Temer

Luiz Carlos Azedo: A defesa prévia

A probabilidade de a nova denúncia contra Temer ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que terá para o ajuste fiscal

O presidente Michel Temer desistiu da volta antecipada da China. A versão oficial de que seria para aprovar a mudança da meta de deficit fiscal de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões estava sendo interpretada como decorrente da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Devolvida ao Ministério Público Federal, na última quarta-feira, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, para que sofresse retificações, foi reenviada em menos de 48 horas ao relator da Operação Lava-Jato no STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas mais duas semanas de mandato.

A reação inicial do Palácio do Planalto alimentou as especulações. Lembrou Crime e Castigo, o clássico da literatura universal do escritor russo Fiodor Dostoievski. O romance narra a história de Raskólnikov, um estudante muito neurótico e introspectivo, para quem homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Raskólnikov se questiona: “Se Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele também não seria se matasse a velha proprietária do imóvel que alugava e que vivia de juros? Não estaria ele fazendo um bem à humanidade?”

Ninguém sabia que ele havia matado a usurária, pois cometera um “crime perfeito”. Mas aí surge o sentimento de culpa. Raskólnikov não é o primeiro suspeito, porém, durante o interrogatório, o juiz parecia desconfiar de que ele era o autor do crime. À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov perde o controle da situação e acaba confessando.

Na expectativa de que Janot apresentará nova denúncia contra Temer nesta semana, o Palácio do Planalto divulgou uma nota na qual afirma que a delação de Funaro possui “inconsistências e incoerências” e que o procurador-geral tem “vontade inexorável de perseguir o presidente da República”. O texto afirma que o próprio Ministério Público Federal descreveu Funaro como uma “pessoa que tem o crime como modus vivendi” e que já havia sido beneficiado com colaboração premiada, mas “prosseguiu delinquindo”. O problema é que a delação ainda está em sigilo, não se sabe o verdadeiro teor das denúncias.

“Quem garante que, ao falar ao Ministério Público, instituição que já traiu uma vez, não o esteja fazendo novamente? Se era capaz de ameaçar a vida de alguém para escapar da Justiça, não poderia ele mentir para ter a pena reduzida? Isso seria, diante de sua ficha corrida, até um crime menor”, afirma a nota da Presidência, que acusa Janot de perseguição a Temer. “Qual mágica teria feito essa pessoa, que traiu a confiança da Justiça e do Ministério Público, ganhar agora credibilidade?”, dispara o Planalto.

Essa defesa prévia pode ter sido um tiro no pé. Nos depoimentos, o doleiro afirma que recebeu R$ 400 mil da JBS, do empresário Joesley Batista, para se manter em silêncio. Ninguém sabe, porém, se Funaro atribui a ordem do pagamento a Temer ou implica o presidente em qualquer outro crime. Antes de fechar o acordo com os investigadores, Funaro havia dito à Polícia Federal que os pagamentos foram feitos para quitar uma dívida antiga com a JBS, visto que intermediou negócios da empresa.

A versão de Joesley, porém, é de que pagava para que o doleiro e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) permanecessem calados e que relatou isso a Temer, em conversa à noite, no Palácio do Jaburu. A primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, barrada pela Câmara no início de agosto, se baseava na delação de Joesley Batista. A probabilidade de a nova denúncia também ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que isso terá para o governo.

Luz no túnel

A volta de Temer e a nota da presidência são sintomas de que teremos uma semana tensa, na qual o governo tentará aprovar a mudança da meta fiscal e capitalizar o crescimento de 0,2% da economia brasileira no segundo trimestre em relação ao período imediatamente anterior. É uma luz no fim do túnel da recessão, pois mostra que a expectativa de recuperação gradual da economia deve se manter nos próximos meses. É um alento para a sociedade e os agentes econômicos, mas isso não significará reverter o desgaste do governo por causa do envolvimento de seus integrantes na Lava-Jato.

Os dados divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreenderam positivamente o mercado devido ao aumento do consumo, que subiu 1,4% na comparação com o período imediatamente anterior. É resultado da liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a queda dos juros, do desemprego e da inflação. Esses fatores continuarão estimulando o consumo e a atividade nos próximos meses, prevê a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com exceção dos saques do FGTS.

O problema é que os investimentos continuam caindo. Com a queda de 0,7% no segundo trimestre, representaram apenas 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da crise, eram 20% do PIB. Essa variável da economia é fortemente influenciada pela situação política. Isto é, pelo desgaste causado ao governo pelas denúncias da Operação Lava-Jato e as dificuldades para aprovar as reformas, principalmente a da Previdência.


Luiz Carlos Azedo: Dispersão de forças

A natureza da próxima eleição presidencial pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014

Há um ano a ex-presidente Dilma Rousseff subia ao cadafalso do Senado, que aprovou o seu impeachment em 31 de agosto, após a longa agonia iniciada em 2 de dezembro de 2015. Tudo começou pelas mãos do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que foi cassado pelos colegas e condenado à prisão pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba, titular da Operação Lava-Jato. Dilma era passageira do fracasso do projeto nacional populista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; hoje, é um espectro que ronda as caravanas petistas na pré-campanha de seu padrinho político pelos grotões do país.

Os números do desgoverno Dilma não devem ser esquecidos: queda de 16% do PIB per capita entre 2013 e 2016, isso é, de R$ 30,5 mil para R$ 25,7 mil por ano. Aumento do desemprego de 6,4% para 11,2%, com a demissão de 12 milhões de trabalhadores. A pior recessão da história: chegou a 6%. Para se ter uma ideia do que isso significava, a grande recessão de 1929-1933 foi de 5,3%; a de 1980 a 1983, 6,3%; e a de 1989 a1992, 3,4%. O deficit fiscal subiu de R$ 145 bilhões para R$ 200 bilhões. A dívida pública chegou a 70% do PIB ao fim do ano. Esse cenário foi revertido pelo impeachment.

Dilma foi julgada por causa das “pedaladas fiscais”. Mas já estava bastante enrolada nas investigações sobre o caixa dois de suas campanhas eleitorais de 2010 e 2014. De acordo com a Constituição, não podia, porém, ser investigada por fatos anteriores ao exercício do mandato. O julgamento de Dilma Rousseff no Senado foi um grande mise-en-scène petista para construir a narrativa do “golpe de estado” e dele sair como vítima, sem assumir a responsabilidade principal pela crise econômica, política e ética da qual o país agora tenta emergir.

A passagem do PT pelo poder foi um assalto ao Estado. Em dois sentidos: primeiro, o aparelhamento do governo por meio da ocupação de milhares de cargos comissionados, tanto na administração direta, como na indireta, inclusive estatais, de forma fisiológica e clientelística; segundo, o sistemático desvio de recursos públicos para financiamento eleitoral e formação de patrimônio pessoal, via superfaturamento de obras e serviços. Mas o PT não assaltou o poder sozinho, parte das forças que hoje estão no governo Temer, a começar pelo PMDB, participou de tudo isso. E não dá para ignorar que setores da antiga oposição também se atolaram na lama da crise ética.

