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Adriana Fernandes: Os caminhos da reforma tributária

O ambiente favorável de hoje ainda não é o daquela situação em que se diz 'agora vai'

É inegável que reforma tributária ganhou novo impulso com o envio da proposta do governo esta semana ao Congresso. Foram muitos meses de espera para que o ambiente político estivesse amadurecido para o avanço das negociações.

Nem é preciso dizer que a recessão econômica no rastro da pandemia da covid-19 e a necessidade de retomada estão empurrando à força essa agenda de mudança tributária, considerada até mesmo mais complexa do que a reforma da Previdência pelos atores envolvidos com forças dispersas e poderosas do setor produtivo, sistema financeiro e políticas. Vide a gritaria geral do setor de serviços.

Mas para muitos que acompanharam, nas últimas duas décadas, de perto o front das negociações das inúmeras tentativas de reforma tributária, como esta colunista, é possível perceber que o ambiente favorável de agora ainda não é o daquela situação em que se pode dizer “agora vai”.

Foi assim com a reforma da Previdência no governo Bolsonaro depois do terreno semeado pelo governo Temer. A construção política em torno da reforma é ainda titubeante, com as forças divididas em frentes de interesse dispersos ainda sem convergência. O envio do projeto do governo obriga uma resposta do Congresso.

Por muito pouco, ao longo dos últimos anos, estivemos próximos desse momento. Na maioria dessas vezes, interesses políticos deixaram a reforma escapar pelas mãos. A última vez que o Executivo chegou próximo de ter os votos necessários para a aprovação da reforma foi em 2012. Já tem oito anos que isso aconteceu!

É muito tempo. De lá para cá, as tentativas ensaiadas foram de fatiar a proposta e enviar primeiro uma unificação do PIS/Cofins (dois tributos federais que incidem sobre o consumo) para completar o início da reformulação iniciada ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Desde então, todos os ministros da Fazenda tentaram tirar o projeto da gaveta. Guido Mantega tentou. Joaquim Levy, Nelson Barbosa, Henrique Meirelles e Eduardo Guardia também tentaram.

Paulo Guedes, agora, conseguiu tirar o projeto da gaveta e enviar ao Congresso. Não dá para negar o feito quando se observa o histórico desses quase 20 anos. A dúvida é saber se não chegou tarde o acordo político que viabilizou o envio do projeto de reforma fatiado do governo. Por mais que o governo deva ser e será um dos protagonistas do debate da reforma no Congresso, as lideranças já indicaram que vão tentar aprovar uma proposta mais ampla.

A posição dos governadores favorável a esse caminho tem peso, como também a da indústria nacional que tem patrocinado a PEC 45 da Câmara.

A grande questão agora é saber como o Congresso, depois de um ano discutindo duas PECs de reforma (uma na Câmara e outra no Senado) vai receber o projeto do governo, diz à coluna o economista Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal da Fundação Getúlio Vargas.

Pesquisador atento aos meandros da política em Brasília, onde mora, Pires ressalta que a pandemia tornou mais favorável o ambiente para a reforma diante da necessidade de o Congresso apresentar uma resposta para a retomada econômica. Mas, por outro lado, ele observa que a crise econômica atual fragilizou mais o setor de serviços, hoje menos tributado, que terá aumento de carga tributária com o projeto de reforma de Guedes que impôs uma alíquota única de 12%. Por isso, ele defende a proposta do ex-ministro Nelson Barbosa de fixação de um prazo de transição gradual para a subida da alíquota. Pode ser uma solução.

Manoel Pires chama a atenção que, mesmo depois de aprovada, há um duro e penoso trabalho de regulamentação que levará tempo de negociação. Afinal, vale nesse caso o ditado de que o diabo mora nos detalhes.

É de olho nesses detalhes que as empresas dos múltiplos segmentos já começaram a se movimentar freneticamente em resposta à proposta do ministro. Um bom sinal na direção do amadurecimento político da reforma. Enquanto representantes do setor de serviços criticam e ameaçam travar a reforma no Congresso, um grupo de empresários da indústria publica no Estadão artigo para reforçar a ideia de que não há mais tempo a perder e que é urgente que as convergências superem as divergências em favor do Brasil.


Adriana Fernandes: Reforma tributária na crise

Debate acontece num momento em que todos os envolvidos na reforma estão com nervos à flor da pele

A arrecadação dos principais impostos cobrados pelo governo federal, Estados e municípios levou um tombo de 2,5 pontos porcentuais do PIB no primeiro semestre, marcado pela crise econômica provocada pela pandemia da covid-19.

O Termômetro Tributário Mensal coletado pela equipe do economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), antecipado à coluna, indica que é preciso ainda muita cautela na avaliação dos indicadores recentes de melhora da economia, comemorados pelo governo depois do “fundo do poço” do impacto da covid-19 registrado em abril.

Os dados do IDP apontaram que, em junho, a arrecadação total desses tributos recuou 27,7% em relação ao mesmo mês de 2019. A queda nas receitas de impostos dos Estados chegou a 29,3%, e nos municípios, a 19,4%. O recuo no governo federal foi de 27,4%, e só não foi maior devido à influência da arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), que teve a data de ajuste anual da declaração transferida de abril para junho justamente por causa da crise.

Em outra face da mesma moeda, a pesquisa “Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas” do IBGE revelou que 1,221 milhão de empresas adiaram o pagamento de impostos. Entre elas, 587 mil (48,1%) declararam que o fizeram sem apoio governamental.

O maior agravante foi que a pesquisa do instituto do governo mostrou, segundo reportagem da última quinta-feira da repórter Daniela Amorim, do Estadão, que a maioria das empresas que adotaram alguma ação em resposta à covid-19 não percebeu o apoio governamental.

Os dados do Termômetro Fiscal do IDP combinados com os do IBGE sinalizam que o quadro econômico é ainda de muita fragilidade. E mais: ainda há muitos problemas relacionados aos “remédios” aplicados pelo governo para o enfrentamento da covid-19. Uma agenda incompleta.

“Temos ainda um PIB para salvar”, diz José Roberto Afonso, um dos maiores especialistas em contas públicas do País. Ele projeta que, ainda que haja melhora, continuará ocorrendo quedas importantes da arrecadação até o final do ano.

