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Adriana Fernandes: Ainda de pires na mão

Governadores e prefeitos continuam à mercê de interesses políticos do presidente da ocasião

Na semana em que o Supremo Tribunal Federal formou maioria a favor da tese de que é crime, com reclusão de até dois anos, deixar de pagar ICMS declarado ao Fisco como devido, vale reflexão sobre as decisões da Corte que dão aos governos regionais o direito de não honrar as suas dívidas com a União e permitem a suspensão do bloqueio das garantias previstas nos contratos em caso de calote.

Enquanto é duro de um lado, o STF é frouxo de outro. É preciso reconhecer que, na maioria dos casos, as decisões do STF têm retardado o ajuste que deveria ter começado há anos nas contas estaduais e municipais. Em 87,2% das ações que os Estados disputam no STF envolvendo dinheiro, a União perde.

A situação é tão estranha que o STF deu liminar para Goiás ingressar no Regime de Recuperação Fiscal, o socorro que a União dá para os Estados em grave crise fiscal. Pelas vias tradicionais, a adesão depende do atendimento de uma série de requisitos, inclusive medidas de ajuste nos gastos.

De alguma forma, a suspensão do pagamento da dívida pelos Estados pelo Supremo removeu o sentido de urgência para a adoção de medidas impopulares. Os argumentos são de que a União tem capacidade de absorver a decisão e que a população não pode sofrer com a falta de serviços essenciais.

Governadores e prefeitos continuam de pires na mão batendo à porta do governo federal e à mercê de interesses políticos do presidente da ocasião. Vide a ajuda prometida pelo presidente Jair Bolsonaro ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, para pagar o 13.º de servidores e a fila de outros que também buscam ajuda semelhante.

Um ano após as eleições e, mesmo com sinais mais fortes da retomada da economia, o quadro continua falimentar para muitos governos regionais.

A proposta da União de não mais dar garantia a operações de crédito contratadas por Estados e municípios no futuro, incluída na PEC do pacto federativo enviada ao Congresso, é fruto do sistemático desrespeito aos contratos incentivado pelo STF.

Se aprovada pelo Congresso, essa proposta – que está no centro da política do ministro da Economia, Paulo Guedes, de distribuir recursos federais para Estados e municípios – vai trazer dois efeitos colaterais.

O primeiro deles: os governos regionais vão pagar mais caro pelos empréstimos, pois as operações sem garantia têm custo mais elevado. O segundo é a concentração dos empréstimos em bancos públicos, em especial a Caixa, que aceita receitas dos Fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM) como garantia. A Caixa acelerou esses empréstimos ao longo ano e, em setembro, o limite dado pelo Tesouro para financiamento desse tipo já tinha estourado.

A pergunta que fica: o STF vai seguir a mesma lógica das decisões passadas com os bancos públicos e obrigá-los a absorver o calote dos Estados e municípios em nome de não comprometer os serviços à população?

Sem aval da União, os bancos públicos serão os provedores de crédito aos governos regionais. Logo, poderão sofrer com o desrespeito aos contratos incentivado pelo STF. É só esperar.

O ano está terminando, e Estados em situação crítica, como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Goiás, ainda não acertaram o socorro.

Estado do Rio de Janeiro, o primeiro a ser socorrido ainda no governo Michel Temer, já quer mudanças nas regras. Mesmo com o aumento das receitas de petróleo, continua em situação difícil e sem cumprir todas as exigências do governo federal para se manter sob a proteção do socorro financeiro.

O Plano Mansueto, como foi batizado o projeto de socorro a outros Estados em tramitação na Câmara, ainda não foi aprovado. Ficou para 2020. O que está emperrando: a disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Estado, Wilson Witzel, agora inimigos.

Bolsonaro não quer ajudar o Rio, que, por sua vez, é o Estado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que domina a pauta da Casa.

O projeto prevê garantia da União para empréstimos a Estados com nota C (o ranking é de A a D) de crédito. Hoje, são 13 que não têm acesso ao aval da União.

Já era para esse programa ter saído do papel. O Brasil não sai das dificuldades enquanto a situação dos Estados não se ajeitar. Nesse caso, não basta o crescimento chegar e as receitas aumentarem. Prova disso é que os bilhões obtidos com o megaleilão do pré-sal serão desperdiçados cobrindo o rombo herdado de anos anteriores. É preciso arrumar a casa.


