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Adriana Fernandes: Guedes aposta em vitória de Lira para reapresentar proposta de nova CPMF

À frente nas intenções de voto para a sucessão na Câmara, deputado do PP já disse que colocaria tema em discussão, diferentemente do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia; novo imposto compensaria redução de encargos sobre salários

BRASÍLIA  - A proximidade das eleições para o comando da Câmara e do Senado, marcadas para 1.º de fevereiro, recolocou de novo a proposta de criação de um tributo sobre transações financeiras, nos moldes da antiga CPMF, na agenda da equipe econômica. Desta vez, com uma alíquota mais baixa. 

A expectativa é grande porque o candidato apoiado pelo Palácio do Planalto na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) – que até agora aparece à frente das intenções de voto, segundo placar do Estadão –, já se manifestou no ano passado favorável ao tributo, com a condicionante de que fosse aprovado com uma alíquota menor. 

Nos últimos dois anos, a proposta já entrou e saiu diversas vezes da agenda do governo, mas a avaliação da equipe econômica é que o cenário do mercado de trabalho pós-pandemia vai abrir o caminho para que ela ganhe força. Isso porque a promessa é que o novo tributo, que seria cobrado de todas as transações, poderá compensar uma redução nos encargos cobrados das empresas sobre os salários dos funcionários. Na teoria, a redução estimularia a abertura de mais vagas de trabalho, com custo menor.

O ministro da EconomiaPaulo Guedes, deu sinais, nas últimas duas semanas, que pode voltar com a proposta após as eleições do Congresso.

Como mostrou reportagem do Estadão na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro já sinalizou para caciques do Congresso que aceitaria uma alíquota de 0,10% para o novo tributo. Esse porcentual seria cobrado tanto no débito como no crédito, na retirada e no depósito de recursos, ou seja, nas duas pontas.

Quando o apoio dos líderes dos partidos ao novo tributo tinha sido costurado para o anúncio em reunião no Palácio da Alvorada, o presidente, Jair Bolsonaro, chamou os seus líderes na Câmara, Senado e Congresso e abortou a medida. Com uma alíquota de 0,10%, a arrecadação prevista é de R$ 60 bilhões.

Um integrante da equipe econômica, que falou na condição de anonimato, disse que Guedes é persistente e que não desistiu da ideia porque considera a desoneração essencial para avançar com a agenda de aumento em massa do emprego. O foco será mostrar que não se trata de aumento da carga, porque os impostos sobre os salários seriam desonerados. Na visão do governo, uma medida compensaria a outra. Ou, como já disse Guedes, se colocaria um “imposto feio” (a nova CPMF) no lugar de um “horroroso” (a cobrança sobre os salários).

Num cenário de vitória de Arthur Lira, acredita-se que o apoio do presidente será conquistado, já que ele já tinha sinalizado essa possibilidade com alíquota de 0,10%.

O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), sempre se colocou contra a volta da CPMF e chegou a afirmar que, enquanto comandasse a Casa, o novo tributo não seria discutido entre os deputados. Esse foi um dos motivos da desavença entre Guedes e Maia que acabou atravancando a tramitação da proposta de reforma tributária – paralisada no ano passado.

Oposição

Ao Estadão, o principal concorrente de Lira na sucessão de Maia, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP), disse que a CPMF é um imposto muito ruim. “Não tem espaço para aumento da carga tributária. A nossa reforma tributária, que é a PEC 45, com ajustes da PEC 110 e o projeto do governo, vai ajudar a geração de empregos e a retomada da economia”, disse Baleia. “Não vejo a CPMF tendo algum impacto positivo na economia, senão aumentar a carga tributária. Não é bom.” 

Baleia Rossi lembrou que o Brasil está vivendo um processo de desindustrialização da economia, evidenciado pela saída da Ford do País. “A reforma tributária em discussão na Câmara tem condições de reverter esse processo”, disse Baleia, que é o autor da PEC 45.

A reforma tributária em tramitação na Câmara (PEC 45) substitui cinco tributos (IPIPISCofinsICMS e ISS) pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). A alíquota estimada para não alterar a arrecadação é de 20% a 25%. A receita seria compartilhada entre União, Estados e municípios.

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Adriana Fernandes: Por que se calam?

Na elite do nosso empresariado, não tem dia D nem hora H. É S, de silêncio

Desde o início da pandemia, o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores, sempre quando confrontados sobre a negação da realidade da covid-19, saem com o discurso de que “economia é vida” e que o Brasil precisa voltar à normalidade mesmo diante de um cenário de contaminação e mortes.

Em maio, no pico inicial da doença, Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes na direção do Supremo Tribunal Federal acompanhado de um grupo de empresários para fazer pressão para que as medidas restritivas nos Estados fossem amenizadas.

Os empresários que estavam junto com o presidente naquele dia pregavam a volta dos negócios o mais rápido possível e a flexibilização do lockdown nas cidades porque, na visão deles, comprometia a recuperação econômica. A pandemia continuou e estímulos bilionários do governo federal garantiram os negócios (não houve, porém, a contrapartida de um planejamento sério para a boa prática de distanciamento social). A atividade econômica começou a se recuperar.

Sem um planejamento nacional para a segunda onda e a vacinação em massa, o Brasil jogou todo o esforço no lixo no “curto-prazismo”. Os brasileiros assistem assombrados o colapso do sistema de saúde de Manaus e o risco de uma crise nacional de falta de oxigênio.

Assim como a saúde está colapsando, será muito difícil a economia não escapar desse mesmo destino. O País não pode seguir também o negacionismo econômico. Muito tempo foi perdido esperando as eleições municipais. 

Já sabemos que os políticos querem esperar as eleições da Câmara e Senado e só pensam em emendas, cargos... O que farão para impedir que o colapso do Amazonas chegue às cidades dos seus Estados, enquanto negociam votos na eleição do Congresso?

Sabemos também que o governo federal quer esperar a vitória dos seus dois candidatos (deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco) para agir com as medidas econômicas. 

Desde o dia de 15 de dezembro, quando o Estadão manchetou que a equipe econômica estudava a antecipação do 13.º para aposentados e pensionistas do INSS e do pagamento do abono salarial (uma espécie de 14.º salário a trabalhadores que ganham até dois mínimos), assistimos variações sobre os mesmos temas, além de liberação de FGTS e suspensão de impostos. Nada de concreto. 

Já as grandes lideranças empresariais, os representantes das grandes confederações, CEOs de grandes conglomerados, banqueiros se encolheram. Não há nenhuma mobilização empresarial para evitar o pior. No máximo, doações que servem para aparecer bem na fita, de preferência no Jornal Nacional

Acham mesmo que tem como dar certo para a economia continuar aguardando para ver no que dá sem uma ação rápida. A retomada não vai continuar do mesmo jeito. Depois, sem dúvida alguma, serão pródigos em bater na porta do governo para pedir subsídios, redução de impostos, Refis generosos e socorro financeiro da viúva. 

