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Daniel Silveira G1 | Foto: EVARISTO SA/AFP

PTB indica Daniel Silveira, condenado pelo Supremo, para compor duas comissões da Câmara

Elisa Clavery*, TV Globo 

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi indicado pelo partido dele para ocupar vagas em duas comissões da Câmara dos Deputados.

Silveira será membro titular da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), uma das mais cobiçadas e importantes da Casa. A CCJ é responsável por examinar se são constitucionais e se podem ser admitidas propostas que tramitam na Câmara.

Todos os projetos precisam ser validados por essa comissão, que tem o poder de arquivar ou manter a tramitação das propostas.

O parlamentar também foi indicado pelo partido, e eleito pelos pares, 1º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

Neste caso, o deputado foi eleito por unanimidade, com 20 votos, assim como o presidente do colegiado, Aluisio Mendes (PSC-MA), e o 2º vice-presidente, Junio Amaral (PL-MG).

Condenado pelo STF

Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por ataques antidemocráticos ao Supremo e a ministros da corte.

No dia seguinte, entretanto, o presidente Jair Bolsonaro concedeu indulto individual (perdão da pena) ao parlamentar – o que, na prática, deve impedir a execução da pena.

Os ministros da Corte também determinaram a perda do mandato e dos direitos políticos, além de multa de cerca de R$ 200 mil.

A cúpula do Congresso, porém, tem defendido que cabe o mandato do deputado só poderá ser cassado com aval da Câmara à decisão do STF

Também titular na CCJ, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) criticou a indicação de Silveira para a vaga, o que ela considera uma provocação ao STF.

"O fato dele estar na principal comissão da casa mostra que eles seguem nessa tentativa de empoderar e dar respaldo a esses inimigos das liberdades democráticas, gente que infelizmente vocifera ódio, violência, intolerância e faz apologia ao que foi pior da nossa história, que é a ditadura militar."

*Texto publicado originalmente no G1


Mourão critica STF e diz que considera 'difícil' Senado aceitar pedido de impeachment

Vice-presidente criticou prisão de Roberto Jefferson e afirmou que ex-deputado não é 'ameaça à democracia'

Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA — O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou considerar que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão "extrapolando os limites" em algumas das suas decisões. Mourão, contudo, disse achar "difícil" o Senado aceitar um pedido do presidente Jair Bolsonaro de abertura de processo de impechament contra integrantes da Corte.

Mourão criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de mandar prender o ex-deputado Roberto Jefferson por ataques às instituições democráticas, e disse que não considera o político uma "ameaça à democracia":

— Eu acho que o ministro Alexandre de Moraes poderia ter tomado outra decisão, também de tão importante, e de tão coercitivo, sem necessitar mandar prender por algo que é uma opinião, que o outro vem externando. Não considero que o Roberto Jefferson seja uma ameaça à democracia, tão latente assim.

Leia também: Ministros do STF evitam polarizar com Bolsonaro e optam por silêncio sobre ameaças de impeachment

Ao ser questionado sobre se prisões de Jefferson e do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) seriam uma espécie de aviso do STF, vice-presidente afirmou que o "caminho" para quem se sentir ofendido é registrar uma queixa.

— Acho que está extrapolando os limites nisso aí. Se eu sou ofendido, o que que eu faço? Eu registro um boletim de ocorrência e abre-se um processo contra a pessoa que me ofendeu. Então, eu acho que esse é o caminho.

Em relação ao anúncio de Bolsonaro de que pretende pedir para o Senado abrir processo contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, Mourão disse que é uma saída "dentro da Constituição"

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— Não é questão de arrefecer ou colocar lenha na fogueira. O presidente tem a visão dele, ele considera que esses ministros estão passando dos limites aí em algumas decisões que têm sido tomadas, e uma das saídas dentro da nossa Constituição, que prescreve ali no artigo 52, seria o impeachment, que compete ao Senado, fazer. Então ele vai pedir pro Senado, vamos ver o que que vai acontecer. Acho difícil o Senado aceitar.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/mourao-faz-criticas-ao-stf-diz-que-considera-dificil-senado-aceitar-pedido-de-impeachment-de-ministros-anunciado-por-bolsonaro-25156854


Merval Pereira: Prisão em defesa da democracia

Merval Pereira / O Globo

Há muito tempo que o ex-deputado Roberto Jefferson anda se excedendo nas redes sociais, com ameaças de fuzilamento, arma na mão e outros absurdos. Um presidente de partido político não pode fazer uma coisa dessa e por isso, a prisão foi justa. Ele enveredou por um caminho de sedição, de defender revolução armada, que os deputados de seu partido não querem e por isso metade deles está entrando no STF com pedidos para deixar o PTB e manter o mandato.

A democracia precisa se defender desses malucos e a prisão é um dos seus mecanismos de defesa. O inquérito do STF, que começou enviesado – recebeu críticas corretas, de que não poderia ter sido montado como foi – demonstra agora ser necessário, porque há realmente uma rede de militantes digitais que não se limitam a criticar os oposicionistas ao governo; fazem questão de estimulam o ódio e a violência física, de colocar armas numa suposta defesa dos cidadãos e da democracia.

Num estado de direito, não se pode permitir propaganda de revolução. Além do mais, essas redes sociais são financiadas pelo fundo partidário, dinheiro público, o que é também inaceitável. Assim como não é possível custear despesas pessoais de políticos com verba partidária.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/prisao-em-defesa-da-democracia.html


PGR opinou contra prisão de Jefferson e respondeu fora do prazo

Ministro do STF escreveu que procurador-geral da República foi intimado em 5 de agosto sobre o pedido de prisão; resposta só foi finalizada na noite do dia 12

Aguirre Talento e Mariana Muniz / O Globo

BRASÍLIA — A prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, aliado do presidente Jair Bolsonaro, gerou mais um foco de atrito entre o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Moraes pediu uma resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o pedido de prisão formulado pela Polícia Federal em 24 horas, mas a PGR só elaborou a resposta sete dias depois, na noite de ontem, depois que o ministro já havia determinado a prisão, e se manifestou contra a prisão.