O resultado é um tremendo desgaste das instituições políticas, dos partidos e dos seus líderes. O presidente Michel Temer, ao assumir, herdou o estrago do governo de Dilma, do qual fizera parte, e seu índice de aprovação é baixíssimo. O desprestígio do Congresso dispensa comentários. Pesquisa recente do instituto Ipsos sobre a percepção dos brasileiros em relação a 27 figuras públicas mostra a decepção com os principais líderes políticos do país. Os níveis de rejeição são um verdadeiro strike na elite política: Michel Temer (93%), Aécio Neves (91%), Eduardo Cunha (91%), Renan Calheiros (84%), José Serra (82%), Fernando Henrique Cardoso (79%), Dilma Rousseff (79%), Geraldo Alckmin (73%), Rodrigo Maia (72%), Lula (66%), Marina Silva (65%), Ciro Gomes (63%), Henrique Meirelles (62%), Marcelo Crivella (60%), Jair Bolsonaro (56%), Paulo Skaf (55%), Tasso Jereissati (55%), Nelson Jobim (54%), João Doria (52%) e Luciano Huck (42%).

Onde está o centro?

Quem mira as eleições de 2018 vê o potencial dos possíveis candidatos com sinal trocado na mesma pesquisa. Huck tem 44% de aprovação; Lula, 32%; Marina, 24%; Jair Bolsonaro, 21%; Doria, 19%; Dilma, 18%; Renan, 15%; Alckmin, 14%, Ciro Gomes, 11%; FHC, 10%, para ficar nos dois dígitos. Vejam bem: não se trata de uma pesquisa eleitoral; é uma pesquisa de imagem dessas personalidades, algumas das quais são pré-candidatas assumidas; outras nem cogitam disputar as eleições.

Como as pré-campanhas mais agressivas são de Lula e Bolsonaro, quando são feitas as pesquisas eleitorais, ambos aparecem como protagonistas de uma radicalizada polarização direita versus esquerda. Considerando-se, porém, os índices de rejeição, pode ser que essa probabilidade não seja tão grande assim. Ao olharmos com atenção a pesquisa Ipsos, veremos que a possibilidade do surgimento de alternativas de centro-direita (Huck, 44%; Doria, 19%) e centro-esquerda (Marina, 24%; Alckmin, 14%) realmente existe. Mas qual é a dificuldade para isso? É a rejeição aos partidos e políticos que aí estão.

O grande problema da construção de uma candidatura do “centro democrático” tem a ver com isso. E com a natureza da próxima eleição, que pode ser muito diferente do que aconteceu em 2010 e 2014, quando as estruturas de poder tiveram um peso decisivo na construção das alianças e no desfecho do resultado das urnas. As eleições municipais passadas, principalmente nas principais cidades do país, revelaram enorme descolamento da sociedade em relação à política tradicional. A eleição de domingo no Amazonas revelou índices astronômicos de abstenção. Pode ser que essas tendências persistam até o próximo ano. Uma candidatura ao centro também pode surgir a partir da sociedade e não das estruturas de poder, como sempre acontece. Huck e Marina, muito mais do que Doria e Alckmin, estão sinalizando isso.


Cristovam Buarque: As causas do desastre

Basta olhar ao redor para perceber o desastre social, econômico, institucional que os líderes deste país, no governo e na oposição, estão deixando como herança maldita para o presente e o futuro. Por ação, omissão ou incompetência, todos somos responsáveis, mas a culpa maior recai sobretudo nos governos liderados pela coalizão PTMDB entre 2003 e 2016. O PTMDB desprezou a gestão pública e entregou os órgãos estatais, Petrobras, fundos de pensão, agências reguladoras e outros, nas mãos de pessoas despreparadas, sem respeito ao mérito e à competência. Até mesmo na escolha do vice-presidente da República, houve desprezo aos interesses maiores do país. Para manter a coalizão, tudo se justificava, inclusive o loteamento do patrimônio estatal.

Ao aliar-se ao PMDB, o PT perdeu também o vigor transformador que caracterizava seu discurso; distanciou-se das promessas reformistas e caiu no assistencialismo com fins eleitoreiros. No lugar de iniciar as transformações na educação para, um dia, os filhos dos pobres estudarem em escolas com a mesma qualidade das dos filhos dos ricos, preferiu vender a ilusão de que o aumento de vagas nas universidades resolveria o triste estado das escolas públicas.

Sem bandeiras transformadoras, aprisionado ao eleitoralismo, caiu na banalização e na institucionalização da corrupção.Deixou-se levar pelo comportamento dos políticos no uso de propinas, como também na definição de prioridades ao construir estádios em vez de melhorar as escolas. As manobras visando ao poder pelo poder, sem bandeiras para o futuro, levou o PTMDB à promiscuidade entre os dois partidos e destes com os empresários. Assumiram que, na política, todos são iguais na falta de propósitos transformadores e na voracidade da corrupção, desmoralizando a política e afastando os jovens da militância.

A corrupção e a falta de gestão teriam sido evitadas se não fosse a surdez às críticas e o culto à personalidade de seus líderes. Não se perguntou por que militantes com solidez ideológica, eticamente respeitados, saíram do partido; nem ouviram os alertas vindos de aliados. Dividiu o mundo político entre nós e eles, colocando do lado “nós” velhos coronéis corruptos e do lado “eles” pessoas sérias, apenas porque os primeiros batiam palmas e os outros criticavam. Políticos com forte tradição de direita viravam esquerda se batessem palmas; esquerdistas críticos eram tidos como de direita, se não aplaudissem.

Esse comportamento levou ao sectarismo, transformando os partidos em seitas, intolerantes com os críticos. Direções e militantes passaram a desconfiar das bases democráticas, da coerência dos partidos, da seriedade dos meios de comunicação, da neutralidade dos juízes. O sectarismo impediu de ver as transformações que ocorrem no mundo, deixando a militância para trás na história. O partido se firmou como defensor de interesses conservadores das corporações e do presente, relegando os interesses nacionais e o longo prazo. Confundiu sindicato com povo, presente com futuro. Não foi capaz de perceber as amarras que impedem o país de avançar.

Para manter-se reacionário sem perder o discurso progressista de antes, optou por falsas narrativas, preferiu marqueteiros a filósofos. Sem substância ideológica, porque os filósofos se transformaram em seguidores, perderam o compromisso com a verdade, passaram a acreditar nas próprias mentiras: “o pré-sal salvaria o Brasil,” o Bolsa Família emanciparia os pobres, “os que divergissem seriam traidores”. Caiu na armadilha dos que acreditam nos dogmas que criou. Tanto que certamente se negará a debater esse artigo, uma vez que só os aliados merecem ser lidos.

A luta do PT foi um dos maiores saltos de toda a história política do Brasil. Seus desvios nos últimos anos foram uma traição à pátria, ao provocar desperdício da esperança e do potencial para realizá-la. O enfraquecimento do PT, pela desconfiança da população, pelo afastamento de muitos de seus militantes e pela prisão mental em que estão os que ainda lhe são fiéis, sem espírito crítico, talvez seja o maior dos erros de suas direções nos últimos anos, além do desastre provocado no rumo do país e do povo ao progresso.

 


Folha de S. Paulo: Temer avalia testar parlamentarismo em seu governo

Temer admitiu que o Planalto quer levar adiante uma "reformulação político-eleitoral". Argumentou, no entanto, que tudo está sendo feito "de comum acordo" com o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Vera Rosa

O presidente Michel Temer está disposto a fazer um teste parlamentarista em seu governo, no último ano do mandato. Temer quer incentivar campanha em favor de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para adotar o parlamentarismo no país, a partir de 2019, contendo uma "cláusula de transição" que permita instalar o novo sistema no fim do ano que vem.

