior do Orçamento por meio das emendas de relator. O relator representa o alto clero. É, por isso, que a briga continua. Bolsonaro, Guedes, Maia, Alcolumbre, baixo clero. Já estamos na metade de março. Até quando?


Adriana Fernandes: Espiral negativa na economia

Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira; nega-se a assumir protagonismo na agenda

O governo deveria deixar de lado urgentemente o debate sobre a separação da composição do PIB privado x PIB público, que ganhou força pelas redes sociais após a divulgação do resultado de 1,1% de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2019.

Alimentar e estender a polarização também na área econômica, com propaganda política disparada pelo Palácio do Planalto, é irritante e tira o foco do que é principal neste momento: estancar a espiral negativa que abala a economia brasileira nos últimos dias. É uma distração desnecessária.

A espiral, sim, é assustadora. O dólar em alta e a saída rápida de dinheiro do País dão o tom do momento. O ambiente doméstico ruim se soma ao cenário desafiador provocado pelo impacto negativo na economia mundial do alastramento da epidemia do novo coronavírus.

Num piscar de olhos, a economia pode afundar e perder até mesmo o pouco crescimento que temos para hoje e que é justamente alvo das críticas. É isso que se quer?

São muitos os problemas a serem encaminhados nas próximas 15 semanas (até que o Congresso pare de vez por conta das eleições). O ministro da Economia, Paulo Guedes, está perdendo a cada dia nacos grandes de confiança que o setor privado lhe conferiu desde o início do governo.

O presidente Jair Bolsonaro só joga lenha nessa fogueira. Nega-se a assumir protagonismo na agenda e ao mesmo tempo pressiona por resultados rápidos na economia para se reeleger. Faz sentido?

É com estupefação que assistimos Bolsonaro, mais uma vez, criticar o trabalho da Receita Federal, minando o órgão que é responsável por colocar dinheiro no caixa. O que pode acontecer a um país onde os contribuintes não confiam na capacidade do Fisco de arrecadar? Aumento da sonegação e cofres mais vazios.

É, portanto, de natureza menor a polêmica encabeçada pela Secretaria de Política Econômica (SPE) sobre a composição do PIB usada nas propagandas.

Estamos naquele momento difícil em que a pergunta que mais se faz em Brasília é a seguinte: Paulo Guedes vai abandonar o barco? No momento, o ministro não dá sinais de que fará isso. Mas a sua equipe dá sinais, sim, de ter perdido a direção. Ou Guedes toma as rédeas do seu plano, ou acabou o ano para a equipe econômica, sem nem mesmo ter começado. Sinalização ruim e ainda não explicada foi o presidente ter retirado competências dadas a Guedes na gestão do Orçamento.

Que motivo teríamos para ter um crescimento mais robusto? Os canais monetários, via redução de juros, estão enferrujados. Os canais fiscais (recursos orçamentários para investimentos), atrofiados. Os canais extrafiscais (como o dinheiro do FGTS) estão se exaurindo. Produtividade estagnada e demanda fraca.

É difícil ter reforma sem apoio do governo. A União é a única que pode negociar e compensar perdas na arrecadação com o Congresso. O que vai gerar crescimento são projetos que valorizem os ativos no presente.

As reformas continuam sendo importantes, por mais que os opositores da política econômica atual insistam em retirar a importância delas neste momento. Não há política econômica que vá resolver o problema do PIB baixo em um ano, dois anos.

Reformas não são só aquelas estruturantes, como a tributária e a administrativa, defendidas pelo Ministério da Economia. O Congresso deveria ir a fundo numa ampla reforma regulatória para limpar o caminho para o investimento. Isso não é ladainha. As reformas são fundamentais. São pré-requisito.

O presidente Jair Bolsonaro piora o clima com sua postura irresponsável.

Por outro lado, a dinâmica negativa pode ser revertida. Ela pode fazer o Congresso acordar e abrir uma oportunidade para trazer as coisas a um nível de razoabilidade maior, permitir avanços em pautas boas, como por exemplo, o projeto do saneamento, a reforma tributária. A agenda econômica não pode perder fôlego. Procura-se o bombeiro.


Adriana Fernandes: Uma ‘pedalada social’?