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Moraes escreveu em sua decisão: "Em 5/8/2021, a Procuradoria-Geral da República foi regularmente intimada para manifestação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, deixando o prazo transcorrer in albis". A resposta só foi concluída na noite de ontem, 12 de agosto, mas até a manhã desta sexta-feira ainda não havia sido juntada aos autos.

Na manhã desta sexta, o gabinete do ministro divulgou uma nota afirmando que ainda não havia recebido a manifestação da PGR. "Informamos que no dia 5 de agosto de 2021, a Polícia Federal enviou para este gabinete uma representação, requerendo a prisão preventiva de Roberto Jefferson e a ralização de busca e apreensão na sua residência. Autuada esta representação como Pet, no mesmo dia 5 de agosto de 2021, ela foi entregue para a Procuradoria-Geral da República, assinando-se um prazo de 24 horas para que pudesse manifestar-se", diz a nota.

Prossegue o gabinete do ministro: "No entanto, até a decisão que decretou a prisão preventiva de Roberto Jefferson e determinou a realização de busca e apreensão, na data de ontem, 12 de agosto de 2021, não havia qualquer manifestação da Procuradoria-Geral da República a esse respeito, embora vencido o prazo".

O posicionamento da PGR foi feito pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, considerada uma das principais vozes bolsonaristas dentro do Ministério Público Federal, mas só foi finalizado após a decisão de Moraes. Ela se posicionou contra o pedido de prisão feito pela PF, argumentando que Jefferson não possui foro privilegiado perante o STF e que não era a instância correta para essa investigação contra o ex-deputado. 

Lindôra também discordou dos fundamentos de que Jefferson ameaçava as instituições democráticas e apontou que não havia justificativa legal para a prisão do ex-deputado. Disse que não estavam presentes os requisitos para a prisão preventiva.

Moraes e a PGR têm entrado em atritos por causa de diversas investigações contra bolsonaristas que são conduzidas sob a relatoria do ministro. Em maio, Moraes autorizou uma operação da PF contra o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles sem pedir manifestação da PGR, por entender que Aras poderia criar dificuldades ou até vazar informações, segundo interlocutores do ministro. Depois, a PGR solicitou o arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos, o que irritou o ministro. Moraes acolheu o arquivamento mas determinou a abertura de um novo inquérito a ser conduzido pela Polícia Federal.

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A operação contra Jefferson também amplia o desgaste de Aras dentro da Corte. Ontem, o ministro Dias Toffoli, que tem boa relação com Aras, fez uma cobrança ao procurador-geral da República, por não ter se manifestado em um pedido de investigação contra Bolsonaro. Sua omissão em relação aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e às ameaças sobre as eleições do próximo ano também têm provocado descontentamento na Corte.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/pgr-opinou-contra-prisao-de-roberto-jefferson-respondeu-moraes-fora-do-prazo-estipulado-25153847


Jefferson é preso no inquérito sobre ataques à democracia

Polícia Federal prendeu presidente do PTB no Rio e ainda faz buscas na casa do ex-deputado, aliado do presidente Jair Bolsonaro; segundo apurou o Estadão, o pedido de prisão de Jefferson partiu da PF e Alexandre fundamentou a ordem de custódia na 'garantia da lei e da ordem' e na 'conveniência da instrução criminal'

Pepita Ortega e Fausto Macedo / O Estado de S. Paulo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, decretou a prisão preventiva do ex-deputado Roberto Jefferson no âmbito de investigação sobre suposta organização criminosa, ‘de forte atuação digital, com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito’ – o chamado inquérito das milícias digitais, aberto em julho. A Polícia Federal cumpriu a ordem na manhã desta sexta, 13, e ainda faz buscas na casa do presidente do PTB para apreender armas, munições e aparelhos eletrônicos do político.

O pedido de prisão do ex-deputado partiu da Polícia Federal e foi acolhido por Alexandre, que fundamentou a ordem de custódia na ‘garantia da lei e da ordem’ e na ‘conveniência da instrução criminal’. A Procuradoria-Geral da República foi intimada a se manifestar sobre o caso, em  24 horas, mas segundo a decisão de Alexandre deixou o prazo transcorrer ‘em branco’.

Na decisão datada desta quinta, 12, o relator do inquérito sobre as milícias digitais considerou que foram ‘inequivocamente demonstrados nos autos os fortes indícios de materialidade e autoria’ dos crimes de calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, associação criminosa, denunciação caluniosa, além de delitos previstos na Lei de Segurança Nacional e no Código Eleitoral.



Leia a íntegra da decisão



De acordo com o relator do inquérito das milícias digitais, Roberto Jefferson se manifesta ‘contra as instituições democráticas, proferindo diversas ameaças, em especial o Supremo Tribunal Federal’. Alexandre registra que o presidente do PTB ‘pediu o fechamento do STF, a cassação imediata de todos os ministros para acabar com a independência do Poder Judiciário, incitando a violência física contra os ministros, porque não concorda com os seus posicionamentos’.

“As manifestações, discursos de ódio e homofóbicos e a incitação à violência não se dirigiram somente a diversos Ministros da Corte,
chamados pelos mais absurdos nomes, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas também se destinaram a corroer as estruturas do regime democrático e a estrutura do Estado de Direito”, ressalta o ministro.

Alexandre ponderou que a reiteração das condutas era ‘gravíssima, pois atentatória ao Estado Democrático de Direito e às suas Instituições republicanas’. “A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes, com a consequente instalação do arbítrio”, registra Alexandre em sua decisão.

