Temer

Fernando Gabeira: Conversa num barco encalhado

Na semana passada nosso barco encalhou perto da Baía dos Pinheiros, no litoral sul do Paraná. A maré baixou rápido e ficamos mais ou menos perdidos: só tínhamos as coordenadas e um rádio. Não havia o que fazer, exceto esperar a maré subir. Alguém me provocou: nosso barco está encalhado como o país.

Nessas horas de espera a gente alonga a conversa. Disse que de uma certa forma . Até lá estaremos encalhados de uma forma diferente do pequeno barco colado na lama do fundo do mar. Haveria muita turbulência e, como estamos no final de uma grande investigação, muitas situações repetidas.

A de Temer, por exemplo, afirmando que não há provas, dizendo-se vítima de uma perseguição. Quem não ouviu essa fala em outros atores da grande série político-policial?

Embora às vezes a gente se sinta perdido na complexidade da crise brasileira, é possível achar um rumo. Ele passará pela sociedade e pelo Congresso. Vamos entrar num período eleitoral, e a sociedade costuma ter mais peso nessas épocas. O Congresso torna-se mais sensível às pressões populares. De memória, lembro-me apenas de uma grande exceção: a derrota na emenda Dante de Oliveira.

Enquanto o barco não sai do lugar, movido pelos ventos da legitimidade, há muito o que fazer na espera. Num barco, temos de distribuir as bananas, agasalhar a garganta do sudeste frio que sopra no litoral. Num país é preciso saber o que se quer enquanto estamos à espera de voltar a navegar. Fora Temer, ou fica Temer.

A Câmara terá que decidir isto. Mas não o fará sozinha. Se a pressão social a levar a aceitar a denúncia contra Temer, é o fim para ele. Só restará, depois de visitar a União Soviética, passar umas férias no Império Austro-Húngaro.

Começaria aí uma nova etapa, a escolha do novo presidente. É preciso algumas precauções básicas, pois não é possível derrubar presidentes com tanta frequência.

Entregue a si próprio, o Congresso tende a escolher alguém que o proteja da Lava-Jato. Mas não existe mais possibilidade de tomar as decisões nas madrugadas. Uma vigilância social pode conter os passos do escolhido para a transição.

O que se espera de um presidente de país encalhado é principalmente tocar a administração. Quando a maré subir, com eleitos no poder, tomam-se as grandes decisões.

Alguém me lembra que isso é não é uma situação sonhada. Mas a que a realidade nos coloca. Mesmo as eleições de 2018, embora tragam mais legitimidade aos eleitos, não devem ser vistas na categoria de sonho, mas sim de uma oportunidade, depois de tudo o que pessoas viram e ouviram sobre o sistema político partidário.

Na rua ouvem-se muito os nomes de Lula e Bolsonaro. Potencialmente pode surgir uma força de equilíbrio que suplante as duas. Não creio que aconteça o mesmo que aconteceu na França, onde houve uma ampla renovação, da presidência ao Congresso.

Mas alguma coisa vai acontecer. Enquanto a maré não sobe, há muito o que fazer no barco encalhado. É preciso que o essencial funcione.

No momento em que escrevo ouço os helicópteros da PM sobrevoando o morro. Uma dezena de tiroteios por dia, uma onda de roubos de carga, imagens de crianças deitadas no chão da escola enquanto os tiros ecoam.

Temer chegou a anunciar um plano de segurança para o Rio. Era pura agenda positiva, esse tipo de ação que fazem quando a barra está muito pesada e é preciso mudar de assunto. A dimensão da crise no cotidiano, a existência de 14 milhões de desempregados, esse pano de fundo inquietante torna a tarefa mais difícil. Quando governantes já caídos se apegam ao poder, na verdade colocam seu destino acima do destino nacional. Os reflexos na economia são sempre negativos. Encalhamos um pouco mais. A compreensão do momento vai exigir da sociedade evitar que o barco encalhado torne-se um barco naufragado. Será preciso um amplo entendimento entre todos que reconhecem a gravidade da crise, para que cheguemos em condições razoáveis em 2018.

Esta semana faltaram passaportes na Polícia Federal. É um sintoma. Se não houver o mínimo de energia na administração, daqui a pouco não faltarão apenas passaportes mas as próprias saídas.

Não é nada agradável se desfazer de dois presidentes num curto espaço de tempo. Mas o roteiro, de uma certa forma, estava escrito. Retirado o PT do governo, restaram em seu lugar os companheiros de uma viagem suja pelos cofres públicos brasileiros.

A investigação chegou a eles e à própria oposição. Não importa qual o desfecho jurídico desse imenso esforço, ele serviu para desvendar para a sociedade um gigantesco esquema de corrupção e um decadente sistema político partidário.

Daí pra frente a bola está com a sociedade.
* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/conversa-num-barco-encalhado-21544014

 

 


Folha de São Paulo: A agonia de Temer

Editorial

Se não acrescentou ao caso elementos essenciais que já não pertencessem ao conhecimento público, a denúncia formulada contra o presidente Michel Temer (PMDB) ampara-se em fatos graves o bastante para desacreditar o governo.

A peça acusatória, apresentada pela Procuradoria-Geral da República, descreve um roteiro plausível para o crime de corrupção passiva no exercício do mandato.

Parte-se do fatídico encontro entre Temer e Joesley Batista, da JBS, em 7 de março. Em trecho truncado da gravação do diálogo, o presidente indica ao empresário um auxiliar de confiança, Rodrigo Rocha Loures; este, em 28 de abril, foi flagrado recebendo de um emissário da JBS mala com R$ 500 mil.

Entre uma data e outra, Loures assumiu um mandato de deputado federal (era suplente), manteve contatos com Batista e, conforme apuração policial, procurou ao menos um órgão público para tratar de interesses do frigorífico.

Embora não haja comprovação cabal de que Loures agia com conhecimento —e, mais ainda, em benefício— do presidente, a desenvoltura do ex-assessor do Planalto, registrada em conversas gravadas, em nada se assemelha à de alguém com mero acesso formal ao chefe.

A despeito de pronunciamentos veementes, Temer até agora não ofereceu explicações satisfatórias para os episódios. Nesta terça (27), voltou-se contra seu acusador, Rodrigo Janot, mencionando um procurador que deixou o posto para atuar em escritório de advocacia contratado pela JBS.

Na situação inédita de um presidente acusado formalmente de corrupção no exercício do cargo, o país está mergulhado em impasse de desfecho imprevisível.

Esta Folha já havia proposto a renúncia conjunta de Dilma Rousseff (PT) e Temer, seguida de eleições diretas, como solução adequada para devolver legitimidade ao governo. Mais recentemente, defendeu-se aqui a cassação daquela chapa, diante das múltiplas evidências de abuso de poder econômico no pleito de 2014.

As melhores oportunidades para a superação da crise, infelizmente, ficaram para trás. Resta agora avaliar de maneira realista o panorama que se descortina.

Há dúvidas políticas e jurídicas em torno de um eventual processo por crime comum. Nem mesmo existe certeza se o prazo constitucional de seis meses é suficiente para um julgamento pelo Supremo Tribunal Federal —em caso contrário, ocorreria um retorno vexatório do acusado ao posto.