O represamento das filas é um problema orçamentário de grande complexidade

Mais de 5 milhões é o número de brasileiros que aguardam na fila de pedidos para ter acesso aos programas sociais do governo e benefícios previdenciários. São 1,379 milhão de pessoas nos bancos do INSS e 3,621 milhões esperando por uma resposta do programa Bolsa Família.

A crise do represamento das concessões é um problema social de extensa gravidade e com enorme consequência para o País. Não só no curto prazo. As crianças mais novas, os idosos e as pessoas com deficiência de baixa renda, aquelas mais miseráveis, são os mais atingidos pelo colapso no gerenciamento da fila.

Era de se esperar, portanto, que as autoridades brasileiras estivessem mobilizadas num gabinete de crise para encaminhar uma solução para mitigar o problema diante das cobranças do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União.

Ao contrário, não se vê nenhuma autoridade empenhada verdadeiramente em assumir a liderança da condução do processo. Há 44 dias (é isso mesmo), o governo anunciou que iria contratar até 7 mil militares da reserva das Forças Armadas para auxiliar no atendimento das agências do INSS.

Em acordo fechado com TCU há algumas semanas, o governo anunciou que iria estender a contratação temporária para servidores aposentados do INSS. O fato é que o tempo passou e, até agora, nada da edição de medida provisória (MP) pelo presidente.

No Bolsa Família, a espera também continua. O novo ministro da Cidadania, Onxy Lorezzoni, prepara o redesenho do programa sem antes dar transparência aos dados sobre o seu enxugamento. A falta de transparência nos números é inaceitável.

O governo mente sobre os dados do programa. A resposta do novo ministro tem sido a de que o governo quer fazer do Bolsa uma importante ferramenta de construção de cidadania “com larga porta de entrada e mais larga porta de saída”.

Há a promessa de entregar mais de 200 mil concessões. Especialistas, porém, alertam que essa entrega resulta somente de um processo administrativo de cancelamentos expressivos, porem esporádicos. E que, portanto, não atenua o problema.

O governo teve de remanejar recursos do Orçamento para pagar o 13.º salário do Bolsa Família em dezembro – promessa eleitoral do presidente. A promessa foi cumprida à custa do represamento das novas concessões.

Como a fila do INSS continua, há uma “economia” temporária com o pagamento de muitos benefícios que já deveriam estar sendo feitos. Isso permite, no curto prazo, o remanejamento de recursos para financiar gastos de outras áreas. Uma hora essa conta vai aparecer. É uma bola de neve. A pergunta que fica: o governo está preparado para esse aumento de gasto mais à frente?

Os críticos do governo apontam que se trata de uma “pedalada social”. Técnicos do governo rebatem, porém, que não há conexão nenhuma com as famosas “pedaladas fiscais” da ex-presidente Dilma Rousseff.

Até agora, é certo que além de social, o represamento da fila é um problema orçamentário de grande complexidade.

O gargalo tem gerado um princípio de colapso na rede de assistência social de municípios, sobretudo os pequenos e médios. Sem o dinheiro do Bolsa Família, a população se vê forçada a bater à porta das prefeituras em busca de comida e outros auxílios. São os chamados benefícios eventuais, demandas que sobrecarregam as combalidas finanças das prefeituras.

Os eleitores nos locais mais precários do País muitas vezes não sabem que o problema parte de Brasília, do governo federal. Para eles, a culpa é do governo mais próximo. Em ano de eleições, seria essa uma estratégia meio tosca para mudar o mapa dos municípios e varrer os opositores?

Enquanto a crise da fila se agrava, governo e Congresso travam uma disputa sangrenta pelo dinheiro do Orçamento que compromete as solução dos problemas mais urgentes.


Adriana Fernandes: A teia do desastre

Se pressão por reajuste salarial das polícias prosperar e se espalhar por todo o País, impacto do que acontece agora em MG e CE cairá bem no colo do ministro da Economia, Paulo Guedes, e no bolso de todos os brasileiros

O problema da pressão por reajuste salarial das polícias nos Estados é político, policial, jurídico e é também profundamente econômico.

Se o movimento prosperar num efeito cascata e se espalhar por todo o País, o impacto do que acontece agora em Minas Gerais, Ceará e em pelo menos mais dez Estados cairá bem no colo do ministro da Economia, Paulo Guedes, e no bolso de todos os brasileiros.