Nos mais de 20 anos de cobertura econômica em Brasília, esta colunista já viu de tudo em matéria de pressão empresarial. Na última semana, a mais sofrida da pandemia até aqui, na agenda oficial do ministro Paulo Guedes não houve sequer uma reunião com empresários. 

O que teve mesmo foi um encontro virtual realizado do outro lado da Esplanada, no Ministério da Saúde, com 28 empresários ligados à Fiesp sobre a campanha nacional de vacinação contra a covid-19. O Ministério da Economia não estava lá. Foram falar da importância da vacina para a retomada, mas não se viu nenhuma declaração contundente depois do encontro.

Reportagem do Estadão mostrou que os Ministérios da Saúde, Comunicações e Casa Civil foram taxativos: a vacinação ficará a cargo do governo, que garantiu ter imunizantes para toda a população. Ouviram, segundo relatos, que o governo já tem cerca de 500 milhões de doses contratadas. Como acreditar se nem dois milhões de vacinas da Índia estão garantidos? As poucas falas empresariais sobre o encontro foram todas de bastidores. 

Por que se calam aqueles que costumam ser tão barulhentos? Na elite do nosso empresariado, não tem dia D nem hora H. É S, de silêncio.


Adriana Fernandes: A corrida política pelo auxílio

Congresso precisa retomar os trabalhos. A agenda do País é urgente demais para esperar

Cacique do MDB, o senador Renan Calheiros chamou pelas redes sociais de “pasmaceira que não resolve nada” o quadro atual em que problemas pendentes se acumulam exigindo resposta do Congresso para o plano de vacinação contra a covid-19, o auxílio emergencial e o Orçamento deste ano. 

A cobrança do senador e de um número cada vez maior de parlamentares é pelo fim do recesso parlamentar para o enfrentamento da situação de calamidade que passa o País e que não terminou com a virada de 2020 para 2021. Já há requerimento para uma convocação extraordinária do Congresso para discutir um novo decreto de calamidade e a prorrogação do auxílio.

Era de se esperar que isso de fato fosse acontecer para o Congresso acompanhar de perto e pressionar o governo a correr com as medidas necessárias nesse janeiro tenebroso.

Vamos lembrar que no início da pandemia o Congresso teve papel fundamental na aceleração da ação do governo Bolsonaro para a adoção das medidas que impediram um desastre ainda maior. Mais uma vez, porém, uma eleição está no caminho das decisões urgentes. 

Como aconteceu, no ano passado, na campanha eleitoral municipal, a eleição do Congresso empurra com a barriga os problemas. É por isso que o ano entrou sem uma solução para o fim do auxílio. O mês de fevereiro virou o novo mote da salvação. Mas é para depois da eleição, viu leitor!

De um lado, Renan, o presidente Rodrigo Maia, o candidato Baleia Rossi e tantos outros parlamentares da Câmara e do Senado que têm o interesse de acabar com recesso parlamentar por estratégia eleitoral para seus candidatos.  

Candidato à presidência da Câmara, Baleia Rossi já defendeu a prorrogação do auxílio emergencial e a convocação do Congresso para a aprovação das medidas.

Do outro lado, Jair BolsonaroDavi Alcolumbre, lideranças governistas, o candidato Arthur Lira e aliados não querem dar palco para os opositores.  Mas e daí? 

Daí que o presidente Bolsonaro já editou uma Medida Provisória que traz medidas excepcionais relativas à compra de vacinas, insumos, bens e serviços de logística e que trata do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação. Outras MPs podem ser adotadas e têm vigência imediata.

O governo federal também tenta impedir ações de combate à pandemia pelos Estados e municípios, como a de requisitar seringas e agulhas compradas pelo governo João Doria, destinadas à execução do plano estadual de imunização, o que já foi impedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que está de plantão e deferiu medida cautelar solicitada pelo Estado de São Paulo.  

O cálculo político do primeiro grupo é o de que na data da eleição, no início de fevereiro, a pandemia estará mais forte e com a vacinação (na melhor das hipóteses) apenas começando. Essa piora da pandemia terá impacto na eleição.

No governo, a expectativa é que o seu candidato ganhe as eleições e lidere essa agenda. Por isso, prefere esperar para agir depois do resultado da eleição, no início de fevereiro.  

Baleia Rossi acenou com a prorrogação do auxílio. E Arthur Lira falou, logo em seguida, que é preciso cuidar dos mais pobres reorganizando os programas de renda mínima, “mas sem abrir mão da austeridade fiscal e do teto de gastos”.  

Lira disse que a “demagogia fiscal sempre custa caro para o País e em especial para os mais pobres”. O mais provável, porém, é que o discurso fiscalista de agora caia por terra daqui a pouco com os números do avanço da pandemia. Não vai demorar muito porque a pressão dos parlamentares e governadores é crescente também para o seu lado. 

Como na disputa política entre o presidente Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, pela vacina, a corrida pela prorrogação do auxílio e medidas urgentes para a vacinação vão dar o tom da campanha. Não tem como ser diferente. 

O mercado financeiro tem reagido às declarações de apoio à prorrogação do auxílio como um risco fiscal que piora os indicadores econômicos. A fala de Baleia em apoio ao benefício esta semana, no dia da formalização da sua candidatura à sucessão de Maia, causou apreensão. Fato comemorado pelo governo. Baleia, inclusive, já teve que fazer ajustes no seu discurso ao pregar também responsabilidade fiscal. Estranhamente houve uma inversão de papéis.

Não deve adiantar, porém, a reação do mercado. Chega uma hora que não dá para brigar com os acontecimentos.  É o mesmo script do início da pandemia. O auxílio deverá ser prorrogado e decretada nova calamidade. A questão agora é saber quem vai comandar essa agenda, controlar o seu alcance e timing: antes ou depois das eleições.

Independentemente dos interesses que cercam as eleições do Congresso, é preciso prontidão máxima que o controle da doença exige neste momento. Não só pelo auxílio, mas, sobretudo, pela vacinação dos brasileiros o mais rápido possível. O Congresso precisa retomar os trabalhos. Esse recesso é totalmente despropositado. A agenda é urgente demais pra esperar. O uso político que se pode fazer de uma convocação desse tipo é efeito colateral. Não se pode deixar de fazer a coisa certa por receio do efeito colateral. Porque aí significa o rabo abanando o cachorro.


Adriana Fernandes: Consultoria da Câmara propõe flexibilizar regra do teto de gastos públicos

Proposta passaria a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto, em vez de todo o gasto com pagamento de benefícios; com isso, nível de despesas obrigatórias seria mantido

BRASÍLIA - A Consultoria de Orçamento e Fiscalização da Câmara publicou nota técnica com uma proposta de mudança no teto de gastos da União, a regra que limita o crescimento da despesa à inflação e que está no centro do debate econômico no Brasil depois da pandemia da covid-19

A proposta passa a considerar apenas o rombo da Previdência no cálculo do limite do teto em vez de toda a despesa com o pagamento de benefícios, similar ao modelo fiscal alemão, que considera nos limites orçamentários apenas recursos retirados da sociedade para sua cobertura.