A aceitação da denúncia pela Câmara dos Deputados, de todo modo, mostra-se a hipótese menos provável hoje. Ao presidente basta evitar que se forme uma esmagadora maioria de dois terços da Casa legislativa contra si.

O núcleo palaciano tentará demonstrar a capacidade de gerir a economia e aprovar reformas mesmo sob denúncias, suspeitas e impopularidade acachapante —cenário no qual se apresentaria como uma espécie de mal menor.

Tal aposta, de fato a única restante a Temer, dificilmente evitará, entretanto, que o governo se arraste como um morto-vivo pelos 18 longos meses ainda pela frente.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896588-a-agonia-de-temer.shtml

 


Fernando Henrique Cardoso: Apelo ao bom senso

As dificuldades políticas pelas quais passamos têm claros efeitos sobre a conjuntura econômica e vêm se agravando a cada dia. Precisamos resolvê-las respeitando dois pontos fundamentais: a Constituição e o bem-estar do povo.

Mormente agora, com 14 milhões de desempregados no país, urge restabelecer a confiança entre os brasileiros para que o crescimento econômico seja retomado.

A confiança e a legalidade devem ser nossos marcos. A sociedade desconfia do Estado, e o povo descrê do poder e dos poderosos. Estes tiveram a confiabilidade destruída porque a Operação Lava Jato e outros processos desnudaram os laços entre corrupção e vitórias eleitorais, bem como mostraram o enriquecimento pessoal de políticos.

Não se deve nem se pode passar uma borracha nos fatos para apagá-los da memória das pessoas e livrar os responsáveis por eles da devida penalização.

A Justiça ganha preeminência: há de ser feita sem vinganças, mas também sem leniência com os interesses políticos. Que se coíbam os excessos quando os houver, vindos de quem venham –de funcionários, de políticos, de promotores ou de juízes. Mas não se tolha a Justiça.

Disse reiteradas vezes que o governo de Michel Temer (PMDB) atravessaria uma pinguela, como o de Itamar Franco (1992-1994).

Colaborei ativamente com o governo Itamar, apoiei o atual. Ambos com pouco tempo para resolver grandes questões pendentes de natureza diferente: num caso, o desafio central era a inflação; agora é a retomada do crescimento, que necessita das reformas congressuais.

Nunca neguei os avanços obtidos pela administração Temer no Congresso Nacional ao aprovar algumas delas, nem deixo de gabar seus méritos nos avanços em setores econômicos. Não me posiciono, portanto, ao lado dos que atacam o atual governo para desgastá-lo.

Não obstante, o apoio da sociedade e o consentimento popular ao governo se diluem em função das questões morais justa ou injustamente levantadas nas investigações e difundidas pela mídia convencional e social.

É certo que a crítica ao governo envolve todo tipo de interesse. Nela se juntam a propensão ao escândalo por parte da mídia, a pós-verdade das redes de internet, os interesses corporativos fortíssimos contra as reformas e a sanha purificadora de alguns setores do Ministério Público.

Com isso, o dia a dia do governo se tornou difícil. Os governantes dedicam um esforço enorme para apagar incêndios e ainda precisam assegurar a maioria congressual, nem sempre conseguida, para aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento.

Em síntese: o horizonte político está toldado, e o governo, ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário em benefício do povo.

Coloca-se a questão agônica do que fazer.

Diferentemente de outras crises que vivemos, nesta não existe um "lado de lá" pronto para assumir o governo federal, com um programa apoiado por grupos de poder na sociedade.

Mais ainda, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou que as eleições de 2014 não mostraram "abusos de poder econômico" (!) [em julgamento encerrado no dia 9 de junho, não há como questionar legalmente o mando presidencial e fazer a sucessão por eleições indiretas.

Ainda que a decisão tivesse sido a oposta, com que legitimidade alguém governaria tendo seu poder emanado de um Congresso que também está em causa?

É certo que o STF (Supremo Tribunal Federal) pode decidir contra o acórdão do TSE, coisa pouco provável. Em qualquer caso, permaneceria a dúvida sobre a legitimidade, não a legalidade, do sucessor.

Resta no arsenal jurídico e constitucional a eventual demanda do procurador-geral da República pedindo a suspensão do mandato presidencial por até seis meses [a iniciativa precisa ser aprovada por dois terços dos deputados] para que se julgue se houve crime de improbidade ou de obstrução de Justiça.

Seriam meses caóticos até chegar-se à absolvição [pelos ministros do STF] –caso em que a volta de um presidente alquebrado pouco poderia fazer para dirigir o país- ou a novas eleições. Só que estas se dariam no quadro partidário atual, com muitas lideranças judicialmente questionadas.

Nem assim, portanto, as incertezas diminuiriam –nem tampouco a descrença popular.

O imbróglio é grande.

Neste quadro, o presidente Michel Temer tem a responsabilidade e talvez a possibilidade de oferecer ao país um caminho mais venturoso, antes que o atual centro político esteja exaurido, deixando as forças que apoiam as reformas esmagadas entre dois extremos, à esquerda e à direita.

Bloqueados os meios constitucionais para a mudança de governo e aumentando a descrença popular, só o presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, uma proposta de emenda à Constituição que abra espaço para as modificações em causa.

Qualquer tentativa de emenda para interromper um mandato externa à decisão presidencial soará como um golpe.

Não há como fazer eleições diretas respeitando a Constituição Federal; forçá-las teria enorme custo para a democracia.

Por outro lado, as eleições "Diretas-Já" não resolvem as demais questões institucionais, tais como a necessária alteração dos prazos para desincompatibilização [de cargos públicos e eletivos por parte de possíveis postulantes], eventuais candidaturas avulsas, aprovar a cláusula de barreira e a proibição de alianças entre partidos nas eleições proporcionais. Sem falar no debate sobre quem paga os custos da democracia.

Se o ímpeto de reforma política for grande, por que não envolver nela uma alteração do mandato presidencial para cinco anos sem reeleição? E, talvez, discutir a oportunidade de antecipar também as eleições congressuais. Assim se poderia criar um novo clima político no país.

Apelo, portanto, ao presidente para que medite sobre a oportunidade de um gesto dessa grandeza, com o qual ganhará a anuência da sociedade para conduzir a reforma política e presidir as novas eleições.
Quanto tempo se requer para aprovar uma proposta de emenda à Constituição e redefinir as regras político-partidárias? De seis a nove meses, quem sabe?

Abrir-se-ia assim uma vereda de esperança e ainda seria possível que a história reconhecesse os méritos do autor de uma proposta política de trégua nacional, sem conchavos, e se evitasse uma derrocada imerecida.

Fernando Henrique Cardoso foi presidente do Brasil (1995-2002) pelo PSDB.