Ataques às urnas, alinhados com o discurso de Bolsonaro

Em sua decisão, o ministro do STF chegou a citar um pronunciamento recente em que o presidente do PTB ‘novamente atentou contra a democracia’. O discurso foi alinhado ao do presidente Jair Bolsonaro, com alegações sem provas sobre fraudes nas urnas eletrônicas e defesa do voto impresso, já declarado inconstitucional pelo STF. Alexandre ressaltou que o vídeo do pronunciamento estava vinculado às redes sociais do PTB e foi amplamente divulgado. Nesse contexto, o magistrado considerou que era ‘nítido objetivo de tumultuar, dificultar, frustrar ou impedir o processo eleitoral, com ataques institucionais ao Tribunal Superior Eleitoral e ao seu presidente’.

Nesse contexto, Alexandre ainda revelou que, após receber representação em que a Ordem dos Advogados do Brasil sustentou que Roberto Jefferson ‘empreendia sistemática campanha de disseminação de fake news por intermédio de seus perfis em redes sociais’, expediu ofícios ao TSE, ao corregedor-Geral da Justiça Eleitoral, e à Procuradoria-Geral Eleitoral, para ‘providências cabíveis, em virtude da possível utilização da condição de Presidente de Partido Político – com a consequente utilização de recursos do fundo partidário – para incorrer nas condutas ora em análise’.

Na decisão dada nesta quinta, 12, Alexandre oficiou o Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral e o Vice Procurador Geral Eleitoral para que informem as medidas tomadas, ‘para análise de imposição de medida cautelar referente à suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais’.

Alexandre cita ‘discursos de ódio, homofóbicos, e de incentivo à violência’ de Jefferson

Das 38 páginas da decisão, Alexandre usou mais de 20 para reproduzir trechos de entrevistas em que Jefferson ataca o STF e as instituições democráticas. Além disso, o ministro registra que a PF apresentou publicações no Twitter, ressaltando que Jefferson já utilizou dois perfis na rede social, além do que ele atualmente utiliza e está ativo desde maio de 2021.

“Por meio da referida rede social, o representado publica vídeos e declarações, onde exibe armas, faz discursos de ódio, homofóbicos e incentiva a violência, além de manifestar-se, frontalmente, contra a Democracia e as Instituições essenciais à manutenção do regime
democrático de direito, entre elas, o Supremo Tribunal Federal”, registra Alexandre.

O ministro do STF determinou o bloqueio de tal conta, registrando que a medida era ‘necessária para a interrupção dos discursos criminosos de ódio e contrário às Instituições Democráticas e às eleições’. Após a movimentação da PF, o perfil que é atribuído a Jefferson inclusive tacou Alexandre de Moraes.

Xandão, maridão de dOna Vivi, Cachorro do STF, decretou minha prisão por crime de milícia digital. Ele está repetindo os mesmos atos do Supremo da Venezuela, prendendo os Conservadores para entronizar os comunistas. Deus. Pátria. Família. Vida. Liberdade.

— Bob Jeff Road King (@BobJeffRoadKing) August 13, 2021

PF fala em ‘agravamento da atuação incisiva’ de Jefferson com ataques às instituições

Ao pedir a prisão de Roberto Jefferson ao Supremo, a PF disse ter identificado a vinculação do presidente do PTB ao escopo das investigações sobre as ‘milícias digitais’ em razão de ‘reiteradas manifestações’ do político que ‘demonstram aderência voluntária ao mesmo modo de agir da associação especializada ora investigada, focada nos mesmos objetivos: atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização e de ódio; e gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos poderes da república’.

A Polícia Federal registrou ainda que durante as investigações foi possível ‘um agravamento da atuação incisiva’ do presidente do PTB, ‘que passou a reiterar divulgações de ofensas de variadas formas em mídias de comunicação ao mesmo tempo em que incita pretensos
seguidores a agirem ilicitamente, em violação às regras do Estado Democrático de Direito, indicando inclusive uma crescente agressividade no discurso’.

A investigação da qual Jefferson é alvo foi aberta após Alexandre arquivar, a pedido da Procuradoria-Geral da República, o inquérito dos atos antidemocráticos. O ex-parlamentar aliado do presidente Jair Bolsonaro também já foi alvo de buscas em outro inquérito que tramita junto ao STF, o das fake news.

Quando abriu o inquérito que é desdobramento da investigação sobre os atos antidemocráticos, Alexandre registrou que os métodos e núcleos estruturados – produção, divulgação, político e financeiro – observados são ‘absolutamente semelhantes’ àqueles identificados no inquérito das fake news, que também corre sob sua relatoria.


Fonte: Blog Fausto Macedo/O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/alexandre-decreta-prisao-de-roberto-jefferson-no-inquerito-das-milicias-digitais-que-atentam-contra-a-democracia/

*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da FAP


Rodolfo Borges: ‘Tchau, querida’ – O impeachment de Dilma na versão do diretor

É como se Iago tivesse escrito sua própria versão de OteloShakespeare, no caso, seria a Rede Globo, roteirista das desgraças de todo político brasileiro —na avaliação de todo político brasileiro que cai em desgraça, como no caso do autor em questão. Não se trata de buscar em Tchau, querida – o diário do impeachment (Matrix, 2021) verdades ou mentiras. Como se filosofou no Twitter outro dia, há hoje um engarrafamento de comentaristas políticos, quando aquilo de que mais precisamos é um bom crítico de teatro. Julguemos a beleza do diário de Eduardo Cunha, portanto, como o faria Bárbara Heliodora.