Afonso chama atenção para o fato de que há uma enorme distância entre a emissão de notas fiscais eletrônicas, usadas como parâmetro pela Receita Federal para mostrar a melhora do desempenho da economia, e o efetivo recolhimento dos tributos.

É nesse cenário de incertezas que a reforma tributária deve começar a avançar na próxima terça-feira, depois que o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregar a proposta de criação de um tributo federal, o CBS, para adoção do modelo IVA na unificação do PIS/Cofins.

Depois de tantas promessas descumpridas de apresentação do texto, o envio da proposta do governo (ainda a se confirmar) acontece num momento em que todos os envolvidos diretamente na proposta, sobretudo as empresas, os Estados e os municípios, estão com nervos à flor da pele sob o impacto desastroso da covid-19 nos seus caixas.

Governadores e prefeitos estão sem recursos para arcar com os compromissos maiores de despesas, e empresas estão sendo profundamente afetadas pela recessão econômica e sem acesso a crédito. Todo mundo vai puxar a brasa para o seu pedaço sob o argumento de que houve muitas perdas com a crise.

Há a percepção na área econômica e também entre muitos parlamentares de que o momento é propício à reforma, porque a crise abriu a janela para um acordo em torno da proposta, o que não se consegue há anos.

Mas pode não ser bem assim. O simples anúncio do envio do projeto do ministro, com a possibilidade de uma alíquota entre 11% e 12%, já deixou os representantes do setor de serviços com o cabelo em pé. As empresas do setor são as mais afetadas pela crise e, a depender da proposta, terão aumento da carga tributária.

A reforma não tem o poder de resolver os problemas de uma hora para outra. Transformá-la em soluções para todos os impasses gerados pela covid-19 pode causar frustração. Temos o exemplo da reforma da Previdência. Não acordamos no dia seguinte com os problemas da economia brasileira resolvidos. A reforma tributária é importante, mas todo cuidado é necessário nessa hora para não colocar em suas costas o peso da solução para esta crise e acabar, com isso, aprovando um Frankenstein.


Adriana Fernandes: Apagão de dados

Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares

O apagão de dados sobre o auxílio emergencial de R$ 600 é muito grave. É obrigação do Ministério da Cidadania começar a abrir com detalhes essas informações para entendermos a real necessidade de prorrogação do benefício para além das duas parcelas anunciadas essa semana pelo presidente Jair Bolsonaro.

A proposta do Renda Brasil, como está sendo chamado o programa social do governo que vai substituir o Bolsa Família, não poderá ser bem avaliada se os especialistas não tiverem a real dimensão do seu alcance após os efeitos da pandemia, que ampliou a pobreza no País e vai tirar emprego de milhões de brasileiros.

O desenho inicial do programa social planejado pelo Ministério da Economia, como mostrou o Estadão, revela que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende ampliar de R$ 32 bilhões para R$ 51,7 bilhões a destinação de recursos após o fim do auxílio. Maior espaço fiscal está sendo buscado para ampliar a verba, mas a equipe econômica quer que tudo fique dentro do teto de gastos, que é no momento a sua principal âncora fiscal.

Especialistas no tema, porém, avaliam que o aumento nos recursos é pouco para a realidade pós-covid. Eles fazem as contas: 60 milhões de brasileiros, que recebem hoje o auxílio, devem ficar de fora do Renda Brasil.

Como fazer uma apuração detalhada se o governo não abre a caixa-preta que se tornou o auxílio? Nem mesmo informações solicitadas pela Lei de Acesso à Informação (LAI) estão sendo respondidas. Na maioria dos casos, os pedidos da imprensa profissional são atendidos de forma protocolar, com respostas até mesmo desconectadas com as perguntas.

Quantas pessoas foram aprovadas a receber o auxílio? Quantas efetivamente receberam? Quantas tiveram os pedidos negados? Quais os motivos? Quantos pedidos estão em análise e, até mesmo, quantas famílias foram cortadas do próprio Bolsa Família, contrariando o período de suspensão dos cancelamentos determinado por portaria ministerial? Quais os Estados e municípios dessas pessoas, para que se possa preparar a Defensoria Pública e até mesmo os gestores? Perguntas ainda sem respostas.

Enquanto faltam dados precisos, alertas de organizações sociais têm chamado a atenção para a decisão do governo de passar todos os beneficiários para a poupança digital criada automaticamente pela Caixa Econômica Federal, mesmo que tenham indicado conta já existente em outro banco na solicitação do auxílio.

Essa restrição provocou distorções e, até mesmo, o roubo criminoso que permitiu a movimentação indevida do valor do auxílio emergencial, trocando o e-mail e o telefone cadastrados. Casos sobre fraudes são expostos todos os dias, enquanto pelo menos 10 milhões de pessoas ainda aguardam resposta para receber o auxílio, mesmo depois de 80 dias do início dos pagamentos.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, só divulga o que quer e esconde os dados mais importantes sobre o programa de transferência de renda para os desassistidos na pandemia do coronavírus. Nem mesmo justifica a falha de cruzamento para detectar pessoas muito ricas aprovadas para receber a renda emergencial. Ou estão sonegando ou o sistema é muito falho mesmo?

O cronograma estendido até meados de setembro para a liberação do dinheiro da terceira parcela indica que o pagamento das outras duas poderá ir até dezembro. Um grande problema para um programa que é emergencial.

Muito se tem falado sobre a falta de transparência de dados no governo Bolsonaro. O episódio mais dramático foi a tentativa do Ministério da Saúde de esconder os números das mortes e dos contaminados pela doença.

Esses casos não são pontuais. Pelo contrário, se alastram na Esplanada. Uma lei de silêncio tem sido imposta a tudo que é relacionado aos militares. O Ministério da Economia, que deveria cuidar do impacto nas contas públicas, tem recorrentemente evitado comentar quando o assunto é relacionado aos militares. Até mesmo sobre informações publicadas no Diário Oficial ou notas técnicas preparadas pelo próprio ministério.

Reportagem do Estadão mostrou o impacto de R$ 26,5 bilhões em cinco anos de apenas um dos penduricalhos salariais aprovados pelo Congresso com as bençãos do presidente Bolsonaro. É quase um ano de Bolsa Família apenas com uma bonificação salarial dada aos militares que fizeram cursos ao longo da carreira.

O governo não quis explicar. Assim como também não quer revelar quantos militares da reserva estão trabalhando hoje no Executivo recebendo um adicional de 30%. Por que será?


