Revista online | Henrique Brandão: A Semana de 1922, mais atual que nunca 

Dos jovens que gestaram a Semana de Arte Moderna de 1922, nenhum tinha ainda o reconhecimento que viriam a desfrutar depois
Foto: Reprodução
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Henrique Brandão / Revista Política Democrática online

Há 100 anos, mais exatamente nos dias 13, 14 e 15 de fevereiro de 1922, foi realizado, no Theatro Municipal de São Paulo, o evento mais comemorado da cultura nacional: a Semana de Arte Moderna.  

O hoje badalado encontro, no entanto, não nasceu famoso. Nos jornais da época, foram muitas as críticas. Os espectadores que acompanharam os três dias de récitas musicais, exposição, declamações de poesia e palestras se dividiram entre apupos e aplausos.  

Dos jovens participantes que gestaram a Semana, nenhum tinha ainda o reconhecimento que viriam a desfrutar depois.  O convite para que Graça Aranha (1868-1931), imortal da ABL, autor de Canaã (1902), reconhecido diplomata que, no exterior, teve contato com as vanguardas artísticas, proferisse o discurso de abertura, foi uma forma de “legitimar” e atrair atenção para o encontro. 

Se hoje é visto como marco inaugural do Modernismo brasileiro, a fama da Semana de 22 decorre muito mais dos acontecimentos derivados daquele momento do que do evento em si. A Semana foi ponto de partida, ato de fundação, reconhecida a “posteriori” como o evento que desencadeia o longo percurso do Modernismo em suas diversas manifestações artísticas.  

Vários outros momentos decisivos da história já mostraram que as revoluções e suas mudanças não nascem prontas, mas são fruto de um processo. O Salon des Refusés (Salão dos Recusados, em francês), em 1863, por exemplo, foi importante ao mostrar algumas obras de impressionistas que, mais adiante, se tornariam “fundadores” da pintura moderna. Tradição e vanguarda sempre geraram faíscas no seu entrechoque. 

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Não havia, na Semana de 22, unidade de pensamento estético entre os organizadores. Basta acompanhar a trajetória de seus participantes para perceber a diferença entre eles. Alguns lançaram manifestos em que expunham suas visões do que seria o Modernismo. Oswald de Andrade (1890-1954), por exemplo, lançou em 1924 o “Manifesto Pau-Brasil”, em que preconizava uma linguagem coloquial, avessa ao bacharelismo e ao pedantismo. Redigido em prosa poética, com mensagens telegráficas, o manifesto teve influência entre os participantes da Semana e entre poetas de outras regiões do país, como o jovem mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). 

Em 1928, novamente por conta da pena de Oswald de Andrade, é publicado, nas páginas do primeiro número da recém-fundada Revista de Antropofagiao “Manifesto Antropofágico”. Bem ao estilo do autor, em linguagem metafórica e carregada de humor, o Manifesto pretendia repensar a questão da dependência cultural no Brasil. “Tupi, or not tupi, that is the question”, indaga Oswald, que assinala, na data do Manifesto, sua intenção: ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. 

Para o crítico literário Antônio Candido (1918-2017), o “Manifesto Antropofágico” é um momento importante do Modernismo: “O admirável ‘Tupi or not Tupi’ de Oswald de Andrade resume todo esse processo (…) as instituições da Antropofagia, a ele devidas, representam o momento mais denso da dialética modernista”, escreveu em “Literatura e Sociedade”.  

Sempre polêmico, porque inovador, oscilando entre o menosprezo e o reconhecimento em sua trajetória centenária, o Modernismo triunfou. Seus filhotes e descendentes produziram páginas, telas e filmes que marcaram definidamente a cultura do Brasil. De Tarsila do Amaral (1886-1973) e Di Cavalcanti (1897-1976) a Portinari (1903-1962), Hélio Oiticica (1937-1980) e Ligia Clark (1920-1988), nas artes plásticas; de Mario de Andrade (1893-1943) e Oswald, a Drummond, João Cabral (1920-1999), Guimarães Rosa (1908-1967) e os poetas concretistas na poesia e literatura; de Villa Lobos (1887-1959) a Tom Jobim (1927-1994), passando pelos tropicalistas Caetano e Gil, chegando a Chico Buarque e Milton Nascimento e seus amigos do Clube da Esquina na música.

No teatro, do Rei da Vela de 1933, peça escrita por Oswald, à montagem polêmica e inovadora de José Celso Martinez Corrêa (1967), e a Macunaíma (1978), romance de Mario de Andrade, adaptado por Antunes Filho (1929-1919). Na imagem em movimento, a geração do Cinema Novo legou obras como Macunaíma (1969), obra-prima de Joaquim Pedro (1932-1988), Os Condenados (1975) de Zelito Vianna e toda a filmografia de Glauber Rocha (1939-1981). Muitas outras obras poderiam ser citadas.   

O que importa é que a ideia do Modernismo continua atual. Ele não pode ficar no passado, pois nunca foi passadista. Suas premissas estão aí: a libertação dos esquemas estabelecidos, a criação livre, a “deglutição” do que vem de fora, a valorização de nossas raízes, o presente como antena do futuro. “A poesia existe nos fatos”, sentenciou Oswald de Andrade no “Manifesto Pau-Brasil”. Mais moderno do que nunca.  

*Henrique Brandão é jornalista e escritor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de julho/2022 (45ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.


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