O deputado cassado justifica as 800 páginas de seu longo relato, que assina com a filha Danielle, pela preocupação em se ater aos detalhes dos fatos. Já nas primeiras páginas, contudo, distribui bordoadas a desafetos como a família Garotinho, o também ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-presidente Michel Temer —o maior alvo de seu relato, já que, ao contrário do que diz o famigerado “vice decorativo” de Dilma Rousseff, Cunha o acusa de trabalhar pelo impeachment “desde o início”. Mas é preciso reconhecer que a versão do diretor do impeachment de Dilma é bem menos romanceada que o açucarado Democracia em vertigem, para citar a crônica cinematográfica mais famosa do processo. Ao expor os meandros ordinários da política partidária do Congresso Nacional, Cunha oferece ao leitor os bastidores que sustentam o espetáculo do combate à corrupção, do enfrentamento da miséria, do crescimento econômico ou de qualquer outra bandeira virtuosa com as quais o público se entretém a cada ciclo eleitoral.

Sob a perspectiva do algoz de Dilma, a democracia brasileira sempre esteve em vertigem, mas especialmente durante o impeachment de Fernando Collor, quando o presidente foi processado politicamente por um crime comum —tanto que acabou julgado (e absolvido) pelo Supremo Tribunal Federal após renunciar para tentar escapar, sem sucesso, do julgamento político do Senado. Para deixar bem claro seu ponto, o ex-presidente da Câmara retorna no livro à proclamação da República, que classifica como um golpe de Estado, e pesca na história brasileira elementos que, somados, desembocarão no impeachment de Dilma. Esses elementos vão desde o Pacote de Abril de Geisel, que estendeu o mandato presidencial para cinco anos, o que acabaria descolando a eleição de Collor, em 1989, das eleições parlamentares e estaduais de 1992, até a vocação parlamentarista da Constituinte de 1987, conflitante com o presidencialismo adotado em sua sequência.

O presidencialismo de coalizão brasileiro é a base da instabilidade institucional para Cunha, e a opção por esse sistema só não foi mais nefasta para a República do que a adoção da possibilidade de reeleição, “o maior erro do período pós-ditadura”, que “jogou fora toda a estabilidade obtida por Fernando Henrique em seu primeiro mandato”. O livro está recheado de análises sobre estratégias feitas por um político dos mais competentes a passar pelo Parlamento brasileiro —ainda ressoa pelo plenário da Câmara a resposta de Cunha a Paulo Teixeira, em fevereiro de 2015, quando o deputado petista se valeu do “artigo 95” do regimento para tentar emplacar uma questão de ordem: “Não existe artigo 95”, respondeu de pronto o então presidente da Câmara, sem a necessidade de consultar o rebanho de assessores que ronda a mesa da presidência, deixando o adversário de momento completamente desconcertado.

Cunha aponta o clássico erro de cálculo de FHC ao deixar Lula sangrar durante a CPMI dos Correios em vez de optar pelo impeachment, optando pelo que parecia uma vitória fácil em 2006. A escolha do tucano permitiu ao petista se recuperar a ponto de conseguir se reeleger, mas se baseava em estratégia oposta —e igualmente frustrada— do próprio PT contra Collor em 1992; ao optar pelo impeachment do “caçador de marajás”, os petistas abriram espaço para a alternativa Itamar Franco e a criação do candidato FHC. Curiosamente, agora Lula estaria optando pela estratégia de deixar Jair Bolsonaro sangrar. A julgar pelo passado recente, não há garantia nenhuma de que o plano vingue. É curioso também o trecho em que Cunha explica como se baseou na ordem da votação da abertura do processo de impedimento contra Collor, do qual ele estava ao lado em 1992, para garantir de que as manobras do Governo Dilma para evitar o impeachment de 2016 não surtissem o efeito desejado.

Outra lição é dada durante a recuperação do episódio que, segundo Cunha, iniciou suas desavenças com a petista —e que a teria levado a trabalhar para isolá-lo no Congresso Nacional assim que tomou posse, em 2014. Refere-se a hidrelétrica de Furnas, onde havia diretores indicados por Cunha, trocados depois pela ex-presidenta, por suspeitas de irregularidades na gestão. “Dilma, como se vê, não havia perdoado que em 2007 eu tivesse ousado apoiar um ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro [Luis Paulo Conde], de extrema competência técnica, para ocupar um cargo em um setor [energia] do qual ela, naquele momento, se achava dona. Agora, eleita presidente, ela era realmente a dona de tudo”, escreve o deputado cassado. Conde presidiu Furnas, entre 2007 e 2008. “Essa é a origem de toda a raiva de Dilma contra mim”, sacramenta.

São inúmeras as vezes em que Cunha destaca os sentimentos de Dilma em relação a ele, sem mencionar o seus próprios ―e talvez não fosse necessário, pois o título e a capa de seu livro, claras provocações à petista, já o deixe bem claro. O autor segue: “Ela, pela falta de traquejo político, me transformou em seu maior inimigo, e, no curso dos anos seguintes, isso ficaria bem claro”. Em seguida, Cunha aplica a lição: “Certamente o fato de ela me transformar em inimigo acabou por me valorizar e me fazer crescer —pois em política é mais importante você escolher os adversários do que os aliados, já que os aliados se apoiam enfrentando os mesmos adversários”. E arremata: “Também em política, não se briga para baixo. Dilma, presidente da República, estava fazendo isso e não teria nada a ganhar, só a perder. Ela já era a presidente da República, e eu, um simples deputado”.

A narrativa de Cunha perde verossimilhança, contudo, quando ele tenta convencer o espectador de que a decisão de aceitar o impeachment de Dilma não teve nada a ver com o processo de cassação que ele enfrentava no Conselho de Ética e que, ao dar início à queda daquele Governo, o então presidente da Câmara pensava apenas no bem do país. Se todos os grandes eventos políticos que antecederam a derrocada de Dilma tinham uma série de variáveis político-partidárias por trás — como o próprio Cunha expõe de forma eloquente — por que apenas esse episódio, narrado pelo próprio diretor, seria diferente?