A ideia de nomear um primeiro-ministro no segundo semestre de 2018, caso o Congresso aprove uma PEC mudando o regime de governo, tem sido discutida nos bastidores do Palácio do Planalto. Ancorada pela crise política, diante de um cenário marcado pelo desgaste dos grandes partidos e de seus pré-candidatos nas próximas eleições, a estratégia é bem aceita por dirigentes do PMDB, mas encontra resistências no PSDB.

"O parlamentarismo está no nosso programa e, neste momento de crise, nada mais oportuno do que discutir o assunto, mas não achamos que isso seja solução para 2018, quando teremos eleições", disse o presidente interino do PSDB, senador Tasso Jereissati (CE). "Queremos preparar o caminho para 2022", completou.

Autor da PEC que institui o sistema parlamentar de governo, o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), não vê problema na adoção do novo regime no fim do mandato de Temer, se o modelo passar pelo Congresso, para assegurar uma transição pacífica.

"Eu sou favorável à implantação do parlamentarismo o quanto antes", afirmou o chanceler. "Nesse presidencialismo com 30 partidos, o País é absolutamente ingovernável. A lei eleitoral premia a fragmentação e, se não forem aprovados a cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais, quem for eleito em 2018, seja quem for, pegará uma situação muito complicada."

O ministro das Relações Exteriores apresentou a proposta que prevê o parlamentarismo no ano passado, quando ainda exercia o mandato de senador. Para ele, o colega José Serra (PSDB-SP) é a "pessoa talhada" para liderar a discussão no Congresso e ser o relator da PEC. Serra, no entanto, também prega a adoção desse sistema somente a partir da disputa de 2022.

Gabinete

Pelo projeto de Aloysio, o presidente seria eleito por voto direto e teria a função de chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Seu mandato seria de quatro anos e caberia a ele nomear o primeiro-ministro, com quem ficaria a chefia do governo.

A Câmara dos Deputados poderia ser dissolvida pelo presidente, "ouvido o Conselho da República", e o Congresso teria o poder de aprovar "moção de censura" ao governo - equivalente à demissão do gabinete -, medida que só produziria efeito com a posse do novo primeiro-ministro.

Nos últimos dias, com o avanço das movimentações políticas em torno do tema, até mesmo aliados de Temer ficaram curiosos para saber quem seria o seu primeiro-ministro. Apesar da Lava Jato estar no encalço do presidente e de seu núcleo duro, a maior aposta neste sentido recai sobre o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Questionado sobre a viabilidade de instituir o parlamentarismo no Brasil - já rejeitado em plebiscito, em 1993 -, Temer disse que "não seria despropositado" pensar nesse regime para 2018. Dias depois, informado por auxiliares de que a ideia sofria críticas até mesmo em sua base de apoio no Congresso, o presidente foi mais cauteloso. "Se pudesse ser em 2018, seria ótimo, mas quem sabe se prepara para 2022", ponderou ele.

Temer admitiu que o Planalto quer levar adiante uma "reformulação político-eleitoral". Argumentou, no entanto, que tudo está sendo feito "de comum acordo" com o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No dia 6, por exemplo, Temer jantou com o presidente do TSE e ministro do Supremo Gilmar Mendes, no Palácio do Jaburu, para tratar do assunto.

"Como o presidente convive muito bem com o Congresso, acredito que haverá uma sinergia", afirmou Gilmar. "Uma crise geralmente contamina a chefia de Estado e de governo. Talvez possamos separar as funções e ajustar o modelo da própria governabilidade."

Pelo cronograma traçado, outra proposta sobre mudança no sistema, avalizada pelo Planalto, será apresentada para debate ainda neste mês. É aí que, dependendo das conversas, se pretende encaixar a "cláusula de transição".

Apesar das articulações, políticos de vários partidos acham difícil emplacar o parlamentarismo agora. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 308 votos na Câmara e 49 no Senado. São duas votações. As informações são do jornal 'O Estado de S. Paulo".


Cristovam Buarque: O tamanho da insanidade

Os professores, servidores e alunos das universidades precisam se mobilizar contra esta insanidade que vai retirar recursos de áreas prioritárias agravando ainda mais a tragédia fiscal pela qual passam nossas universidades

O Congresso brasileiro se prepara, mais uma vez, para dar um tapa na cara dos seus eleitores, aprovando gastos de R$ 3,6 bilhões para financiar as eleições de seus futuros membros.

Isso acontece no mesmo momento em que as universidades federais estão ameaçadas de fechar por falta de dinheiro para os gastos mais primários.

Nossos institutos de ciência e tecnologia estão parando suas pesquisas.

Se a proposta for aprovada no Congresso e o governo não vetar, o presidente Temer e o ministro Henrique Meireles passarão a ideia de que estão mentindo quando dizem que não há recursos para financiar nosso sistema universitário, que a previdência é deficitária, que é preciso demitir servidores.

Estão mentindo ou dirigem um governo insano.

Todos falam que, no lugar de novos impostos, o governo deveria reduzir gastos. No lugar disso, eles aumentam despesas para financiar campanhas eleitorais, tomando R$ 3,6 bilhões dos eleitores (R$ 60,00 por eleitor) que não foram consultados – inclusive daqueles 50 milhões que as pesquisas indicam que não vão votar ou votarão em branco.

Isto é uma insanidade coberta por uma mentira.

Isto poderia ser evitado cortando o custo da campanha.

Triste é que a comunidade acadêmica não parece mobilizada para impedir esta insanidade.

É hora de um movimento nacional contra parlamentares e contra o presidente Temer, para que não cometam esta insanidade, fazendo campanha mais barata e financiada pelos simpatizantes dos partidos e dos candidatos, não por cidadãos que sofrem a degradação dos serviços públicos e que são obrigados a financiar políticos que recusam.

Os professores, servidores e alunos das universidades precisam se mobilizar contra esta insanidade que vai retirar recursos de áreas prioritárias agravando ainda mais a tragédia fiscal pela qual passam nossas universidades.

 

 


Urna eletrônica e pessoas | Foto: reprodução/Agência Brasil

Alon Feuerwerker: As dificuldades de cada um na disputa por 2018

A consciência coletiva já entregou os pontos: o presente vai deixando de ter maior importância em outras esferas para além da judicial-policial, as atenções/esperanças orientam-se para 2018. Concluiu-se: o resto do governo Temer será dedicado e com razoável probabilidade de sucesso à sobrevivência. Assuntos menos importantes ficam para depois.

Se vai ser assim mesmo só os fatos dirão, e eles costumam ser além de teimosos surpreendentes, mas leva jeito. Haverá alguma mudança nas normas da previdência social, alguma mexida nas regras eleitorais, e só. O desafio de como crescer e gerar os empregos para absorver o trabalho, especialmente o jovem, ficará para depois de janeiro de 2019.

Se é que ficará. A acomodação na mediocridade parece tática, mas há o risco/sintoma de ser estratégica. Vide a convivência pacífica com resultados econômicos medianos, infraestrutura mediana, educação mediana, política mediana, cultura mediana. Faltam ambição e energia. Há alarido, mas prevalece a indiferença, prima do cansaço e do ceticismo.

