Reservas particulares: saiba mais sobre essas unidades de conservação

A Fundação Pró-Natureza (Funatura) lança quatro minidocumentários sobre a importância das Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPNs), filmados em reservas do bioma Cerrado e com proprietários e especialistas que atuam na proteção da natureza. Os minidocs podem ser assistidos no canal da Funatura no YouTube.

O Cerrado é a savana mais biodiversa do mundo, o segundo maior bioma do Brasil e um dos mais ameaçados de extinção. Os vídeos tratam, do bioma em si; das  RPPNs;,  da  conservação; e  das  atividades econômicas possíveis numa RPPN (minidoc 04).

“Com imagens inéditas do nosso Cerrado e depoimentos tocantes, mostramos a importância de proteger a biodiversidade e conservar a vida em harmonia com a natureza”, comenta o diretor executivo da Funatura, Pedro Bruzzi.

A Funatura, por meio do projeto Reservas Privadas do Cerrado, tem a meta de criar 70 RPPNs até o final de 2021. Hoje, já são 60 áreas com processos abertos junto aos órgãos ambientais federais e estaduais no bioma. Dessas, 10 RPPNs já tiveram as devidas portarias de criação publicadas. As demais estão em andamento.

Os benefícios

As RPPNs são unidades de conservação de domínio privado com essa destinação gravada na matrícula do imóvel. Representam uma importante oportunidade de que novas unidades de conservação sejam criadas no Brasil, com a sociedade civil engajada na proteção dessas áreas.

A criação da unidade não afeta a titularidade do imóvel e não implica que o proprietário deixe a área ociosa, sem atividade econômica. É possível desenvolver atividades de ecoturismo, ações de pesquisa científica e de educação ambiental nas RPPNs.

“A RPPN pode representar para o proprietário rural uma nova fonte de negócios”, explica Michael Becker, coordenador da Estratégia de Implementação Regional do CEPF Cerrado. "É uma forma de preservar o patrimônio natural para todo o sempre  e a porta de entrada para novos mercados como o de crédito de carbono, pagamento por serviços ambientais (PSA) e estratégias ESG (Environmental, Social and Governance)”, diz ele.

O aumento da criação de RPPNs traz benefícios não apenas para a flora e a fauna, mas para toda a sociedade, que depende dos serviços ecossistêmicos produzidos pelo Cerrado, como a produção de água e a manutenção do clima.

“Quem conserva merece apoio e reconhecimento público. No Cerrado, temos mais de 270 áreas que contribuem imensuravelmente na produção de serviços ambientais, como áreas de matrizes de flora e refúgios de fauna silvestre”, destaca o coordenador do projeto pela Funatura, Laércio Machado.

O projeto 

O Projeto Reservas Privadas do Cerrado é uma realização da Funatura e parceiros com apoio do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF, na sigla em inglês) e do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB). O Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos é uma iniciativa conjunta da Agência Francesa de Desenvolvimento, da Conservação Internacional, União Europeia, do Fundo Global para o Meio Ambiente, do Governo do Japão, e do Banco Mundial. Uma meta fundamental é garantir que a sociedade civil esteja envolvida com a conservação da biodiversidade.

A Funatura, por sua vez, completou 35 de atividades em defesa do meio ambiente em agosto deste ano. Durante essa trajetória, a Fundação foi responsável pela elaboração do pré-projeto de lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc); pela criação do Parque Nacional Grande Serão Veredas; por Planos de Manejo como o do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, na Bahia, e Parque Nacional de Fernando de Noronha, em Pernambuco, e outros 20; pelo apoio à criação do Santuário Vagafogo, em Pirenópolis/GO, a primeira RPPN do estado; além do Plano de Desenvolvimento Territorial de Base Conservacionista do Mosaico Grande Sertão Veredas-Peruaçu.

Confira o minidocumentário:








Charge da Edição 42 da Revista Política Democrática online

* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.

** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


Leitor na Biblioteca Salomão Malina | Foto: divulgação FAP

Biblioteca Salomão Malina oferece empréstimo gratuito de 68 livros sobre PCB

João Vitor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida

Fundado há 100 anos no Rio de Janeiro, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) mantém seu legado sustentado no tripé do mundo do trabalho, da cultura e da defesa pela democracia, com registro de toda sua trajetória em 68 livros disponíveis para empréstimo gratuito em Brasília. As obras integram o acervo da Biblioteca Salomão Malina, vinculada à Fundação Astrojildo Pereira (FAP).

Com 14 anos de tradição, a biblioteca é localizada no Conic, próximo a rodoviária do Plano Piloto, no centro de Brasília. Neste ano, tem oferecido ainda mais destaque às obras do PCB, que, ao longo dos anos, ganhou nova roupagem com o PPS e, mais recentemente, recebeu nova identidade política com o Cidadania.

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O ano de 2022 é marcado pela celebração do centenário do PCB, fundado na cidade do Rio de Janeiro, no Sindicato dos Alfaiates e dos Metalúrgicos, nos dias 25 e 26 de março, e em Niterói, no dia 27 de março de 1922.

Relação de obras

Dentre as 68 obras sobre o partido, está Os nove de 22: O PCB na vida brasileira, do historiador Ivan Alves Filho. O livro é o mais recente sobre o tema e reforça o legado de nove homens que sonhavam em mudar o mundo no ano de 1922, com a fundação do partido.

O livro é resultado de um levantamento do historiador, mas também representa um relato dele como militante político. Não tem nada de acadêmico. É, conforme o próprio autor define, uma tentativa de construir um instrumento político adaptado às demandas do século 21.

Abaixo, veja relação de obras:

Jornais

Além dos livros disponíveis para empréstimos, o público pode ter acesso, gratuitamente, a todos os arquivos digitais dos jornais produzidos pelo Órgão Central do PCB durante a ditadura militar e no período de redemocratização do Brasil.