A franqueza exibida ao longo de todo o livro ganha brumas toda vez que o protagonista do enredo é Cunha —com raras exceções, como quando admite ter apresentado a proposta para limitar o número de ministérios a 20 para pressionar o Governo, e não exatamente para responder aos protestos de 2013, como alegado à época. Após descrever em tom heroico como, mudando de posição, garantiu a aprovação da MP dos Portos —que ele apelida de MP da Odebrecht, por supostamente beneficiar a empreiteira—, o autor menciona vagamente que “no meio do caminho” a Odebrecht o procurou pedindo ajuda para a votação, detalhando apenas que a empreiteira argumentou que a MP resolvia um problema de uma empresa sócia indireta do Governo, via FGTS. Argumento bom o bastante, ao que parece, para ele mudar de ideia.

Para além de indiretas, reflexões políticas, bastidores eletrizantes ―como tentativas de grampo ou mirabolantes manobras regimentais― e mesmo ousadias literárias, como a escolha por enumerar voto a voto o processo de impeachment ―“Chamei a Paraíba: Aguinaldo Ribeiro (PP); sim; Benjamin Maranhão (SD); sim; Damião Feliciano (PDT); sim (…) Faltavam apenas cinco votos”―, o livro apresenta a defesa de Cunha contra as acusações que o levaram à cassação e à prisão, fruto da Operação Lava Jato ―que, segundo ele, “atuou nos moldes de uma organização criminosa”. O leitor há de convir que seria demais exigir confissões de um político vivo ―e cada vez mais vivo, depois que um de seus pedidos de prisão foi revogado no final de abril. Afinal, como ensina Iago, quem expõe o coração à luz se arrisca a vê-lo dilacerado por gralhas.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-02/tchau-querida-o-impeachment-de-dilma-na-versao-do-diretor.html


Folha de S. Paulo: Sob pressão, Câmara freia votação a jato de blindagem a deputados e impõe revés a Lira

Presidente da Casa tentou acelerar tramitação da proposta, mas reação da opinião pública e desconforto no STF provocaram adiamento

Danielle Brant , Gustavo Uribe , Matheus Teixeira , Renato Machado e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo

Apesar da tentativa de tratorar opositores para acelerar a votação da PEC da imunidade parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sofreu um revés nesta quinta-feira (25) com o adiamento da votação da proposta no plenário da Casa.

As dificuldades de costurar um acordo para diminuir a oposição ao texto fizeram com que a sessão se arrastasse por seis horas.

O tempo, no entanto, foi insuficiente para vencer a resistência dos congressistas contrários à proposta, que teve uma repercussão negativa perante a opinião pública e também desagradou a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

A proposta de emenda à Constituição teve uma tramitação a jato na Câmara, o que gerou críticas de parlamentares.

A PEC foi agilizada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.

A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.

Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares.

A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.

Lira anunciou a criação de uma comissão pluripartidária sobre a PEC na sexta-feira (19) passada, antes da sessão convocada para apreciar a prisão de Silveira.

A pressa para votar a PEC gerou reclamação de deputados, que diziam não ter tido acesso ao texto final e contestavam a tramitação acelerada da proposta e o impacto que isso geraria perante a sociedade, principalmente pela avaliação de que a proposição blinda os congressistas.

Como comparação, a PEC do Orçamento de Guerra, idealizada no ano passado para munir o Executivo de ferramentas para combater a pandemia de Covid-19 e que tinha acordo entre todos os líderes partidários, foi aprovada em dois dias.

A PEC da imunidade parlamentar está longe de ter o mesmo consenso e teria a mesma tramitação expressa —foi apresentada na terça-feira.

A admissibilidade da proposta, que avalia se o texto segue preceitos constitucionais, recebeu o aval de 304 deputados, enquanto 154 votaram contra. Por regra, uma PEC precisa de 308 votos para ser aprovada na Câmara, em votação em dois turnos, antes de seguir para o Senado.1 9

Sem conseguir apoio suficiente para avançar a proposição, coube ao presidente da sessão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a decisão de adiar a votação, sob risco de derrota no plenário. Uma nova tentativa deve ser feita nesta sexta-feira (26), às 10h. ​

Lira afirmou que a regra é necessária para que o STF não tenha “que recorrer a uma lei de segurança nacional” pelo fato de o Congresso não ter esclarecido os limites da imunidade parlamentar.

“Eu respeito os ministros, respeito o Supremo. O Legislativo, da mesma forma, merece todo respeito na sua atuação primordial, que é legislar. E nesse aspecto de uma regulamentação de um artigo constitucional, eu não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo ou agredindo outro Poder”, disse.

Para tentar diminuir a resistência dos colegas, a relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), retirou do texto os dispositivos que não diziam respeito ao artigo de imunidade parlamentar, como o que tratava de ficha limpa e das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A delimitação proposta busca regulamentar a imunidade parlamentar. O dispositivo foi idealizado para proteger os deputados, de forma que possam votar e discursar sem temor de quaisquer retaliações.

A crítica que se faz, inclusive no caso de Daniel Silveira, é que essa garantia acabou sendo usada para blindar congressistas de punição, dando a prerrogativa de praticar crimes usando a liberdade de expressão como escudo.

Em seu parecer sobre o texto, Margarete Coelho negou que a proposta amplie a imunidade material ou proteja congressistas. "Além de não modificar a jurisprudência do STF sobre a temática, a proposta não cria qualquer blindagem normativa aos congressistas”, escreveu.

Mais cedo, questionado sobre a relevância da medida, Lira se esquivou. "A minha opinião é irrelevante", disse.

Apesar disso, a proposta não teve apoio suficiente dos deputados. Ao final da primeira sessão, Margarete Coelho acenou com um acordo voltado a convencer o PT a votar a favor da proposição.

A deputada acatou uma alteração no artigo 53, para retirar o trecho que previa a punição ético-disciplinar a congressistas —há críticas de que o dispositivo restringiria a possibilidade de ingressar com processos por ofensas cometidas por parlamentares em discursos em tribuna.

A deputada Alice Portugal (PC do B-BA) defendeu a PEC e afirmou que a proposta era fundamental para proteger os parlamentares.