Adriana Fernandes: Trocando o encanamento

É sintomático que o número de CEOs de bancos que se reúnem no BC tenha subido

Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, lançou um petardo regulatório na direção dos bancos para aumentar a competição bancária e baratear o crédito no País. Elas não se resumiram à fixação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de um teto de juros de 8% ao mês para o cheque especial.

Em uma semana, ele disparou uma artilharia maior do que foi feito em anos pelos seus antecessores no cargo. Foi uma sequência de medidas de uma agenda bem maior, completamente disruptiva, sustentada na inovação tecnológica e capaz de provocar uma ruptura muito rápida na forma de fazer crédito do País.

É claro que o avanço dessa agenda já era esperado. Desde antes da transição de governo, ela estava sendo construída pelo grupo de economistas que assessoram o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, e que tinha Campos Neto como um dos seus principais participantes.

O que tem espantado muitos segmentos do mercado (sobretudo os grandes bancos detentores de 84% do mercado) é a velocidade com que Campos Neto e sua equipe estão promovendo as medidas. Mesmo diante de resistências na área técnica, o BC conseguiu o apoio de um receoso Guedes, preocupado com o risco de a medida ser interpretada como antiliberal.

A aposta do presidente do BC é audaciosa. A resistência já é grande. Muitos argumentam que o BC está fazendo uma espécie de “arbitragem regulatória” para acelerar o processo.

No Brasil, é mais comum presidentes de BCs falarem de câmbio e juros. Campos Neto começou a virar o jogo dando peso grande à agenda micro. O presidente do BC costuma comparar o sistema de crédito com um encanamento que está entupido. Por muitos anos, o BC tem se preocupado com a quantidade de pressão da água que precisava colocar no encanamento.

Agora, o BC está trocando o encanamento. Na visão do BC, isso significa, na prática, que o cano precisa ficar mais largo para que a política monetária (de juros) tenha maior potência.

Como o BC quer fazer isso? Aumentando a intermediação financeira da economia, com mais competição, bancarização, inclusão, educação financeira, transparência e troca de informações para o acesso ao crédito.

O cano estava entupindo por uma série de fatores. Uma parte do entupimento começou a ser removido com a saída do governo do financiamento, reduzindo os subsídios, principalmente para as grandes empresas. A hora que o governo sai, o tamanho do cano começou a aumentar. Com a mesma pressão da água, o BC consegue mais efeito lá na frente. No economês, isso significa dar mais eficiência ao canal de transmissão da política monetária.

Está faltando a parte da competição do crédito. Distorções do sistema brasileiro bancário têm impedido um efeito mais forte da queda da taxa Selic, que está em patamares mínimos históricos, no custo do crédito.

Historicamente, os grandes bancos no Brasil – um grupo de apenas cinco – adotaram barreiras para que os menores tivessem dificuldade de entrar: 1) capilaridade: os bancos chegaram a ter mais pontos de venda do que agências; 2) estrutura fechada: dificulta o acesso a produtos e serviços de outros locais; 3) meio de pagamentos concentrados num único banco; 4) facilidade de o balanço permitir a multiplicação da base de depósitos; 5) monopólio de dados dos seus clientes.

Todas essas barreiras estão diminuindo. O crescimento das fintechs (as startups financeiras) é o maior sinal desse cenário. Já são 13 fintechs operando e crescendo o crédito a 300% ao ano. É ainda uma base baixa, mas o BC tem uma fila de mais 20 fintechs para entrar em operação. Mais 60 são esperadas pelo BC em 2020, segundo apurou a coluna. Esse mercado avança exponencialmente com novas plataformas de oferta de crédito a custos mais baratos.

Os grandes bancos estavam sentados nesses cinco castelos e agora começaram a se mexer. Uns com mais atraso que os outros. Nessa competição acirrada, o BC já avisou que não bastará eles comprarem uma empresa digital para se aproveitarem das vantagens regulatórias das fintechs. Se fizerem isso, terão de vender o controle. Essa é regra do jogo.

É sintomático que o presidente do BC tenha aumentado de cinco para sete o número de CEOs de bancos que se reúnem periodicamente no BC. O clubinho está aumentando.


Adriana Fernandes: Reforma interrompida

Bolsonaro quer uma proposta mais suave; está cansado de pautas impopulares

A obstrução da reforma administrativa pelo Palácio do Planalto nada tem a ver com a necessidade de garantir mais foco aos projetos de reformas fiscais e ao pacote de estímulo ao emprego, que já estão no Congresso.