O jornal Voz Operária foi produzido, de 1970 a 1979, e o jornal Voz da Unidade, de 1980 a 1991. Seus organizadores sempre se sustentaram na defesa intransigente da democracia, em busca de uma sociedade menos injusta, menos desigual e menos excludente.

Desde 2021, a FAP tem realizado diversas atividades e eventos online em celebração ao centenário do partido e de outras datas que são importantes para a história da política nacional.

"Interessante"

Em reunião do Conselho Curador da FAP, no dia 30 de março deste ano, o diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, lembrou a importância do centenário do PCB, que foi celebrado durante seminário internacional online, realizado de 8 a 10 de março, e em evento presencial, em Niterói (RJ), no dia 25 do mesmo mês.

“Quem esteve presente em Niterói viu que o evento foi muito interessante, emocionante e rico, porque discutimos um pouco o passado, a validade das nossas premissas anteriores e o que perdeu validade, a permanência e atualidade dos valores que inspiram a trajetória do PCB e reconhecemos a necessidade de fazer mudança para que esses valores, projetos e lutas sejam feitos de forma efetiva”, disse Caetano.

Além disso, as atividades da FAP também celebram o centenário da Semana de Arte Moderna, assim como o bicentenário da Independência, que terá o seu marco histórico em setembro deste ano.

Biblioteca

Inaugurada em 28 de fevereiro de 2008, a Biblioteca Salomão Malina se tornou um importante espaço de incentivo à produção do conhecimento em Brasília. Localizada no Conic, tradicional ponto de cultura urbana próximo à Rodoviária do Plano Piloto, a biblioteca pública foi reinaugurada em 8 de dezembro de 2017, após ser revitalizada.

A revitalização da biblioteca garantiu ainda mais conforto aos frequentadores do local e reforçou o compromisso da biblioteca em servir como instrumento para análise e discussão das complexas questões da atualidade, aberta a todo cidadão.

Para consultar o acervo da biblioteca, clique aqui

O espaço integra a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), mantida pelo Cidadania, e conta com 4,8 mil títulos para empréstimos, que são constantemente atualizados por meio de doações e pela aquisição de obras de pensadores contemporâneos.

O acervo é especializado em Ciências Sociais e Humanas, contando também com livros da literatura que fazem menção à crítica social e dos costumes, na transição do Brasil rural para o urbano.

Além da coleção de literatura brasileira, a biblioteca oferece, também, exibições gratuitas toda sexta-feira no cineclube Vladimir Carvalho, que fica no andar de cima da unidade, no Espaço Arildo Dória. Ademais, promove eventos culturais como o clube de leitura Eneida de Moraes, a batalha de poesias do Slam-DéF e o curso de japonês, gratuito, para iniciantes.

Serviço

Biblioteca Salomão Malina

Endereço: SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). CEP: 70393-902

Horário de funcionamento: segunda à sexta, de 9h às 18h

Telefone: (61) 3323-6388

WhatsApp: (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web)

*João Vítor é integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da fundação, Cleomar Almeida.

Veja vídeos




Revista online | Oscar e a tentação das majors

Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online

No princípio eram as majors… Grandes estúdios produtores de filmes que detinham também o controle sobre sua distribuição e exibição. Eram cinco as empresas donas do processo filmográfico em Hollywood: ParamountMGMWar ner BrosRKO e 20th Century Fox. Como consequência, as Big Five, como eram conhecidas, dominavam também as premiações mais importantes, como o Oscar, que teve seu início em 1929. 

Um belo dia, percebendo o esmagamento dos pequenos estúdios e a quase extinção das pequenas salas de cinema, alguns dos principais produtores independentes da época, entre eles Charles Chaplin, Walt Disney e Orson Welles, levaram o caso à Justiça. Foi o famoso “United States vs Paramount”, processo que chegou à Suprema Corte americana em 1948 e resultou em uma lei antitruste que obrigava as Big Five a se desfazerem de suas salas e ainda a acabarem com a prática de reserva de blocos. Ou seja, os filmes passavam a ser vendidos individualmente. 

No cenário atual, pode-se dizer que as novas majors são as empresas de streaming, originalmente exibidoras, mas que, para não perderem espaço, se tornaram também produtoras e distribuidoras (NetflixAmazon etc). Do mesmo modo que as produtoras,  percebendo no streaming uma nova fonte de riqueza, criaram suas próprias plataformas de exibição (Disney+Paramount+ etc). 

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O que presenciamos no Oscar deste ano foi uma verdadeira queda de braços entre essas majors, da qual saiu vencedora a Apple, uma das últimas a entrar no páreo. Uma evolução natural da indústria cinematográfica, que, no fim do século passado, entrou com tudo na era digital, porém, uma evolução que parece estar deixando a arte cinematográfica em segundo plano. 

CODA - No Ritmo do Coração, que levou o Oscar de melhor longa-metragem, é um bom filme, um feel-good movie, como dizem os americanos, mas jamais uma produção para levar o prêmio máximo da noite. Ainda mais em um ano com tantos filmes de peso em competição! É certo que a questão da diversidade e a da inclusão contam na hora de atribuir os prêmios, e isso é de fato importante e louvável. Para completar, CODA é ainda bonito, daqueles filmes que fazem chorar. Mas, se fosse para premiar uma obra por sua proposta de inclusão ou pela quantidade de lágrimas por ela gerada, mais adequado seria outro tipo de Festival. O que deveria estar em jogo na maior premiação de Hollywood, concedida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, deveria ser, antes de tudo, a qualidade de cada um dos quesitos que compõem um filme: direção, fotografia, trilha sonora, montagem, roteiro etc. O trabalho de Jane Campion Ataque dos Cães, por exemplo, é algo de próximo à perfeição, quando se pensa em cada quadradinho que deve ser preenchido ao se realizar um filme. A fotografia é sublime, o roteiro, adaptado por ela mesma a partir do romance homônimo de Thomas Savage, é um espetáculo. Isso somado à sofisticação de cada enquadramento, à precisão de cada posicionamento de câmara, à trilha sonora dos deuses e ao elenco todo digno de Oscar, fazem de Ataque dos Cães um super candidato ao prêmio maior. Mas, apesar das 12 indicações recebidas, o filme acabou saindo apenas com o Oscar de melhor direção para Campion. 