"Nós, do PC do B, que sabemos o que é a falta de liberdade, o que é perder uma bancada inteira por quebra do manto da imunidade. Nós que sabemos o que é a prisão, o cárcere, a morte de líderes, nós não abrimos mão desse instituto", disse.

Líder do Cidadania, Alex Manente (SP) criticou a tramitação acelerada da proposta. "Nós estamos fazendo de maneira rápida, de maneira afobada uma mudança que tem um grande impacto, especialmente diante daquilo que passamos e votamos na semana passada", afirmou.

A PEC ratifica o que já é contemplado no regimento interno da Câmara: parlamentares que quebrarem o decoro parlamentar estão sujeitos a responsabilização ético-disciplinar.

Segundo a proposta, os congressistas poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis previstos em lei —uma mudança em relação ao texto original, que previa apenas crimes inafiançáveis determinados pela Constituição.

A seguir, porém, o deputado ou senador ficaria sob responsabilidade de sua respectiva Casa, em vez de ficar sob custódia da Polícia Federal, explica Moroni Costa, sócio do Bichara Advogados.

A PEC veda o afastamento judicial do deputado ou senador. "O Congresso está delimitando a fronteira com o Judiciário", diz. "O mandato vem do povo, não do Judiciário. Agora quem vai decidir efetivamente quanto à custódia vai ser o Congresso."

A interpretação de ministros do STF, no entanto, é de que inúmeros trechos da PEC são inconstitucionais e, se forem contestados, devem ser derrubados pelo Supremo.

A aposta deles, no entanto, é que a Câmara colocou em pauta uma proposta com proteções exageradas para se ter margem de negociação e, ao final, aprovar uma emenda que preserve parte das imunidades inicialmente previstas.

Assim, mesmo que não conquistem tudo o que pretendiam, os deputados irão garantir maior proteção.

Um dos pontos de maior preocupação no STF é a previsão de que as prisões em flagrante de parlamentares só possam ser decretadas por decisão colegiada. Os ministros entendem que a medida é inviável e que praticamente inviabilizaria a detenção de congressistas.

No entendimento de ao menos dois ministros do Supremo, a norma afronta a separação de Poderes, pois afetaria a organização interna dos trabalhos da corte.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), todos devem respeitar o "senso de urgência" da Câmara em relação à PEC da Imunidade.

"Foi entendido pelo presidente Arthur Lira e pela Câmara como algo necessário, diante especialmente do episódio havido com o deputado federal Daniel Silveira", disse o presidente do Senado.

Pacheco evitou fazer previsões sobre o ritmo de tramitação da proposta no Senado.

Nesta quinta, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse não ter nada a ver com a PEC e que, por se tratar de emenda à Constituição, ela é promulgada, não cabendo nem possibilidade de veto presidencial.

"Eu não tenho conhecimento dessa PEC [...] Se eu não me engano, deve ter uns 30 mil projetos, no mínimo, tramitando no Congresso Nacional. Eu não tenho como saber de tudo o que acontece lá", disse Bolsonaro.

"E, obviamente, essa PEC, uma vez tramitando, ela tem a ver com a imunidade parlamentar, não tem nada a ver comigo, como chefe do Executivo. Daí o pessoal começa já a tirar, falar que eu vou ter proveito próprio, a família vai ter proveito próprio em cima disso. São críticas que realmente deixam a gente chateado, dada a ignorância de quem critica sem saber o que está falando", disse o presidente na transmissão. ​


Alon Feuerwerker: A montanha-russa da oposição

Daniel Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Sobre Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário, viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia, eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.

Funcionou a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a desestabilização do governo.

 “Defender reajustes dos combustíveis bem acima da inflação não é propriamente algo popular”

E isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.

A decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça a ideia de que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável quando a diretoria da Petrobras toma decisões.

Há um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado tema do sustento.

E defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é propriamente algo popular.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727


Catarina Rochamonte: STF - Autoritarismo contra boçalidade

O deputado se excedeu em palavras e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo.

A verborragia do deputado Daniel Silveira que deu azo ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes é de estarrecer pela sua vileza, violência, chulice e boçalidade. Essa boçalidade tem degradado a política brasileira, mas, convenhamos, ela não é exclusividade do deputado que serviu de boi de piranha para o Supremo mandar seu recado ao bolsonarismo.

Que a fala do deputado foi criminosa, parece consenso; todavia, a prisão em flagrante teve sua legalidade amplamente questionada no meio jurídico. O deputado se excedeu em palavras, e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo e defender o Estado de Direito corroendo seus alicerces. A punição deveria ter sido pleiteada segundo o rigor das normas constitucionais.

O STF merece muitas críticas, que podem ser feitas sem excessos criminosos. Não apenas pode ser criticado como deve ser investigado, inclusive pela já de há muito proposta CPI da Lava Toga, que está barrada no Senado pelo acordo de impunidade entre os Três Poderes. CPI essa, aliás, que sofreu ativa resistência do senador Flávio Bolsonaro.

Mesmo sendo legalmente questionável, a prisão do deputado foi referendada pela unanimidade do STF e corroborada pela Câmara. O presidente Bolsonaro, por sua vez, silenciou, como já o fizera em relação às prisões de Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. É que a turma radical não lhe é útil nesse momento: tornou-se um ruído a perturbar a paz que uniu Planalto, ala anti-Lava Jato do STF e políticos de rabo preso que não se podem indispor com o Supremo.

Se a Câmara optou por não oferecer resistência aos arroubos autoritários dos que se julgam intocáveis, cabe agora ao Senado fazê-lo, abrindo os processos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo e instalando a CPI da Lava Toga. Se a independência e harmonia dos poderes é pilar do Estado de Direito, é preciso agora que o Senado exerça algum protagonismo republicano.