Adriana Fernandes: Diálogo da Renda Básica

O tema amadureceu diante do aumento da pobreza e dos milhões de ‘invisíveis’ do País

Ninguém segura mais o debate sobre o fortalecimento dos programas sociais na direção de uma renda básica no Brasil após o fim do auxílio emergencial de R$ 600, criado na pandemia do coronavírus para socorrer a população de baixa renda.

Ele está em pleno voo, como tem mostrado uma série de reportagens do Estadão. O tema amadureceu com velocidade inimaginável há seis meses, diante do aumento da pobreza durante a pandemia, que clareou a fotografia dos milhões de “invisíveis” no País.

Congresso e governo se movimentam para não perder esse bonde que se movimenta em alta velocidade por sobrevivência política. Cada um a seu modo. A questão no momento é como financiar o aumento das transferências sociais num cenário de piora das contas públicas, com a dívida pública no caminho de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) e a restrição do teto de gastos.

Se quiser mesmo avançar num programa de fortalecimento dos programas sociais e não ser atropelado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá de chamar para o diálogo (melhor que seja o mais rápido possível) os parlamentares e os principais especialistas do tema no Brasil envolvidos na elaboração de uma proposta de renda básica.

Eles são muitos e com grande experiência acumulada em quase 30 anos, desde a apresentação do primeiro projeto de lei de garantia de renda mínima, pelo ex-senador Eduardo Suplicy em abril de 1991.

O grupo tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que quer ver aprovado o novo programa ainda durante sua gestão no comando da Casa, para deixar sua marca reformista.

Nessa negociação, o governo, que desenha o Renda Brasil (programa que pretende colocar no lugar do Bolsa Família), não poderá fazer o que fez durante a implementação do auxílio emergencial de R$ 600. Não ouviu quem muito sabe do assunto e não deu transparência total aos dados do programa, sobretudo às informações dos pedidos negados e em análise. O auxílio completa 80 dias neste sábado e tem gente que ainda está em análise.

Muitos erros que ocorreram na implementação do benefício foram apontados antes por esse grupo e ignorados pelo Ministério da Cidadania. Agora, a pressão da sociedade civil aumentou para estender o auxílio até o final do ano (ou seja, mais seis parcelas), e o governo tenta organizar e oferecer a prorrogação por mais três parcelas de R$ 500, R$ 400 e R$ 300, resultando num valor total de R$ 1.200.

O governo tenta ganhar tempo para fechar sua proposta. Uma espécie de transição para impedir, na prática, que não só o Congresso amplie muito as parcelas do auxílio (elevando o endividamento público) mas também que o fim do auxílio fique com o carimbo do presidente Jair Bolsonaro.

Há poucos dias, Bolsonaro disse que não tinha dinheiro para manter o valor do auxílio. Depois voltou atrás, durante a live da última quinta-feira, com a oferta dos R$ 1.200 em três parcelas. O anúncio ocorreu no mesmo dia em que um grupo de 45 parlamentares apresentou projeto de lei para conceder mais seis parcelas e alterar as regras.

A negociação está só começando, e o mais provável é um entendimento no meio do caminho, provavelmente três parcelas de R$ 600. Cada uma delas ao custo de R$ 51,5 bilhões.

A oposição a Bolsonaro já viu que a digital do presidente no programa pode lhe favorecer nas próximas eleições, principalmente em redutos onde não tinha penetração. Com esse perigo, não dá sinais para o diálogo. Pelo contrário, afirmam que Guedes, com sua cartilha liberal, blefa ao falar de aumento dos programas sociais.

Sem o diálogo, as mudanças legais para arrumar o dinheiro que vai irrigar as transferências não serão aprovadas, mesmo com a aliança entre Bolsonaro e as lideranças do Centrão.

A equipe econômica não blefa quando acena com o fortalecimento dos programas por uma simples razão. Não quer perder o teto de gastos e tenta de alguma forma “organizar” as prioridades para conseguir abrir espaço nas despesas para a política social. Para isso, gastos terão de ser revistos e enfrentados pelo Congresso.

Como mostrou o Estadão, cálculos da equipe econômica já apontam a intenção de dobrar o orçamento do Bolsa Família, de R$ 32 bilhões, com remanejamento de despesas de programas ineficientes.

O tempo dirá se é blefe ou necessidade de tomar a dianteira para não ser atropelado pela mudança do teto ainda esse ano, que está na berlinda. A flexibilização do teto parece cada vez mais inevitável, mesmo com a avaliação da equipe econômica de que dá para aumentar os recursos para o programa social sem mexer nele.

O tempo dirá. Maia surpreendeu ao não descartar a mudança no teto em live promovida pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Por ora, o que se pode esperar é uma renda mínima que contemple mais pessoas. Não será uma renda básica universal e sem condicionantes. Mas ficará mais próxima dela. Não será pouco garantir essa mudança, diz à coluna o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, que reúne 163 organizações da sociedade civil. O diálogo passa por elas.


Adriana Fernandes: Velha política

O futuro de Guedes está atrelado ao apoio do Centrão nas próximas votações

A queda relâmpago de Alexandre Borges Cabral, o indicado pelo Centrão para a presidência do Banco do Nordeste (BNB), mostrou falhas e atropelos no ritual de checagem dos nomes apresentados pelas lideranças dos novos aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O “sistema de informação” do presidente não funcionou bem.

Não foi uma boa estreia para a “nova-velha” política de coalizão que Bolsonaro busca com o casamento com as lideranças do Centrão que, aliás, já deu resultados em votações importantes para o governo nas últimas semanas.

Cabral caiu menos de 24 horas após sua posse, no rastro da revelação pelo Estadão de que era alvo de uma apuração conduzida pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre suspeitas de irregularidades em contratações feitas pela Casa da Moeda durante sua gestão à frente da estatal, em 2018. O prejuízo é estimado em R$ 2,2 bilhões.

A indicação acabou não passando pelas checagens que costumam ser feitas pela Secretaria de Governo do Palácio do Planalto, que podem vetar a indicação. Com isso, não houve o alerta interno das investigações em curso contra Cabral no TCU, o que gerou a decisão de sua exoneração.

A queda foi rápida; porém, nada tem a ver com algum tipo de resistência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em ceder cargos do seu vasto ministério, com cinco bancos públicos e outras tantas estatais.