Nesse teatro modorrento, as forças políticas estão orientadas para o próprio umbigo. O governo que sobreviveu anda às voltas com o desafio de estender-se além de 31 de dezembro de 2018. A utopia é a reeleição do presidente hoje impopular. Mas qualquer solução que garanta ao grupo um bom alojamento na esplanada será vista com simpatia. Por exemplo Doria.

Já o PSDB tem um problema novo. Como deslocar Bolsonaro? O senso comum diz que ele se desidratará sozinho, mas vai que não? De todo modo, o PSDB e/ou o temerismo poderão contar, como habitual, com a opinião pública para atingir o objetivo. Enquanto isso, o tucanismo quebra a cabeça para conter dissidências. Tarefa mais complexa hoje do que foi ontem.

O PT navega como um governo Temer de sinal trocado, concentrado na luta pela sobrevivência jurídica do líder. É um jeito de manter reunido o capital político, de Lula evitar a dispersão interna e externa, e de prevenir a contestação da sua liderança. E sempre há a hipótese, muito provável, de não aparecer nenhum concorrente de peso para o PT em seu campo.

São os três grandes vetores. Os demais orbitam em torno, na esperança de, finalmente, abrir-se o espaço definitivo para a novidade. Em comum com o velho, exibem a mesma fraqueza de visão sobre o futuro, sobre o que fazer com a economia, com a política, com os serviços públicos. Buscam beneficiar-se do cansaço. Mas também são vítimas dele e da indiferença.

Indiferença alimentada pelo fato de que o doente, a economia, mesmo à deriva, flutua. Parece pouco, mas para quem se via na UTI pode não ser.

Só barulho

A eventual implantação do “distritão" não alterará substancialmente a composição das bancadas eleitas para a Câmara dos Deputados. Parece mais uma moeda de troca para evitar o bloqueio dos pequenos partidos à proibição das coligações nas eleições proporcionais. Se for mesmo (ah, o eterno otimismo) um caminho para o distrital misto, pode valer a pena.

Judicialização

Onde está o problema? O financiamento empresarial foi proibido. Se todo o dinheiro para eleição passar pelo partido, como será distribuído aos candidatos da sigla aos legislativos? Com a lista aberta ou com o distritão, o igualitarismo não faz sentido. Vai depender portanto da vontade do dono de cada legenda. Tem tudo para dar errado. Certamente acabará na Justiça.

Blindagem

Os resultados na economia são medíocres, o produto mais vistoso da política econômica é a queda na arrecadação de impostos, o investimento público bate recordes negativos, enquanto as despesas de custeio não param de crescer, apesar da contenção do gasto decorrente dos juros dos títulos do Tesouro. Mas não se veem maiores críticas. Haja blindagem.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 

 


Marco Aurélio Nogueira: À beira do precipício

A ideia de “bom governo” vem dos gregos e dos princípios platônicos de Bem, Justiça, Temperança, Prudência e Fortaleza. Tem um ineliminável conteúdo ético. Governa-se para o bem de todos, de modo justo e correto, sem excessos ou privilégios, tendo em vista o fortalecimento e o progresso da comunidade.

Por derivação, o “bom governo” está dotado de atributos decisivos. Para se realizar, precisa de apoio parlamentar, representatividade social e assessoria técnica qualificada. Precisa, também, de quem o comande e coordene, seja em termos institucionais, seja em termos de liderança ou autoridade pessoal. Carece, portanto, de uma institucionalidade equilibrada, respeitada pelos governados, e tanto quanto possível de uma liderança política que possa expressar, perante o povo, as virtudes que cimentam uma comunidade.

Um “bom governo”, porém, não é sinônimo de bom governante: este pode ser bondoso, puro, honesto e bem-intencionado, mas seu governo ser péssimo. Um tirano estraga um governo que poderia ser bom, mas um bom governo pode atenuar a tirania e eventualmente expeli-la. É preciso ver o conjunto, as articulações. Uma boa Presidência não é igual a um bom presidente.

Se olharmos as coisas brasileiras por esse ângulo, o que vemos se aproxima do horror. Falta-nos quase tudo. A vida moderna, com sua voracidade e sua turbulência, minou nossos fundamentos por um lado, ao passo que a classe política, os partidos e o sistema político fizeram o mesmo pelo lado oposto. Em um vórtice de sobressaltos e desacertos, reduziu-se drasticamente a qualidade ética, técnica, discursiva, intelectual, da política, que hoje rasteja perante o país, numa busca desesperada por reconhecimento e legitimidade.

Sejamos francos: chegamos à beira do precipício. A política já não mais responde. Lateja como um coração enfartado. Claro, nem tudo é política, a vida pulsa com intensidade às vezes até explosiva, segue em frente. Nem tudo é política e a política não é tudo. Mas, sem ela, falta a presilha para fechar o colar, fica tudo meio solto, desgovernado, as pérolas saltam fora e esparramam pelo chão.

Seria então a hora dos setores mais lúcidos da sociedade fazerem alguma coisa. Como permitir que as coisas sigam nessa toada, insistindo em nos empurrar para o precipício?

Aí, você olha para a esquerda, para o centro e para a direita, para o Estado e a sociedade, para as universidades e as associações da sociedade civil, para trabalhadores e empresários, para ONGs e sindicatos, e constata que nada acontece. Há uma letargia solta no ar, misturada com indignação geral e o vozerio mouco da contestação, torta e inoperante. Onde estão os líderes, os pensadores, os organizadores, os que buscam saídas e anunciam novos tempos? Para onde ir? Quais as saídas?

A Câmara dos Deputados mergulhou na mediocridade. Vive hoje de manobras para se livrar da Lava Jato e chantagear o Executivo. Não se sabe quantos são os parlamentares que perdem o sono só para cogitarem da própria reeleição, mas suspeita-se que o número seja grande. São eles que lutam por uma “reforma política” que beira a obscenidade, que não só traz de volta a figura questionadíssima do “distritão”, que mata a proporcionalidade e dá força desproporcional aos mais conhecidos, como também propõe um Fundo Especial, dito para a “defesa da democracia”, mas na verdade concebido exclusivamente para bancar campanhas eleitorais. É uma facada no Erário Público de alguns bilhões de reais, a serem devidamente pagos pelos cidadãos. O objetivo é substituir o que os candidatos deveriam fazer diuturnamente — qual seja, procurar os eleitores e conquistá-los para que os ajudem em suas campanhas — pelas facilidades do financiamento estatal, que em tese permitiria que eleitores fossem seduzidos pelo marketing eleitoral. Uma imoralidade, que não ajuda a que se criem partidos, correntes de opinião, nichos de vida política.

O problema da política só pode ser resolvido mediante um novo pacto entre povo e políticos: o povo se dispondo a apoiar (com votos e dinheiro) os bons partidos e seus parlamentares, com a garantia mínima de que receberá em troca algo de substantivo em vez de promessas vãs, trejeitos apelativos e manifestações posticas de indignação e combatividade. O pacto vigente esgarçou.

Não dá para continuar assim. É um risco grande demais.

As sirenes dispararam, como se estivéssemos na iminência de um bombardeiro aéreo. Mas poucos ouvem. Os que deveriam agir fingem-se de mortos, repetem caminhos dantes trilhados, temem o que possa ter cheiro de novo, seguem pragmaticamente em frente sem se darem conta de que caminham para um buraco mais fundo. O panorama visto da janela de casa já fornece todos os indícios de que está em marcha um comprometimento não consciente do futuro. O mote “esgotou-se o modelo, precisamos fazer alguma coisa” reflete a exasperação, mas não é o que melhor aconselha.

