Revista Política Democrática || Rubens Barbosa: Encontros e desencontros entre Brasil e Argentina

Nova tensão entre Brasília e Buenos Aires ocorre por conta de uma escalada retórica em função de divergências ideológicas entre um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, no Brasil, e um governo de centro-esquerda, prestes a assumir o poder na Argentina.
Foto: Twitter
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Nova tensão entre Brasília e Buenos Aires ocorre por conta de uma escalada retórica em função de divergências ideológicas entre um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, no Brasil, e um governo de centro-esquerda, prestes a assumir o poder na Argentina

Como é normal entre países vizinhos, Brasil e Argentina passaram por muitos desencontros e crises ao longo de suas histórias.

Poderíamos começar ainda no século XIX, quando, em 1826, as Províncias Unidas (hoje Argentina) organizaram complô para sequestrar Dom Pedro II, de modo a pôr fim à guerra com o Brasil pelo controle da Banda Oriental (hoje, Uruguai). No início do século XX, de 1906 a 1910, nova crise por um incidente menor: apreensão de um barco uruguaio no Rio da Prata, em área de demarcação contestada entre Argentina e Uruguai. O governo uruguaio pediu apoio ao governo brasileiro. O conflito aumentou e só foi resolvido por ação do barão do Rio Branco e do presidente argentino, Saenz Peña.

Mais recentemente, tivemos momentos de tensão bilateral por ocasião da construção da Hidrelétrica de Itaipu – com questionamentos públicos pela Argentina nos organismos multilaterais, por conta da questão do compartilhamento das águas –, durante a Guerra das Malvinas e no período de governos militares nos dois países.

Agora, nova tensão entre Brasília e Buenos Aires em decorrência não de uma crise, mas de uma escalada retórica em função de divergências ideológicas entre um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, no Brasil, e um governo de centro-esquerda, prestes a assumir o poder na Argentina. Declarações de lado a lado acirraram os ânimos entre os presidentes, ministros e altos funcionários, que, do lado argentino, sequer tomaram posse.

A política econômica e comercial do novo governo argentino passou a ser preocupação do governo brasileiro, pela possibilidade de a abertura da economia e a ampliação da negociação externa do Mercosul serem contestadas por políticas protecionistas. Sinalizações nesse sentido poderiam questionar o comércio bilateral e a aprovação do acordo com a União Europeia.

A retórica confrontacionista põe em risco, de um lado, o relacionamento político e diplomático e a cooperação econômica e comercial entre os dois parceiros. E, de outro lado, o futuro do Mercosul.

O processo de integração sub-regional foi reforçado nas últimas reuniões presidenciais por medidas de modernização, enxugamento da burocracia e negociação de acordos comerciais com parceiros extra-zona. Na reunião presidencial do dia 4 de dezembro, encerrando a presidência brasileira, todos apoiaram o fortalecimento do Mercosul, e a sugestão de redução da Tarifa Externa Comum, sem acordo, ficou para 2020.

A Argentina e o Brasil têm, no âmbito do Mercosul, interesses comerciais importantes a preservar. O mercado brasileiro é fundamental para as exportações argentinas, que ajudarão na recuperação da economia, junto com políticas econômicas voltadas para a estabilização que o novo governo vier a tomar. Quanto ao setor privado brasileiro, o mercado argentino é importante para a indústria automobilística e a linha branca. A Fiesp recentemente emitiu nota a favor do fortalecimento do Mercosul, ressaltando que os problemas de funcionamento do bloco devem ser resolvidos de maneira consensual entre os países membros.

A diplomacia parlamentar do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quebrou o gelo e propiciou encontro com Alberto Fernández, que deveria assumir a Presidência no dia 10. Vozes moderadas do Itamaraty preferem aguardar as definições das novas autoridades argentinas e, depois de informados sobre a nova realidade, buscar consultas bilaterais em nível técnico. Ao Brasil interessa uma Argentina que volte a crescer, estável política e economicamente. Para tanto, Brasília deveria deixar de lado divisões ideológicas e mesmo provocações políticas, como os gestos em relação ao ex-presidente Lula, e manter a “paciência estratégica”.

O bom senso começa a prevalecer e declarações mais moderadas apontam para uma distensão retórica.

Ao longo da história, em todos os momentos de tensão entre os dois países, as crises foram superadas pela ação pragmática da nossa diplomacia, que sempre levou em conta interesses concretos. Essa lição do passado pode ser útil quando a Argentina e o Brasil atravessam mais um momento delicado na relação bilateral.

O determinismo geográfico da vizinhança é um fator que o governo brasileiro não poderá deixar de levar em conta. Diferenças ideológicas não podem contaminar o relacionamento civilizado entre os dois países.

Como disse Saenz Peña, ao superar a crise no início do século passado, “tudo nos une e nada nos separa”. Que suas palavras nos sirvam agora de exemplo. E que prevaleça o que é do interesse nacional dos dois países.

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