A porteira foi aberta com a presidência do BNB e vai continuar com novas indicações. O loteamento do Centrão avançará em cargos nas estatais e ministérios. Serão muitas indicações nas próximas semanas, já falam abertamente integrantes da área econômica.

É o preço a pagar não só para impedir o impeachment e garantir a governabilidade do presidente Bolsonaro. Trata-se de uma questão de sobrevivência de Guedes no cargo. O seu futuro e da sua equipe estão umbilicalmente atrelados ao apoio do Centrão, que por ora se mostra totalmente alinhado com a ala militar desenvolvimentista do governo.

Pontes de diálogo foram lançadas pelo ministro. A travessia passa pela oferta de cargos e mudanças de políticas. Detalhe: não se ouviu nenhuma reclamação pública de algum líder do Centrão sobre a saída do novo presidente do BNB. Também ninguém se apresentou como padrinho do presidente demitido. Silêncio total.

Com o País quebrado pelo estrago da covid-19, Guedes precisa de votações rápidas para “salvar” a sua política e agilizar a retomada da economia. Com o Centrão em oposição, perde a parada. O ministro já teve um aperitivo ruim na frustrada tentativa de aprovar os seus projetos depois da votação da reforma da Previdência. Nada andou e a retomada da economia entrou cambaleante em 2020 até ser ferida de morte pelo novo coronavírus.

O ministro tem pouco tempo para mostrar os resultados da sua política após a economia entrar numa fase de maior normalidade pós-covid. Os números crescentes de contaminação e mortes mostram que vai demorar mais. Seria impossível aprovar as medidas com uma base de apoio de vinte e poucos parlamentares e um punhado de simpatizantes.

A aprovação da reforma da Previdência foi suada, com uma negociação no varejão que custou caro. Para avançar nas novas pautas, o ministro terá de fazer concessões. Elas já começaram e podem passar, inclusive, pela flexibilização da regra do teto de gastos. É proibido se surpreender com a capacidade política de mudar as narrativas. O retorno da velha para a nova política é a prova desse pragmatismo.

A porteira das suas estatais é só a face mais visível do que está sendo negociado, como também foi o fim do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que tanto prejuízo trará no futuro para a fiscalização da Receita e arrecadação do governo.

Como Guedes comanda um superministério e detém muitos poderes, tem muito a oferecer. O mercado financeiro já viu que a área econômica pode ganhar mais com a nova aliança. A resposta tem sido uma melhora consistente dos indicadores. Não só pelo otimismo vindo de fora do País. Os investidores estão se antecipando aos efeitos positivos que essa aliança com o Centrão pode garantir nas votações. Sem medo do Centrão apelidado de gastador.

Guedes quer preservar BNDES, Caixa e Banco do Brasil do loteamento político. O tempo dirá se vai conseguir.


Adriana Fernandes: PIB mostra que Guedes vai precisar muito mais do que gogó para retomada da economia

O ministro da Economia, Paulo Guedes parece ter exagerado nos argumentos de que a economia estava voando antes da economia

O resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos três primeiros meses do ano, divulgado nesta sexta-feira, 29, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que a economia brasileira nem de longe estava “decolando” antes da pandemia do coronavírus.

Sem surpresas, o instituto informou que a economia brasileira encolheu 1,5% no primeiro trimestre de 2020 em comparação ao quarto trimestre do ano passado com cerca de um sexto do período afetado pelos efeitos da paralisação das atividades da pandemia no Brasil, a partir da segunda quinzena de março.

Como reconhece a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, em documento divulgado nesta sexta-feira para comentar o PIB, a economia apresentava “sinais” de retomada, após dados fracos de atividade no último trimestre de 2019. Eram, portanto, sinais ainda não consolidados, com os meses de janeiro e fevereiro marcados por “bons” resultados nos indicadores de arrecadação, mercado de trabalho e atividade. Nada excepcional a comemorar.

O ponto mais negativo foi a queda do consumo das famílias de 2% em relação ao quarto trimestre do ano passado – a primeira diminuição desde o último trimestre de 2016 e a maior retração desde 2001. Do lado positivo, a alta de 3,1% dos investimentos (FBCF), explicado pela SPE pela melhora que ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro deste ano.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, parece ter exagerado nos argumentos de que a economia estava voando antes da economia. Consumo estava melhorando, e com queda de juros, parecia que ia continuar nessa toada positiva. Mas a economia ainda não tinha decolado da forma como o ministro fala. Muitos entraves a serem resolvidos e dificuldades da equipe econômica em emplacar a sua agenda depois da reforma da Previdência.

Por praxe, ministros da economia têm que ser otimistas. Vender bem o seu peixe. No caso de Guedes, há também outra explicação. O desempenho fraco da atividade no último trimestre do ano passado já havia colocado pressão do Palácio do Planalto para a equipe de Guedes mostrar resultados.

Retomada lenta incomodava o presidente e o seu círculo de auxiliares mais próximos. A pandemia só amplificou esse debate, como já mostrado no episódio da disputa em torno do programa Pró-Brasil, para ampliar o investimento público em infraestrutura.

Quadro que tende a piorar com o impacto da pandemia mais forte no mercado de trabalho, diante do fracasso, em alguns casos, e da demora das linhas de crédito de socorro para as empresas.

Tudo isso deve acentuar a tensão entre Bolsonaro e governadores por reabertura mais rápida da economia, como já está acontecendo em muitos Estados. Mal feita, essa abertura pode atrasar ainda mais a recuperação da economia depois do tombo assustador do PIB que está contratado e por vir.

Guedes tem dito que a economia vai crescer em “V” depois da pandemia e que gosta da imagem do pássaro ferido, que quer começar a voar e precisa das duas asas de novo. Vai precisar muito mais que palavras estimulativas desse tipo para coordenar o processo de recuperação com a responsabilidade que o cargo impõe.


Adriana Fernandes: Intransigências

À espera da explosão do desemprego, o tema é hoje a maior cobrança do presidente para a equipe econômica

Chamou bastante a atenção dos gestores do mercado financeiro que participaram esta semana de uma live fechada, organizada pelo BTG, a fala do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP).