Foto: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/06/1896003-apelo-ao-bom-senso.shtml

 


Fernando Gabeira: O futuro dos predadores

Os bandidos comem, por ano, 2% do PIB. Sempre que ligo a tevê no noticiário político, o PSDB está deixando o governo ou decidindo ficar com ele. O partido não conhece aquela teoria da dissonância cognitiva. Ela afirma que, uma vez feita uma escolha, a tendência é reforçá-la com racionalizações. Se escolhemos rosas brancas no lugar das amarelas, tendemos a ressaltar a beleza das brancas e a enfatizar os defeitos das amarelas. O PSDB ou está saindo ou ficando. Se decide ficar, faz precisamente o contrário do que acontece na dissonância cognitiva: começa a refletir sobre as vantagens de sair. No momento em que toma a decisão do desembarque, certamente vai falar muito das vantagens de ficar no governo. Enfim, parece ter uma permanente incapacidade de tomar decisões e seguir com elas.

O drama do PSDB se acentuou com as denúncias contra Aécio Neves. Sua tendência quase genética a subir no muro torna-se mais compulsiva no momento em que tem de escolher entre a Lava-Jato e o sistema político em colapso.

O interessante é observar como a existência das investigações mexe com a sorte dos partidos. O PT, por exemplo, torce para que Aécio Neves não seja preso, pois isso destruiria o argumento de que o partido é, seletivamente, perseguido. A prisão de Aécio pode tornar mais fácil a de Lula. Ambos olham com esperança para Temer, não porque o admirem e sim porque é o único com instrumentos potencialmente capazes de salvar todo mundo.

Escolha de Procurador Geral, mudanças na direção da PF — o sonho de consumo das estruturas partidárias cai nas mãos de Temer, por sua vez, preocupado com sua própria situação, sobretudo com o avanço das delações premiadas.

Janot deixa o cargo em setembro. Fala-se em corrida de delações. Ao mesmo tempo, fala-se num acordo para fixar a diferença entre receber dinheiro pelo caixa 2 sem oferecer nada em troca, ou receber em troca de favores oficiais. Quando setembro chegar, talvez termine o primeiro ato. O PSDB vai hesitar muitas vezes, os adversários políticos continuarão fingindo que não estão umbilicalmente ligados no barco que naufraga.

As raposas políticas trabalham para que Temer escolha um substituto amigo para Janot. É preciso ver como isto vai se passar na instituição, se ela se rende com sem luta, ou resiste ao lado da sociedade. Diz a imprensa que a candidata Raquel Dodge tem apoio de Sarney, Renan e Moreira Franco. Se a eleição dependesse do voto popular, esse apoio seria um abraço mortal.

Tudo é possível num país como o nosso. Surreal mas não o bastante para apagar de nossa consciência o gigantesco processo de corrupção que arruinou o país.

Terça-feira acordei em Curitiba e olhei pela janela do hotel: manhã fria, cinzenta e chuvosa. Pensei nos presos que estão por aqui. O inverno será duro para eles. E, certamente, alguns outros virão para cá.

Mas ainda assim, creio que uma fase esteja acabando. Ela não resolve nada sozinha. Mas abre a possibilidade do país enterrar o sistema politico partidário, buscar algo novo, ainda que questionável, como fizeram os franceses, por exemplo.

O esforço de Sarney, Renan, Moreira e outras raposas do PMDB para deter o curso das mudanças é patético.

Pessoalmente não acredito que uma procuradora de alto nível iria se prestar ao papel histórico de se tornar cúmplice da quadrilha que mantém o país oficial na lata do lixo.

Quando setembro chegar, com o ritmo intenso dos acontecimentos, o perigo de um retrocesso talvez já não esteja no ar. Qualquer substituto, minimamente decente, terá de concluir o trabalho já feito. Muitos fatos ainda devem ser desvendados. Algumas delações devem ajudar. Não creio que a de Eduardo Cunha possa ser uma delas. Cada vez que se fala em sua provável delação, é possível que ele enriqueça mais, vendendo o silêncio, inclusive para inocentes.

Mas a carta de Cunha revela uma reunião entre ele, Lula e Joesley que o dono da Friboi não mencionou sua delação premiada. Isso reforça a suspeita de que Joesley esteja escondendo jogo.

Semanas favoráveis, semanas negativas, semanas no muro, tempo vai se passando, as ruínas do velho sistema político partidário se acumulam. No entanto, o debate sobre a renovação ainda não ocupa o espaço merecido.

Com os dados que temos, é possível que as instituições que sobrevivem realizando seu trabalho e a sociedade que as apoia saiam vitoriosas dessa luta.

De nada adiantará essa vitória se não houver uma alternativa de mudança. Nem todos os bandidos serão presos e a força da inércia pode trazê-los de novo ao topo da cadeia alimentar. Eles comem, anualmente, cerca de dois por cento do PIB.

Por que mantê-los, sobretudo agora que estão se desintegrando? O preço do silêncio e da indiferença pode nos levar a perder uma nova chance de tirar o Brasil do buraco.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/o-futuro-dos-predadores-21516407

 


Fernando Gabeira: Hora de desligar aparelhos

No futuro, não há estabilidade, e sim turbulência. No terceiro ano da Lava-Jato, um assessor do presidente é filmado correndo com uma mala preta. No interior da mala, R$ 500 mil de uma pizzaria. Antigamente, tudo acabava em pizza. Aqui começou numa pizzaria chamada Camelo. Depois da delação da JBS, Temer entrou em guerra com a Lava-Jato. Os métodos são os mesmos, politizar a denúncia, investir contra juízes e investigadores. Os detalhes da denúncia da JBS são conhecidos, foram repetidos ad nauseum na televisão. A iniciativa de Temer ao partir para o confronto marca mais um capítulo de uma resistência histórica à Lava-Jato.

Nas gravações divulgadas, Lula foi o primeiro a articular uma reação, criticando os procuradores, confrontando Sérgio Moro, politizando ao máximo a luta ao que chama de República de Curitiba. Lula tentou articular uma reação. Ele percebeu que todo o sistema político partidário poderia ruir. Não conseguiu avançar. Havia a possibilidade do impeachment, e o tema da luta contra a Lava-Jato caiu para segundo plano.

Num outro compartimento, as gravações de Sérgio Machado mostram a cúpula do PMDB tramando para deter as investigações. Nas intervenções de Romero Jucá fica claro que a expectativa era deter a sangria. Mas ao mesmo tempo era preciso derrubar o PT. Possivelmente, julgavam-se mais capazes, uma vez no poder, de realizar o sonho de preservação do sistema.

As intervenções de Aécio Neves, presidente do PSDB, são mais ambíguas. Aécio não assumia publicamente que era contra a Lava-Jato. No entanto, articulava leis para neutralizá-la, seja pela anistia ao caixa dois ou pela Lei de Abuso de Autoridade. No terceiro ano da Lava-Jato, Aécio é gravado tratando de dinheiro com Joesley Batista, um empresário, por boas razões, investigado em várias frentes.

A resistência do velho sistema foi se esfacelando até encontrar, agora em Temer, o último general, com uma tropa de veteranos da batalha de Eduardo Cunha, como o deputado José Carlos Marin. É um presidente impopular que se escora apenas na cativante palavra estabilidade. A mesma que Gilmar Mendes utiliza ao absolver a chapa Dilma-Temer diante de provas que o relator Herman Benjamin classificou de oceânicas.