Como mudanças sérias não estão à vista e terão de ser costuradas, o jeito é aprender a viver no risco e tentar manejá-lo com um mínimo de sensatez. Buscar pontes e coordenações de novo tipo, dosar energias, rever atitudes e convicções, calibrar o discurso, catar os cacos do que sobrou, desradicalizar e despolarizar, valorizar convergências e entendimentos. Há iniciativas ganhando corpo, grupos tentando se articular. Ainda não se sabe bem em torno de quais estratégias, com quais programas e com quais lideranças que “fulanizem” e deem fisionomia ao processo. Mas algo se move e em algum momento produzirá resultados.

A crise não se deve ao governo em sentido estrito, ao Poder Executivo. Michel Temer, seu ministério e suas práticas merecem toda a crítica que lhe têm sido feita. Por mais que existam em seu interior pessoas ilibadas e bons propósitos, o conjunto da obra é ruim, muito ruim. Não nos ajuda antever algo risonho à frente. Mas é inócuo ficar gritando contra sua “ilegitimidade”, seu espírito “golpista” ou seu “reformismo de direita”, coisas que de resto são discutíveis. Ele é só parte do problema, e não a parte principal. A crise envolve tudo o que respira na política nacional: parlamentares, juízes, procuradores, partidos, sindicatos, intelectuais, ativistas.

É esse conjunto — ou seja, “nós” — que precisa ser responsabilizado e que deveria se responsabilizar a si próprio, saindo das respectivas zonas de conforto em que repousam seus inúmeros pedaços.

 


Luiz Carlos Azedo: A gaiola dos perus

O que mais assusta os deputados é a proposta de “distritão”, uma velha tese do presidente Michel Temer, ressuscitada pelo relator da reforma, deputado Vicente Cândido (PT-SP)

Por causa da reforma política, o clima na Câmara ontem era de gaiolas de perus às vésperas da ceia de Natal. A algazarra era grande porque a proposta de mudança das regras do jogo nas eleições — do atual sistema proporcional uninominal para não se sabe ainda qual o modelo — pôs em risco a sobrevivência de muitos, principalmente os que conquistaram seus mandatos graças aos votos da respectiva legenda. O que mais assusta os deputados é a proposta de “distritão”, uma velha tese do presidente Michel Temer, ressuscitada pelo relator da reforma, deputado Vicente Cândido (PT-SP), que virou uma espécie de magarefe dos colegas. O “distritão” consiste na eleição dos deputados mais votados de cada estado, não importa a votação dada aos demais candidatos de cada partido. Foi aprovado na comissão especial por 17 a 15 e agora vai a debate em plenário.

O sistema só existe em quatro países: Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn. Teoricamente, beneficiaria os campeões de votos e acabaria com o que é considerado por muitos como a uma grande distorção, a eleição de deputados graças à proporcionalidade da distribuição de cadeiras entre as legendas, de acordo com a ordem de votação em cada partido. Isso faz com que campeões de votos, em alguns estados, não consigam uma cadeira porque seu partido não alcançou a votação necessária, enquanto outros deputados são eleitos com votação irrisória beneficiados pelo voto de legenda. Isso faz com “puxadores” de legenda, como Tiririca (PR-SP), por exemplo, carreguem com a sua votação deputados menos votados do que os que não passaram a linha de corte da proporcionalidade entre as legendas.

A proposta caiu como uma bomba na comissão especial da reforma, que se reuniu ontem. É resultado de um acordo entre os caciques do PMDB, PSDB e DEM, que tentam blindar as legendas do desgaste da Operação Lava-Jato, mas o PT roeu a corda e, de olho nas alianças de 2018, resolveu liderar a reação contrária à proposta, que inviabilizaria os pequenos partidos de esquerda e outras legendas menores. “Nós já contamos com 200 deputados e vamos chegar a 250”, anunciou o líder da Minoria, deputado José Guimarães (PT-CE).

Na base do governo, a reação negativa também é grande. O líder do PPS, Arnaldo Jordy, também anunciou que a bancada é contra o “distritão”. Até mesmo dentro do PMDB, PSDB e DEM, há deputados que veem a proposta como uma ameaça eleitoral. Com isso, cresce a possibilidade de permanência do sistema atual, que tem sobrevivido a todas as tentativas de reformá-lo, com o fim das coligações e a cláusula de barreira. Outra possibilidade é a adoção do sistema distrital misto, no qual uma parte dos deputados é eleita pelos critérios atuais e a outra, pelo distrito eleitoral.

Passando do habitat das aves para o dos mamíferos, a alegria dos deputados tem o pomposo nome de Fundo Especial de Financiamento da Democracia, com ampla aceitação. O aumento do fundo partidário para 0,5% da receita corrente líquida da União, o que corresponderia hoje a cerca de R$ 3,6 bilhões, é como perguntar a macaco se quer banana. Com o fim do financiamento privado, a cobiça dos deputados em relação a esses recursos gerou uma espécie de leilão na Câmara, pois a divisão do fundo partidário é feita entre os partidos de acordo com o número de integrantes de cada bancada. Com isso, cada deputado valeria R$ 7,01 milhões. A conversa de bastidor na reforma política, por causa da janela para troca de partido que será aberta, na maioria dos casos, é na base de quanto cada um vai levar do botim ao entrar ou mesmo ficar em cada legenda. A orientação programática das siglas vale muito pouco nesse tipo de conversa.

Imunidades

Atualmente, a Constituição define que o presidente da República não pode ser preso por crimes comuns enquanto não houver sentença condenatória, nem pode ser investigado por fatos anteriores ao exercício do mandato. Em caso de indício delituoso, se for denunciado, o processo no Supremo Tribunal Federal (STF) depende de prévia aprovação da Câmara. Essa regra, pelo relatório de Vicente Cândido, seria ampliada para toda a linha sucessória da Presidência da República: vice-presidente da República e presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta faz parte do conjunto de medidas que visam blindar a cúpula do Congresso contra a Lava-Jato.

A propósito, pegou mal o encontro da nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com o presidente Michel Temer na noite de terça-feira, fora da agenda oficial, para tratar da sua cerimônia de posse. Cogita-se que seja no Palácio do Planalto e não na sede do Ministério Público Federal. Até aí nada demais, pois uma das posses do atual procurador-geral, Rodrigo Janot, também foi lá, durante o governo Dilma Rousseff. O problema é que o encontro não constava da agenda da Presidência e a conversa derivou para a queda de braços entre Temer e Janot, o que desgastou a nova procuradora-geral da República entre seus colegas de MPF.