Estranho que a obra laureada com a melhor direção não tenha levado mais nenhum prêmio! Afinal, o diretor é o maestro, é o chefe de todas as decisões tomadas na realização do filme. Assim, por uma simples questão de lógica, a conta não fecha. 

 CODA, por sua vez, saiu com o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado pelo belo trabalho feito por Sian Heder, que conseguiu a proeza de superar o original francês A Família Bélier (2014)Justo! Da mesma forma que foi justo o prêmio de ator coadjuvante para Troy Kotsur. Ele o mereceu! E mereceu não por ser surdo, mas por ter trabalhado em nível de excelência. Já CODA sair com o Oscar de melhor filme me parece uma tremenda “forçação” de barra. Em qual quesito a refilmagem americana é superior a Ataque dos Cães ou a Belfast? Ou ainda a Duna, que levou seis estatuetas? 

A explicação não está na técnica, nem na arte cinematográfica, mas no investimento feito pelas majors que estão por trás de cada um dos filmes. Ataque dos Cães é uma produção Netflix, e CODA é filha adotiva da Apple, uma produção independente cujo direito de distribuição foi comprado pela empresa de Steve Jobs. Em janeiro, quando pouco ainda se falava do filme, os empresários, percebendo as reações positivas da plateia, decidiram investir tudo e mais um pouco em sua promoção. Foram várias seções privadas para os críticos e membros da Academia, envios de presentes às pessoas mais influentes do meio e tal. Um lobby pesado que resultou em três Oscares para as três indicações recebidas por CODA, entre eles o prêmio máximo da noite, deixando a Netflix mais uma vez a ver navios.  

Uma prova de que a Academia, que parecia estar tomando prumo nos últimos anos, caiu em tentação novamente e segue mordendo o fruto proibido. Pelo menos até a nova lei antitruste. 

Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL)Suíça.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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Revista online | Lições da Itália ao Brasil de 2022

Revista online | A frente democrática, aqui e agora

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Livro A Itália em Disputa, de Giuseppe Vacca | Arte: Matheus Lacerda/FAP

Revista online | Lições da Itália ao Brasil de 2022

Vinícius Müller*, especial para a revista Política Democrática online

As mudanças que ocorreram na Itália após a queda do fascismo servem como mote para que Giuseppe Vacca, em A Itália em Disputa: Comunistas e democratas–cristãos no longo pós-guerra (1943-1978)descortine crise que, embora italiana, nos serve de exemplo da complexidade e da temporalidade que formaram o mundo do segundo pós-guerra.   

A primeira dimensão remete à bipolaridade entre EUA e URSS e ao entendimento de como esta situação, engessada nas análises sobre a Guerra Fria, foi muito mais dinâmica do que percebemos. Isso porque não só a bipolaridade oscilou entre aproximações e acirramentos, mas também se ajustou em países tão díspares, como o Chile, esmagado pelo golpe de 1973, ou a Hungria, calada após sua revolta contra o stalinismo.   

Foi nesta oscilação que a Itália vivenciou seu arranjo entre a Democracia Cristã e o Partido Comunista, ambos de grande apelo popular e amplamente voltados à "desfascistização" do estado italiano. O livro de Vacca mostra o árduo processo para a criação de uma linguagem pedagógica que os unissem em nome do pacto socialdemocrata e de sua versão econômica do estado do bem-estar social. O esforço era voltado para que a direita moderada da democracia cristã pendesse ao seu lado centrista de modo a se aproximar dos comunistas. Esses deveriam, analogamente, ampliar sua disposição de se aproximarem da centro-esquerda.  

A dificuldade residia em sustentar estes movimentos em meio às incertezas da ordem internacional. Isso porque, além das tendências em direção daquilo que seria a União Europeia, a recuperação econômica dependia do posicionamento dos EUA e de sua moeda. Por outro lado, tanto o pacto socialdemocrata, como o bem-estar social traziam possíveis inversões ao modo como se entendia o capitalismo. De modo objetivo, esta inversão, crítica e condizente com a crise do liberalismo que se arrastava desde ao menos 1914, dependia de uma reorganização da infraestrutura e dos investimentos, ambos sustentados em partes pelo Plano Marshall. Dependiam, ainda, da capacidade do Estado de garantir não só a oferta de bem-estar, mas, também, exatamente por isso, manter salários baixos como o caminho para o pleno emprego. Este papel do Estado, entre suas variações de intensidade e qualidade, foi visto por muitos como uma concessão ao socialismo. O que poderia significar que a própria trajetória da história estava se realizando: das contradições do capitalismo ao comunismo.  

Assim, entre uma situação interna que exigia uma reorganização do Estado após o fascismo e uma externa que envolvia a Guerra Fria e suas nuances, a Itália dependia de tênue ajuste entre dois grandes partidos que, além de terem matrizes diferentes, competiam eleitoralmente. A possibilidade do acordo, portanto, era dependente da qualidade de suas lideranças, destacadamente do democrata cristão Aldo Moro. Seu assassinato em 1978 marcou o colapso do que ainda sobrava do ajuste político do segundo pós-guerra na Itália. E tornou ainda mais confusa a análise sobre as causas da ruptura do pacto político que vigorava há três décadas. As mudanças no cenário internacional, marcadas pelo fim do padrão de Bretton Woods, pela crise do petróleo e pela reorganização da Guerra Fria a partir da aproximação entre EUA e China - e, consequentemente, pelo recrudescimento da bipolarização entre os norte-americanos e os soviéticos – tornaram ainda mais difícil a manutenção da linguagem comum necessária ao ajuste entre democratas-cristãos e comunistas.  