Que diabo de estabilidade é essa? O Tribunal Superior Eleitoral, num espetáculo caro aos cofres públicos, perdeu toda a credibilidade. Mas mesmo ali, julgando um fato passado, a Lava-Jato estava em jogo. Não só porque desprezaram provas da Odebrecht.

O ministro Napoleão Nunes mostrou-se um bravo soldado do sistema em agonia. Referindo-se aos seus delatores, falou na ira do profeta passando a mão pelo pescoço, como se fosse decapitá-los. Num mesmo espetáculo, soterram provas contundentes, e um deles se comporta, simbolicamente, como se fosse um terrorista do Estado Islâmico.

Nada mais instável do que abalar a confiança na Justiça. As reformas necessárias, os 14 milhões de desempregados são uma realidade inescapável. Mas a estabilidade que o núcleo do governo está buscando é uma proteção contra a Lava-Jato. Oito ministros são investigados. O chamado núcleo duro, Moreira Franco e Padilha se agarram ao foro privilegiado.

Olhando o futuro próximo, não é a estabilidade que vejo, e sim turbulência. Um presidente desmoralizado pelos fatos policiais vai buscar todas as maneiras de se agarrar ao poder. Quando tiver de hesitar entre a estabilidade fiscal e a do seu cargo, certamente lançará mão de pacotes de bondades.

Mesmo um presidente indireto teria de seguir a sina de Lula, Renan, Jucá, Aécio e do próprio Temer. Uma das condições para que o Congresso escolha alguém é a promessa de proteção contra a Lava-Jato. Tarefa inglória. Todos falharam até agora. Por que um presidente nascido de uma escolha indireta teria êxito?

O seu trabalho seria desenvolvido num período eleitoral. A experiência mostra que nesses períodos a sociedade tem um peso maior sobre as decisões do Congresso.

Isso completa a visão de que não há estabilidade à vista, mas uma rota de turbulência. A escolha portanto é voar para frente ou para trás. Desligar ou não os aparelhos do velho e agonizante sistema politico partidário, ancorado na corrupção.

A ausência das manifestações de rua não significa que a sociedade perdeu o interesse. Pelo contrário, o impacto de espetáculos como o do TSE tem um longo alcance. É muito provável que, num momento em que achar necessário, vá comparecer com a célebre voz da rua. Se tudo o que aconteceu passar em branco, corremos o risco de nos transformar numa nação de zumbis. Com a exceção de praxe: os índios isolados da Amazônia.

* Fernando Gabeira é jornalista

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/hora-de-desligar-aparelhos-21488149


Alon Feuerwerker: Todos trabalham para nada acontecer. E o efeito didático desse travamento geral

O sistema político brasileiro travou, e isso torna muito difícil a ruptura organizada. A nossa história republicana tem sido feita de rupturas organizadas, mas está complicado produzir uma. A crise toma viés crônico. No geral, mas também na vida interna de cada ator. O traço mais visível da política brasileira hoje é a paralisia degradante.

Em todos os nossos impasses desde 1930, sempre houve alternativa à mão. Ou nascida de uma dissidência do sistema dominante, ou surgida da cooptação de dissidentes do poder por forças novas emergentes. E a vida seguia, com componentes de renovação e continuidade. Até um novo impasse exigir, mais uma vez, a solução prussiana de sempre.

Mas hoje não há dissidência efetiva no poder, unido no objetivo de conter o Partido da Justiça. E as “forças novas emergentes”, quando não caricaturais, são embrionárias e desprovidas de maior influência no único canal possível para acesso ao governo: os partidos. Daí que o debate no Brasil gire, apenas, em torno de como estes vão se salvar do tsunami.

É a lógica que comanda o PT, coeso no esforço para Lula poder ser candidato em 2018. Faz sentido para o PT, pois Lula é competitivo. Mesmo se perder, será forte puxador de votos para os candidatos da legenda e coligadas de esquerda. Mas o discurso do PT morre por aí. Eleger Lula para quê? Vai governar como? Com quem? Para fazer o quê? Não há pistas.

O PT está como o exército que espera fora das muralhas da cidade sitiada, enquanto dentro dela os inimigos se enfraquecem a cada dia nas disputas internas. Supõe-se que alguma hora ficarão suficientemente fracos e não poderão resistir. Mas é uma suposição perigosa. E se, sobrevivendo, conseguirem unir-se para enfrentar e esmagar a força adversária?

Parece ser o cálculo do PSDB, que luta para manter o sistema de alianças montado no impeachment de Dilma e na ascensão de Temer. Espera ganhar 2018 com esse bloco, contando ainda com o sempre tonificante controle das torneiras do orçamento federal. Os tucanos não estão debatendo se vão sair do governo. Estão procurando a melhor maneira de continuar nele.

O PSDB talvez seja a sigla mais bem posicionada por enquanto para 2018. Além de influência no federal, tem na mão os orçamentos do estado e da cidade de São Paulo. Tem um candidato com currículo, Alckmin, e um “novo”, Dória. E teria, certeza absoluta, apoio maciço do establishment, imprensa inclusive, num eventual segundo turno contra Lula.

O desafio do PSDB é evitar contaminar-se com a infecção galopante do governo Temer sem abrir mão das posições de poder. Num mundo ideal, o PSDB faria como fez com Collor: ajudou a derrubar o presidente e depois reaglutinou a base collorida para isolar e derrotar a esquerda. Mas Collor era um só e inorgânico. Temer e o PMDB são muitos. E muito orgânicos.

O PT, que viu o poder escapar assim em 1994, não enxerga vantagem em apoiar uma facção do peemedebismo-tucanismo contra a outra, pois não quer ajudar a consolidar uma nova hegemonia contra ele. Faz certo sentido. Mas com isso o PT abre mão de desestabilizar imediatamente o inimigo. E quem sobrevive pode ficar forte mais adiante.

Já o PSDB corre o risco de surgir em seu campo uma alternativa viável e não contaminada. Mas ela teria de vir de fora do mundo político hegemônico. E a lei brasileira reduz muito a permeabilidade do sistema eleitoral ao surgimento de Macrons, Corbyns ou Trumps. Aqui os partidos são donos da política, e os políticos são donos dos partidos. O sistema defende-se.

Se você anda estupefato por nada ter acontecido ainda diante da avalanche de fatos, eis a explicação: nada acontece porque acontecer alguma coisa não interessa a ninguém que pode fazer alguma coisa acontecer. Decepcionante talvez, mas com certeza didático. Você que sai à rua atrás de miragens tem aqui a chance de crescer. Políticos movem-se pelo poder.

Este talvez venha ser o principal saldo positivo desta crise. A possibilidade de absorver rapidamente, da vida prática, o que se levaria uma existência inteira para aprender dos livros. É um choque brutal de didatismo. As instituições “neutras” e os aparelhos “destinados à defesa do bem comum” ficam pelados na via pública e menos capazes de amortecer os choques.

O problema das calmarias são as tempestades que podem vir depois. Ainda mais quando tem eleição no calendário. Até a semana que vem. Ou até um fato novo, nosso visitante cada vez mais habitual.