El País: Câmara mantém prisão de bolsonarista Daniel Silveira, que ameaçou STF e defendeu AI-5

Deputados acolhem relatório que entendeu que o parlamentar do PSL cruzou a linha que diferencia a crítica e a liberdade de expressão do ataque às instituições democráticas

Afonso Benites, El País

A Câmara dos Deputados decidiu manter a prisão do deputado federal bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ). Por 364 votos a 130, os parlamentares concordaram com a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal que decretou sua detenção sob acusação de ter cometido os crimes de coação e ofensas à Corte e ao Estado Democrático de Direito. Houve ainda 3 abstenções. Silveira está preso desde a última terça-feira. O relator do processo no STF, ministro Alexandre Moraes, justificou a detenção sob o guarda-chuva da lei de segurança nacional e de que o crime cometido teria ocorrido em flagrante ―única condição para a prisão de um parlamentar―, pois foi feito em vídeo publicado em suas redes sociais, agora deletadas por decisão judicial.

Com a decisão, o Legislativo segue o script de não entrar em confronto com a cúpula do Judiciário em um momento em que os Poderes desfrutavam de uma trégua após passarem um ano de 2020 de extrema tensão, muito por conta das atitudes e ataques do presidente Jair Bolsonaro e de seu séquito. Nesse cenário, a Câmara sinalizou que não quer comprar brigas com os Poderes em nome da radicalização da base bolsonarista, ainda que o presidente esteja adotando uma conduta de cautela após os acordos que o aproximaram dos fisiológicos parlamentares do Centrão. A votação desta sexta-feira foi simbólica. Na ponta do lápis, houve mais votos a favor da prisão de Silveira do que apoios a Lira na eleição de 2 de fevereiro. Naquela ocasião, o parlamentar do Progressistas recebeu 302 votos.

Pesou contra Daniel Silveira seu histórico de extremista e de quem tem poucas relações políticas com o atual establishment. Os parlamentares ignoraram os apelos da defesa do colega bolsonarista que alegava irregularidades na prisão por entender que não havia flagrante no suposto crime e que as falas em que Silveira ameaçava os magistrados deveriam ser analisadas pelo Conselho de Ética da Casa, sem que resultasse em sua prisão. A maioria dos que seguiram em suas fileiras são bolsonaristas do PSL, filiados ao NOVO, membros da bancada da bala e representantes do PTB – partido que ainda busca seduzir Bolsonaro a se filiar na legenda.

Processos no Conselho de Ética

Mesmo preso, Silveira ainda enfrentará dois processos no Conselho de Ética da Câmara que podem resultar na cassação de seu mandato parlamentar. Uma representação nesse colegiado, no entanto, não significa quer necessariamente haverá punições. Outros parlamentares de seu grupo político, como Eduardo Bolsonaro ou o próprio presidente Jair Bolsonaro, quando era deputado, já responderam a processos fazendo discursos semelhantes exaltando o AI-5 ou torturadores da ditadura militar. Nenhum deles foi punido.

No último dia 16, Silveira publicou um vídeo no qual chamou o ministro Edson Fachin, do STF, de filho da puta e disse que imaginava ele e outros magistrados da Corte levando uma surra nas ruas. Também falou a favor do Ato Institucional número 5, principal instrumento de repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985).

“O que acontece, Fachin, é que todo mundo tá cansado dessa tua cara de filha da puta, que tu tem, essa cara de vagabundo”, afirmou o deputado Silveira. Na sequência, disse: “Quantas vezes eu imaginei você [Fachin] e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar, que estou fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então, qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime”.

Em seu relatório para a votação desta sexta na Câmara, a deputada Magda Mofatto (PL-GO) entendeu que o parlamentar atacou as instituições democráticas e que viu clara intenção de seu colega de intimidar os ministros do STF. “É preciso traçar uma linha e deixar clara a diferença entre a crítica e o verdadeiro ataque às instituições democráticas. Temos entre nós um deputado que vive a atacar a democracia e as instituições e transformou o exercício de seu mandato em uma plataforma para a propagação do discurso do ódio, de ataques a minorias, defesa de golpes de Estado e de incitação à violência contra as autoridades públicas.”

No documento que defendeu a manutenção da prisão, Mofatto ainda disse que fala de Silveira não foi uma suposição qualquer. “O parlamentar não fazia meras conjecturas, mas faz entender que existia um risco concreto aos integrantes do STF”.

Em sua defesa, Daniel Silveira disse que se arrependeu de suas palavras, pediu desculpas ao povo brasileiro que tenha se sentido ofendido e citou que sua detenção era ilegal, pois infringia a imunidade de palavra que todo o parlamentar tem. Diz que pode ter agido por meio da pressão popular. “Às vezes vem aquele diabinho que vem no ouvido e diz: faz isso, e você vai lá e faz.” Ele reclamou que foi perseguido pela imprensa e de ter suas redes sociais suspensas. Seus perfis no Facebook e no Instagram foram apagados por ordem judicial de Alexandre de Moraes. “Todas as minhas redes foram deletadas, sumariamente. E não há nada mais grave que isso”, afirmou.

Apesar de ter elogiado e defendido o Ato Institucional número 5, instrumento de repressão da ditadura militar, Daniel Silveira negou que o tenha feito. “Nunca defendi o Ato Institucional número 5. Tampouco admiro ou quero um regime ditatorial. Acho isso tudo jurássico. A arbitrariedade do Estado é desnecessária”.

Logo na abertura da sessão, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o caso Silveira servirá como um ponto de inflexão na Câmara e anunciou que criará uma comissão pluripartidária para regular o artigo constitucional que trata da imunidade parlamentar. O artigo 53 aborda a inviolabilidade de congressistas, civil e penalmente, “por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. De acordo com esse dispositivo, os legisladores federais só podem ser presos em flagrante se crime for inafiançável. “A inviolabilidade do mandato foi inscrita de forma cabal no mesmo texto magno, no mesmo, pelos mesmos constituintes que definiram o papel do Poder Judiciário”, disse. “Respeitar a Constituição é respeitá-la por inteiro. E vamos zelar por isso”, afirmou Lira.