O Brasil não será a nova Cuba | Imagem: reprodução/CEDEMUnesp
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Por outro lado, a Itália, assim como a Europa ocidental, se debatia com os limites de sua autonomia na disputa da Guerra Fria e via, a exemplo de alguns de seus vizinhos, o bem-estar social e a socialdemocracia serem fortemente golpeados pelo próprio limite econômico e social que este modelo keynesiano-fordista apresentava: crise fiscal e esclerose institucional.   

Não à toa, um ano após o assassinato de Aldo Moro, Margaret Thatcher ascenderia ao governo britânico, e Paul Volcker prepararia, com sua abrupta mudança na condução das taxas de juros nos EUA, o cenário da retomada do liberalismo. A Itália, neste contexto, perdia mais do que a liderança de Aldo Moro, mas também o timing do ajuste necessário para o novo horizonte que nascia: a ascensão de lideranças populistas em meio à crise do bem-estar social, da retomada do liberalismo globalizado e, por que não, da própria desqualificação da democracia. Cada um a em seu tempo.  

Ou seja, Vacca nos mostra tanto as possibilidades de um pacto em defesa da democracia como os equívocos produzidos pelo frágil entendimento das mudanças que, inexoravelmente, ocorrem.  Lança luzes sobre o papel das lideranças que são capazes de acelerar o processo de adaptação a estas mudanças, e, mais importante, que entendem que essa agilidade pode ser a diferença entre a vida e a morte da democracia. Foi assim na Itália, entre 1943 e 1978, mas poderia ser no Brasil de 2022.


Saiba mais sobre o autor

*Vinícius Müller é Doutor em História Econômica. Membro do Conselho Curador da FAP.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Boaventura: três guerras e o futuro do planeta

Por Boaventura de Sousa Santos, Outras Palavras

Pensamos com o nosso saber e na nossa língua, mas também com o nosso corpo, a partir das nossas raízes, com as nossas emoções, no lugar e no tempo onde nos situamos. Também pensamos com a nossa ignorância desde que tenhamos consciência dela, com as nossas dúvidas desde que as não convertamos em cinismo, com as nossas ansiedades desde que não nos deixemos paralisar por elas. Pensar é, pois, difícil sempre que não se trate de repetir o que outros pensam ou que já está pensado. Há momentos na sociedade em que pensar se torna particularmente difícil. São os momentos de excessiva alegria triunfalista ou de excessiva angústia perante uma tragédia iminente, ou ainda de excessiva confusão perante acontecimentos com uma evidência tão ofuscante que produz cegueira. Nesses momentos, pensar refletidamente não é apenas pensar contra a corrente. É pensar contra a avalanche com o risco iminente de se ser arrastado por ela. Nos últimos dois anos, passamos por dois momentos deste tipo e é natural que a sociedade se sinta exausta e perplexa e quase a ponto de desistir de pensar. Os dois momentos são de natureza muito diferente, mas são igualmente avassaladores, pelo menos para quem vive na Europa. O primeiro momento foi protagonizado pela pandemia e traduziu-se num excesso de angústia ante uma tragédia iminente, a ameaça da morte própria ou de entes queridos, uma tragédia que surgiu na sociedade de surpresa e nos podia atingir pessoalmente a qualquer momento. O segundo momento é a guerra da Ucrânia em curso, um momento de tragédia para os que sofrem injustamente as consequências da guerra e de perplexidade ante o modo como um acontecimento certamente complexo tem sido analisado de modo tão grosseiramente simplista e com tanto unanimismo mediático. Não é de excluir que a sucessão tão próxima dos dois momentos contribua para o desarme intelectual e mesmo emocional que estamos a viver. Mas é importante não desistir de pensar, de pensar o impensado (porque ausente do que se ouve ou lê) e mesmo o impensável (porque conflituante com a obsessiva narrativa mediática). O meu exercício neste texto incide no segundo momento, a guerra da Ucrânia, até porque ao primeiro, a pandemia, já dediquei um livro (O Futuro Começa Agora. Da Pandemia à Utopia. Edições 70, 2020).

A narrativa única, bombardeada 24 horas por dia nos media do eixo do Atlântico Norte, em que devemos incluir o Brasil, a Austrália e o Japão, tem as seguintes características: a invasão não provocada de um país indefeso violadora do direito internacional e causada por um ditador sem escrúpulos; as graves consequências do regresso da guerra depois de quase oitenta anos de paz; um conflito em que a civilização se confronta com a barbárie, a democracia com a ditadura; o imperativo moral de tomar partido, não sendo admissíveis posições condicionais e muito menos neutras; trata-se de uma cruzada contra o mal e com o mal não se negoceia, elimina-se. Pensar no atual contexto é submeter ponto por ponto esta narrativa ao escrutínio da razão e da reflexão. Implica muitos riscos, nomeadamente o de ser considerado traidor, talvez ao serviço do inimigo. Certo destes riscos (aliás, já concretizados), atrevo-me a pensar. Mas, antes, quero referir os três mecanismos principais que são acionados para desacreditar a crítica à narrativa única.