“Temer é um governante fraco”, diz Monica de Bolle

Rosana Hessel

A economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, em Washington (EUA), não tem medo de demonstrar opiniões e de criticar o atual governo e os equívocos cometidos pelo presidente Michel Temer e a equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que serão sacramentados com a mudança das metas fiscais deste ano e do próximo até o fim deste mês. Os 263 votos na Câmara dos Deputados que arquivaram a denúncia de corrupção passiva contra Temer feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) não indicam um recomeço, avalia. Para ela, as prometidas reformas ficarão a cargo do próximo presidente. “A margem estreita de 36 votos que lhe deu vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revela que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para manter-se no poder, por meio de concessões diretas e de compra de apoio de ‘aliados’”. Monica, em alguns momentos, compara os erros cometidos pelo atual governo aos praticados pelas equipes da ex-presidente Dilma Rousseff e se surpreende com a calmaria do mercado, porque nada mudará até 2018 do ponto de vista fiscal. “O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora, os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva”, alerta. “Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder”, afirma a economista, que acredita que o Brasil ainda tem jeito. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Correio:

Como o governo vai conduzir as reformas após o resultado da votação da denúncia da PGR contra Temer?
O governo saiu da votação da denúncia anunciando que, agora, o Brasil terá a chance de um “recomeço”. Contudo, a retórica não tem sustentação política ou econômica. A margem estreita de 36 votos que lhe deu a vitória, combinada com as rachaduras do PSDB, revelam que a batalha pela reforma da Previdência será sangrenta, caso o governo deseje mesmo peitá-la. Temer gastou imenso capital político para se manter no poder, além das concessões diretas e compra de apoio de ‘aliados’. Em razão do altíssimo custo pago para evitar a remoção, as metas fiscais de 2017 estão comprometidas, como Meirelles já deu a entender. Portanto, o Brasil provavelmente ficará sem as reformas na forma que foram prometidas, e sem ajuste fiscal, ainda que tenha elevado impostos — algo que dissera que não faria.

 

Qual é o custo da operação orquestrada pelo governo para não deixar o poder? A mudança da meta fiscal é inevitável?
Aumentou sobremaneira o risco de descumprimento da meta. Pelo visto, ficará para o próximo governo, após 2018, a dura tarefa da consolidação fiscal, além da agenda de reformas. Como não temos ideia do que sairá das urnas no ano que vem, surpreende-me a calmaria dos mercados. O quadro externo tem ajudado, mas, em alguma hora os temores de descontrole fiscal que vimos em 2015 retornarão com força expressiva.

 

Há um embate dentro do governo por mudanças na meta deste ano e do próximo. Como os investidores reagirão a isso?
Por ora, dizem que ‘está no preço’. Contudo, acho difícil acreditar que mudanças na meta, somadas à incerteza política relativa ao ano que vem, ajudarão a sustentar a fleuma que hoje caracteriza o comportamento dos mercados.

 

A crise política não dá trégua, mas, a economia indica que está saindo do atoleiro. Dá para esperar crescimento econômico consistente este ano?
A retomada sem reformas ou ajuste fiscal não tem sustentação. É até possível algum crescimento este ano — bem abaixo de 1% — e no ano que vem, mas se trata de voo de galinha sem o respaldo de tudo o que o governo Temer havia prometido antes da realidade solapá-lo no porão do Palácio do Jaburu. O resultado da Câmara muda um pouco, pois acentuou a deterioração fiscal. Pergunto-me o que acontecerá com o teto dos gastos em futuro não tão distante. Como ficarão as coisas para o próximo governo? Está parecendo que herdarão de Temer uma brutal crise fiscal.

 

A equipe econômica assumiu com o selo de excelência do mercado, mas tem repetido erros das equipes de Dilma Rousseff. Não está conseguindo entregar o ajuste fiscal que prometeu e recorre ao caminho mais fácil, o aumento de impostos. Como a senhora avalia isso?
A equipe econômica não é dona de seu destino é está sujeita às vicissitudes da política. Tenho dito isso há meses, desde a discussão e aprovação afoitas do teto de gastos. Não me surpreende que as semelhanças com o fim do governo Dilma tenham começado a surgir. Afinal, quem determina a viabilidade política das reformas e do ajuste é o ocupante do Planalto. A ele interessa proteger-se de acusações mantendo-se no poder. Não é prioridade melhorar de fato as perspectivas do país.

 

A máquina pública está a ponto de entrar em colapso, mas o governo deu aumentos generosos a servidores públicos. A situação pode sair do controle?
Pode, sem dúvida alguma. Temer é um governante fraco, que sangrará até sair do cargo. Temo que, se ele ficar até 2018, o estrago fiscal será considerável. E, já não adianta querer pôr tudo na conta de Dilma. A conta será dele e daqueles que a ele se associaram.

O governo fala em austeridade fiscal, mas, em busca de apoio, liberou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares desde o início de junho. Dá para acreditar no compromisso com o ajuste fiscal?
Estamos no vale tudo e no salve-se quem puder. Nesse contexto, não há ajuste fiscal possível.

 

Há divergências entre os integrantes da equipe econômica. Até que ponto a guerra entre Meirelles, de um lado, e Dyogo Oliveira e Romero Jucá, de outro, pode minar a confiança na política econômica?
As rachaduras refletem as pressões políticas que tendem a prevalecer. A aparente ingenuidade dos que não querem enxergar isso é espantosa.

 

Os cortes de gastos são suficientes para o cumprimento das metas fiscais ou os brasileiros terão de conviver com mais aumentos de impostos?
Os cortes de gastos sem uma profunda e cuidadosa reforma da Previdência não serão suficientes para reverter o desmazelo das contas públicas. Desde o início do governo Temer, já havia dito que o foco nas reformas de médio prazo não era suficiente, que era também necessário o ajuste de curto prazo. Não houve ajuste de curto prazo — ao contrário, os gastos aumentaram antes e depois do episódio no porão do Jaburu. Portanto, com o aumento das despesas e a deterioração da arrecadação agravada pela crise econômica, o único jeito de fazer um ajuste de curto prazo é via aumento de impostos. Na verdade, o governo deveria estar discutindo a reversão completa das desonerações da era Dilma — mas isso levaria atuais “aliados” a abandonarem Temer.

 

Com tanto deficit primário consecutivo desde 2014, para onde vai a dívida pública? Existe risco real de o país ficar insolvente?
O próximo governo haverá de herdar situação fiscal para lá de indigesta. A dívida pública deve alcançar patamar próximo aos 80% do PIB até o fim do ano que vem, sem qualquer perspectiva de reversão. Ou seja, do jeito que estamos hoje, caminhamos para algum tipo de crise fiscal no pós-Temer. Evitar que isso aconteça exigiria do governo tudo o que ele não está disposto a fazer: reverter os aumentos de salário do funcionalismo público, congelar emendas parlamentares, acabar com as desonerações da era Dilma. Além, é claro, de conseguir a proeza de passar uma reforma da Previdência abrangente no Congresso.

 

O governo considera fatiar a reforma. Quais os riscos desse fatiamento para o equilíbrio fiscal?
Não sei se haverá reforma alguma, mas supondo que seja fatiada, é quase o mesmo que não fazer nada. Claro que aprovar uma idade mínima para a aposentadoria é importante, mas os problemas fiscais são tão grandes que isso trará pouco alívio.

 

Quais os riscos de a dominância fiscal retornar? Aliás, ela foi dissipada?
A dominância fiscal está dormente, sobretudo, por causa da recessão brutal pela qual ainda atravessa o país. Alguma hora, entretanto, ela tornará a aparecer quando ficar mais visível a insustentabilidade fiscal brasileira. Temer nada fez para mudar o quadro que assombrava o Brasil em 2015, mas os mercados se acalmaram acreditando que a equipe econômica seria capaz de controlar aquilo que, no fundo, era incontrolável: o instinto de autoproteção e sobrevivência dos políticos.