As projeções apresentadas pelos três autores da proposta apontam um novo espaço para as demais despesas do governo, que hoje estão cada vez mais comprimidas, especialmente pelo avanço dos gastos obrigatórios de Previdência e folha de pessoal. O espaço fiscal dessas despesas seria, em 2022, superior a R$ 40 bilhões em relação à regra atual, passando de R$ 407,5 bilhões (4,60% do Produto Interno Bruto em vez de R$ 447 bilhões (5,05% do PIB). 

Por trás da proposta, está a avaliação de que o teto é uma regra fiscal fundamental para as contas públicas, mas precisa de ajustes para se tornar viável nos próximos anos. “Não está correto que uma despesa, que sabidamente cresce mais do que a inflação, seja colocada dentro do teto definitivamente”, diz Ricardo Volpe um dos autores da proposta ao lado dos consultores legislativos Túlio Cambraia e Eugênio Greggianin.

Ajuste

Segundo Volpe, não se trata de uma margem para gastar mais, mas uma saída para manter o nível de despesas não obrigatórias atual (como investimentos), que já é muito baixo e a cada ano fica menor. O consultor explica que é um mecanismo de ajuste para impedir que a compressão das despesas não obrigatórias chegue a um nível insustentável para o funcionamento da máquina administrativa (como manutenção de rodovias, bolsas de estudo e confecção de passaporte). Para ele, a proposta é simples, pontual e com boa comunicação tem todas as condições de ser recebida positivamente pelos agentes de mercado.

Os números apontam que, mantida a regra atual, as demais despesas chegariam em 2026 em 2,80% do PIB, patamar irreal para o funcionamento da máquina pública. Em 2016, quando a emenda do teto foi aprovada essas despesas estavam em 7,03% do PIB.

A expectativa é que a nota possa ser discutida ao longo de 2021. A proposta já vinha sendo estudada antes mesmo da pandemia. Muitos parlamentares têm defendido a mudança no teto, mas a equipe econômica vem se posicionando enfática em manter a regra sem mudanças.

Os autores destacam que, apesar da importância do teto, não significa que ele não tenha deficiências na forma que foi implementado no Brasil e que não possa ser aperfeiçoado com as devidas cautelas, o que aumentará sua credibilidade.

Para os consultores, a reforma da Previdência, aprovada no fim de 2019 com o propósito principal de reduzir o déficit previdenciário, pode apresentar ganhos que devem ser aproveitados pelo poder público. A possibilidade de elevar as despesas em virtude da redução do ritmo de crescimento do déficit dos regimes de Previdência permitirá ao governo maior liberdade de atuação para alavancar a economia.

Na época da tramitação da emenda do teto, em 2016, já se sabia que a regra se tornaria de difícil cumprimento. O atraso na aprovação da reforma da Previdência, que se esperava para aquele ano, só piorou o problema. Uma proposta chegou a ser discutida de garantir após os primeiros anos de vigência da regra uma correção do limite do teto com metade do crescimento do PIB. Ou seja, se o PIB crescesse 1%, o teto seria corrigido em 0,5%. Mas o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles não aceitou com o temor de que o instrumento de correção se transformasse na regra geral durante a votação.

Volpe destaca que as despesas com o pagamento dos benefícios da Previdência, o maior gasto do governo, já passaram pela reforma. Para ele, o governo, com o modelo proposto, poderá atuar melhor na eficiência da arrecadação previdenciária para diminuir o déficit. O consultor avalia que as despesas com a Previdência vão sempre ter crescimento real porque a população vai envelhecer e mais gente se aposentará.

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Adriana Fernandes: O País quebrado de Jair Bolsonaro

Presidente disse que o Brasil está quebrado para justificar o fato de não ter cumprido uma promessa de campanha sempre cobrada por seus apoiadores: aumentar o limite da faixa de isenção do Imposto de Renda

Um presidente da República não deveria sair alardeando por aí que o país que ele mesmo governa está quebrado. Muito menos para servir de justificativa para o fato de não ter cumprido uma promessa de campanha sempre cobrada pelos seus apoiadores: aumentar o limite da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).

Saiu-se logo com a resposta mais fácil: o Brasil quebrou. Mas a verdade é que o presidente não mexeu uma palha para abrir espaço para corrigir a tabela do IRPF. Pelo contrário, beneficiou setores específicos nesses dois anos de governo e atropelou a discussão de mudanças no campo tributário por disputas políticas. Também não ajudou na pauta de corte de gastos ineficientes.

O que vão achar os investidores que compram papéis de um governo do qual o seu próprio presidente diz que está quebrado? É natural que comecem a cobrar cada vez mais para comprar os títulos da dívida brasileira. 

Ou seja, pode custar mais dinheiro para os contribuintes que o presidente promete ajudar com a correção da tabela do IRPF.

A fala do presidente é irresponsável sob todos os aspectos. Mas é ainda mais perigosa no momento atual em que o Tesouro Nacional passou por meses de grande dificuldade para se financiar e tem pela frente um trabalho difícil para pagar uma montanha de dívida concentrada nos primeiros meses do ano e que já supera R$ 1,3 trilhão até o final de 2021.

A declaração é ainda mais inoportuna depois da revelação pelo Estadão de que o Brasil não honrou o pagamento da penúltima parcela de US$ 292 milhões para o aporte de capital no Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), a instituição financeira criada pelos cinco países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). 

O prazo para a quitação da parcela terminou no último dia 3 de janeiro e o Brasil agora está inadimplente com o banco que ajudou a fundar e é um dos acionistas.

A equipe econômica não quer nem que se fale em calote com temor do estrago. Prefere dizer que é um atraso. No dicionário, porém, a definição de calote é: dívida não paga.

O sinal é ruim. Outros organismos multilaterais também não receberam, mas não há transparência nenhuma do Ministério da Economia para explicar o que aconteceu, qual o tamanho da dívida e a razão de ela não ter sido paga.

Depois da fala do presidente nesta terça-feira, 5, é melhor a equipe econômica agir rápido, fazer uma declaração oficial para afastar a desconfiança.


Adriana Fernandes: Tempestade de jabutis

Pautas estão sendo votadas a toque de caixa e, como consequência, tem muita coisa passando nessa boiada

Brasília está sendo varrida por tempestades diárias de jabutis. Para quem não está familiarizado com a linguagem política da capital federal, esse termo é usado para classificar matérias estranhas que são negociadas nos bastidores e incluídas de última hora nas votações do Congresso.

Na maioria das vezes, só se conhece o estrago dias, semanas, meses depois. Assim como seu irmão quelônio, esse tipo de animal legislativo tem casco convexo, uma carapaça bem arqueada que funciona como uma caixa protetora para se esconder.