Não há dúvida de que o resultado será o comprometimento da sua principal diretriz de política econômica: consolidar o ajuste das finanças públicas. A consequência seguramente será desastrosa.

A responsabilidade maior neste momento é de Jair Bolsonaro que, como deputado e, agora, como presidente da República não tem barrado as ações que seus apoiadores patrocinam nesse movimento.

Em 2017, o Estado publicou a seguinte manchete: Rede de Bolsonaro na teia do motim. Era período de carnaval, como agora. Um grupo político ligado ao então deputado federal Jair Bolsonaro esteve na linha de frente da comunicação e da logística do motim que parou a Polícia Militar do Espírito Santo e que foi influenciado por um sofisticado sistema de mensagens pelas redes sociais e WhatsApp.

Na época, o Espírito Santo viveu um quadro de “terrorismo digital” por meio da disseminação de informações falsas e boatos com o objetivo explícito de deixar a população em pânico. Um grupo de especialistas em comunicação digital identificou que o movimento teve apoio nas redes sociais e que 80% das mensagens partiram de pessoas e redes de fora do Estado.

Assim como neste carnaval, em 2017, tudo estava pronto para o movimento se espalhar, nos dias seguintes, para outros Estados do Nordeste. O processo foi interrompido depois que os líderes do movimento capixaba foram presos. É justamente durante a festa do carnaval que as cidades precisam de força de segurança turbinada, com escala especial.

O que está acontecendo neste carnaval em vários Estados é muito semelhante. O mais grave é que pode se tratar de uma continuidade daquele movimento. Até o momento, não se vê nenhuma manifestação do presidente, que tem forte influência nessa categoria e a protegeu na reforma da Previdência, para conter o seu avanço.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zuma, do partido Novo, não conseguiu enfrentar a pressão. Cedeu ao enviar projeto de lei à Assembleia com reajuste de 41,7% para todas categorias das polícias civil, militar, bombeiros e agentes penitenciários que já provocou um efeito cascata que ameaça o ajuste fiscal das contas dos Estados e as negociações do novo programa de socorro financeiro planejado pelo governo federal.

Os deputados mineiros foram além: estenderam para 70% do funcionalismo o aumento salarial. Zuma deu um tiro no pé do seu governo. Morreu para ele. Se não tiver habilidade e apoio político para recuar, o Estado não terá como ingressar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o socorro financeiro da União.

Quem se lembra do caos nos serviços públicos no Rio de Janeiro, antes de conseguir o socorro federal? Servidores, com salários atrasados, recebendo na rua comida como doação?

Zema mentiu para seus eleitores quando afirmou ontem, pelo Twitter, que o impacto financeiro do projeto de reajuste salarial encaminhado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais estava em conformidade com o atual entendimento do Tribunal de Contas sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Um Estado quebrado não pode dar reajuste. Com certeza, o reajuste de Minas vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). O aviso já foi dado pelo relator das contas do presidente Jair Bolsonaro no Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro Bruno Dantas.

Nas redes sociais, Dantas publicou mensagem prevendo que será inevitável que o Supremo aprecie a recente leva de reajustes salariais de servidores públicos dos Estados sob a perspectiva da LRF.

É preciso dar logo um basta no foco de pressão de reajustes. Esse é um gasto permanente no orçamento dos governadores. Essa pressão está sendo embalada pelas eleições deste ano e também pelo dinheiro em caixa proporcionado pela arrecadação do leilão do petróleo do ano passado. É preciso entender que o aprofundamento da crise financeira dos Estados representa um problema gravíssimo com consequências severas para todo o País. Um desastre que está sendo contratado.

* É jornalista


Adriana Fernandes: Meta fiscal vai mudar

Governadores e prefeitos pressionam para elevar limite de empréstimos em 2020

O Ministério da Economia vai propor ao Congresso Nacional uma mudança na meta fiscal dos Estados e municípios deste ano. A alteração será necessária para permitir que governadores e prefeitos tenham o mesmo limite do ano passado para contrair empréstimos nos bancos e garantir dinheiro novo no caixa.

A meta fiscal para Estados e municípios de 2020 foi fixada em um superávit de R$ 9 bilhões. Esse esforço fiscal deve cair para próximo de zero para acomodar os empréstimos que serão feitos esse ano. É que, com dinheiro em caixa, os governadores e prefeitos tendem a gastar mais diminuindo o esforço fiscal.

