RPD | Editorial: Calmaria e tempestade

Completa mais um mês o novo figurino adotado pelo presidente da República. Não mais confrontos com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal; não mais ameaças, veladas ou não, ao funcionamento regular das instituições.
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Completa mais um mês o novo figurino adotado pelo presidente da República. Não mais confrontos com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal; não mais ameaças, veladas ou não, ao funcionamento regular das instituições. Aparentemente, o bloco parlamentar apelidado de “centrão” teria logrado surpreendente e rápido sucesso, tanto na tarefa na de convencer o presidente a transitar pelos meandros da ordem democrática, como na de guiá-lo nesse percurso. 

Dois fatos recentes, contudo, evidenciam a fragilidade dessa avaliação otimista. Em primeiro lugar, os relatos da reunião de 22 de maio, na qual a possibilidade de destituição da totalidade dos membros do STF, mediante força militar, teria sido debatida, com seriedade, por ministros militares e civis. Em segundo lugar, a denúncia do funcionamento, na estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de um órgão encarregado da investigação de servidores públicos envolvidos em ativismo antifascista. Como sabemos todos, uma polícia política não tem lugar no ordenamento legal do país, e as ameaças concretas à ordem democrática não partem exatamente de militantes que trabalham na defesa dos direitos humanos. 

Tudo indica, portanto, que a calmaria que experimentamos se limite à superfície da política, ao passo que, nas profundezas, prosseguem os movimentos na direção do fortalecimento do presidente da República e da criação de condições para a decretação da “intervenção” almejada no momento propício. 

Nessa situação, seria erro grave das oposições democráticas sustar o processo de convergência, que avançava com celeridade quando a tensão política era crescente. Mais do que nunca, é preciso impulsionar esse processo, para dar conta de ao menos três objetivos. 

Em primeiro lugar, envolver na estratégia de defesa da democracia setores do próprio governo. Nada obsta, afinal, que parte, pelo menos, da base de apoio parlamentar do governo assuma, simultaneamente, as funções de linha de frente do governo no Congresso e de primeira linha de defesa da democracia, quando questões fundamentais estiverem em jogo. 

Em segundo lugar, atuar conjuntamente no sentido de esclarecer a opinião pública acerca das perdas colossais impostas aos brasileiros hoje e nos meses que virão pela incapacidade de o governo lidar de forma adequada com a crise sanitária corrente e a crise econômica que está se seguindo a ela. 

Finalmente, cooperar nos embates institucionais que se avizinham, das mudanças na composição do STF às eleições municipais, de modo a maximizar o fortalecimento da democracia. 

A calmaria é aparente. As movimentações autoritárias prosseguem: o momento da tempestade está sendo preparado por atores relevantes da política. 

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