Ele dá as caras por aqui (a colunista escreve de Brasília) ao longo de todo o ano. Mas quando vai chegando o mês de dezembro, proliferam.

Acontece que neste fim de 2020, ano de pandemia e de eleição para o comando do Congresso, variações de espécies de jabutis começaram a surgir. São os jabutis que dão voto nas eleições. Eles turbinam as negociações do que é votado e também do que é retirado da pauta.

Em votação final ou o dependendo de mais uma votação, os parlamentares aprovaram, nos últimos dias, a nova lei de licitações, a Medida Provisória da Casa Verde Amarela (que substitui o programa Minha Casa, Minha Vida), o projeto de navegação de cabotagem (BR do Mar), novo marco do gás, o marco legal do reempreendedorismo (uma espécie de lei falências para micro e pequenas empresas) e a transformação do programa de crédito Pronampe em permanente.

Como o governo e parlamentares deixaram as votações para os últimos dias, tudo está sendo votado a toque de caixa e no plenário virtual. Tem muita coisa passando nessa boiada, avaliam técnicos da área econômica, sem muita manobra de ação.

No caso do Pronampe, a briga é interna e rachou o Ministério da Economia. Um grupo vê com grande preocupação o programa, voltado para mitigar o impacto dos pequenos negócios da covid-19, com garantia do Tesouro. Outro grupo aposta no projeto como solução do crédito para a retomada.

Entre os projetos que ficaram para 2021, o que chama mais atenção é o Orçamento de 2021. Esse atraso tem valor nas negociações das eleições, que não é nada desprezível.

Explico: como a Comissão Mista de Orçamento não foi instalada, a próxima formação de integrantes, que sairá das negociações para a sucessão de Maia e Alcolumbre, terá o poder de discutir o Orçamento de 2021 e também o de 2022 – o último do governo Bolsonaro e o ano das eleições. Dupla vantagem!

Ricardo Barros, líder do governo, já sinalizou esse prêmio. O líder Arthur Lira, candidato do presidente Bolsonaro para a presidência da Câmara, vem oferecendo espaços “mais relevantes” nas presidências das comissões e relatorias de projetos.

Já entre os projetos que transitam ao sabor das negociações, ou seja, entram e saem da lista de votações estão a reforma tributária, autonomia do Banco Central e o projeto de renegociação da dívida de Estados e municípios.

Um dia depois de o presidente da comissão mista de reforma, senador Roberto Rocha, anunciar que os trabalhos foram prorrogados para 2021, Maia defendeu a votação ainda este ano do projeto de lei do ministro Paulo Guedes que unifica o PIS/Cofins e cria o IVA do governo federal.

Detalhe: Até dias atrás essa hipótese não estava nem em discussão. Aliás, foi motivo de desavenças entre Maia e Guedes nos últimos meses.

Dá para entender? A resposta pode estar no fato de que a votação de um projeto de lei é muito mais fácil do que PEC (depende de maioria simples) e muitos temas tributários, que estão em negociação para apoio aos candidatos, podem ser incluídos no texto e entrar em vigor em 2021.

O fiasco mesmo ficou por conta do adiamento para 2021 da PEC emergencial – aquela que teria as medidas de corte de despesas para abrir espaço ao programa social do governo. O texto apresentado pelo relator Márcio Bittar frustrou por diversas razões; sobretudo, por incapacidade de construir consensos.

Além de desidratar conteúdo de três PECs (emergencial, fundos públicos e pacto federativo), o parecer é fraco e contém pontos que deixam ainda mais incertezas em relação ao cipoal de regras fiscais que o Brasil está construindo. Um fiasco depois de tantas promessas nos últimos meses.

A joia da coroa das votações nessa reta de fim de ano deve ser a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021. Senadores já avisaram que vão tentar incluir o dispositivo para preservar o fundo do Pronampe de bloqueios orçamentários. Vem mais coisa por aí.

Quem não se lembra da votação de uma jabuti bem grande, incluído na LDO de 2020, que obrigava o governo a executar de R$ 30 bilhões de emendas do relator-geral do Orçamento deste ano? Em Brasília, quem tem emendas tem tudo. Preparem o cinto para as votações do “fim do mundo”! Obs.: Esse é outro termo do dicionário político de Brasília, dado para apontar as votações de fim de ano em que tudo pode acontecer.


Adriana Fernandes: Vitória de Pirro

Ao deixar muitos restos a pagar, ministérios gastadores podem virar caloteiros

Por completo descaso e até com apoio do governo Bolsonaro, os parlamentares vão deixar a votação do Orçamento de 2021 para o ano que vem. Não é a primeira vez nem será a última que isso acontece.

Tem até quem diga que essa foi a melhor decisão para governo e parlamentares ganharem tempo, apararem arestas provocadas pelas eleições do comando da Câmara e Senado e chegarem, ao final, a um consenso sobre medidas que viabilizem a retomada, o ajuste das contas e o enfrentamento daquele que deverá ser o maior problema da economia em 2021: o aumento do desemprego.

A procrastinação está sendo comemorada.

Acontece que, no vácuo da ausência da votação, o Orçamento de 2021 já começa a ganhar forma antes mesmo de qualquer decisão dos parlamentares e certamente antes da virada do ano em 31 de dezembro, que marca também o fim do auxílio emergencial.

O quadro não é nada animador, porque a demarcação de território dentro do Orçamento por vias alternativas traz mais incerteza e tem consequências ainda difíceis de avaliar, enquanto a economia real sente os efeitos da pandemia.

Duas decisões importantes foram tomadas pelo Tribunal de Contas da União em julgamento nessa semana. Na prática, elas antecipam o Orçamento de 2021 ao permitir que um volume maior de gastos de 2020 “transborde” para o ano que vem.

O tamanho potencial desse vazamento de despesas é ainda uma incógnita, com governo, TCU e analistas do mercado ainda debruçados cada um à sua maneira para fazer as contas.

Mas a melhor tradução do que aconteceu é dizer que essas despesas vão “comer” o Orçamento de 2021 e deixar ainda mais confusa a sua gestão.

Na primeira decisão, o TCU decidiu que despesas ordinárias, sujeitas ao limite do teto de gastos e sem relação com o orçamento de guerra de enfrentamento à pandemia, ganham mais tempo e podem ser executadas até 31 de dezembro de 2021. Algumas delas nem sequer existem de fato ou passaram pelo primeiro estágio do processo orçamentário.

Na segunda decisão, créditos extraordinários fora do teto, abertos em 2020 para viabilizar despesas emergenciais de combate à covid-19 no período da calamidade, também poderão ser estendidos até 31 de dezembro de 2021.