Desde o início, a estratégia governista foi a de enviar as principais agendas de reformas no primeiro ano de governo e acomodar as prioridades de votação na articulação com as lideranças políticas. Passada a Previdência, esse era o roteiro. Todas as reformas num embalo só.

O fato é que a equipe econômica costurou um projeto ambicioso de mudanças no RH do serviço público, mas não acertou direitinho os detalhes com o presidente e seus principais auxiliares. Jair Bolsonaro já declarou que quer uma proposta de reforma mais “suave”.
O presidente está cansado das pautas impopulares.

Os sinais de irritação do Palácio foram sentidos quando a equipe econômica deixou para a última hora a decisão de enviar, à Casa Civil, o texto final das Propostas de Emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo, do ajuste emergencial e de alteração dos fundos setoriais.

Na véspera do anúncio das três PECs, o clima esquentou, com bate-boca entre as equipes. Itens foram retirados do texto, entre eles uma medida que permitia que as despesas dos Estados e municípios com salários de inativos pudessem ser utilizadas para cumprir os mínimos constitucionais de gastos com saúde e educação.

Gato escaldado, o Palácio do Planalto adiou o lançamento da reforma administrativa, uma peça importante do ajuste fiscal de três pontas pensado pela equipe de Guedes: manutenção do teto de gastos, reforma da Previdência e controle das despesas de pessoal – um gasto que ameaça mais as contas dos Estados do que as da União.

Deu que no deu: vários adiamentos do seu lançamento e aumento da pressão para que o envio do texto ficasse para 2020. Isso se ocorrer. Já há quem duvide que a reforma saia no ano que vem. Na melhor das hipóteses, sairá do Palácio bem menor do que entrou.

Depois de tentar reverter, ao longo da semana, a posição do presidente de segurar a reforma, Guedes acabou admitindo, nesta sexta-feira, que ela ficará para depois.

Um erro de estratégia já apontado por seus auxiliares foi o desejo do Ministério da Economia de fazer uma mudança geral para todo o serviço público e carreiras da União, Estados e municípios. Isso afeta diretamente apoiadores do presidente oriundos da área de segurança, com muita força no Palácio do Planalto.

Embora negue oficialmente, o ministro da Justiça, Sergio Moro, também interferiu ao manifestar preocupações com a reforma. O procurador-geral da República, Augusto Aras, foi outro que reclamou.

Integrantes dos demais Poderes e representantes dos sindicatos mais influentes do funcionalismo foram chamados, em seguida, para diálogo. O argumento dado pelo governo aos líderes sindicais, de que proposta só atingirá os novos servidores que entrarem no serviço publico, não colou.

O texto será avaliado com lupa pela equipe palaciana, mais interessada em não prejudicar as carreiras que lhe dão apoio político.
Minirreforma

A rejeição à reforma administrativa agora esbarra também na proposta da equipe econômica de incluir nas PECs fiscais uma “cota de sacrifício” aos servidores. Uma delas prevê, entre outros pontos, a possibilidade de reduzir, por dois anos, a jornada e os salários de servidores em até 25%, reajustes, concursos e também congelar novas promoções – o que, na prática, alongaria o tempo necessário para chegar ao topo da carreira. Essas medidas poderão ser adotadas se for decretado estado de emergência fiscal para correção dos desequilíbrios fiscais.

A possibilidade de corte da jornada de trabalho caiu com uma bomba no funcionalismo de todo o País. Ninguém quer perder de uma hora para outra 25% da sua renda. Na prática, essas propostas de ajuste já estão sendo consideradas uma minirreforma administrativa antecipada.

Os debates mais fortes sobre as medidas fiscais vão se concentrar nesse ponto no ano que vem. Nada vai passar neste ano, nem mesmo no Senado, que prometeu agilidade na tramitação para ter mais protagonismo que a Câmara na agenda econômica. Embora o fim dos privilégios da elite do funcionalismo, principalmente no Judiciário, tenha apoio da população, essa mesma narrativa usada na reforma da Previdência ficou desgastada com as exceções abertas para algumas categorias.

O próprio governo fez uma reserva de mercado nas PECs fiscais. Juízes, procuradores do Ministério Público, militares e diplomatas continuarão sendo promovidos, mesmo se for decretado o estado de emergência pelo Estado ou município em que trabalha ou pela União, no caso dos servidores federais. Esse ponto passou despercebido com tantas medidas, mas vai voltar ao debate. E, claro, dificultar o discurso de “fim dos privilégios” para todos.


