Igor Gielow: Prisão de deputado mostra os custos do bolsonarismo para os Poderes

STF confirma decisão de Moraes em momento de tensão da corte com militares.
Foto: Reprodução/Facebook
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STF confirma decisão de Moraes em momento de tensão da corte com militares

A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter preso deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) demonstra a extensão dos danos do bolsonarismo à relação entre Poderes no Brasil.

Num preâmbulo, a decretação da prisão pelo ministro Alexandre de Moraes deu oxigênio a uma fogueira cujas brasas foram animadas pelo general Eduardo Villas Bôas, jogando no mesmo escaninho de confusão institucional temas que são imiscíveis —embora guardem raízes genéticas, por assim dizer.

A tensão na praça dos Três Poderes havia sido reduzida consideravelmente no país após a prisão do faz-tudo do clã Bolsonaro Fabrício Queiroz, que levou o presidente a recolher-se e estabelecer uma dança com o centrão que acabou no baile dado por Arthur Lira (PP-AL) ao conquistar a Câmara dos Deputados.

Claro, impropérios seguiram sendo ditos e descaminhos trilhados, em especial na condução da pandemia da Covid-19, mas as palavras Planalto, golpe, Supremo e militares pararam de frequentar conversas como ocorria de forma quase ligeira até junho do ano passado.

Agora, o flagrante contra Silveira após um vídeo de baixo calão que só não é inacreditável porque trata-se de um bolsonarista de quatro costados na tela, evidencia o custo da associação institucional com o movimento ideológico que tem no presidente o líder.

Aliados de Bolsonaro correm para dizer que ele não é Silveira, mas parecem não ter visto o tuíte do filho presidencial Carlos lamentando a prisão do amigo.

Com a previsível confirmação da prisão pelo plenário do Supremo, sobraram a Lira duas opções para a análise do cargo.

A do fígado, usar o corporativismo e relaxar a prisão de Silveira, que alguns especialistas apontam como de difícil justificativa no modo flagrante, embora o crime seja evidente.

Para quem tem a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de assassinato, solta nos corredores da Câmara, não é um preço moral alto.

A outra saída, cerebral, seria compor um acordo que talvez poupe Silveira da cadeia, mas que o coloque no patíbulo do Conselho de Ética imediatamente.

Seria uma forma de dar alguma satisfação extra corporis. Como lembrou o decano Marco Aurélio Mello, agora Lira terá de analisar não uma decisão monocrática, e sim do plenário por unanimidade.

Seja como for, o presidente da Câmara não tem nem três semanas no cargo e já paga o preço institucional de associação com o bolsonarismo extremado. Silveira inclusive envolveu o Senado em suas críticas.

“Lá no Senado tem muito senador na mãozinha de vocês. E vocês estão nas mãos de muitos senadores”, esbraveja o deputado seu monólogo direcionado ao Supremo.

Como não se vê de Bolsonaro disposição de promover uma versão política da Noite das Longas Facas, quando em 1934 Adolf Hitler eliminou a cabeça das SA (Tropas de Assalto) que lhe pavimentaram a chegada ao poder para então consolidar sua aliança condicional com o establishment alemão, a questão que fica é outra.

Lira irá apenas colocar mais um item na fatura apresentada ao Planalto por seu apoio ou começará a ponderar o custo de sua adesão?

Até aqui, pautas bolsonaristas mais explícitas já sofrem bombardeio no Congresso, disposto a tocar agendas econômicas simpáticas ao Planalto. Mas ele também viu temas caros ao centrão, como o enterro da Lava Jato, sendo levados em frente.

Mas há dimensões adicionais à crise em plena data que já foi conhecida como Quarta-Feira de Cinzas.

É indissociável do contexto da decisão confirmada pelos ministos do STF o braseiro mexido pelo general Villas Bôas ao revisitar a confecção do tuíte em que tentava emparedar a corte a não impedir a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2018.

O ex-comandante do Exército, em livro-depoimento lançado pela Fundação Getúlio Vargas, traça claramente o cenário em que discutiu a nota com o Alto-Comando da Força em um ambiente de crescente antipetismo e adesão à candidatura Bolsonaro.

Afinal, como a Folha mostrou no domingo (14), o texto de admoestação era ainda mais duro e segundo Villas Bôas foi lido por três generais que são ministros de Bolsonaro —ao menos um, Luiz Eduardo Ramos, nega ter participado.

Essas revelações precipitaram a reação do ministro Edson Fachin, que levou Silveira a produzir o chorume virtual contra o Supremo, que por sua vez horrorizou outros membros da corte.

Na quarta (16), pelo menos três deles conversaram, inclusive dois críticos de Fachin, levando ao pedido de reação por parte de Moraes —que adota linha dura contra os radicais do bolsonarismo desde o ano passado. O presidente do Supremo, Luiz Fux, não participou da articulação.

Para os militares, a saída até aqui foi o silêncio. Repercutiu mal, mesmo entre oficiais-generais que apoiam a posição de Villas Bôas, ele ter tripudiado de Fachin ao questionar no Twitter por que ele demorou três anos para ver na postagem de 2018 uma ameaça.

Os militares, o comandante do Exército Edson Leal Pujol à frente, riscaram uma linha no chão e tentaram de alguma forma dissociar-se do dia-a-dia de um governo que tem 9 fardados entre seus 23 ministros, inclusive o contestado general da ativa Eduardo Pazuello (Saúde).

Inexequível como fato, deu mais ou menos certo como imagem. Agora, tudo isso é colocado em xeque, com o bônus de verem Silveira, que simboliza um radicalismo ao qual os generais dizem ter asco, no mesmo lado do ringue que eles.

O problema adicional é que a narrativa de Villas Bôas no livro explicita que, no berço, muito da espuma produzida pela hidrofobia bolsonarista tem DNA verde-oliva: o ódio ao PT, ao politicamente correto, ao que percebiam como revanchismo de esquerda.

Agora caberá à surradas instituições, testadas o tempo todo sob Bolsonaro, acharem uma acomodação para mais esse espasmo. A bola está com Lira.

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