É sobre esse segundo grupo de despesas que ronda no momento a atenção de todo mundo. Se novos créditos extraordinários forem apresentados ainda em 2020, é por aí que se poderá buscar mais recursos para a prorrogação do auxílio emergencial no ano que vem, com a “sobra” desses créditos. Esses gastos ficariam fora do teto. Qualquer novo crédito, porém, dependeria da assinatura de uma Medida Provisória pelo presidente Jair Bolsonaro, que até agora disse que não o fará.

Até a decisão do TCU, o governo estava prestes a editar uma portaria para controlar o empenho do estoque de créditos extraordinários já aprovados nessa reta final do ano. Agora, estuda um decreto para diminuir o vazamento das despesas em 2021.

O fato é que a decisão do TCU pode representar uma vitória de Pirro para os ministérios gastadores.

Isso porque a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) determina que os recursos financeiros de cada ministério, em cada ano, têm que ser iguais aos créditos orçamentários, para que não haja risco de descumprimento da meta de primário. Na prática, só pode desembolsar efetivamente o mesmo valor já previsto no Orçamento.

Então, se o ministério levar de 2020 para 2021 muitos restos a pagar (RAPs), como são chamadas no jargão econômico as despesas transferidas de um ano para outro, a quitação dessas despesas vai consumir grande parte dos recursos disponibilizados. Ou seja, sobra menos dinheiro para pagar as despesas correntes do ano. A escolha precisará ser feita.

O que vai acontecer?

Vai chegar o segundo semestre de 2021 e o dinheiro terá acabado. E não adianta tentar tirar de outros ministérios, porque como o orçamento de despesas está pequeno para todos, ninguém vai liberar o limite financeiro para outro ministério e deixar de pagar as suas despesas.

Logo, os ministérios que enfiarem o pé na jaca e registrarem RAPs fora da regra vão começar a atrasar os seus pagamentos, passando de ministérios gastadores para ministérios caloteiros.

Quanto mais eles exagerarem nos RAPs, mais tempo levarão para voltar a pagar em dia as suas despesas.

A outra consequência poderá ser uma situação de pressão adicional em favor da quebra do teto, já que mais ministérios poderão entoar a narrativa de que ficaram sem dinheiro por causa do limite de despesas, e não porque exageraram nas promessas de gastos.

Bem parecido com aquela jiboia que come um bezerro e fica dias tentando digerir.


André Lara Resende: ‘Investimento público é mais importante que juro baixo para atenuar recessão’

Para economista, é preciso superar o arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica

Adriana Fernandes, O Estado de S. Paulo

O economista André Lara Resende é hoje uma voz dissonante do pensamento econômico dominante no Brasil. Quinto entrevistado da série do Estadão "Saídas para a Crise Fiscal”, Lara Resende afirma que o investimento público é hoje muito mais importante do que a política de juros como resposta para a retomada econômica após a pandemia do coronavírus e também para o desenvolvimento de longo prazo do País.

Um dos formuladores do Plano Real e com a experiência de ter trabalhado mais de 30 anos no mercado financeiro, Lara Resende propõe a criação de um órgão, protegido de "pressões políticas ilegítimas", para definir os investimentos públicos. Para ele, essa é hoje uma medida mais valiosa do que um Banco Central independente.

O economista alerta que até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Ambientalista, Lara Resende diz que é incompreensível a postura do governo Jair Bolsonaro em relação à questão ambiental, considerada por ele o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, e que compromete o Brasil no exterior. 

Como o sr. avalia a resposta do governo à pandemia da covid-19?

A resposta à pandemia foi conturbada, incompetente e negacionista no todo. Quanto à política econômica, apesar de alguma hesitação inicial, com o auxílio de emergência, o governo acabou por dar uma resposta que aliviou temporariamente a situação dos que perderam o emprego ou a renda. O auxílio emergencial foi fundamental para aliviar a recessão e a crise social provocada pela pandemia. Até agora não houve uma única iniciativa, nem mesmo propostas, de políticas públicas para garantir uma recuperação sustentada, uma vez superada a pandemia. Quando a pandemia parece recrudescer, volta-se a falar na necessidade de encerrar o auxílio em nome do equilíbrio fiscal. Mais uma demonstração clara de que o governo continua dominado por restrições ideológicas.

Uma das preocupações no Brasil é justamente o crescimento da dívida, que caminha para 100% do PIB. É um problema?

Trata-se de uma preocupação infundada. Em várias ocasiões na história, sobretudo depois de guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas superiores ao PIB. Hoje, Japão, EUA, Itália, entre outros, têm dívida superior ao PIB. A dívida pública não pode ter uma trajetória explosiva, mas, desde que o seu crescimento acelerado seja transitório, que passada a crise, com as contas reequilibradas e restaurado o crescimento da economia, a relação entre dívida e PIB volte a cair, não há qualquer problema em ultrapassar os 100% do PIB.

Existe um limite para a dívida?

Não existe um limite intransponível para a dívida interna e o PIB. O endividamento externo, que depende de financiamento do exterior em moeda estrangeira, é sim perigoso. Como aprendemos com as sucessivas crises da dívida externa no século passado, quando os credores internacionais passam a ter dúvida sobre a capacidade do País de honrar seus compromissos em moeda estrangeira, a súbita interrupção do fluxo de financiamento pode provocar crises gravíssimas. No século passado, o Brasil era importador líquido de petróleo e derivados, assim como de trigo e outras commodities (produtos classificados como  básicos por não ter tecnologia envolvida ou acabamento). Precisava de financiamento externo para cobrir o déficit com o resto do mundo. Hoje, somos autossuficientes em petróleo, exportadores líquidos de commodities e temos um setor agropecuário altamente superavitário. O Brasil de hoje não tem dívida pública externa, ao contrário, tem quase 30% do PIB em reservas internacionais. A nossa dívida é interna, do Estado com os brasileiros.

Em entrevista recente ao ‘Financial Times’, a economista-chefe do FMI, Gita Gopinath, disse que os países precisam evitar o erro de retirar prematuramente os estímulos fiscais, como ocorreu na crise financeira. Ela chama atenção que há formas de investimento público que podem criar empregos e aumentar a atividade econômica e, ao mesmo tempo, serem fiscalmente responsáveis para sair da crise. Como conciliar essas coisas?

Gita Gopinath disse apenas o que se sabe desde a publicação do livro de John M. Keynes (1883-1946, defensor de maior intervenção do governo na economia para estimular o crescimento) na década de 1930. Gopinath não é uma heterodoxa irresponsável, mas economista-chefe do FMI, doutora pela Universidade de Princeton, onde teve como orientadores Ben Bernanke, ex-presidente do Fed, e Ken Rogoff, professor da Universidade Harvard, dois expoentes da ortodoxia econômica. A política fiscal, sobretudo investimentos públicos que aumentem a produtividade e o poder aquisitivo da população, é o mais poderoso instrumento, tanto para se sair de uma recessão como para garantir a retomada do crescimento sustentado.  A pergunta mais complicada de ser respondida é por que hoje no Brasil a opinião dos economistas que aparecem na imprensa, assim como a da própria imprensa, regrediu para o que era a ortodoxia do século XIX na Inglaterra? A chamada “Visão do Tesouro”, que sustentava a necessidade de sempre equilibrar as contas públicas, depois duramente criticada por Keynes, deixou de ser levada a sério.