Com a mudança, a meta de déficit de R$ 118,8 bilhões para todo o setor público (União, Estados e municípios) vai piorar. Mas a equipe econômica quer garantir que o limite para a contratação de novos empréstimos com e sem aval da União seja o mesmo do ano passado, entre R$ 20 bilhões e R$ 22,5 bilhões. Nem mais nem menos.

A coluna apurou que a meta de superávit de R$ 9 bilhões dos governos regionais não comporta esse limite. Ela teria que cair para menos de 50% em 2020 para repetir o espaço de empréstimos do ano passado. O argumento da área econômica apresentado aos presidentes da Câmara e Senado para propor a mudança é que, quando a meta foi fixada, no ano passado, havia uma perspectiva de um volume menor de empréstimos.

A expectativa até então era que o chamado Plano Mansueto de socorro financeiro aos Estados e municípios tivesse sido aprovado, permitindo um volume maior de empréstimos no ano passado. O que se esperava era que a demanda deste ano ficasse menor. Como o projeto não foi aprovado, a demanda continua represada e o diagnóstico é que não dá para ter uma queda abrupta já que os planos foram traçados.

Em ano de eleições, a equipe econômica quer evitar que o limite seja expandido para um valor acima do que vem sendo praticado nos últimos anos, justamente no período eleitoral.

Todos os anos o governo estipula um limite para Estados e municípios contraírem empréstimos no setor financeiro. Esse limite é dado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Como esse é um ano eleitoral, governadores e prefeitos só têm até três meses da eleição (início de julho) para contrair os empréstimos e fazer os investimentos. Para 2020, o valor não foi fixado ainda. E é isso que está em jogo.

O governo está fechando os cálculos para calibrar a nova meta e enviar projeto de lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que contém as metas fiscais. A negociação em torno do espaço fiscal para os empréstimos dos governos regionais está atrelada ao andamento do acordo do governo com o Congresso para devolver ao Executivo o controle sobre R$ 11 bilhões em despesas discricionárias (que incluem investimentos e custeio da máquina) antes carimbadas pelos parlamentares. Não se sabe como os parlamentares vão reagir. Muitos não querem que adversários políticos sejam beneficiados com o dinheiro.

O projeto de lei terá um dispositivo que vai permitir a mudança nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para que Minas e Rio Grande do Sul possam entrar com um prazo maior de 10 anos. Hoje, o regime tem prazo de três anos, prorrogáveis por mais três. O Rio de Janeiro, o primeiro a aderir ao RRF, também será beneficiado com o alongamento. Essa alteração tem de ser feita porque a LDO exige que o governo compense receitas, mesmo financeiras, que deixarão de entrar no caixa do governo com o alongamento do prazo de pagamento da dívida.

A ideia do relator do projeto, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), é criar um mecanismo para agilizar a captação dos empréstimos por Estados em melhores condições financeiras, uma espécie de fast track com menos burocracia.

Como mostrou o Estado, há uma pressão dos governadores para aumentar o limite dos empréstimos em 2020 neste ano de eleições. Todo cuidado é pouco com esse limite e com a proposta de mudança da meta para que as finanças dos Estados não piorem. No passado, a liberação desenfreada dos empréstimos com aval da União promoveu gastos com aumentos salariais e outras benesses dos governadores. Foi isso que contribuiu para o desarranjo financeiro que o setor público brasileiro vive hoje. Atenção máxima agora é mais do que necessária.

* É jornalista


Adriana Fernandes: É fake

Governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões; em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

A noção de contas equilibrada foi atualizada pelo governo Jair Bolsonaro. Na publicidade de 400 dias da atual gestão, divulgada nas redes sociais, a mensagem transmitida foi a seguinte: “contas equilibradas, inflação controlada e mais poder de compra para os trabalhadores impactam positivamente na economia”.

Nada mais fake news. O governo apresentou no primeiro ano do ministro da Economia, Paulo Guedes, um déficit de R$ 95 bilhões. São “bilhões” e não “milhões”.

Em qual lugar do mundo um rombo desse tamanho do governo central pode ser apontado como um sinal de contas ajustadas?

O ano de 2019 marcou o sexto ano de déficit consecutivo de contas do governo federal. Não são rombos pequenos. Ele caiu, é verdade. Mas é alto e tem impedido o governo de avançar em investimentos – que estão em patamares ridículos há anos.