Antes mesmo do fim da votação, quando 17 partidos orientaram pela manutenção da prisão (4 contra e 3 liberaram as bancadas), defensores de Silveira reclamaram da derrota iminente. “Não se trata de defesa corporativa. Trata-se de defesa da democracia, do Estado de direito, da defesa de que não nos submetamos como vassalos, humilhados, ao Supremo Tribunal Federal”, declarou Marcel Van Hattem (NOVO-RS). Para ele, a detenção do colega era uma espécie de AI-5 do Judiciário.


Míriam Leitão: Bolsonaro quer demitir presidente da Petrobras, mas só o Conselho pode

O presidente Jair Bolsonaro quer demitir o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, mas o problema é que ele só pode fazer isso com a concordância do conselho de administração. Por isso fez a declaração na quinta-feira na transmissão em rede social, criticando o dirigente da empresa, para provocar um pedido de demissão do próprio Castello Branco. O problema é que o atual dirigente da estatal não tem essa intenção. 

A informação que apurei é que há risco de o conselho de administração  renunciar. E mais: se a pressão continuar e o presidente da Petrobras for demitido, a diretoria também sairá. O impasse se torna aí mais forte.  A Companhia deve anunciar no próximo dia 24 um excelente resultado. A tensão é crescente entre a empresa e o governo.Para Bolsonaro, a saída pode não ser fácil e suas declarações de quinta à noite criticando diretamente o presidente da Petrobras e deixando no ar essa frase enigmática de que “alguma coisa vai acontecer” vai provocar muita volatilidade no mercado nas ações da empresa.

Bolsonaro quer com isso agradar aos caminhoneiros que voltam a falar de greve como informado aqui no blog. O presidente tem tido uma crise de raiva a cada aumento que a Petrobras anuncia, o problema é que o que ele quer controlar os preços da empresa e voltar ao tempo do congelamento como houve no governo Dilma e que levou a um prejuízo bilionário. A administração de Roberto Castello Branco tem reduzido o maior problema que é o alto endividamento da empresa. E a intenção na empresa é continuar seguindo a paridade internacional dos preços.

O corte nos impostos vai significar R$ 3 bilhões ou mais só a zeragem por dois meses dos impostos federais, e pode chegar a R$ 5 bi somando com a suspensão até o fim do ano dos tributos sobre gás de cozinha, como foi dito aqui. O governo terá que dizer de onde vai tirar, de acordo com o ordenamento fiscal do país e isso tem que ser dito hoje pela equipe econômica. Aliás a equipe está tentando cortar R$ 10 bi em orçamento que sequer foi aprovado e ele ja está criando mais despesas. 

O presidente se irritou até com a forma como o presidente da Petrobras chegou para a última reunião. De máscara e com óculos de EPI, para a proteção contra o coronavírus. No palácio, o uso da máscara e da rigidez das medidas protetivas é vista como uma atitude política contrária ao governo. O máximo que se faz é por a máscara, aparecer em público e depois tirar na hora de falar.

O Instituto Brasileiro do Petróleo soltou uma nota em que defende o mercado aberto. De acordo com o comunicado, o IBP afirma que somente com um mercado aberto, competitivo, dinâmico, ético, com segurança jurídica e previsibilidade regulatória, "o segmento será capaz de atrair novos atores e investimentos, de médio e longo prazo, em infraestrutura logística, produção de combustíveis e derivados, além da garantia do abastecimento nacional". 

Ainda de acordo com a nota, a "dinâmica de preços livres deve ser preservada, com alinhamento à paridade internacional, equilibrando a oferta e a demanda". 


Hélio Schwartsman: O que a Folha me ensinou

Errando e acertando, é jornalismo o que a Folha procura fazer

A Folha faz nesta sexta (19) 100 anos de existência. Eu, dentro de um par de meses, farei 33 anos de Folha. Foi meu primeiro e único emprego, ao qual cheguei por acidente.

É verdade que desde pequeno eu lia o jornal. Meu pai assinava a Folha e o Estado, e foi sobre o diário da alameda Barão de Limeira que minha atenção naturalmente recaiu. A Folha era visivelmente menos sisuda que o Estado na segunda metade dos anos 70. Nunca, porém, imaginei que um dia trabalharia no jornal.

A guinada veio em 1988. Recém-formado, em busca de algo para fazer antes de me dedicar integralmente ao que seria uma tese sobre a verdade em Platão, respondi a um anúncio da Folha em que ela recrutava tradutores. Não era bem assim. A vaga, na realidade, era para uma posição de redator na editoria de Exterior. Fiz a prova, a entrevista, fui chamado, aceitei e estou no jornal até hoje. Jornalismo vicia. A tese nunca foi escrita.

Esses 33 anos me ensinaram duas lições ontológicas. A primeira é sobre o papel do acaso, muito maior do que estamos dispostos a admitir. Uma edição de jornal nada mais é do que o catálogo dos principais acontecimentos fortuitos do dia anterior, do sorteio da Mega-Sena aos terremotos e acidentes. Assim como o acaso foi decisivo para a minha carreira, o é para tudo.

A outra é sobre a verdade. Cada um tem a sua. Platão estava errado. Mas, mesmo admitindo que objetividade e imparcialidade sejam uma quimera, não precisamos necessariamente concluir que o jornalismo é a realização diária de uma impossibilidade teórica.

Entre o dogmatismo com tons religiosos e o cinismo niilista, sobra bastante espaço para relatos que, sem a pretensão de verdade acabada, procuram honestamente estar tão perto dos fatos quanto possível.

Errando e acertando, é o que chamamos de jornalismo, e é o que a Folha procura fazer. Ao menos foi isso o que testemunhei ao longo de 1/3 dos 100 anos desta Folha.