O Brasil, que tinha uma situação fiscal frágil e déficits há sete anos e com previsão de resultados negativos até 2028, pode seguir essa recomendação do FMI em 2021?

É verdade que há mais de duas décadas a relação dívida e PIB do Brasil tem aumentado, mas não temos uma situação fiscal frágil. A carga fiscal do Brasil é de quase 35% do PIB, muito alta para um país de renda média. Apesar da alta carga fiscal, não conseguimos controlar o crescimento da dívida. A razão é que a taxa de juros foi extraordinariamente alta até muito recentemente. Com taxas de juros que chegaram a mais de 25% ao ano e um crescimento medíocre da economia, o resultado é inexorável: a relação dívida/PIB cresce. O Estado brasileiro custa muito e gasta mal? Com certeza, mas não é essa a razão do crescimento da dívida. A política de taxa de juros do Banco Central, do real até muito recentemente, foi um gravíssimo equívoco. A história irá deixar claro o preço de uma política de juros extraordinariamente altos, associada a uma pesada e kafkiana carga fiscal.

Qual a saída a seguir?

Antes de mais nada, é preciso superar a camisa de força imposta por um arcabouço analítico anacrônico e equivocado que impõe o equilíbrio fiscal como o único objetivo de política econômica. Dizem que com equilíbrio fiscal todos nossos problemas estarão milagrosamente resolvidos. Sem ele, caminhamos a passos largos para o abismo. Nada mais falso. Precisamos urgentemente voltar a ter um projeto para o País, ter objetivos de políticas públicas que balizem os investimentos públicos e privados, que norteiem a transição para uma matriz energética limpa e não nos deixe perder o bonde da revolução digital em curso. Precisamos refletir sobre as políticas de emprego, saúde e educação neste novo mundo do século XXI.

Por que o sr. considera ser uma falácia o argumento de que o governo não tem dinheiro para investimento?

Porque é falso. O governo não tem recursos para investir porque adotamos restrições legais-administrativas que deixam relativamente livres os gastos correntes e impõem limites ao total dos gastos. O teto dos gastos (regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) é exemplar: se mantido, vai levar ao colapso completo do investimento público. O governo que emite sua moeda fiduciária (documento que possa ser aceito como pagamento, como as notas de real), como é o nosso caso, não tem restrição financeira, pois, quando gasta, necessariamente, emite moeda. A decisão de obrigar o governo a retirar a moeda emitida, seja através da cobrança de impostos ou da emissão de dívida, é uma decisão político-administrativa. Pode se justificar para impedir que o governo gaste de forma irresponsável e incompetente, mas não é uma restrição real.

É mais eficiente deixar os investimentos fora do teto?

Sim. O teto pode até ser uma restrição importante para impedir um Estado inchado, que gaste muito na sua própria operação, mas não faz sentido ter um teto com os gastos correntes não controlados. O resultado é a inviabilização dos investimentos. Os investimentos públicos são muito mais importantes do que juro básico baixo tanto para atenuar os efeitos da recessão quanto para o desenvolvimento de longo prazo. É mais importante ter um órgão sério e competente, protegido das pressões políticas ilegítimas, para definir os investimentos públicos, do que um Banco Central independente.

É possível fazer uma recuperação econômica verde e sustentável pós-pandemia?

Infelizmente, o governo Bolsonaro está na contramão de uma política ambiental sustentável. A incompreensível postura do governo em relação à questão ambiental, hoje considerado o mais grave problema a ser enfrentado pela humanidade, compromete o Brasil no exterior, prejudica nossas exportações e reduz os investimentos externos. Além de fazer a coisa certa, teríamos muito a ganhar com uma política ambiental inteligente e responsável, que poderia servir de balizador de uma nova etapa de nosso desenvolvimento.

Qual o papel das reformas administrativa e tributária para destravar o crescimento?

Me parece que uma reforma tributária, cujos objetivos fossem a simplificação, a racionalização e a equidade, não o equilíbrio a qualquer custo, e que nos livrasse do atual cipoal tributário, seria um passo importante para nos tirar do atoleiro em que nos metemos. Mais do que uma reforma administrativa, nome que se dá ao que é apenas mais uma tentativa de reduzir os salários e os benefícios do funcionalismo, precisamos modernizar a governança do País, inclusive o sistema político, que caminha a passos largos para se tornar disfuncional e corre o risco de perder legitimidade.

*André Lara Resende, economista, graduado em ciências econômicas pela PUC-Rio, André  Lara Resende nasceu no Rio de Janeiro em 1951. É doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). Trabalhou mais de 30 anos no mercado financeiro e é um dos formuladores do Plano Real. Em seu livro mais recente, “Consenso e Contrassenso”, uma coletânea de ensaios, propôs uma virada nas perspectivas teóricas da macroeconomia. Foi diretor do Banco Central, negociador chefe da dívida externa e presidente do BNDES. Seus livros "Os limites do possível" e "Devagar e simples", publicados pela Companhia das Letras, ganharam o prêmio Jabuti em 2013 e 2015. 


Adriana Fernandes: Prorrogação do auxílio

Experientes observadores do jogo político dão como alta a probabilidade de o benefício emergencial continuar a ser pago

A prorrogação do auxílio emergencial por mais alguns meses já está na mesa. O ministro Paulo Guedes dificilmente conseguirá escapar desse caminho. Vai se consolidando uma convergência política para garantir a prorrogação do benefício, mesmo que pequena (no máximo dois meses).

Experientes observadores do jogo político dão como alta probabilidade a prorrogação. Essa percepção também foi passada pelo diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, durante apresentação de relatório mensal do órgão do Senado que avalia as contas públicas. Por enquanto, o movimento se dá nos bastidores das negociações políticas que envolvem também as votações de fim de ano e a eleição para a sucessão dos presidentes da Câmara e do Senado.

Mas qual a razão para a prorrogação?

A resposta é que nem o governo nem o Legislativo encontraram outra saída, nem de transição nem estrutural, para o dia 1.º de janeiro, quando acaba o auxílio. Faltam apenas 40 dias.

As incertezas geradas pela velocidade assustadora da alta de casos da covid-19 nos últimos dias empurram a decisão também nessa direção. A prorrogação do auxílio pode ser feita por crédito extraordinário, sem orçamento de guerra, e com o gasto fora do teto. A Emenda Constitucional 95 prevê essa válvula de escape.