Uma das principais lideranças do Centrão e também na lista dos cotados para substituir Rodrigo Maia (DEM-RJ), Pereira falou do movimento esperado, nos próximos meses, para a ação das duas alas (bastante distintas) que existem hoje no governo Jair Bolsonaro. A ala militar e a da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Na live, Marcos Pereira abriu o jogo e acabou revelando palavras a ele ditas pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto, em reunião na semana retrasada, na Câmara dos Deputados com outros presentes. “Daqui a alguns meses o governo terá de enfrentar a intransigência do ministro Paulo Guedes”.

Nesse caso, a intransigência apontada pelo líder do Centrão e ex-ministro da Indústria e Comércio Exterior continua sendo a disputa em torno de uma maior participação do Estado para tirar a economia do buraco depois da reabertura na fase pós-pandemia da covid-19.

Essa é uma divisão bem mais ampla do que aquela em torno do confronto observado na divulgação do polêmico programa Pós-Brasil, lançado no mês passado com o aval da ala militar e que expôs publicamente, pela primeira vez, as entranhas da divisão entre esses dois grupos dentro do governo.

A disputa vem ganhando fôlego também com o debate em torno da extensão dos programas de assistência à população mais vulnerável. O que está fazendo a diferença cada vez mais é o apoio dos novos aliados do presidente do Centrão, que já escolheram o seu lado: a ala militar.

Por isso, o mercado está tão interessado em ouvir aquelas lideranças dos partidos do Centrão, que já estão abertamente juntas do presidente, para ver onde e como a banda vai tocar daqui para frente.

No primeiro momento, Guedes teve o apoio do presidente Bolsonaro. “Quem manda é o Guedes”, reforçou o presidente depois da tensão provocada com o Pós-Brasil no mercado, que reagiu na época com alta dos juros, dólar e queda da Bolsa.

O debate em torno do Pós-Brasil parece assunto velho, mas não é. O Pós-Brasil e a avaliação de muitos dentro do governo de que o Ministério da Economia é grande demais continuarão assombrando Guedes nos próximos meses. A percepção que ficou para os participantes da live é que Marcos Pereira passou a avaliação de militares, que continuam insatisfeitos com a reação da equipe econômica para a retomada.

Está claro para as duas alas que o encontro marcado com a intransigência, a que se referiu Marcos Pereira, será o momento em que os dados oficiais mostrarem aquilo que todo mundo já espera: a explosão do desemprego.

A expectativa é de que o estrago da pandemia no mercado de trabalho vai ficar mais definido em julho e agosto. Os dados apresentados, na quinta-feira à noite, pela secretaria de Trabalho já apontam nessa direção. Os pedidos de seguro-desemprego tiveram um salto na primeira quinzena de maio. Um aumento de 76,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Recente estimativa do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas indicou que o mercado de trabalho tem mostrado uma rápida piora de seus indicadores em consequência da pandemia. Para o ano de 2020, a previsão é que a taxa de desemprego atinja uma média de 18,7%, uma alta de quase 7 pontos porcentuais em relação ao ano anterior.

Uma resposta rápida ao aumento do desemprego será sem dúvida fator de pressão do Palácio do Planalto que vai se intensificar. É quando as duas forças vão mostrar a sua força. Emprego é hoje a maior cobrança do presidente na equipe econômica. No vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado com autorização do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro fala para Guedes que 10 milhões de “carteiras assinadas vão para o saco”.

Se antecipando à pressão, Guedes tenta resgatar a construção de uma agenda para a retomada – ainda sem ganhar o entusiasmo dos parlamentares.

O ministro falou nesta semana em um novo contrato de trabalho emergencial simplificado para aumentar as contratações e acenou com a extensão do auxílio emergencial de R$ 600. “É possível… eu não vou dizer que é provável…, mas é possível que aconteça uma extensão…, mas será que a gente tem o dinheiro para fazer a extensão a R$ 600? Acho que não…”, disse Guedes a empresários do setor de serviços, o mais prejudicado pela crise.

O diagnóstico após a declaração do ministro é de que com esse aceno ele já começou a fazer uma guinada, mesmo que tímida, para diminuir a pressão. O problema, porém, só começará a ser resolvido quando o crédito para as empresas, principalmente para os pequenas, começar a fluir. Até agora, sem sinais de solução e com consequências negativas justamente para o emprego.


Adriana Fernandes: As disputas de Guedes

Se tem algo que incomoda o ministro na aliança entre Bolsonaro com o Centrão é um avanço sobre os bancos públicos

Se tem alguma coisa que pode tirar o ministro da Economia, Paulo Guedes, do sério na aliança em construção do presidente Jair Bolsonaro com o Centrão é a tentativa de avanço sobre os bancos públicos: BNDES, Caixa e Banco do Brasil. Esse é o sinal.

O presidente já atropelou pontos importantes da agenda econômica do ministro, mas ao final os dois acabam sempre arrumando um jeito de acertar os ponteiros, numa relação simbiótica de patamar bem diferente daquela que havia entre Bolsonaro e Sergio Moro.

É só fazer uma retrospectiva dos embates em torno das empresas retiradas do alvo do programa de privatização, a reforma administrativa, a autorização para lançamento do Pró-Brasil, o congelamento de salários dos servidores públicos e o atraso do presidente em vetar a lei do auxílio emergencial aos Estados e municípios. Isso só para citar a lista mais recente das disputas bolsonarianas com o seu ainda superministro.

Após a tensão de ontem, em Brasília, com a demissão do ministro da Saúde, Nelson Teich, Guedes fez discurso no Palácio do Planalto de completo apoio à estratégia do presidente, ao lado de outros três ministros. “O presidente é um homem determinado”, justificou. Em discurso alinhadíssimo, apelou: “Vamos subir em cadáveres para se aproveitar do governo?”

Guedes já havia participado da marcha empresarial de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e da polêmica videoconferência em que o presidente instigou a guerra dos empresários com os governadores. Ele também assinou a Medida Provisória (MP), considerada inconstitucional, e que isenta agentes públicos de serem responsabilizados por erros que cometerem durante o enfrentamento da pandemia da covid-19 ou de seus efeitos na economia do País.

“Tamo junto”. É o que diz o ministro sobre o presidente. Mesmo que o presidente esteja demorando (já passou uma semana) para vetar artigo da lei que permite reajustes de dois terços dos servidores públicos. Guedes cobra e Bolsonaro dá tempo para governadores e prefeitos darem os reajustes. Mas ele estava lá no Palácio.

Como revelou o Estadão, foi tudo acertado com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, para o reajuste dos salários de policiais. Guedes chiou? Não. A assessores, diz que o acerto dos reajuste já havia feito há seis meses. E a espera continua.