 

O Banco Central cortou os juros em mais um ponto percentual, para 9,25% ao ano. A taxa básica pode cair mais um ponto na próxima reunião do Copom. Diante do forte recuo da inflação, o BC atrasou demais o alívio monetário? O BC está sendo conservador em excesso?
Sim, o Banco Central ficou demasiado atrasado. Contudo, o papel do BC hoje é bem menos relevante do que já foi. Diante da gravidade da recessão e dos imensos desajustes fiscais brasileiros, a política monetária é mera coadjuvante. Ainda que o BC decidisse abandonar o excesso de conservadorismo, não seria ele o salvador da Pátria, não mudaria em quase nada o quadro que enfrentaremos pela frente. Essa irrelevância me parece única na história econômica recente brasileira. Não deixa de ser uma faceta da dominância fiscal.

 

A senhora acredita em outras denúncias contra Temer? Trabalha com alguma mudança no comando do país? O que significaria para a economia a substituição de Michel Temer por Rodrigo Maia?
Por ora, acho mais plausível o cenário em que Temer só sai depois das eleições, o que significa que entregará para o próximo governo não só parte da herança maldita da antecessora de quem foi vice, mas a sua própria, resultante das articulações para permanecer no cargo.

 

O mercado financeiro tem mostrado certa tranquilidade em relação à crise política. Por que não vemos sinais de pânico entre os investidores? Nem as dificuldades na área fiscal estão mexendo tanto com os preços ativos. Qual é a interpretação dos agentes sobre a crise política?
Por enquanto, parece que estão convencidos de que existe um descolamento entre a crise política e a economia, hipótese que creio estar equivocada. Imagino que a situação mude quando os riscos fiscais ficarem mais claros à frente.

 

Qual é a avaliação dos investidores estrangeiros em relação à crise política e a economia?
Para o investidor estrangeiro, o Brasil é lugar para especular e para comprar um ou outro ativo barato. De resto, estão mais interessados nas reviravoltas da Casa Branca e do Congresso norte-americano, na agenda legislativa daqui dos EUA, do que no Brasil.

 

O país perdeu todos os bondes da história para poder virar um país realmente desenvolvido? Estamos condenados a sermos um país de renda média baixa?
Não acho que estejamos condenados a nada. Há chance de o Brasil voltar a crescer, de melhorar a produtividade, de passar reformas importantes. Para que isso aconteça, é preciso que o que aí está se vá — isso ocorrerá naturalmente em 2018. É preciso, também, que a sociedade se mobilize para exigir dos políticos que venham a eleger em 2018 — espero que tenhamos ampla renovação no Congresso — uma agenda de políticas públicas que revelem real compromisso com o futuro do país, não com seus umbigos. Depois do imenso sofrimento dos últimos anos, não acho que seja ingenuidade pensar assim. Mas, vamos ver o que acontece nas urnas.

 

No livro Como matar a borboleta azul, a senhora faz uma analogia ao governo Dilma e como ela conseguiu destruir a saúde das contas públicas com medidas equivocadas, que levaram o país à recessão. Olhando para o governo Temer, que borboleta azul ele está matando?
A metáfora do meu livro é em relação ao crescimento e como se mata a capacidade de um país crescer fazendo coisas em tese bem intencionadas, porém que acabam por ter efeitos horrorosos. E foram essas coisas que mataram o crescimento no Brasil durante os anos Dilma: as políticas de campeões nacionais, o desinteresse pelo controle fiscal, o aumento desenfreado do crédito público, as desonerações tributárias, a ideia de que se podia tolerar um pouco mais de inflação para ter mais crescimento. No fim do livro, há um capítulo que pergunta se os morcegos seriam capazes de ressuscitar a borboleta do crescimento, referência ao recém-empossado Temer. Mas, passado um ano e pouco de governo, dá para dizer que ainda não houve ressurreição. O morcego não conseguiu ressuscitar nada e está matando o crescimento de uma forma muito pior, porque os deficits primários das contas públicas estão maiores do que antes e há um risco considerável de a meta fiscal não ser cumprida. Temer não fez nenhuma das reformas prometidas. A trabalhista que passou foi uma promessa parcialmente cumprida. A fiscal não foi feita porque o teto do gasto não é reforma. A da Previdência não deve passar. Está tudo montado para que a bomba fiscal exploda no colo do próximo governo. Essa bomba não pode ser colocada apenas na conta da Dilma, uma parte é do vice dela, que assumiu o poder e não está cumprindo o que prometeu fazer, deixou as promessas de lado para continuar no poder.

 

Diante desse quadro nada animador, a senhora acha que o Brasil tem jeito? É possível ser otimista?
Apesar de tudo, acredito que o país tem jeito. Prefiro pensar em coisas positivas para parar um pouco com essa negatividade de só falar de coisa ruim. É preciso uma mudança de mentalidade não só dos políticos e dos governantes, mas da sociedade também. Ela precisa se engajar no processo de eleger novas pessoas para o Congresso e para a Presidência nas eleições de 2018. Essa é uma chance de dar um reboot no Brasil, ainda que o país enfrente os problemas que estão aí. É preciso escolher um novo governo razoável, que saiba se articular e comunicar para a sociedade quais são os verdadeiros problemas que precisam ser enfrentados. Assim, as pessoas vão entender que a situação é muito ruim e não dá para fazer mágica. Certas reformas precisam ser profundas e abrangentes. E cabe àqueles que querem concorrer mostrar propostas sérias, apesar de haver muitos oportunistas. Em razão dos oportunistas, é preciso explicar de forma bem clara quais são os problemas e como eles precisam ser enfrentados. Tem gente que não vai querer perder benefícios ou privilégios, mas isso será inevitável. E a sociedade precisará avaliar as prioridades. Tenho esperança de que as pessoas estão preparadas para enfrentar esse desafio desde que seja na mão de um governo confiável, um governo eleito, não herdado. A lição do governo Temer é que nada se faz nas mãos de quem não tem crédito algum, pois, além de não ter sido eleito, está sob suspeita — durante o mandato — de ter se envolvido no que não devia. Temer não é Itamar. Tampouco é Sarney.

*Rosana Hessel é jornalista


Temer joga com as brancas

Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo, João Doria,  pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão

O encontro de ontem do presidente Michel Temer (PMDB) com o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), para sacramentar a transferência de parte da área do Aeroporto Campo de Marte, na Zona Norte da capital paulista, foi mais do que um ato administrativo. Como quem joga com as brancas, Temer mexeu a primeira peça do tabuleiro do xadrez da própria sucessão. “Tenho orgulho de me equiparar às atitudes de João Doria para que nós tomássemos atitudes que estavam paralisadas há muitíssimos anos (…) Isso é fruto da ideia porque tenho um parceiro e um companheiro. João não tem uma visão só municipalista, mas nacional”, disse Temer, ao transferir um terreno muito cobiçado, que será destinado a um parque municipal.

Ao dar à questão local uma dimensão nacional — afinal, trata-se apenas de um terreno destinado a um parque municipal —, Temer sinalizou para o PMDB que o prefeito de São Paulo pode ser uma alternativa para o partido na sua própria sucessão. E, com isso, começa a resolver um grande problema: a “sombra de futuro” curtíssima. O presidente da República escapou do afastamento pela Câmara dos Deputados porque a denúncia do Ministério Público Federal foi rejeitada, mas saiu do embate menor do que entrou: a base do governo diminuiu de tamanho e o desgaste político causado pelo episódio é de difícil reversão. Além disso, seu mandato durará mais 16 meses, apenas.