Adriana Fernandes: Memória curta

Os novos “esqueletos” do Orçamento só foram descobertos pelo TCU porque as duas pastas registraram a dívida como passivo contábil no fim de 2018. Praticamente uma confissão de culpa

A memória é curta e a tentação é grande quando se trata de criar novos jeitinhos para fugir das regras orçamentárias. Não é que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou indícios de que ao menos dois ministérios driblaram o Orçamento e o Congresso para poder gastar mais? Tudo isso depois das famosas “pedaladas fiscais”, as manobras orçamentárias que ajudaram a derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff.

O problema aconteceu no governo Temer, mas teve reflexos agora no mandato de Jair Bolsonaro. O que deixou os auditores do tribunal de cabelo em pé é que não houve alerta dos ministros que assumiram no início do governo atual. Antes da descoberta dos auditores do TCU, nenhum alerta foi feito ao órgão de controle, passados nove meses do governo Bolsonaro.

O que o TCU descobriu até agora é que dois ministérios de Temer – Desenvolvimento Social (MDS) e Ciência e Tecnologia (MCTIC) – gastaram R$ 1,3 bilhão além do que foi permitido no Orçamento. Atropelaram regras fiscais e até a vontade do Congresso, que é quem decide em última instância quem recebe quanto do dinheiro federal. O próprio MDS pediu ao Congresso mais espaço no Orçamento de 2018 e não foi atendido. Passou por cima da decisão.

Em assunto tão técnico, é importante deixar claro que sem a dotação, os gastos não foram nem sequer alvo de empenho, que é a primeira fase do rito de gastos e sinaliza o reconhecimento daquele compromisso. Também escaparam de qualquer bloqueio por falta de receitas.

Os novos “esqueletos” do Orçamento só foram descobertos pelo TCU porque as duas pastas registraram a dívida como passivo contábil no fim de 2018. Praticamente uma confissão de culpa. A prática fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição e pode ser considerada crime contra finanças públicas.

O débito bilionário começou a ser pago pelo governo Bolsonaro por meio de classificação especial de despesas que só é usada em casos excepcionais e que agora engordou com os esqueletos deixados pelos ministros. Mesmo com essa conta maior, nada foi feito. O TCU suspeita que mais casos semelhantes possam estar mascarados em outras “gavetas” do Orçamento. É esse rastro que a Corte de contas vai agora perseguir.

As investigações serão ampliadas. Um pedido de inspeção geral foi feito ao relator, ministro Bruno Dantas, responsável pela análise das contas deste ano, e deve avaliar ainda a conduta dos gestores atuais do Ministério da Cidadania (que incorporou as atribuições do MDS) e do MCTIC perante a descoberta do passivo. O ministro Bruno Dantas deve autorizar um pente-fino geral. Um dos alvos é o Ministério da Saúde.

Até agora o maior esqueleto foi deixado pelo MDS – R$ 1,2 bilhão do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) ficou de fora do Orçamento em 2017 e 2018. O ministério chegou a solicitar no ano passado um crédito extra ao Congresso para conseguir executar todas as despesas previstas, mas não foi atendido. Para se ter uma ideia, um terço do orçamento do FNAS no primeiro semestre serviu para quitar esses passivos. Mesmo assim, ainda resta um débito de R$ 938,3 milhões e não há espaço nem sequer no Orçamento deste ano para sanar a dívida.

Ou seja, a manobra feita no governo anterior está tendo consequências diretas na gestão deste ano. No MCTIC, o problema envolveu logo as bolsas do CNPq. Um passivo de R$ 77 milhões. Ao deparar com a falta de dinheiro, o ministério em vez de cortar ou suspender bolsas continuou executando a política normalmente. O pagamento da dívida agora consome espaço no Orçamento de 2019, no teto de gastos (mecanismo que limita o crescimento dos gastos à inflação) e afeta o resultado primário – e bolsas de pesquisa já foram canceladas por falta de dinheiro.

Há ainda uma grande preocupação da Corte de contas com as despesas inscritas no chamado restos a pagar (registradas corretamente no Orçamento, mas transferidas de um ano para o outro), que têm um saldo muito elevado. Elas também passam por um pente-fino e novas descobertas são esperadas. Esse jeitinho nas contas deu errado e os gestores ainda não aprenderam com os erros dos passado. É uma forma de tocar a política pública na marra, contornando as decisões do Legislativo sobre o Orçamento. A descoberta é gravíssima!