Guedes já aceitou indicações políticas para cargos do seu gigantesco ministério e deverá aceitar outros. Os indicadores dos cargos terão que cuidar dos seus indicados. Numa espécie de porteira fechada às avessas. Eles que respondam pelos seus erros.

Mas não mexam no quintal mais importante do seu jardim. É o que ministro chama de “principais ferramentas” para a sua política econômica. Essas ele não abre mão, como ocorreu na reação ao Plano Pró-Brasil, lançado a sua revelia e momento em que chegou a pensar se valia a pena continuar no governo. É mexer no que ela acha que está no caminho certo.

A blindagem dos bancos públicos é central para a equipe econômica. Tem gente de olho também na secretaria especial que representava o antigo ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Por isso, as notícias recentes de divisão do Ministério da Economia.

Como a divisão do ministério, os bancos também estão na mira do Centrão.

É onde tem o poder da concessão do crédito e onde o teto de gasto não é uma restrição. Basta decisão política. Explico: as capitalizações de empresas estatais estão fora do teto. É um espaço de cobiça para 2021, quando o Orçamento de Guerra não estará mais em vigor, assim como a licença para gastar com dinheiro do Orçamento.

A Caixa é o principal alvo. Ainda mais agora que é a responsável pela distribuição do auxílio emergencial de R$ 600 para a população de baixa renda e os trabalhadores informais atingidos pela covid-19. Uma arma eleitoral e de prestígio tão poderosa que dificilmente o ministro e sua equipe conseguirão acabar com o benefício no prazo determinado.

Se antecipando, o Ministério da Economia começou a desenhar uma reforma na política social para depois da pandemia, já que não conseguirá manter os R$ 600 para tanta gente, mas sabe que terá que dar uma resposta nessa área. Imprescindível para o momento. Um embate que pode ajudar a reverter gastos tributários ineficientes, injustos, e subsídios para setores específicos que não se justificam num cenário em que a população vai sair mais pobre ainda da pandemia.

*É jornalista


Adriana Fernandes: Impasse do congelamento

Paulo Guedes colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamento

O embaraço político e econômico que marcou a votação do congelamento de salários dos servidores públicos pelo Congresso mostra que a pressão pelo gasto não tem limites no País.

Muitos senadores e deputados defenderam a exclusão de várias categorias do congelamento de salários com a justificativa de que a medida é inócua porque não haverá dinheiro para os aumentos por conta do impacto da covid-19 na economia e nos cofres públicos.

É má-fé dos parlamentares ou mesmo ignorância sobre o que tem acontecido nas últimas décadas no Brasil. Faltou também sensibilidade dos parlamentares para a opinião pública. Sim, o outro lado: trabalhadores da iniciativa privada, que tiveram cortes de salários ou perderam o emprego para a pandemia da covid-19. Esse lado também pode fazer a diferença.

Mesmo com o Estado quebrado em todas as esferas de governo (União, Estados e municípios), podemos ver que a opção que tem prevalecido é pelo mau uso do dinheiro público.

O Rio, integrante do chamado “grupo dos três” Estados mais quebrados do País, ao lado de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, aprovou lei que autoriza o Executivo a promover alterações no orçamento de 2020 para permitir a revisão das remunerações dos servidores estaduais. O governador disse que não vai aumentar, mas sancionou a lei. Tudo isso em plena pandemia.

Foi também com espanto e assombro que vimos esta semana a decisão do procurador-geral de Justiça do Estado de Mato Grosso, José Antônio Borges Pereira, de criar uma “ajuda de custo” para procuradores, promotores e servidores desembolsarem gastos com a própria saúde. Apelidado de “bônus covid”, o benefício terá um valor de R$ 500 para servidores efetivos e comissionados. Os procuradores e promotores ganharão o dobro: R$ 1 mil. O MP de Mato Grosso diz que os recursos já estavam previstos no orçamento deste ano. “Não se trata de um dispêndio financeiro sem lastro orçamentário.”

Se havia sobra no caixa, por que não direcionar os recursos para o combate da pandemia voltado aos mais vulneráveis?

Mas garantir esse repasse para ajudar no enfrentamento da doença, o Congresso não quis aprovar. A proposta de destinar a sobra no caixa dos demais Poderes para o enfrentamento da covid-19 não vingou.

Se o projeto tivesse sido aprovado antes, o “bônus covid” de Mato Grosso não teria sido adotado. O projeto aprovado pelo Congresso proíbe a criação ou aumento de auxílios, vantagens, bônus, abonos, benefício de cunho indenizatório, para servidores de todos os Poderes e seus dependentes, inclusive militares. Medida muito importante.

Alguém duvida que, se tiverem oportunidade, governadores, prefeitos e representantes de outros Poderes não reajustam os salários ou arrumam algum tipo de bônus?

Quem mais se apropria desses ganhos é a elite da burocracia do funcionalismo como se viu no “bônus covid” dos procuradores.

Se esse risco não existisse, por que tanta pressão para deixar várias categorias de fora do congelamento? A mobilização se intensificou para que Bolsonaro vetasse a proibição até dezembro de 2021 da contagem do tempo para o período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios e licenças-prêmio. Esse tipo de bônus não existe mais no governo federal mas tem peso grande no crescimento da folha de Estados, principalmente na área de segurança.

De acordo com fontes da área econômica, o alívio total é de cerca de R$ 40 bilhões. Nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, esses benefícios correspondem a um terço do crescimento da folha. Nos do Nordeste, chegam até 50%. É, portanto, gasto na veia cortado e não apenas “promessa” de reajuste salarial, como querem taxar aqueles que não acreditam na importância do congelamento. Não é verdade que a medida não gera economia.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, colocou sua cabeça a prêmio ao insistir na medida do congelamento. Com transmissão ao vivo, Guedes, ao lado do presidente, defendeu o veto das categorias que ficaram de fora do congelamento e ganhou a promessa de Bolsonaro. Fica desmoralizado sem o veto. Por isso, a tensão do momento. O Congresso terá a palavra final, mas que nenhuma liderança venha depois com o papo furado de sempre de que todos têm responsabilidade fiscal se o cenário piorar pós-covid-19.

Deputados e senadores, tenham coragem: não derrubem o veto.