Na melhor das hipóteses, somente no final de 2022, as contas voltam para o azul. As projeções mais fresquinhas da própria equipe econômica apontam que, no último ano do mandato do presidente, o déficit será de R$ 31,4 bilhões. O mais provável – até o momento – é que o cenário de superávit só venha em 2023.

Esse quadro só muda se a economia crescer muito e muito rápido. O que não é o caso, por enquanto. O Brasil patina no baixo crescimento há anos por razões diversas e estruturais.

Por ora, a redução do déficit – comemorada pela equipe de Guedes – se deve muito à receita extraordinária com leilões de petróleo e dividendos pagos por estatais e bancos públicos. Do lado das despesas, o arrocho foi grande nos gastos discricionários (não obrigatórios), que afetou os programas sociais.

A zeragem do déficit – prometida pelo ministro para 2019 – não ocorreu. E todos sabiam que não iria acontecer no ano passado. Guedes se justifica dizendo que quis subir o sarrafo (da meta) para alcançar o melhor resultado.

Mas o corte nos incentivos setoriais, nos “privilégios” do sistema S, benefícios tributários de todos os tipos... esse ficou a ver navios. A força das criaturas do pântano, citada no discurso de posse como uma frente a ser destruída, continua solta por aí.

O governo não atacou esses privilégios. Pelo contrário, enviou ao Congresso um anexo secreto (sem publicidades) com medidas que “podem ser acionadas”. Cumpriu tabela e escondeu o caminho.

O déficit não começou nesse governo. É verdade. Acabar com ele é obrigação.

Com a mensagem dos 400 dias, a sensação que o governo passa à sociedade e ao Parlamento é que está tudo ok. Os sinais de pressão aumentam nesse ambiente. Um presidente fiscalmente responsável jamais faria um desafio aos governadores de zerar impostos sobre combustíveis.

Impossível não comemorar um déficit menor, conta de juros mais baixa e redução da dívida pública. Avanços ocorreram, sem dúvida. Mas o ajuste só estará completo quando as prioridades orçamentárias estiverem direcionadas para a população que mais precisa. Muito a fazer.

O governo reclama de fake news, mas, com todo respeito, desta vez, ele mesmo espalhou.

* É jornalista


Adriana Fernandes: Que ajuste fiscal é esse?

A promessa de que o teto seria vital para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra

O Ministério da Economia foi completamente atropelado pela decisão do governo Jair Bolsonaro de fazer uma capitalização de R$ 9,6 bilhões no final do ano passado em empresas estatais federais.

A Emgrepron, estatal vinculada ao Ministério da Defesa, foi uma das empresas beneficiadas com o presente de Natal – R$ 7,6 bilhões de uma tacada só. Serão construídos quatro navios de guerra da Classe Tamandaré e um navio de apoio ao Programa Antártico Brasileiro.

Pouca gente sabe, mas o que permitiu o aporte bilionário do final do ano foi o dinheiro do pré-sal. Justamente aquele prometido para financiar o “futuro” dos brasileiros com mais educação.

É impossível não reconhecer que a decisão está na direção contrária ao discurso dos integrantes da equipe econômica de que a crise fiscal é ainda grave e exige governar com prioridades.

Há exato um ano, o que se mais ouvia em Brasília, no início do governo, era a importância da política de privatização. A promessa era de que ela seria rápida e reduziria gastos com as estatais pesadas e custosas para o contribuinte, abrindo espaço para investimentos nas áreas fundamentais: saúde, educação, segurança e assistência social.

O discurso de que é preciso avançar na busca do equilíbrio das contas públicas não funcionou nesse caso.

Pelo contrário, a capitalização enfraqueceu o discurso do ajuste daqui para frente, como também a importância do teto de gasto – a tal regrinha fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação que foi vendida com essencial para reduzir o rombo.

O governo diz que a capitalização não prejudicou as contas públicas. Pois bem, não é bem assim. Explico. A lei que criou o teto de gasto tem um dispositivo que retira do limite os gastos com capitalizações de empresas estatais.

Essa exceção não significa que a porteira está aberta para o gasto. É uma exceção. Na primeira folga de receitas, porém, o governo foi lá e recheou o cofre da Emgepron. Antecipou – de uma única vez – recursos que deveriam ser repassados ao longo dos próximos anos.