* Alon Feuerwerker, analista político FSB Comunicação

Fonte: http://www.alon.jor.br/2017/06/todos-trabalham-para-nada-acontecer-e-o.html?m=1

 

 


Voto distrital misto x distrital puro

Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado

Fernão Lara Mesquita

 

Lula, Dilma, Temer, o Ministério Público, a PGR, todos dizem que é armação. E é!

Quanto, em cada episódio, dá pra discutir até o fim dos tempos. Dê a alguém a prerrogativa de falar em seu nome e esse poder será abusado. Transforme uma instituição num gatilho e, mais cedo ou mais tarde, para o bem e para o mal, ele será acionado.

A legitimação do poder é a questão essencial da democracia. O melhor a fazer nesse quesito é não delegar nada: só o eleitor põe, só o eleitor despõe. A questão é como montar um sistema que viabilize isso com a necessária agilidade e economia de traumas. Há duas variações. Os sistemas de voto distrital puro com “recall” ou “retomada” de mandatos e o voto distrital misto com governo parlamentarista.

Aos exemplos. A Carolina do Norte elege 13 deputados federais e 170 estaduais. Toma-se o número total de eleitores e se divide pelo número de vagas dos Legislativos municipal, estadual ou federal. Isso dá o tamanho de cada distrito eleitoral. Cada distrito – nas eleições municipais, um bairro ou conjunto de bairros – elege apenas um representante. Como os candidatos só têm de pedir voto naquele distrito, acaba o problema do custo das campanhas e doenças correlatas. Nas eleições estaduais cada distrito (o número de eleitores dividido por 170 neste exemplo) será a soma de “N” distritos municipais. Ou, nas federais, quando o Estado será dividido em 13 distritos, eles serão a soma de “N” distritos estaduais.

Só senadores são eleitos pelo Estado inteiro. A conta, aí, é nacional: o número total de eleitores dividido pelo número total de vagas. Como representam pessoas, e não paisagens, onde houver mais população haverá mais senadores. Os demais representantes em Washington também não são deputados do Estado “tal”, são deputados “do distrito n.º tal do Estado tal”. Cada deputado de cada instância pode, se quiser, saber o nome e o endereço de todos os seus representados. Se alguém morrer ou cair, só haverá eleição para reposição no distrito dele. Nada de suplente.

As fronteiras de cada distrito são redefinidas a cada dez anos com base no censo. A Federal Election Comission é a única que pode legislar sobre financiamento de campanhas. Todo candidato é obrigado a prestar contas até 15 dias depois de receber cada contribuição ou fazer despesas iguais ou superiores a US$ 5 mil. Daí para baixo cada um pode ter a sua regra.

36 Estados adotam o “recall” ou “retomada” de mandato para representantes eleitos. 19 estendem o “recall” a todo funcionário eleito (e todos os que têm por objeto fiscalizar governos ou prestar serviços diretos à população, começando pelos promotores do equivalente ao Ministério Público, são diretamente eleitos).

Na maioria dos municípios nem se vota mais em prefeito. Elege-se uma “diretoria” colegiada (“Council”) de cinco ou seis membros, coordenada por um CEO, com metas a cumprir. Não cumpriu, rua! Só as megacidades têm prefeitos e Câmaras Municipais e, mesmo assim, nem todas. Cada uma faz como quiser. As eleições municipais são apartidárias. Concorre quem quiser, sem pedir ordem a ninguém. As grandes cidades têm até Constituições próprias regulando instrumentos como referendo, recall, leis de iniciativa popular, penas para crimes, gestão de escolas públicas, regras para endividamento, etc. Não estando em confronto com os 7 artigos e 28 emendas da Constituição (aqui a soma é de 330!), valeu.

Todo assunto sensível vindo dos Legislativos ou de iniciativas populares vai a referendo. Entra na cédula da próxima eleição pedindo sim ou não do eleitorado inteiro. Nada de “consultas a movimentos sociais” valendo decisão e outras tapeações do gênero. Voto, sempre, e de todos os afetados, sempre.

Todo e qualquer eleitor – até o morador de rua – pode derrubar seu representante. Basta iniciar uma petição. Não precisa haver razão específica ou crime. Um simples “não me representa” é suficiente. Se conseguir a assinatura de 5% dos eleitores do seu distrito, convoca-se uma votação de todo o distrito para destituí-lo, ou não, e eleger seu substituto. O resto do país pode continuar trabalhando em paz.

O voto distrital puro põe o eleitor mandando diretamente em cada pedacinho do país, o que lhe dá poder, mas não para tudo. Juntando grupos majoritários de pedacinhos do país, ele manda no país inteiro sem, no entanto, ganhar caminhos fáceis para golpes. Tudo tem sempre de ser aprovado passo a passo, na ida ou na volta, por todos os eleitores de cada pedacinho do país.

Agora vamos ao distrital misto. Ele também delimita a área em que cada candidato pode pedir votos. No resto, tudo fica meio como é no Brasil. Você vota diretamente num candidato, mas dá mais um voto ao partido que vai pro candidato que ele puser numa lista lá dele. Você nunca sabe ao certo representante de quem cada deputado é: de um pedaço “X” do eleitorado ou de um grupo dentro de um partido com poder para montar a tal da lista.

Para remover quem se comportar mal tem de parar o país, convocar eleições gerais e votar numa nova mistura de partidos que, somados, deem maioria e elejam um primeiro-ministro. Ou seja, você até pode expulsar o ladrão, mas tem de deixar para a quadrilha a escolha do novo chefe.

A pretexto de baratear o custo da eleição e fazer representar todas as “tendências” da população nas suas mínimas expressões temáticas, o voto distrital misto mantém um monte de partidos e caciques decidindo quem pode ou não se candidatar a quê e legislando sobre tudo dentro e fora da sua casa e até da sua cabeça.

Resumindo: com voto distrital puro com “retomada” e referendo, os políticos deixam de mandar e passam a obedecer. A partir daí você decide quais reformas fazer e quando. Com distrital misto com parlamentarismo, os políticos – índios e caciques – entregam alguns anéis, mas não os dedos com que continuarão te agarrando por todos os lados, especialmente na região do bolso.

Não é por outra razão que 9,99 entre 10 políticos preferem o voto distrital misto. É muito chato ter patrão!

* Fernão Lara Mesquita é jornalista

 


Samuel Pessôa: Sangue-frio

O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) tem revisto o cenário de crescimento para pior, apesar de não ter havido grandes revisões para o crescimento em 2017 em comparação a 2016.

Há um ano prevíamos crescimento de 0,5% em 2017, com aceleração contínua ao longo do ano. A economia fecharia o ano crescendo 0,8% no último trimestre, ou 3,2% considerando a taxa anualizada.

Hoje, prevemos crescimento de 0,2% em 2017, com expansão de 1% no primeiro trimestre (já conhecida e fruto de um choque positivo de oferta de produção agrícola), seguida pela estagnação da economia –respectivamente, crescimento de -0,4%, 0,1% e 0% nos segundo, terceiro e quarto trimestres.