O governo preferiu, nos últimos meses, jogar na retranca por causa das eleições, deixou de lado a discussão do novo programa social. Sem conseguir consenso para as medidas impopulares, Guedes passou a apostar na continuidade do programa Bolsa Família, sem grandes reforços – um refresco para a pressão “fura teto de gasto” que parte do governo. O mercado financeiro gostou e se acalmou.

O inusitado é que, agora no mercado, cresce também a corrente de que a prorrogação pode ser uma saída melhor do que dar espaço para furar o teto numa votação no afogadilho de fim de ano. “Com a pressão por causa do auxílio emergencial e a incerteza da atividade no ano que vem, e abrir uma discussão de PEC agora no final do ano, a chance de entrar uma derrapada fiscal é grande”, resume o economista-chefe da XP, Caio Megale. Para ele, melhor jogar para 2021 e discutir com mais calma o programa social.

Com PECs abertas para votação para cortar gastos, a possibilidade de se aprovar uma exceção no teto para o novo programa social não poderia ser descartada. É só ver a lista de lideranças influentes que apoiam deixar o programa social fora do teto, combinado com corte de renúncias tributárias para aumentar a arrecadação ou tributação do andar de cima, como defende a oposição.

Como a hora da verdade para as reformas estruturantes não chegou depois do primeiro turno das eleições municipais e nem vai chegar com o fim do segundo turno, o pensamento no mercado tem sido que é melhor empatar o jogo nas poucas semanas que faltam até o início do recesso parlamentar. Ninguém perde ou ganha e fica tudo para o início de 2021.

O que se pode esperar até o fim do ano é um avanço na aprovação de novos marcos regulatórios e outros projetos, que, embora não sejam PECs, são também importantes. Além da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Já o Orçamento deve ficar para o ano que vem. Para o primeiro semestre do ano, sobraria a última janela de avanço das reformas no governo Bolsonaro.

“O cenário pode abrir uma janela de oportunidade no início de 2021 para avançar na PEC emergencial, importante para blindar o arcabouço fiscal em 2022, ano eleitoral”, avalia.

Ponto importante que mostrou reportagem do Estadão de sexta-feira é o acordo do governo e lideranças políticas com o TCU para uma regra de transição para abrir caminho ao empenho de recursos na reta final do ano para obras que serão executadas ao longo de 2021. O jeitinho que foi cobrado pelos parlamentares, com crítica ácida ao TCU de “apagão de canetas”, está se consolidando.

Enquanto a prorrogação do auxílio não sai, o debate do momento tem sido de que houve exagero na concessão da ajuda e que muita gente recebeu sem precisar. É bom lembrar, no entanto, as condições de urgência em que ele foi montado e também reforçar que o auxílio não tinha como foco somente a contenção da pobreza.

O objetivo do auxílio foi, sim, conter a queda de renda dos informais, mas de modo a propiciar condições para que eles cumprissem o isolamento. O auxílio não seria efetivo como estímulo ao isolamento caso fosse só para pobres ou tivesse valor muito baixo, ainda mais nas metrópoles, onde informais auferem rendimentos maiores e são exatamente os locais de maior aglomeração urbana. Se a piora da pandemia acelerar nos próximos dias, o anúncio da prorrogação pode até vir antes.


Adriana Fernandes: A indiferença com o apagão no Amapá

Demorou simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos social no Estado

Enquanto o Brasil assiste há quatro dias ao eletrizante desfecho das eleições dos Estados Unidos, um apagão parou o Amapá e jogou um Estado inteiro no escuro e caos provocado pela corte do fornecimento de luz.

A gravidade do problema, em meio à pandemia do coronavírus, se choca com a indiferença do resto do País com o drama vivido pelos amapaenses, que já dura o mesmo tempo da contagem dos votos da disputa entre Donald Trump e Joe Biden.

Demorou simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos social no Amapá, com todas as consequências que a falta de abastecimento de energia gera para a população, inclusive de segurança. Imagine quatro dias sem luz, água (o fornecimento depende de energia), combustível nos postos e hospitais abastecidos por geradores…

O pedido de SOS teve mais eco na bolha das redes sociais do que nas autoridades. O governo federal montou um gabinete de crise, mas pouco se viu dos ministros de Bolsonaro (tão ávidos a divulgar “entregas” nas suas redes sociais), como mensagens de apoio ou no mínimo de solidariedade às famílias do Amapá. Silêncio geral. Até porque o problema é de tamanha complexidade que ninguém quis se expor, já sabendo que a solução poderia demorar muito mais tempo – como de fato está ocorrendo.

Quem quer se meter em confusão? Bom mesmo é dar publicidade e anunciar as tais entregas paroquiais. Bolsonaro fez um breve comentário durante uma live e com uma postagem da Casa Civil, informando a criação do gabinete de crise.

É bem provável que muito menos teria sido feito, não fosse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do Amapá, somada à dependência do governo em relação ao Congresso para acelerar a agenda de votações e sair dessa buraqueira fiscal em que se encontra. Alcolumbre foi avisado pelo ministro Bento Albuquerque de que a crise era grave durante uma sessão de votação de vetos.

À coluna, técnicos experientes do setor afirmam que não se vê nada da mesma dimensão desde a noite de 10 de novembro de 2009, quando houve falha nas linhas de transmissão de Itaipu. A queda brusca na demanda de energia levou ao desligamento automático das 20 turbinas da usina, deixando quase 90 milhões de pessoas sem energia elétrica e afetando 18 Estados – quatro deles ficaram completamente sem fornecimento de eletricidade. A diferença entre o blecaute de 11 anos atrás e o de agora é que o fornecimento de energia foi normalizado em poucas horas.

O Amapá está conectado ao Sistema Interligado Nacional (a rede de linhas de transmissão), desde 2015, por meio de uma única linha. O investimento é privado: antes, era da espanhola Isolux, que entrou em recuperação judicial, atualmente Gemini Energy, controlada por fundos de investimentos. São quase 1,2 mil quilômetros de linhas entre Manaus (AM) e Macapá (AP). Foi na subestação dessa empresa que ocorreu a explosão.

Dos três transformadores, um estava em manutenção, um explodiu e o outro foi danificado pelo fogo. Se a operação para purificar o óleo desse equipamento der certo, 70% do Estado poderá ter o fornecimento de energia retomado neste fim de semana – e o governo não descarta a possibilidade de racionamento de energia até que a situação possa ser normalizada. Se der errado, ainda pode levar mais uma semana a chegada de um novo equipamento desse porte até o Estado, já que ele precisa ser desmontado, transportado por avião ou balsas e montado novamente. Uma operação de guerra terá que ser lançada.

Embora o incidente tenha ocorrido numa empresa privada, o Amapá tem outros problemas quando se trata de energia, algo que expõe uma série de fragilidades que criam um ciclo vicioso muito além da falta de investimentos.

A distribuidora CEA, do governo do Estado, responsável pelos postes, nem sequer tem contrato de concessão: opera em um regime precário, à espera de uma privatização, e vive em dificuldades financeiras há pelo menos 15 anos.