São eles: contextualizar é relativizar; explicar é justificar; compreender é perdoar. O objetivo cumulativo dos três mecanismos não visa destruir os argumentos invocados contra a narrativa única, visa outrossim destruir ou neutralizar quem os invoca. Chama-se a isso na teoria da comunicação character assassination. Desacreditar ou demonizar o autor, em vez de refutar os argumentos. Este objetivo tem uma potencialidade expansiva enorme porque através dele se podem mobilizar muitos outros motivos, não relacionados com o tema, mas relacionados com o autor: ressentimentos ou vinganças pessoais, desacreditar as opções políticas (nomeadamente de esquerda) ou outras, veicular preconceitos étnico-raciais ou de gênero. Estes mecanismos são conhecidos, mas a sua eficácia é relativa. Tende a ser tanto maior quanto mais desestabilizadora seja a narrativa que eles procuram silenciar, ou seja, quanto maior seja a sua gravidade subjetiva. Por exemplo, a gravidade do número de mortos numa tragédia é mais ou menos intensa quanto mais próximos nos sentimos dos mortos ou quantos mais detalhes conhecemos sobre a sua morte. Ciente disto, o que pretendo analisar neste texto não visa relativizar, justificar ou perdoar a invasão ilegal da Ucrânia ou as suas trágicas consequências. Visa, pelo contrário, elucidar as razões que as tornam particularmente graves manifestações dos perigos que o mundo corre.

As várias guerras numa guerra. A guerra de agressão militar da Rússia contra a Ucrânia é a mais visível, mas não é única nem a mais grave para o futuro do mundo. São três as guerras em curso: a militar, a económica e a mediática. A guerra militar só formalmente é entre a Rússia e a Ucrânia. De fato, é uma guerra militar entre a Rússia e os EUA travada na Europa e usando a mártir Ucrânia como país de sacrifício para a proxy war entre as duas potências. A proxy war é a guerra em que os contendores usam países terceiros para que o confronto entre eles não seja direto. A Rússia está em guerra contra a presença da OTAN nas suas fronteiras e a OTAN é uma organização militar atualmente ao serviço dos interesses geopolíticos dos EUA. Basta recordar que o comandante supremo da OTAN para a Europa é “tradicionalmente um militar norte-americano”. É por pressão dos EUA que armas e combatentes estão sendo enviados à Ucrânia e todos os países europeus está elevando seus orçamentos militares. Esta guerra militar é um sinal da vida póstuma da Guerra Fria, pois, tal como esta, está dominada pela doutrina das zonas de influência. A Rússia continua a imaginar os países à sua volta (que pertenceram à União Soviética e, antes, ao Império russo) como países da sua zona de influência, tal como os EUA consideram a América Central e Latina como sua zona de influência, aliás, recentemente promovida de quintal de trás (backyard) a jardim em frente da casa (front yard). Oxalá esta promoção não seja um presente envenenado. Os dois contendores têm em comum uma visão muito relativa da autodeterminação dos povos. Apenas a promovem quando lhes convém. A gravidade desta dimensão da guerra militar reside em que, embora a Rússia (então URSS) tenha reconhecido em 1962 (a crise dos mísseis) a zona de influência dos EUA, estes não reconhecem a zona de influência russa. Assumem que o fim da União Soviética foi uma derrota da Rússia e uma vitória dos EUA, o que obviamente não foi o caso. Para os EUA, toda a Europa (que para eles não inclui a Rússia), e não apenas a antiga “Europa Ocidental”, é agora a sua zona de influência. O que o Presidente Biden pretende com o regime change na Rússia não é a democracia, é antes o reconhecimento desta zona de influência.

A segunda guerra em curso é a guerra econômica. Esta guerra é entre os EUA e a China. A Rússia é uma grande potência militar (maior número de ogivas nucleares), mas o seu PIB é inferior ao do Texas. Ao contrário, a China será no início da década de 2030 a maior economia do mundo e é já hoje a grande rival dos EUA, a “ameaça existencial” para este país. Pode-se mesmo dizer que nesta guerra talvez também haja uma proxy war, mas, neste caso, o país de sacrifício é a própria Rússia. A Rússia é o aliado mais importante da China e a via terrestre para a expansão da China em direção ao Ocidente. Vencer a Rússia é travar a China, tal como no golpe na Ucrânia em 2014, incentivado pelos EUA, tratou-se de travar a aproximação da Rússia. Aparentemente imparável, a expansão econômica da China é uma ameaça existencial para os EUA, no sentido mais literal do termo, porque pode constituir o fim do único fator que mantém a primazia dos EUA no mundo: o dólar como moeda de reserva internacional. Só isso explica que neste momento pelo menos 25 países sejam objeto de sanções econômicas dos EUA e que elas afetem mais ou menos gravemente a sua economia. As negociações em curso entre a China, a Rússia, a Arábia Saudita e o Irã, e entre a Índia e a Rússia, para utilizarem outras moedas nas suas transações constituem uma ameaça a este statu quo. Mas a guerra econômica em curso tem ainda outra dimensão: tornar a Europa mais dependente da economia dos EUA e aumentar os gastos militares que alimentam o atual boom do complexo industrial-militar dos EUA.

Finalmente, está em curso uma guerra mediática e é nesta guerra que a derrota da Rússia ocorre mais rápida e estrondosamente. A guerra na Ucrânia é uma guerra ao vivo, incessantemente ao vivo. Em nenhuma guerra recente foi possível ver de tão perto o horrível sacrifício de quem é vítima dela. Muitas outras guerras estão em curso no nosso tempo dominado por tecnologias de informação e de comunicação, mas nunca antes foi possível ver ao vivo o horror da guerra como nesta guerra, sobretudo o horror dos civis, por definição, inocentes. Nas guerras do Iraque, do Afeganistão, da Síria, da Líbia, do Iémen, da Palestina, da Somália, do Sahara Ocidental os repórteres (sobretudo ocidentais) apenas viram depois (quando viram) ou viram de longe. Havia muitas linhas vermelhas que a ética jornalística ou a segurança militar não permitiam ultrapassar. Muitas vezes, os jornalistas só foram autorizados a reportar junto ao exército aliado e a transmitir as imagens por este autorizadas (embedded journalists). Não vimos caras ensanguentadas nem corpos despedaçados, nem hospitais bombardeados, nem milhares de refugiados em fuga, nem tanta criança exangue a chorar, nem tanta boneca abandonada. Também nunca vimos repórteres incluir na informação relevante a cor dos olhos da entrevistada, “a menina de dezoito anos e de olhos azuis sentada na estação de”. Mesmo que a reportagem se destinasse a públicos onde os olhos azuis são raros. Mas, acima de tudo, não vimos o horror da guerra na própria Ucrânia, entre 2014 e 2022, na região de Donbass conduzida por milícias neo-Nazis contra civis com a mesma cor dos olhos; nem os mesmos hospitais com as mesmas cenas de sangue e de fuga de refugiados (ainda que noutra direção). Como disse e repito, para mim, a vida é um valor incondicional e perante ele o número de mortes é sempre relativo, mas, mesmo assim, na guerra civil da Ucrânia em Donbass morreram entre 10 mil e 14 mil civis, também ucranianos e provavelmente de olhos azuis. Até agora (28 de Março) na guerra com a Rússia morreram cerca de 1000 civis.


BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

Doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.


Luiz Carlos Azedo: agenda ambiental em julgamento no Supremo

A Constituição de 1988 consagrou o nosso Estado democrático de direito como uma democracia de massas, na qual a sociedade civil também tem espaços de participação no Estado. Liquidar com essa participação foi uma das estratégias do presidente Jair Bolsonaro para implementar políticas reacionárias e/ou conservadoras e desconstruir políticas públicas modernas e democráticas, consolidadas ao longo de vários governos. Uma das áreas mais afetadas por essa estratégia foi o meio ambiente.

Entretanto, o governo começa a se deparar com as consequências jurídicas de suas ações regressivas e crimes ambientais. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, reservou quatro sessões plenárias da Corte para julgar sete ações relacionadas à proteção do meio ambiente e ao enfrentamento às mudanças climáticas. Ontem, a ministra Cármen Lúcia votou a favor da ADPF 651, que pede o restabelecimento da participação de representantes da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), que estabelece prioridades e diretrizes para a atuação do fundo — o mais antigo da América Latina voltado para o meio ambiente.

A sociedade civil havia sido excluída do conselho do fundo em fevereiro de 2020, ou seja, dois meses após a posse de Jair Bolsonaro. O fundo é estratégico. Desde a sua criação, em 1989, foram aprovados 1.450 projetos socioambientais e recursos da ordem de R$ 275 milhões, investidos em iniciativas de conservação e de uso sustentável dos recursos naturais. No mesmo voto, Cármen Lúcia também considerou inconstitucional o afastamento do conselho dos governadores da Amazônia Legal e a extinção do Comitê Organizador do Fundo da Amazônia, no qual os representantes da sociedade civil tinham assento.

Pacote verde

Ao suspender os trabalhos, ontem, o julgamento estava 4 a 1 a favor da derrubada do decreto de Bolsonaro e 3 a 2 pela derrubada dos outros dois textos. A análise deve ser retomada na última semana de abril, após os feriados da Semana Santa e de Tiradentes. Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam Cármen Lúcia. André Mendonça e Nunes Marques, ministros indicados por Bolsonaro, abriram as divergências.

Entre as ações do Pacote Verde — como está sendo chamada o julgamento da Corte —, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760 é uma das mais importantes. Exige a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM). Foi apresentado ao Supremo um extenso levantamento de dados e análises sobre a destruição da floresta e a desestruturação de políticas ambientais promovidas pelo governo Bolsonaro, feito por uma coalizão de 10 organizações ambientais e de direitos humanos.

Institucionalidade

A importância do julgamento é histórica. Pela primeira vez, o Supremo tomará decisões de grande impacto ambiental, sobretudo em relação à Amazônia, cuja jurisprudência terá repercussão internacional. Além da ADPF 760 e da ADPF 651, estão em julgamento no Supremo mais as seguintes ações:

— A ADPF 735 questiona decreto presidencial que retira autonomia do Ibama na fiscalização de crimes ambientais e a transfere para as Forças Armadas pela Operação Verde Brasil;

— A ADO 54 acusa o governo federal de omissão no combate ao desmatamento;

— A ADO 59 pede a reativação do Fundo Amazônia, o repasse de recursos financeiros de projetos já aprovados e a avaliação dos projetos em fase de consulta;

— A ADI 6148 questiona resolução do Conama que estabelece padrões de qualidade do ar, sem estabelecer prazos para a mudança;

— A ADI 6808 contesta medida provisória que permite licença ambiental automática para empresas consideradas de grau de risco médio e impede que órgãos de licenciamento solicitem informações adicionais, além das informadas à Redesim (Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios).

O julgamento servirá para consolidar a institucionalidade da política ambiental brasileira, que tem uma das melhores legislações existentes, inclusive reconhecida internacionalmente. Infelizmente, a política do governo Bolsonaro para o meio ambiente é sinônimo de desastre, em todos os sentidos. Essa institucionalidade é fundamental para que o Brasil possa honrar seus compromissos internacionais e os governos, em todos os níveis, cumpram seu papel em relação ao aquecimento global. Essa agenda é um dos temas em debate no mundo e deverá voltar à pauta dos fóruns internacionais, depois da guerra da Ucrânia, que já está tendo grande impacto prejudicial ao meio ambiente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-agenda-ambiental-em-julgamento-no-supremo/

”Frente democrática é cada vez mais urgente”, analisa Luiz Sérgio Henriques

João Rodrigues, da equipe da FAP

Em artigo publicado na Revista Política Democrática Online deste mês de abril, o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques defende a necessidade urgente de uma frente ampla para a garantia da democracia no Brasil. As lições das lutas de Tancredo Neves e Ulisses Guimarães durante a ditadura militar, a chapa Lula-Alckmin e os riscos para o futuro da nação com eventual reeleição do presidente Jair Bolsonaro são outros assuntos abordados no artigo.

https://open.spotify.com/episode/5redxgaRwTneKYLKDZoDdi?si=c-8hBODsSnO_P9YyZUfXow&utm_source=copy-link

Para aprofundar o debate sobre a necessidade de uma frente democrática para as eleições de 2022, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana conversa com Luiz Sérgio Henriques. O autor é um dos responsáveis pela mais recente edição das “Obras” de Antonio Gramsci, Civilização Brasileira, em 10 volumes. Sua atividade de tradutor tem como eixo difundir a cultura democrática e socialista italiana. Além de dirigir a página Esquerda Democrática, disponível no Facebook, Luiz Sérgio Henriques é colunista do jornal O Estado de S. Paulo há mais de 10 anos.