Adriana Fernandes: O ataque a Guedes

A austeridade fiscal definitivamente não é boa companhia para nenhum presidente da República

Paulo Guedes está sob ataque na Esplanada dos Ministérios e fora dela. A novidade é que a pressão tem sido alimentada pelo Planalto. É o velho e conhecido “fogo amigo”, que já alvejou ministros poderosos da área econômica de governos passados.

Nas últimas semanas, a palavra que mais se ouve em Brasília é “entrega”. Guedes tem sido criticado pela demora em “entregar” a retomada da economia e a redução do desemprego. Sem falar da reforma tributária, que não sai e continua indefinida após a nova CPMF morrer por ordem do presidente Jair Bolsonaro.

A austeridade fiscal definitivamente não é boa companhia para nenhum presidente da República. Principalmente se o presidente, antes mesmo de terminar seu primeiro ano de governo, já se movimenta afrontosamente para garantir a reeleição.

A falta de dinheiro é ponto de partida para as investidas contra o ministro. Mas os ataques, que nascem como reação à política de aperto fiscal, têm nuances bem mais profundas.

A divisão no governo sobre mudar ou manter a regra do teto de gastos expôs claramente as contradições internas entre a agenda do ultraliberal ministro da Economia e a de assessores e ministros mais próximos do presidente, que ajudam a turbinar as intrigas. Eles já viram que, com o teto, o governo não deslancha na velocidade que querem.

O confronto subterrâneo entre os dois grupos vai desde embates na área de privatização de estatais (vide o desgaste com a Eletrobrás) à demora no perdão da dívida do mundo do agronegócio com a contribuição ao Funrural (promessa de Bolsonaro), e passa também pelos rumos do Minha Casa Minha Vida, pela política da Caixa para empréstimos a prefeituras e Estados aliados e pelo enfrentamento com o Judiciário. Só para começar a lista. O que os embates têm em comum é que eles se concentram na articulação errática do governo com o Congresso.

O negócio da tal articulação tem sido no varejo total. A cada aprovação de medidas, o governo é obrigado a reabrir a negociação e o cofre. Isso está custando muito dinheiro, e o confronto com a área econômica cresce.

Depois do teto, o mais recente ruído ocorreu com a proposta de desindexar o salário mínimo e as despesas vinculadas ao piso nacional. Na prática, o governo ficaria desobrigado a dar reajustes ao mínimo, mesmo que só para repor a inflação. Esse é um tema para lá de polêmico e que o time de Guedes pretendia enfrentar, mas foi abortado a mando de Bolsonaro.

Cabeças quase rolaram no Ministério da Economia por conta dos ruídos da semana passada em torno do assunto. Uma saída que, se concretizada, seria evidentemente contabilizada como mais um sinal de perda de autonomia do ministro, depois da queda do secretário especial da Receita Marcos Cintra. A saída do auxiliar do ministro chegou a ser interpretada como enfraquecimento de sua liderança.

Oriundo do baixo clero na Câmara, Bolsonaro tem obsessão em mostrar que é ele quem manda. Já bateu de frente com os militares e com o ministro da Justiça, Sérgio Moro. A demora da “entrega” serve bem a esse propósito. Como mostrou o Estado em reportagem recente, o presidente tem sim cobrado agilidade, mesmo que em público reforce o discurso de que está 100% alinhado com Guedes e que a culpa é da imprensa, que semeia discórdia.

Segundo auxiliares de Bolsonaro, o presidente se diz “agoniado” por estar “amarrado à política econômica”. E teme ver o “risco de o governo morrer por inanição”.

A equipe econômica, ao seu modo, tem se defendido da pressão com o argumento de que entregou muita coisa nesses nove meses de governo. A reforma da Previdência aprovada na Câmara mesmo em meio à desarticulação política, as mudanças no mercado de gás, as negociações internacionais para abertura de mercados, a queda dos juros, a liberação do FGTS, a redução do risco Brasil...

Um dos problemas de Guedes é que ele criou a expectativa de que haveria transformações muito rápidas. Além disso, colocou muitas propostas na mesa ao mesmo tempo sem estarem completamente fechadas. Está pagando o preço por isso. Soma-se a isso a desorganização elevada nos processos de comando na equipe econômica depois da criação do superministério da Economia. Muita arrumação a ser feita.