Em 2007, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomendou ao Ministério de Minas e Energia que cassasse a concessão e a licitasse para um novo operador – o governo negou. Até hoje a União tenta organizar um leilão para privatizar a companhia.

É emblemático que a Amazônia receba tanta atenção e uma crise desse tamanho passe ao largo. Se o apagão fosse em qualquer outro lugar do “sul” do Brasil, estaríamos vivendo um quadro de comoção nacional. Mas o Amapá está sendo tratado como periferia e o Brasil está de costas para ela. Seguimos acompanhando as eleições norte-americanas.


Adriana Fernandes: Incompetência e a barreira dos 100%

Com a perspectiva de recorde negativo, País pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida

Em dezembro de 2017, o governo anunciava que um dos principais indicadores da sustentabilidade das contas públicas estava perto de atingir um limite perigoso. O Banco Central tinha acabado de projetar que a dívida bruta do País fecharia em valor bem perto de 80% do PIB no ano seguinte.

Chegar a 80% era considerado na época uma espécie de barreira a ser evitada a qualquer custo, a partir da qual, se rompida, a leitura seria imediata: um aumento considerável dos riscos para a execução das políticas monetária e fiscal diante da percepção de uma trajetória explosiva do endividamento público. Agências de classificação de risco entendiam que esse patamar indicava um quadro de descontrole da dívida para economias emergentes com o perfil como o do Brasil.

Pois nessa sexta-feira, o BC anunciou oficialmente que a dívida bruta ultrapassou a barreira de 90% do PIB. E o Ministério da Economia reconheceu, pela primeira vez, que o indicador vai ultrapassar os 100% do PIB nos próximos anos.

Pelas novas projeções, o Brasil fecha 2020 numa combinação perversa: as dívidas bruta e líquida (que desconta as reservas internacionais) chegam ao final do ano em patamares recordes. O pico anterior da dívida líquida, que por muitos anos cumpriu o papel de principal indicador de solvência do Brasil, tinha sido na crise econômica brasileira de 2002.

Naquela época, a dívida líquida havia subido por conta da alta do dólar provocada pelo temor de que Lula, caso eleito presidente da República, daria um calote. Com o compromisso assumido pelo ex-presidente de manter o tripé macroeconômico, o dólar caiu e a dívida líquida também.

Agora, como Brasil tem hoje mais ativos do que passivos em dólar, a queda da moeda norte-americana não reduz o endividamento como aconteceu em 2002. Pelo contrário, pode até piorar se o câmbio recuar. O problema, portanto, passa a ser estrutural.

A perspectiva de duplo recorde negativo da dívida do País reforça a percepção de que o governo flerta com a falta de planejamento e pode enfrentar em 2021 uma crise da dívida. Além do fantasma da segunda onda do coronavírus, que já é realidade na Europa, enquanto o Brasil ainda nem saiu da primeira.

Se o governo precisar injetar mais recursos na economia, como fazem agora os países europeus, a demora e a desorganização para a arrumação da casa trará custos ainda maiores.

Pela fotografia de hoje dos números projetados pelo próprio governo, Bolsonaro entrega para o seu sucessor, mesmo que seja ele próprio no caso de uma reeleição, um quadro muito pior daquele que foi entregue ao ex-presidente Lula.

Impossível não deixar de registrar que, enquanto a espiral negativa cresce, a semana passou com o presidente da República concentrado em reduzir tributo para videogames, renovar incentivos para a indústria automobilística, e acirrar disputas políticas sobre vacinas.

O ministro Paulo Guedes renovou mais uma vez a guerra santa com seu desafeto e colega de Ministério, Rogério Marinho, e de quebra subiu o tom dos ataques à poderosa Febraban, a associação dos grande bancos.

O articulador político do governo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, que deveria estar em campo para encaminhar os problemas, se envolveu numa briga de tuítes com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Se não bastasse esse cenário de desgoverno, a ciranda chegou até o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e foi parar no presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Tudo isso numa única semana.

Líderes governistas dizem que tudo estará encaminhado até o final de 2020 e que há uma tentativa de pintar o caos. Talvez seja isso que eles queiram. Deixar passar no Congresso tudo bem rapidinho com aquelas votações relâmpagos de fim de ano - chamadas de fim do mundo - que só se descobre o estrago tempos depois. O caos são eles!


Adriana Fernandes: Proposta de plebiscito no Brasil é debate às avessas do movimento chileno

Não é correto responsabilizar a Constituição por todas as escolhas ruins que foram feitas por vários e vários governos

BRASÍLIA - Na esteira do movimento ocorrido no Chile, é oportunista a declaração do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), propondo a realização de um plebiscito para que os brasileiros decidam sobre a elaboração de uma nova Constituição.

Sob o argumento de que a Carta Magna transformou o Brasil em um “País ingovernável”, Barros culpou as regras do Orçamento com o argumento de que o Brasil não tem mais capacidade de pagar a sua dívida, que com o efeito da pandemia do coronavírus cresceu muito.

Não é correto responsabilizar a Constituição por todas as escolhas ruins que foram feitas por vários e vários governos. A Constituição não determinou a elevação das renúncias tributárias de 2% para 4,3,% do Produto Interno Bruto (PIB), as várias ineficiências dos programas de governo, a corrupção, a contratação de grande quantidade de servidores, as remunerações acima do teto, os penduricalhos, os seguidos Refis (parcelamento de débitos tributários) que beneficiaram os devedores contumazes, as obras faraônicas sem retorno social e econômico, os R$ 200 bilhões de subsídios via BNDES e outras fontes de transferência de recursos para setores privilegiados, além da falta de prioridade política nas últimas duas décadas para fazer a reforma tributária e cobrar do “andar de cima”.

Não precisa fazer uma nova constituição para dar conta da rede de proteção prevista na Constituição. Tem é que ter coragem para enfrentar o ajuste e as medidas necessárias.

A Constituição tem defeito. Entre elas, amarras que engessam o Orçamento. Mas por que falar de mudanças justo agora quando faltam poucas semanas para uma série de encaminhamentos de medidas de ajuste para 2021? Passa a impressão de que o líder está sinalizando que o governo pouco pode fazer para costurar um acordo no Congresso para medidas que apontem um rumo para 2021 diante do ímpeto gastador dos aliados do presidente Bolsonaro. Estaria o líder jogando a toalha?

Como líder do governo, Barros deveria estar mais preocupado com a criação das condições políticas para a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que poderia ajudar o País a sair do impasse fiscal e orçamentário que tem alimentado as incertezas sobre o futuro da economia.

Como definiu a procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, Élida Graziane Pinto, ferrenha defensora dos recursos para saúde e educação garantidos na Constituição, um plebiscito agora traria, na prática, uma espécie do debate chileno às avessas: uma desconstitucionalização das garantias de saúde e educação públicas universais e um retrocesso brasileiro na contramão da revolta social chilena.