Adriana Fernandes: Transações tenebrosas

Não há tempo para esperar acomodações de interesses políticos diversos para aprovar a ajuda financeira aos Estados e municípios

A pandemia da covid-19 mudou a noção de tempo e urgência. Não há tempo para esperar acomodações de interesses políticos diversos para aprovar a ajuda financeira aos Estados e municípios, enquanto a população brasileira assiste atônita a matemática da morte com o avanço da doença.

Já se passaram 19 dias da aprovação do projeto na Câmara. O texto está no Senado, com votação prevista para este sábado. Mas nada garante a sua aprovação. Pelo contrário. O projeto modificado terá que retornar para a Câmara para nova votação e o mais provável é que nem mesmo ocorra na próxima semana.

O acordo fechado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, diretamente com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para o repasse de R$ 60 bilhões está provocando brigas justamente pela regra de divisão dos recursos. Os senadores dos Estados mais prejudicados estão se sentindo traídos.

Para ter domínio do projeto e coordenar a articulação do apoio ao texto que irá à votação, o próprio presidente do Senado assumiu a relatoria. O parecer foi divulgado com explicações detalhadas acompanhado de um arquivo em PowerPoint de fazer inveja (isso não é ironia) aos idealizadores do polêmico programa Pró-Brasil.

Faltou Alcolumbre, porém, mostrar a tabela principal. A que compara o valor a receber pelos Estados e municípios entre o texto do Senado e a proposta da Câmara, motivo de rompimento entre Paulo Guedes e o presidente Rodrigo Maia.

Acontece que diversas tabelas preparadas por assessores econômicos dos parlamentares, entre elas, a do relator do projeto na Câmara, deputado Pedro Paulo, começaram a circular mostrando que o Amapá, o Estado do presidente do Senado, ocupa o segundo lugar no topo do ranking que mostra a divisão dos recursos quando comparado com o número de habitantes. Atrás apenas de Roraima.

Os Estados onde a pandemia é mais grave, e que deveriam receber a maior parte do dinheiro, não vão receber o bolo maior. Se não bastasse o clima ruim com a divisão dos R$ 60 bilhões prometidos por Guedes em quatro meses, a subsecretária do Tesouro, Pricilla Maria Santana, em videoconferência assistida pelo repórter Daniel Weterman, do Broadcast, revelou que foi feita uma divisão de rateio que nem o Tesouro conhecia por “critérios políticos”.

Como assim? O governo fechou um acordo em que a secretária responsável pela relação do Tesouro com os governos regionais não podia se meter porque o assunto era político.

O desgaste tem sido grande. Lideranças do Senado já avisaram que o valor do socorro pode subir para R$ 80 bilhões para acomodar as reclamações. Quem perde muito está reagindo. A começar por São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil.

O senador paulista José Serra é o mais indignado. O tucano apresentou uma proposta para preservar o objetivo do projeto que veio da Câmara. Na justificativa, ele diz que a nova proposta estabelece critérios pouco transparentes, beneficiando mais os municípios pouco afetados pela queda da arrecadação tributária.

À coluna, o economista José Roberto Afonso, especialista em contas públicas e assuntos federativos do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), afirma que proposta do Senado é uma irresponsabilidade porque aposta na divisão regional e ignora os critérios técnicos que pautam tributação, orçamento e saúde. Guedes, por outro lado, se diz confiante no acerto do acordo.

Quando o político prevalece sobre o técnico, porém, não tem com dar certo. No cenário atual, no limite, mesmo que não queira politicamente, o governo terá que socorrer os governos das unidades mais ricas, se o colapso for eminente.

Os graves problemas na distribuição do auxílio emergencial de R$ 600, com filas nas agências da Caixa e desespero das pessoas para receber o benefício estampados todos os dias, mostram que sozinho o governo federal não pode tudo. Mesmo que a verba esteja na sua mão.

Se o governo tivesse organizado uma parceria genuína com Estados e prefeituras, talvez, a distribuição do auxílio estivesse hoje com menos problemas. É a prova também que não basta o dinheiro. É preciso boa gestão. Por isso, as ações de saúde para o combate do coronavírus estão para trás na execução das despesas do Orçamento, com mostrou reportagem do Estado.

A Brasília do Palácio do Planalto, da Esplanada dos Ministérios e dos gabinetes agora virtuais dos parlamentares continua virada de costas para o País. No seu pior momento, está metida em transações tenebrosas.

A coluna pede desculpas por ter insistido, nas últimas semanas, no tema federativo. Mas o resultado da negociação das próximas horas e dias vai dizer muito como muitas cidades estarão em condições de enfrentar os efeitos da covid-19.


Adriana Fernandes: Quem paga a conta?

Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro

A coluna do dia 4 de abril alertou para o risco de a falta de uma coordenação nacional nas medidas de combate ao coronavírus provocar um rombo irreversível no chamado pacto federativo brasileiro.

De lá para cá, avançamos a passos largos na direção de um racha que coloca em lados opostos 25 governadores, centenas de prefeitos de todo o País e lideranças parlamentares contra o governo Jair Bolsonaro.

Não dá mais para fazer vista grossa ao problema.

A crise federativa está no centro da velocidade de reação do Brasil à pandemia da covid-19 e pode ter consequências ainda mais graves no combate da disseminação do vírus mortal (sim, é preciso repetir mais um vez: não se trata de uma gripezinha) nas próximas semanas no País, mas também na fase que se seguir ao fim da quarentena.

É no pós-crise que o Congresso poderá votar projetos importantes alterando a ordem das coisas e desmanchando o modelo atual de distribuição do bolo dos tributos cobrados da sociedade que baliza o pacto federativo. Propostas não faltam nas duas Casas – Câmara e Senado. Tudo isso sem nenhuma articulação e debate aprofundado. Na base mesmo da retaliação.

Sem dúvida, o trauma da disputa com os governadores traz mais confusão à vista quando o que se deveria esperar é uma agenda de recuperação nacional após o baque da recessão economia já contratada pela covid-19.

Se não houver um acordo mínimo nos próximos dias com a votação pelo Senado do projeto de socorro aos Estados e municípios, a crise ganha novos contornos.

E não é que o presidente pode ter piorado ainda mais as coisas ao advertir os governadores no pronunciamento que fez para anunciar a demissão do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A troca de ministros em meio à escalada da pandemia já é em si polêmica, mas Bolsonaro achou um jeito de arrumar mais problemas ao avisar em tom ameaçador que o governo não vai pagar a conta dos excessos dos governadores. De quebra, para desviar o foco da demissão, resolveu depois bater no presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulador do projeto.