Para sair da linha de tiro do fogo amigo, o ministro precisa urgentemente frequentar mais o Planalto e falar mais para dentro do governo. Não pode sair de perto da órbita e dos ouvidos do presidente. Conselho que já lhe foi dado.


Adriana Fernandes: Bonde da reforma

Sem CPMF, governo avalia agora como entregar a prometida desoneração

É fato que a rejeição à volta da CPMF é tamanha que deu o empurrão final para a demissão do então secretário da Receita Federal Marcos Cintra. Não foi o único motivo. Pressões externas ao trabalho da fiscalização devem levar à reestruturação do órgão, como antecipou o Estado.

Um processo, se não igual, semelhante ao que aconteceu no Coaf, o órgão de combate à lavagem de dinheiro. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vai fazer essa mudança na Receita. O ritmo dela dependerá do perfil do substituto de Cintra no comando do Fisco.

A repulsa à recriação da CPMF é maior na sociedade civil do que no meio político, ao contrário do querem fazer crer os parlamentares influentes do Congresso. O relator da reforma tributária do Senado, Roberto Rocha (PSDB-MA), já antecipou que vai continuar a estudar a possibilidade de criação de um imposto semelhante à CMPF para substituir parte das contribuições sobre a folha de salários para gerar empregos.

É sempre bom recordar que a proposta inicial do ex-deputado Luiz Carlos Hauly, que é o autor do texto em tramitação no Senado, previa a criação de um tributo nos moldes da CPMF.

Depois da demissão de Cintra, Guedes, que defendeu a criação do novo imposto, reuniu a equipe e pediu mais e mais cálculos sobre a possibilidade de iniciar a desoneração da folha de pagamento das empresas sem a ajuda de um novo imposto nos moldes da CPMF, a chamada Contribuição sobre Pagamentos (CP). A desoneração é uma promessa do ministro para impulsionar a geração de empregos no País.

A avaliação de Guedes, até agora, é a de que seria extremamente difícil fazer a desoneração sem uma nova contribuição que cubra R$ 150 bilhões do que hoje é arrecadado com a folha de pagamento. Esse é o valor necessário para fazer uma desoneração parcial da atual alíquota, que é de 20% sobre os salários.

A ideia da CPMF parece estar enterrada. Ao menos por enquanto. Mas pode ressuscitar no Congresso porque, ao logo dos últimos anos, ganhou apoio das confederações dos setores produtivos.

O que o governo avalia agora é como entregar a prometida desoneração. Não está fácil e há uma divisão dentro do governo sobre qual caminho seguir. Iniciar o processo de desoneração da folha para as empresas que contratarem os jovens trabalhadores é uma opção branda, porém, mais palatável. Nesse caso, a desoneração seria bancada com os encargos pagos pelas empresas e transferidos às entidades do Sistema S. Um passo inicial bem menor do que o pensado anteriormente.

O governo deveria aproveitar a saída de Cintra para dar um freio de arrumação na articulação de sua proposta e destravar a negociação, que está emperrada. É preciso sair de cima do muro e dizer logo o que quer para não perder o bonde da reforma tributária.

Para não melindrar a Câmara e o Senado, o governo ainda não decidiu nem sequer como enviar o texto. Uma proposta oficial implicaria começar a tramitação pela Câmara, como exige a Constituição.

O Senado e as lideranças governistas, porém, pressionam Guedes para que proponha as mudanças via emendas aos textos que já estão nas duas casas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não aceita isso de jeito nenhum.

Por outro lado, o presidente Jair Bolsonaro não quer confusão com os senadores porque deseja emplacar a indicação do seu filho, Eduardo, para embaixador nos Estados Unidos. É no Senado também que está tramitando atualmente a reforma da Previdência.

Uma das ideias em análise é dividir a reforma em partes – Imposto sobre Valor Agregado (IVA), desoneração da folha e mudanças no Imposto de Renda – e dividi-las entre as duas Casas. Mas o cenário ainda está muito confuso.

O melhor seria o governo fazer como manda o script: enviar a própria proposta. Não pega bem numa matéria dessa importância o Executivo se abster de um texto.

Se Guedes demorar no envio, vai perder para o Congresso a iniciativa da proposta da desoneração. Em entrevista ao Estado, o relator da PEC de reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já disse que a desoneração da folha será uma medida tratada pela Casa.