O perfil ideal de um candidato para a terceira via e os caminhos para mais esperança e mudança na sociedade brasileira também estão entre os temas do programa. O episódio conta com áudios do Jornal Nacional, Jornal da Band, CNN Brasil, TV Cultura (Documentário 50 Anos de Brasil: Brasileiro, Profissão Esperança), UOL, Giro VEJA e do discurso de Ulisses Guimarães em 5 de outubro de 1988.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.




Luiz Carlos Azedo: saída de Moro da disputa fortaleceu Bolsonaro

Pesquisa Ipespe divulgada ontem confirmou as expectativas de que a saída do ex-juiz da Lava-Jato Sergio Moro reforçaria muito mais a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro na corrida eleitoral deste ano, na qual o primeiro tenta voltar ao poder e o segundo, busca a reeleição. O mais beneficiado foi Bolsonaro, que subiu de 26% para 30% de intenção de votos, na comparação com o levantamento realizado em 25 de março. Lula manteve-se na liderança, com 44%.

Bolsonaro cresceu entre pobres (de 31% para 35%), no Sul (de 31% para 39%) e no Sudeste (de 25% para 31%). A subida não pode ser creditada apenas ao deslocamento dos eleitores de viés mais ideológico de Moro. Tem a ver, também, com o controle da pandemia da covid-19, a injeção de recursos do Auxílio Brasil e outros benefícios do governo no orçamento das famílias e, ainda, com os investimentos do Centrão em pequenas e médias cidades, por meio do chamado orçamento secreto. Parte dos votos de Moro, como era de se esperar, foi captada por Ciro Gomes (PDT), que passou de 7% para 9%, e pelos candidatos da chamada terceira via: João Doria (PSDB), passou de 2% para 3%, e Simone Tebet (MDB), de 1% para 2%.

A propósito da terceira via, ontem houve um encontro dos presidentes do PSDB, Bruno Araújo, e do Cidadania, Roberto Freire, que formam uma federação; do MDB, Baleia Rossi; e do União Brasil, Luciano Bivar, que lançou sua pré-candidatura, embaralhando mais ainda a busca de uma chapa unificada. O grupo estabeleceu o prazo de 18 de maio para chegar a um denominador comum, o que continua sendo muito difícil. Há duas razões para isso. A primeira é de ordem objetiva: segundo as pesquisas espontâneas, o voto em Bolsonaro (passou de 25% para 27%) e Lula (manteve 36%) está se consolidando, o que mostra cristalização da polarização entre ambos. A segunda é subjetiva: os candidatos precisam demonstrar disposição de se retirar da disputa.

Não é o caso do ex-governador João Doria, que iniciará amanhã, pela Bahia — numa aproximação com o secretário-geral da União Brasil, ACM Neto, candidato favorito ao governo do estado, com quem estava rompido —, seu périplo pré-eleitoral pelo Brasil. Doria não admite nenhuma conversa sobre a retirada de sua candidatura que desconsidere o fato de ser o postulante do PSDB escolhido nas prévias da legenda, ou seja, não está disposto a se submeter a uma decisão dos demais partidos. Ignora solenemente as articulações para afastá-lo da disputa. No seu calendário, a campanha eleitoral somente começará em 15 de agosto, com a propaganda eleitoral de rádio e tevê.

Evidentemente, o prazo de 18 de maio dado pelos demais partidos para que possa alavancar sua candidatura, na medida em que o tempo avançar, servirá de ultimátum, caso não decole nas pesquisas. Nesse caso, as demais legendas têm intenção de propor outra candidatura. Os nomes mais cotados são de Simone Tebet, que mantém bom diálogo com Doria, e Eduardo Leite, que virou uma espécie de “candidato fantasma” do PSDB. Pelas regras do jogo, o nome de Leite só é viável com a desistência de Doria, embora a tese de que os outros partidos podem apresentá-lo seja voz corrente nos bastidores da terceira via. A candidatura de Luciano Bivar não pode ser levada a sério, é um chapéu na cadeira para a eventualidade, remotíssima, de Moro voltar a ser candidato à Presidência pela União Brasil.

Esquerda, volver

Ciro Gomes continua correndo por fora da terceira via, embora busque alianças ao centro. Já teve conversas com Bivar e, ontem, procurou o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que desistiu de disputar a Presidência. Ciro tem boa relação com o candidato do PSD ao governo de Minas Gerais, o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil. Esnobado pelos presidentes das legendas da terceira via, saiu do encontro com Pacheco atirando: “A terceira via é uma expressão preguiçosa criada por uma certa imprensa. O que se chamou de terceira via no Brasil são as viúvas do Bolsonaro, e eu não tenho nada a ver com isso”, disparou o pedetista. Com a saída de Moro, Ciro subiu de 7% para 9% nas intenções de voto, o que só reforça a resiliência de sua candidatura.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece ter batido no teto, embora continue franco favorito nas pesquisas de segundo turno, em qualquer cenário. Contra Bolsonaro, venceria com 53% dos votos contra 33%. O petista consolidou sua aliança com o PSB, que indicará o ex-governador Geraldo Alckmin para vice. Lula busca uma aproximação com setores empresariais; ao mesmo tempo, mantém a velha narrativa contra as “elites escravocratas”, a agenda sindical do PT, a defesa das estatais e uma política externa não alinhada ao Ocidente, o que é música para a esquerda tradicional. Ou seja, também não tem nenhum interesse em se aproximar da terceira via.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-saida-de-moro-da-disputa-fortaleceu-bolsonaro/