Vejamos o que disse Bolsonaro no pronunciamento: “O governo não é uma fonte de socorro eterna. Em nenhum momento eu fui consultado sobre medidas adotadas por grande parte dos governadores e dos prefeitos. Tenho certeza que eles sabiam o que estavam fazendo. O preço vai ser alto. Tinham de fazer uma coisa, tinham. Mas, se porventura exageraram, não botem essa conta, não no governo federal, mas nas contas do nosso sofrido povo”.

No mesmo dia, 25 governadores, em carta encaminhada aos senadores, já haviam pedido a aprovação integral do projeto de socorro aprovado na Câmara e motivo de discórdia com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes. A união dos governadores – com apenas dois deles dissidentes – assustou o governo. Os técnicos que articulam o acordo alternativo no Senado temem uma reviravolta nas negociações.

A proposta aprovada na Câmara foi muito além do que se esperava para uma ajuda emergencial na tentativa dos governadores de resolver problemas antigos e também de conseguir protagonismo político com a população na luta contra o novo coronavírus.

Muitos Estados e municípios saíram a conceder a torto e a direito benefícios fiscais, renúncias e suspensão do pagamento de tributos. No caso do Rio, um Estado quebrado, foi aprovado aumento salarial.

A equipe econômica está certa em não querer dar um cheque em branco com o projeto para bancar essas decisões sem nenhuma coordenação. Ajustes terão de ser feitos no projeto para impedir que o socorro aos Estados banque qualquer tipo de gastos que leve à perda da arrecadação do ICMS e ISS. Mas o governo federal mostra também incoerência quando prometeu “mais Brasil e menos Brasília” e, agora, quando mais é necessária essa diretriz, falha.

Certamente falta foco nos gastos, que pode levar ao mau uso do dinheiro, mas Bolsonaro usa a bandeira da disciplina fiscal para atacar os seus adversários políticos. No outro lado, governadores e lideranças políticas usam a urgência da covid-19 com a máxima de que podem gastar sem freio. A única certeza até agora é que o valor de R$ 40 bilhões oferecido pelo governo para transferir aos Estados e municípios é pouco. Todos precisam ceder.


Adriana Fernandes: Falso dilema

É falso o dilema entre salvar vidas e ter cuidado com as contas públicas. O cofre não está fechado para o resgate dos brasileiros que estão sem poder trabalhar devido ao isolamento recomendado por autoridades de saúde.

Quem tenta colocar carimbo de insensível naqueles que defendem o cuidado com as contas públicas em tempos de pandemia da covid-19 não está vendo ou não quer ver o problema sob uma visão mais ampla. Esse tipo de crítica só serve para lacração barata nas redes sociais. Mais uma opção pela polarização de apenas dois lados: o mau e o bom; adversários e aliados do governo Jair Bolsonaro.

Quem defende o zelo fiscal também deve e está defendendo a expansão das despesas, do endividamento público, para salvar vidas humanas, socorrer os mais vulneráveis, os informais, o emprego dos trabalhadores com carteira assinada e a sobrevivência das empresas.

Deve-se criticar a velocidade das medidas e a briga política do presidente Jair Bolsonaro com governadores e congressistas. No Brasil, essa disputa foi acirrada e chegou a níveis perigosos em tempos de crise. E já custa caro.

A inércia do governo no início da pandemia, a pressão para o afrouxamento do isolamento, os entraves burocráticos num País onde tudo é muito amarrado, a começar pela legislação retardaram o socorro. Tudo isso é verdade.

Mas a despeito de todos esses problemas, o governo federal, governadores e prefeitos estão tomando mais medidas em único mês do que em muitos anos. As regras fiscais foram e estão sendo alteradas para abrir espaço para mais gastos. O que se fez já custa o tamanho de uma reforma da Previdência, que demorou anos para ser aprovada.

O cheque para o socorro está aumentando e vai crescer mais com o resgate do Banco Central via compra de dívidas das empresas. A medida está na Proposta de Emenda à Constituição (PEC), batizada de “orçamento de guerra”, que deverá ser aprovada pelo Senado na próxima semana.

A PEC é um marco, sem dúvida. Foi construída e votada rapidamente na Câmara, com votação para lá de expressiva. Histórica. Muitos que a criticavam, no início, estão aos poucos revendo posição. A emenda constitucional retira as amarras para abrir o cofre. E, sim, busca salvar vidas com mais dinheiro para ações de combate a covid-19.

A PEC é um cheque em branco dado a Bolsonaro para os gastos? É. Mas tem seus mecanismos de controle durante e após a crise.

A ideia da PEC foi negociada e levada adiante pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com articulação, ele reuniu apoio e colaboradores políticos para aprová-la em tempo recorde, enquanto a equipe econômica se debatia com a burocracia das regras fiscais, com temor de punições futuras pelos órgãos de controle. Ninguém vai conseguir tirar esse mérito dele. Muito menos seus adversários mais raivosos no centro do poder da capital federal.

Mas, passada uma semana da votação da PEC, a mesma Câmara presidida por Maia deu asas para construir uma proposta de socorro emergencial aos Estados e municípios com uma série de concessões aos governadores que vão muito além das necessidades diante da covid-19.

Aproveitaram a crise para tentar resolver problemas antigos e, em alguns casos, muito específicos, como o perdão de dívida passada. Não é hora para isso. Uma nova renegociação com os governos regionais está a caminho, para depois da crise. Mas é preciso fazê-la com coordenação.

A votação do projeto foi adiada para a próxima semana em meio à guerra de números entre equipe econômica, Câmara e economistas que alertaram se tratar de uma “bomba fiscal” para os próximos anos.

Nesse espaço conflagrado, os críticos correm para taxar os defensores da saúde das finanças públicas como os vilões do pedaço.

Isso não quer dizer que os Estados e prefeituras não têm que receber socorro do governo federal. Está demorando. Eles não podem emitir dívida no mercado para se financiar como o Tesouro Nacional.

O cheque em branco da PEC é para isso. Bolsonaro e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, terão que aumentar as transferências voluntárias para os governadores e prefeitos. Por outro lado, a Câmara tem que desarmar urgentemente a bomba que começou acionar.