*É JORNALISTA


Adriana Fernandes: Fogo amigo

Apesar do discurso reformista, presidente e auxiliares põem obstáculos à Previdência

Faltando menos de um mês para o fim da transição, é nítida a dificuldade que o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, enfrenta para colocar as reformas na agenda política do governo Jair Bolsonaro e dos seus aliados no Congresso Nacional.

Os obstáculos têm sido colocados até mesmo pelo próprio presidente eleito e seus auxiliares mais próximos, apesar do discurso público reformista. É o velho fogo amigo alimentado por falas desencontradas em torno da reforma desde o primeiro dia da transição, logo após a vitória nas eleições. Tudo ainda de forma muito discreta.

Guedes reconhece que precisa de apoio amplo à reforma e, nesse caminho, reforçou tecnicamente a sua equipe para a elaboração de uma nova proposta a ser encaminhada em março do ano que vem ao Congresso. Previdência, Previdência, Previdência é o seu discurso a todos que conseguem uma hora na sua atribulada agenda.

Não foi à toa que o novo ministro repensou a estrutura do seu superministério e criou mais uma secretaria para abrigar o deputado tucano Rogério Marinho (RN) para cuidar da proposta de mudanças nas regras de aposentadoria. A ideia inicial era que a Previdência ficasse no guarda-chuva da Secretaria Especial de Arrecadação sob o comando do economista Marcos Cintra.

Mas, diante das barreiras políticas e aconselhado por amigos, ele mudou de ideia para fortalecer a parte negociadora da proposta.

Marinho fará dobradinha técnica com Leonardo Rolim, experiente consultor técnico da Câmara dos Deputados, especialista em Previdência e profundo conhecedor do modus operandi das negociações parlamentares. Depois de anunciado seu nome, Marinho veio a público logo para marcar posição e dizer que a expectativa é de que reforma será aprovada no primeiro semestre.

Com a escolha de um político para sua equipe técnica, fica claro que o ministro não quer ficar nas mãos dos futuros articuladores políticos palacianos, que têm titubeado em torno da necessidade de dar prioridade máxima à aprovação da reforma.

Relator da polêmica reforma trabalhista, Marinho não foi reeleito e leva para o time de Guedes um papel importante de negociador, tarefa que o futuro ministro e seus principais aliados ainda não conseguiram azeitar em meio à pressão dos partidos para ocupar cargos nos ministérios, bancos públicos e nas empresas estatais.

Como o toma lá, dá cá não acaba com uma simples canetada, a pressão política da hora vem do Partido Progressista (PP). De fora da rodada inicial das conversas dos partidos com Bolsonaro, o PP ajudou na articulação das pautas bombas e segurou a votação do Orçamento de 2019. A apreciação do projeto ainda corre risco de ficar para o próximo Congresso em meio à queda de braço pelas disputadas emendas parlamentares. Um jogo em que os interesses do velho e do novo Congresso se misturam, e é possível encontrar aliados de Bolsonaro nos dois lados: entre deixar ou não o Orçamento para a nova legislatura que começa em fevereiro.

Funcionalismo
Se não bastassem as resistências à agenda reformista, o boicote dos procuradores da Fazenda Nacional à indicação do diretor do BNDES, Marcelo de Siqueira, para comandar o órgão é um sinal forte de que o futuro do ministro não terá vida fácil na relação com as carreiras de servidores mais influentes da Esplanada dos Ministérios.

Ao trazer a área de pessoal do atual Ministério do Planejamento para o novo superministério da Economia, Guedes vira alvo preferencial de pressão das lideranças do funcionalismo público federal. Serão 267 sindicatos que representam 309 carreiras de servidores do Executivo batendo na porta de Guedes.

Os procuradores ameaçam entregar os cargos de chefia e cobram a indicação de um nome da carreira para o comando da PGFN, órgão de assessoramento jurídico e cobrança das dívidas que a União tem a receber.

Com a equipe de transição promovendo mudanças na configuração dos ministérios, fazendo fusões e extinguindo pastas ministeriais, as carreiras estão agitadas. Um verdadeiro formigueiro se formou. Auditores fiscais do trabalho querem se acomodar na Receita Federal. Em contrapartida, como reação aos auditores, agora os servidores federais da Superintendência de Seguros Privados querem se abrigar no Banco Central. Sem contar a insatisfação de categorias ligadas à segurança com o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, que esta se cercando só de delegados na sua pasta. A confusão está instalada e só começando.