Há uma tendência entre os formuladores de política econômica de achar que crescimento sempre pode ser estimulado. Assim, agora que o cenário de menor expansão se consolida, principalmente em seguida ao agravamento da crise política que acomete o governo Temer, há a tentação de produzir crescimento a qualquer custo. Discutem-se no Congresso e no Executivo vários puxadinhos de Nova Matriz Econômica.

Como exemplos, temos:

a) reajustes nas faixas de renda e de financiamento dos instrumentos públicos de financiamento (financiamentos do FGTS para compra de imóvel, faixas de renda elegíveis ao Minha Casa, Minha Vida);

b) ampliação do volume de crédito direcionado subsidiado;

c) não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados do banco;

d) subsídio para a renovação da frota de veículos (a pretexto de tirar veículos antigos e poluentes das ruas, o governo subsidiaria a troca de carro usado por novo);

e) novo modelo de subsídio à indústria automobilística para substituir o Inovar-Auto, com alguns penduricalhos para disfarçar os subsídios, tipo estimular indústria 4.0 e reduzir impacto ambiental;

f) medidas de compensação à indústria nacional fornecedora da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local etc. A criatividade vai longe.

Como vimos de 2009 a 2014, essas medidas geram pouco crescimento e, por outro lado, criam inúmeros problemas a médio prazo. Adicionalmente, essas medidas impedem que o Banco Central alongue de forma sustentável o ciclo de queda dos juros.

Ou seja, com exceção de uma vitória de Pirro contra o baixo crescimento, puxadinhos de "Nova Velha Matriz Econômica" só produzem tristeza.

A economia brasileira tem um seriíssimo problema de baixa produtividade. A dificuldade da recuperação é consequência do estrago que a desastrosa condução da política econômica, principalmente entre 2009 e 2014, promoveu na economia real.

Os únicos antídotos são sangue-frio, a aprovação das reformas - para alongar o horizonte do cálculo empresarial- e deixar que as seguidas surpresas desinflacionárias coloquem a Selic em mínimas históricas de forma sustentável.

Novamente houve, na sexta (9), surpresa positiva na inflação, no IPCA de maio. O número de 0,31% foi 0,18 ponto percentual abaixo do que se esperava. Sem puxadinhos e solucionando a crise política, podemos divisar Selic muito baixa, e de forma sustentável, à frente.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.


Luiz Carlos Azedo: O tempo fechou

Há algumas semanas, num jantar com militares, Janot havia revelado que algo muito grave ainda estava por acontecer na Operação Lava-Jato

Enquanto um temporal atípico desabava de nuvens negras sobre Brasília, os irmãos Joesley e Wesley Batista, alvos mais recentes da Operação Lava-Jato, lançaram uma bomba que ameaça implodir o atual governo. Entregaram ao ministro Edson Fachin, em seu gabinete no Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação de diálogo comprometedor com o presidente Michel Temer, no qual ele avalizaria o pagamento de uma mesada ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para que permanecesse em silêncio quanto à Operação Lava-Jato. A notícia deixou o mundo político perplexo. Senadores e deputados esvaziaram as sessões do Congresso em busca de mais informações.

O presidente Michel Temer estava reunido com governadores do Nordeste quando a informação foi divulgada; comemorava a aprovação pelo Senado da renegociação das dívidas dos estados. Uma multidão de prefeitos ainda pululava pelos corredores da Câmara e do Senado, muitos com dificuldade de deixar o Congresso por causa da chuva. No Palácio do Planalto, a tropa de choque da Polícia do Exército, que agora guarnece suas dependências, buscava abrigo da chuva nas marquises e descansava os escudos, apoiados nos cassetetes, com capacetes sob o braço. Parecia apenas mais uma tarde chuvosa, num dos raros momentos em que o governo previa a chegada da bonança.

Segundo o jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, que divulgou parte da gravação, a conversa teria sido nas seguintes condições: Joesley relatou a Temer que estava dando mesada a Eduardo Cunha e Lúcio Funaro para que ambos não contassem os segredos de dezenas de casos escabrosos envolvendo a cúpula do PMDB e o próprio presidente da República. Temer mostrou-se satisfeito com o que ouviu. Neste momento, segundo a matéria, teria diminuído o tom de voz, mas deu o seu aval: “Tem que manter isso, viu?”

Na delação premiada, Joesley teria afirmado que não foi Temer quem determinou que a mesada fosse dada, mas o presidente tinha pleno conhecimento da operação. Joesley teria pagado R$ 5 milhões para Eduardo Cunha após sua prisão, que corresponderia a um saldo de propina que o peemedebista tinha com ele. Disse ainda que devia R$ 20 milhões pela tramitação de lei sobre a desoneração tributária do setor de frango. Os donos da JBS afirmaram que Temer indicou o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F (holding que controla a JBS). Informada do fato, a Polícia Federal filmou Rocha Loures recebendo uma mala com R$ 500 mil enviados por Joesley. O Palácio do Planalto distribuiu nota negando a declaração atribuída a Temer.

Na mesma delação, o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), teria sido gravado pedindo R$ 2 milhões a Joesley. O dinheiro teria sido entregue a um primo do presidente do PSDB, que teria depositado o valor na conta de uma empresa do senador Zeze Perrella (PSDB-MG). Joesley relatou também que, supostamente, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega negociava o dinheiro da propina destinado ao PT e seus aliados, inclusive os interesses da JBS no BNDES.

A operação

No jargão das investigações, foram realizadas “ações controladas”, nas quais a Polícia Federal deixou de realizar prisões em flagrante para não prejudicar as investigações, mas filmou a cena do crime, rastreou malas e carimbou cerca de R$ 3 milhões em propina. Ao contrário das longas negociações com a Odebrecht e a OAS, a delação premiada da JBS foi feita em tempo recorde e rompe a blindagem constitucional do presidente da República, que não pode ser investigado por fatos anteriores ao mandato. Ocorre que as gravações foram feitas durante o exercício do mandato, o que pode ser razão para o impeachment de Temer e/ou a abertura de investigações pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O procurador-geral Rodrigo Janot comandou pessoalmente a operação, que teve procedimentos incomuns, pois o delator entrava na garagem da Procuradoria-Geral da República no seu próprio carro, sem se identificar. Simultaneamente, a JBS contratou o escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe para tentar um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA (DoJ). A JBS tem 56 fábricas nos EUA, onde lidera o mercado de suínos, frangos e o de bovinos. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no Supremo, já homologou a delação: os sete delatores não serão presos nem usarão tornozeleiras eletrônicas. Será paga uma multa de R$ 225 milhões para livrá-los das operações Greenfield e Lava-Jato, que investigam a JBS há dois anos.

Esse é o resumo da ópera, mas os bastidores começam a aparecer. Há algumas semanas, num jantar com militares, Janot havia revelado que algo muito grave ainda estava por acontecer na Operação Lava-Jato, mas não abriu o jogo. Imaginava-se que poderia estar relacionado à delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, ou seja, que seria algo mirando os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-presidente Dilma Rousseff, que atingisse o sistema financeiro ou os fundos de pensão. Na verdade, a bomba mirava o presidente Michel Temer e estava sendo construída a muitas mãos, ou seja, com a participação proativa da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.