É bom lembrar que todas as outras despesas com investimento e custeio estão muito comprimidas devido ao teto de gastos. Logo, se o teto não existisse, o reforço de caixa com a arrecadação dos leilões do pré-sal poderia ter irrigado as áreas mais carentes de recursos e fundamentais para a população mais pobre.

Em 2019, a falta de recursos foi geral, afetando os serviços públicos e colocando a máquina em situação de quase apagão. Como é que sobra dinheiro para antecipar recursos futuros para a capitalização de uma estatal militar?

Além da estatal da Marinha, a Telebrás recebeu um aporte de R$ 1,5 bilhão, e a Infraero, mais R$ 1 bilhão. Um total no ano de R$ 10,1 bilhões em capitalização.

Tem algo muito errado nas prioridades. Isso não quer dizer que a modernização da frota da Marinha não seja necessária. Mas qual é prioridade para o Brasil?

Se a prioridade – de fato – fosse a redução do rombo das contas, o governo teria usado o dinheiro para diminuir o déficit.

As contas teriam fechado com déficit de R$ 85 bilhões em vez de um saldo negativo de R$ 95 bilhões. O ajuste poderia ter sido um pouco mais rápido ou com menos custo para a população.

A promessa de que o teto seria importante para priorizar os gastos mais essenciais caiu por terra.

Onde estavam o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o seu secretário especial de Desestatização, Salim Mattar, quando a Junta de Execução Orçamentária (JEO) aprovou em novembro essa farra de capitalização? Afinal, para que serve o teto de gastos?


Adriana Fernandes: Militarização do serviço público

Entrou no radar o risco do avanço do aparelhamento militar no funcionalismo

A judicialização da lei que permite a contratação temporária de militares da reserva para trabalhar em atividades de servidores públicos civis é dada como certa em Brasília.

Lideranças políticas avaliam como equivocada a decisão do Congresso de ter aprovado a inclusão do artigo 18 na Lei 13.954, que trata das mudanças nas carreiras e aposentadoria das Forças Armadas.

O artigo permite que o militar da reserva (inativo) seja contratado para o desempenho de atividades de natureza civil com o pagamento de um adicional igual a 30% da remuneração que estiver recebendo na inatividade.

Com a lei, o risco do avanço do aparelhamento militar do serviço público no governo Jair Bolsonaro entrou no radar. Esse já era um tema recorrente no período de transição de governo, antes mesmo de o presidente ter tomado posse no cargo.

O movimento só ficou mais claro depois que o governo anunciou que iria contratar uma força-tarefa de 7 mil militares que já estão na reserva para acabar com a fila de mais de 1,3 milhão de pedidos de benefícios do INSS.

Ele acontece no momento em que o Ministério da Economia anunciou que não haverá concursos públicos tão cedo por causa da necessidade de reduzir os gastos da folha de pessoal, um dos itens de despesas obrigatórias que mais pesam no Orçamento da União. Só concursos muito pontuais e estratégicos, como o da Polícia Federal, vão ocorrer até o final da administração Bolsonaro.

Com uma mão, o governo aperta os concursos e com a outra chama os militares da reserva pagando a gratificação. Situação que poderá se repetir em outras áreas do serviço público federal, sobretudo, nas chamadas atividades-meio. Atribuições de carreiras de Estado, como auditores fiscais da Receita, não poderão ser alcançadas porque têm regras mais rígidas incluídas em lei.

De certo é que a nova lei dos militares, que apertou as regras de aposentadoria, mudou a estrutura das carreiras militares e reajustou os salários, acabou abrindo o caminho para uma maior militarização do serviço público.

A ficha caiu só agora.

A lei foi aprovada no fim do ano passado, no rastro da aprovação da reforma da Previdência, e em meio à negociação final do Orçamento deste ano.

Agora, há uma articulação para a apresentação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) depois do fim do recesso do Legislativo.

As negociações do governo com o Tribunal de Contas da União (TCU) para fechar um acordo para a contratação temporária para acabar com a fila podem dar um parâmetro, um limite, para o movimento da militarização.

O ministro Bruno Dantas do TCU analisa pedido de liminar do Ministério Público junto ao tribunal para suspender a contratação. O TCU tem a competência de barrar contratos considerados ilegais e exigiu do governo que ampliasse a contratação para civis para trabalhar no INSS temporariamente.