Esperança e mudança foram alguns dos anseios da frente democrática que lutou pela redemocratização do Brasil | Foto: Reprodução

Revista online | A frente democrática, aqui e agora

Luiz Sérgio Henriques*, exclusivo para revista Política Democrática Online

“Brasileiro, profissão esperança” – era assim que costumávamos nos autodefinir, na trilha do belo musical de Paulo Pontes sobre Dolores Duran e Antônio Maria, ainda nos anos 1970. A ditadura, afinal, era como que “externa” a nós, imposta de fora. Não a queríamos, só éramos forçados a suportá-la. O que talvez explique certo pessimismo hoje disseminado é a descoberta – terrível – de que a esperança não é necessariamente nossa profissão e muito menos a segunda natureza. De dentro de nós mesmos, de pessoas como nós – amigos, parentes, vizinhos – podem brotar dezenas de milhões de votos capazes de jogar o país, como jogaram em 2018, nos braços da extrema-direita. Uma escolha, historicamente desesperada, de quem quer voltar atrás no tempo, negar conquistas, fugir a incertezas e desafios.

A experiência da luta contra o regime ditatorial nos educou, é verdade, mas é preciso entender bem o que houve. Aprendemos, por exemplo, que o “centro político” é um conceito essencial, pois nele se cruzam, se chocam e, também, se conciliam as tendências fundamentais de toda uma conjuntura. O centro não é um termo médio amorfo, um espaço povoado por mornos ou desmotivados para a luta, mas, sim, o elo que é preciso pegar firmemente com as mãos para fazer mover, num sentido ou no outro, o conjunto das forças políticas e a própria sociedade. De nada adianta autoexilar-se num gueto, batendo a mão no peito e apregoando a condição de “verdadeira” esquerda – condição talvez sincera, certamente impotente.

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Considerar aquele centro como terreno estratégico define a questão da hegemonia e das forças que se credenciam para dirigir as demais numa dada circunstância. Na ditadura, o sentido da luta contra o voto nulo e pela valorização das eleições foi precisamente este: animar um centro organicamente comprometido com a redemocratização do país, no qual pudessem convergir forças e personalidades variadas, inclusive as que paulatinamente se destacavam do regime – Teotonio Vilela, Aureliano Chaves ou José Sarney. E havia uma esquerda, uma parte dela ao menos, que dava legitimidade a este movimento progressista, que desaguaria na Constituição de 1988.

Na situação de agora, um motivo de desesperança – ou, se quisermos, uma interrogação para a qual ainda não temos resposta – decorre da incerteza sobre o principal partido da esquerda, sua linha básica e a orientação dos seus simpatizantes, que não foram “treinados” na política de frente. Será que basta acenar simbolicamente para o centro, escolhendo, tal como em 2002, um vice-presidente “conservador” para compor a chapa? A intenção será só a de “acalmar os mercados”, sugerindo relações de “paz e amor”? Ou, ao contrário, haverá algo de novo na ação institucional e na definição de políticas que não copiem o velho desenvolvimentismo?   

A inquietação, na verdade, não deve ser estranha ao próprio núcleo da campanha petista. O senador Randolfe Rodrigues demonstra instinto apurado quando constata a reconstituição de um poderoso bloco em torno de Bolsonaro, militares e Centrão (“Bolsonaro vencerá se Lula não for mais plural”, Metrópoles, 03.04.2022). Um conjunto que não está suspenso no ar, uma vez que esta extrema-direita no poder tem sustentação na sociedade: os 25 ou 30% que apoiam irrestritamente Bolsonaro são uma espécie de aríete antidemocrático pronto para ser acionado contra instituições-chave, como o Supremo Tribunal Federal (STF), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou qualquer outra. E um eventual segundo mandato do atual presidente, como toda a literatura tem repetido a propósito da farta safra de populistas autoritários, seria um risco ainda maior do que tentativas canhestras de golpe, como em setembro de 2021.

Estadistas se movem audaciosamente na hora do perigo. Tomam a iniciativa de procurar desafetos, curar ressentimentos, reestabelecer pontes com adversários de ontem, sem nenhuma exceção. O senador Randolfe menciona os palanques das diretas-já, cruciais para a eleição da chapa Tancredo-Sarney e a consequente derrota do regime de 1964. A menção é pertinente porque se trata, também, de acolher forças e personalidades da direita democrática, bem como seus eleitores, em torno da candidatura oposicionista mais forte. Além do mais, aquela ação típica de estadista, se efetivada, teria um efeito pedagógico não desprezível sobre os adeptos de sempre, mostrando a estes, num momento decisivo, que a vida em democracia sempre requer embates e acordos, dissensos e consensos, com exclusão só de quem ameaça a própria convivência civil.

Ao longo dos anos, a falta desta pedagogia terá sido, em boa medida, a responsável pelo déficit de recursos que ora sentimos para vencer o adversário nas urnas e diminuir na sociedade o expressivo número de brasileiros com inclinações autoritárias. Não se pode esquecer que, com a frente democrática de antes, o país afinal pôde respirar por algumas décadas ares de “esperança e mudança”. Estas, contudo, são páginas já escritas por gente como Ulysses e Tancredo. Há outras mais, igualmente decisivas, a serem escritas aqui e agora. O feito será repetido?


Saiba mais sobre o autor

* Luiz Sérgio Henriques é tradutor e ensaísta

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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