 


Luiz Carlos Azedo: Os quadrantes de 2018

Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita

Na geometria, quadrante é qualquer das quatro partes iguais em que se pode dividir uma circunferência. Na navegação, isso corresponde a um arco de 90º, ou seja, um quarto do círculo. Num esquema tradicional de distribuição de forças políticas, teríamos uma divisão teórica do eleitorado em direita, centro-direita, centro-esquerda e esquerda. Na prática, porém, muitas vezes, essa divisão é atropelada pela polarização antecipada, digamos, esquerda versus direita, como, às vezes, acontece na Europa. Nos Estados Unidos, ela é inerente ao sistema bipartidarista, isto é, ocorre sempre entre republicanos e democratas.

No Brasil, durante o período que vai da redemocratização ao golpe de 1964, a polarização era muito pautada pela guerra fria, embora houvesse três grandes partidos se digladiando, o PSD, o PTB e a UDN, os dois primeiros aliados de Vargas e o terceiro, de oposição empedernida. A quarta força política era o Partido Comunista, que atuava na clandestinidade. Havia outros partidos menores, como o PSB e o PRP. Durante a ditadura, com a reforma partidária imposta pelos militares, tentou-se impor um sistema partidário americanizado, com a Arena, o partido governista, e o MDB, de oposição, mas no fundo o regime queria “mexicanizar” a política brasileira. Após sucessivas derrotas eleitorais da Arena, os militares aceitaram uma anistia negociada e promoveram nova reforma partidária, em 1979.

A Constituição de 1988 consagrou o atual calendário eleitoral, o presidencialismo, o sistema eleitoral proporcional uninominal e o atual sistema partidário, que foi sendo progressivamente ampliado, até chegar aos 36 partidos hoje existentes. Hoje se discute uma reforma política que altere isso. Com as eleições majoritárias em dois turnos, mais pra lá ou mais pra cá, o esquema de quadrantes acabou predominando. Mesmo com a reeleição dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), que não completou o segundo mandato por que houve o impeachment.

Não seria nada estranho que o presidente Michel Temer se lançasse candidato à reeleição, pois teria esse direito com base na legislação atual. Não o faz, porém, por causa da sua impopularidade, que também é uma herança do governo Dilma, mas que vem se mantendo e até aumentando por causa da Operação Lava-Jato e das reformas da Previdência e trabalhista. Um presidente da República com a caneta cheia de tinta nunca é um cachorro morto, mas isso não impede que possa morrer. Foi o que aconteceu com Dilma. Não ocorre com Temer por causa de dois fatores: a política econômica, radicalmente oposta à da desastrada e infortunada antecessora, o que lhe garante maciço apoio do mercado, e a ampla maioria parlamentar no Congresso. Isso não basta, porém, para que Temer seja protagonista da própria sucessão se não for candidato.

Ocupar o centro

É aí que voltamos ao esquema dos quadrantes. Apesar da Lava-Jato e da emergência de setores de esquerda mais radical como PSol, o ex-presidente Lula nunca perdeu o controle de um dos quadrantes da política brasileira, o campo da esquerda. Isso manteve sua candidatura competitiva mesmo nos piores momentos das crises política, ética e econômica. No outro lado do círculo, o quadrante da direita está sendo progressivamente ocupado pela candidatura de Jair Bolsonaro (PRB). Os demais quadrantes, após a reeleição de Dilma, eram ocupados por Marina Silva (centro-esquerda) e Aécio Neves (centro-direita). Em circunstâncias normais, com o impeachment, os dois disputariam a sucessão de Temer.

Mas não foi isso que aconteceu. Marina Silva (Rede) eclipsou-se durante a crise tríplice (ética, política e econômica), como quem aparentemente não deseja ser identificada com o espectro político que está aí (uma tática de risco). Aécio Neves (PSDB) foi volatilizado pela Operação Lava-Jato, o que poderia servir para consolidar a candidatura do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB), mas ele está sendo eclipsado pela sua criatura, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Criou-se um enorme espaço vazio, o que está permitindo o avanço de Lula no quadrante da centro-esquerda e a progressão de Bolsonaro para ocupar todo o quadrante da direita. Com isso, o espaço para uma candidatura de centro-esquerda, como a de Marina Silva, diminui; em contrapartida, o de centro-direita se mantém e abre espaço para uma candidatura se consolidar e crescer.

Luiz Carlos Azedo é jornalista


Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-quadrantes-de-2018/


Luiz Carlos Azedo: Ossos do ofício

Vamos raciocinar friamente: para uma “greve geral” na qual supostamente 40 milhões de trabalhadores cruzaram os braços, as manifestações do Primeiro de Maio de ontem não passaram de protestos tradicionais. Com a diferença de que milhões de diaristas e outros trabalhadores informais rogaram aos patrões que os deixassem trabalhar no feriado, para recuperar o dia em que faltaram ao serviço, contra a própria vontade, porque os ônibus não circularam nas periferias.

Isso significa que as paralisações, os protestos, os vandalismos e os excessos policiais devem ser subestimados? Não, de forma alguma, são sintomas de um processo de radicalização política que complica mais do que ajuda a resolver as questões. A violência nas manifestações do dia 28 de abril reforçou a narrativa do golpe contra a Dilma Rousseff e de que o país caminha por uma via autoritária, o que é completamente falso, mas está colando na mídia internacional.

Ossos do ofício para o governo Temer, que resultou de um processo de impeachment e herdou a baixíssima popularidade da ex-presidente Dilma. Considerando também o fato de que vários ministros estão sob investigação da Operação Lava-Jato, até que o balanço dos protestos não é tão desfavorável. As votações das reformas da Previdência, na Câmara, e trabalhista, no Senado, para onde convergem as pressões da oposição, serão a prova dos nove. As duas reformas são uma espécie de rubicão, tanto para o governo Temer como para o país.

O governo Temer tem três pontos de sustentação: o primeiro é a Constituição, que lhe garante o respaldo das Forças Armadas e o reconhecimento dos demais poderes da República; o segundo, a política econômica e a blindagem da equipe que a conduz; o terceiro, a ampla base parlamentar no Congresso, que está sendo posta à prova. É como uma mesa que se mantém de pé sem uma perna, porque o peso que suporta está sobre a superfície escorada. Se perder um desses pés ou o peso se deslocar para o outro lado, ela cai.

A perna que lhe falta é o apoio da opinião pública, que está à deriva. A oposição está pior das pernas do que o governo, porque sofreu uma dupla derrota no ano passado: a perda do poder central, com o impeachment de Dilma; e, logo depois, a fragorosa derrota nas eleições municipais. O imponderável são as reformas da Previdência e trabalhista, que estão mexendo com a opinião pública; as forças derrotadas pelo impeachment estão se aproveitando disso, principalmente o PT, que procura renascer das cinzas, apesar da imagem carbonizada.

As reformas

Quem está contra a reforma da Previdência são os servidores públicos que têm aposentadorias privilegiadas, entre os quais se incluem algumas poderosas corporações das carreiras de Estado. Num país cujas instituições mais importantes foram criadas por uma elite escravocrata, mexer em certos privilégios é verdadeira blasfêmia. Além disso, certas categorias de servidores, ao passar dos anos, foram realmente aviltadas, o que faz das aposentadorias e pensões com salários integrais uma espécie de compensação de toda uma vida. O problema é que a Previdência, com a mudança do perfil demográfico da população, se tornou insustentável. Entretanto, ninguém espere uma rendição dos privilegiados. Não sabem o que é derrota, sempre ganharam a queda de braços.