O Ministério da Economia propôs como solução a contratação de servidores aposentados do INSS. O acordo vai sair na próxima semana. Em jogo, os planos do presidente Bolsonaro. Por isso, a importância da decisão.

Antes disso, o Palácio do Planalto, que não gostou da resistência do TCU, correu para publicar em edição extra do Diário Oficial da União decreto que regulamenta a contratação de militar. O decreto foi assinado pelo presidente em exercício, Hamilton Mourão, e não se restringe ao caso do INSS. A contratação dos militares poderá ser feita por outros órgãos.

Mourão foi um dos integrantes do alto escalão do governo que botou lenha na fogueira na polêmica com o TCU. Sem estar muito a par das negociações com o tribunal, entrou em campo para avisar que, em vez de contratar, o governo convocaria os militares para trabalhar na fila do INSS. O presidente em exercício recuo logo em seguida. Mas a fala dele teve eco na Esplanada. A conferir cenas dos próximos capítulos.

 


Adriana Fernandes: Quem compra o Brasil?

Investidores gostam de segurança. E eles estão cada vez mais atentos

O assustador episódio do vídeo com a fala de inspiração nazista do agora demitido secretário de Cultura Roberto Alvim mostra que a melhora econômica de um País não é suficiente e não pode servir de escudo para aberrações em outras áreas do governo.

Não há como negar que o vídeo, que levou o presidente Jair Bolsonaro a demitir o seu auxiliar e provocou tanta indignação (inclusive de apoiadores do próprio governo), manchou ainda mais a imagem do País.

É bem verdade que a visão do mundo sobre Brasil já era ruim por diversas razões: corrupção, violência nas grandes cidades, política ambiental desastrosa... Mas ficou muito pior nesta sexta-feira depois da repercussão do vídeo de Roberto Alvim que parafraseia o ministro da Propaganda de Adolf Hitler.

Choca pensar que uma pessoa com esse perfil estava ocupando um cargo importante na área cultural no governo e sendo pago pelo contribuinte brasileiro.

É verdade que indicadores econômicos estão melhores, depois de um período longo de recessão. Uma reforma robusta da Previdência foi aprovada, os juros caíram de forma significativa, o crédito aumentando e a atividade econômica apontando uma luz no caminho até agora titubeante da recuperação. Outras reformas estão no Congresso para serem aprovadas.

É esse retrato que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe pretendem mostrar no Fórum Econômico Mundial de Davos em busca de atração dos investidores para financiar a retoma do crescimento mais forte do Brasil.

No ano passado, depois das primeiras semanas de governo, Guedes chegou a Davos com a reclamação repetida à exaustão nos encontros do fórum que imagem ruim do recém-formado governo Bolsonaro era injusta e provocada pela propaganda externa da esquerda brasileira que acabara de perder as eleições no País.

O frustrante discurso de seis minutos do presidente no palco central do encontro, com a presença de outros líderes não ajudou a mudar a fotografia, como queria o ministro.

Pois bem, o ministro planejava agora viver outro momento para mostrar os resultados. Não há impacto imediato dos investimentos. Ninguém espera encontros cancelados no fórum. Longe disso. Mas há, sim, preocupação para economia. Os ruídos trazem desconforto.

Investidor gosta de segurança. E eles estão cada vez mais atentos, principalmente os grandes fundos de investimento, em indicadores que vão além da situação financeira e do tamanho do crescimento do País. Estão focados também na aplicação de políticas ambientais, sociais e indicadores de governança.

Assim como o cidadão comum está cada vez mais atento ao que come e compra, o investidor começa a fazer o mesmo em temas como diversidade, meio ambiente, liberdade religiosa.

O Brasil está na contramão em muitos desses temas. O futuro que se vê, no momento, para o Brasil é o de um país não só dividido, mas que mantém a corda esticada o tempo todo.

A perspectiva no momento é que esse clima de estresse vai se prolongar e se acirrar ao longo do ano até as próximas eleições. A caminho dos Alpes suíços, Guedes teve que sair a campo. “Estamos indo para Davos para afirmar o vigor da democracia brasileira”.

Quem compra o Brasil? Não dá para dar reset nesta sexta-feira. Não foi coincidência.