No caso da reforma trabalhista, a questão é parecida. Escorada na velha CLT do Estado Novo, de inspiração fascista, formou-se uma enorme burocracia na estrutura sindical, que dispõe de recursos cativos que não dependem do desempenho de seus dirigentes nas campanhas salariais. Há também um pacto perverso entre sindicalistas e patrões quanto ao imposto sindical, que também é recolhido em favor das entidades patronais. São 16 mil sindicatos, com dezenas de diretores e centenas de empregados cada, um exército de centenas de milhares de ativistas, cujos piquetes profissionalizados são capazes de paralisar os transportes e tumultuar a vida das cidades.

A reforma da Previdência e a reforma trabalhista não são um capricho de Temer para passar à história como estadista, são exigências urgentes da economia. Estamos vivendo o esgotamento de um modelo de capitalismo no Brasil, que se baseava na brutal transferência de recursos públicos para os monopólios privados, pela via dos contratos de obras e serviços, dos privilégios fiscais, dos empréstimos camaradas, tudo isso acompanhado de mecanismos de financiamento político dos partidos no poder e reprodução das oligarquias, além do enriquecimento pessoal de seus operadores. Esse modelo foi desnudado pela Operação Lava-Jato, mas seu colapso também tem a ver com uma revolução tecnológica que pôs em xeque os meios de produção e as relações de trabalho tradicionais. Ela é irreversível.

* Luiz Carlos Azedo é jornalista.

 

 

 


Lúcio Flávio Pinto: Menos grito e mais trabalho

A mais importante e mais grave notícia do dia não se originou nas manifestações de protesto realizadas hoje [sexta-feira, 28 de abril] em todo o país contra as reformas trabalhista e da previdência social. Foi o crescimento do desemprego no Brasil, medido pelos órgãos oficiais.

A fila dos excluídos da economia chegou a 14,2 milhões de cidadãos, taxa de 13,7%. A uma média simples de três dependentes per capita, seriam quase 50 milhões de pessoas (um quarto de toda a população) atiradas à rua da amargura. É o maior volume de desempregados da história nacional.

A combinação dos dois fatores devia produzir um resultado explosivo: drenar para os protestos coletivos o combustível do desemprego, numa mistura de raiva, indignação e revolta. Mas as manifestações ficaram aquém do que seus organizadores esperavam. Talvez não tenham os resultados pretendidos: de sustar a tramitação e a aprovação das duas iniciativas do governo Michel Temer.

Quem sabe essa frustração se deva a que a reação é o componente de futuro da condição trabalhista: pensão, aposentadoria, regulação jurídica da relação entre o capital e o trabalho — e do que o brasileiro mais precise neste momento é ter onde trabalhar para conseguir seu sustento e o dos seus dependentes.

O efeito mais evidente das manifestações de hoje foi impedir que cidadãos com emprego ativo chegassem aos seus locais de trabalho. O empenho demonstrado é comovente. Só os dogmáticos e fanáticos não conseguirão perceber o esforço de milhões de homens e mulheres comuns de chegar de qualquer maneira ao ponto da realização dos seus compromissos e tarefas cotidianos.

Impedidos de seguir, eles se expõem a ter o ponto cortado, a não obter os ganhos extras que só o exercício dos seus cargos permite ou deixar de realizar alguma tarefa que deveria ter sido cumprida ontem. A conjunção dos dramas pessoais com os seus efeitos coletivos resulta em um dia de déficit numa economia que precisa trabalhar cada vez mais para encontrar, pela via de criação de riquezas através do trabalho, a solução mais positiva e saudável para a crise brasileira.

Se a já complicada luta pela sobrevivência não estivesse delimitada, sujeita ou condicionada por esse monstro chamado disputa política pelo poder, busca da hegemonia e exploração do patrimônio público, seria menos difícil encontrar uma maneira de conduzir o país para longe do precipício do qual se avizinha. Mas até a racionalidade na busca por respostas está sendo bloqueada por pressupostos políticos ou ideológicos.

Se as manifestações de hoje fossem concebidas e programadas considerando a situação real do país, os manifestantes podiam se concentrar em pontos estratégicos da cidade, preparar o ambiente adequado para um enorme comício, selecionando pessoas capazes de orientar os participantes do ato para tomar as decisões mais bem informados.

Produziriam melhor impacto político do que bloqueando ruas, estradas, pontos de embarque e equivalentes, cujo resultado é parar as cidades, interromper a circulação, impedir as pessoas de cumprir suas obrigações. Aquele que deveria ser o destinatário da iniciativa se torna o maior prejudicado por ela.

A principal restrição à reforma da previdência social tem um tamanho homérico. Enquanto o governo se alarma por sangrias no erário de dezenas de bilhões de reais para cobrir o déficit previdenciário crescente, que vai exaurir o caixa nos próximos anos, os críticos dizem que, se a receita destinada à previdência não fosse desviada para outros fins, o saldo atual seria de R$ 28 bilhões.

Logo, a reforma proposta para estancar a hemorragia e tirar o governo de um déficit fiscal crônico, voragem que tritura a riqueza nacional, é balela, conversa para boi dormir, mistificação. Há a questão real do envelhecimento acelerado da população brasileira, que conspira contra o equilíbrio nas contas de dever e haver da previdência, mas o governo Temer é ilegítimo — sustentam os que o negam.

Por que não deixar momentaneamente de lado essa questão jurídico-política, sem esquecê-la jamais, e partir para uma discussão técnica mais ampla? O legislativo poderia até contratar, através de projeto de lei e concorrência pública, uma auditagem internacional independente para definir em números os impasses elementares dessa polêmica.

A definição sobre legitimidade viria em seguida. Os petistas podem ter razão de colocar acima de tudo o afastamento de Temer da presidência e a preservação de Lula para 2018. Mas eles não podem impedir que se propaguem os dados sobre os governos, os do PT, que mais desviaram recursos de fundos de pensão, do tesouro nacional e de outras fontes com outra serventia para criar bilionários e multinacionais brasileiras, resultando no maior esquema de corrupção já revelado em toda história, daqui e de qualquer outro lugar do planeta.

Como as mais recentes manifestações públicas, pró ou contra, a de hoje seguiu-lhes a tendência declinante, apesar de convocada por todas as centrais sindicais, um olho no cliente e outro na preservação desse nojento imposto sindical, de inspiração fascista, travestida de democrática, para atrelar ao Estado a direção sindical.

Se faltou gente nos atos de protesto de hoje para que a voz das ruas soasse soberana e impressionante, restou um murmúrio uníssono nos pontos de ônibus, nas estações de trem, nas ruas desertas. O povo brasileiro quer trabalhar. Só pelo trabalho o país irá se recuperar. E o que mais falta a cada dia é ele: o trabalho.

*Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).


Fonte: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=2129