Com a popularidade atual, Temer não tem a menor perspectiva de fazer um sucessor filiado ao PMDB, embora existam ambições na equipe ministerial, como as do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, por exemplo. Em termos de expectativa de poder, ou arranja um candidato competitivo para sua sucessão ou em breve começará a tomar café frio, como se diz no jorgão palaciano. O lance de ontem foi uma espécie de “Abertura Réti”, jogada de xadrez que recebeu esse nome por causa de seu autor, Richard Réti, que quebrou a invencibilidade de oito anos do famoso enxadrista Capabranca, ao controlar, por antecipação, o centro do tabuleiro, com uma ação de flanco para capturar os peões adversários e dominar o jogo. Temer não economizou elogios a Doria: “Sempre agregou, sempre somou”.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, não participou da solenidade. O prefeito paulistano foi uma invenção política do tucano, mas agora criatura e criador andam se estranhando. Alckmin não moveu uma palha para demover os deputados paulistas de votarem a favor da denúncia do Ministério Público contra Temer, que agora deu o troco incensando Doria. Nos bastidores da política nacional, os dois tucanos já estão em guerra pela vaga de candidato a presidente da República pelo PSDB.

Reformas

Doria também não se fez de rogado em relação a Temer: “A parte mais difícil já passou e agora há pouco campo para fazer oposição ao governo. O PSDB tem de fazer as reformas. Agora, não é mais o caso de discutir se é contra ou a favor de Temer, mas de puxar o Brasil para a frente, porque já chega o que os partidos de esquerda puxam para baixo”, disse. E defendeu a permanência dos tucanos na equipe de governo: “O PSDB tem quatro ministros muito bons que atuam no governo com muita eficiência, com destreza, são prestigiados, e, a meu ver, podem continuar o seu trabalho onde estão. E entendo também que o PSDB é um grande partido, composto por boas cabeças, que emitem suas opiniões nem sempre coincidentes.”

Além de se reposicionar em São Paulo, cuja política conhece bem, Temer neutraliza um pouco o protagonismo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que passou a ser o polo decisivo para aprovação das reformas e a própria estabilidade do governo, conforme ficou claro na votação da denúncia. Maia é hoje o principal fiador da aprovação das reformas política, previdenciária e tributária, quando nada porque manda na pauta da Casa que lidera. Ao lado do prefeito de Salvador, ACM Neto, Maia opera para resgatar o antigo poderio do DEM, incorporando à legenda os dissidentes do PSB e de outros partidos que votaram com Temer.


Base aliada de Temer encolhe 40% depois da delação da JBS

O presidente Michel Temer conta hoje na Câmara dos Deputados com uma base de apoio real de cerca de 260 deputados, o que representa uma queda de quase 40% em relação ao que ele tinha nos primeiros meses deste ano, antes de vir à tona a delação da JBS.

Até o escândalo, que resultou em uma denúncia sob acusação de corrupção passiva contra o peemedebista, a sua base contava com 20 partidos que, juntos, têm 416 dos 513 deputados federais.

Entre a divulgação da gravação da conversa de Joesley Batista com o presidente e a votação da denúncia pela Câmara na quarta-feira (2), quatro partidos anunciaram o desembarque do governo: PSB, Podemos, PPS e PHS.

Na sessão de quarta que barrou a tramitação da denúncia, 89 deputados de partidos governistas votaram contra Temer, em um sinal de que dificilmente continuam seguindo as orientações do Palácio do Planalto.

Com isso, a base real de Temer hoje soma 261 deputados, apenas 4 a mais do que a maioria absoluta das cadeiras da Casa (257). Esse é um número apertado inclusive para a aprovação de simples requerimentos e projetos, tendo em vista que dificilmente as sessões da Câmara contam com quorum completo.

Para aprovação de emendas à Constituição, que é o caso da reforma da Previdência, são necessários 308 votos, 47 a mais do que a base real hoje do presidente.

VARIÁVEIS
Há alguns fatores que tornam volátil essa base, tanto para cima quanto para baixo.

Na votação de projetos de interesse do governo, é preciso levar em conta o tema e outros fatores não necessariamente ligados ao fato de o deputado ser do governo ou de oposição.

Na reforma da Previdência, por exemplo, deputados do PSDB que votaram a favor da denúncia contra Temer tendem a apoiá-lo. Por outro lado, integrantes do "centrão" (siglas pequenas e médias) que apoiaram Temer são claramente contrários à reforma.

Além disso, na votação de quarta-feira, o governo prometeu verbas, cargos e outras benesses da máquina federal para obter votos. A frustração de algumas dessas promessas pode resultar em perda de apoio a projetos e à votação da provável nova denúncia a ser apresentada pela Procuradoria-Geral da República.

O "centrão", por exemplo, quer ministérios e cargos do PSDB, mas Temer reluta em desalojar os tucanos, apesar do alto índice de infidelidade na votação da denúncia.

O presidente tem apoiadores em legendas de oposição, principalmente no PSB (11 de uma bancada de 35), mas a sua base real hoje também mostra fragilidade e potencial de novas dissidências. Onze ministros reassumiram os mandatos para votar a favor de Temer. Ao regressar à Esplanada, voltam os suplentes, que tendem a votar contra o Planalto.

DISSIDENTES
O mapa da votação desta quarta mostra que, excluídos os nanicos, os principais percentuais de infidelidade na base de Temer ficaram com o PV (57%), que tem o Ministério do Meio Ambiente, o PSDB (47%), que tem quatro ministérios, entre eles o da articulação política, o Solidariedade (43%), o PSC (40%), do líder do governo no Congresso, André Moura (SE), e o PSD (37%), que tem o Ministério das Comunicações.

Os mais fiéis, proporcionalmente, foram o PMDB de Temer (10% de votos a favor da denúncia), o PTB (11%), que controla o Ministério do Trabalho, e o PP (15%), que tem Saúde e Agricultura.

No início das negociações de bastidor para barrar a denúncia, os articuladores do Planalto esperavam obter cerca de 300 votos, o que seria uma demonstração de fôlego para aprovar medidas importantes no Congresso e continuar a governar.

Tempos depois, a projeção desceu a 280 e, em seguida, a 260. Um placar de 200 apoiadores barraria a denúncia, mas seria visto como senha de que as condições de governabilidade haviam se exaurido.

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

 


A segunda chance de Temer

A vasta e pouco estruturada área democrática do país permanece na expectativa, em stand-by, sem saber o que lhe reservará o dia de amanhã

Não foi a lavada que o governo esperava, mas deu para o gasto, com alguma folga. Foram 263 votos, contra 227. Deram a Michel Temer uma segunda chance.

Conseguida na bacia das almas, a vitória do governo precisa ser relativizada. Não é daquelas que deixam o vencedor dormir o sono dos justos. A articulação que a possibilitou teve de tudo: pressão, promessas, ameaças, troca de favores, negociações, liberação de emendas. O “centrão” nadou de braçada nesse ambiente sem substância democrática e pouco republicano. O PSDB bateu cabeças o tempo todo, fiel a seu estilo desunir para perder. Desqualificou-se. O próprio PMDB não votou unido. Os Democratas de Rodrigo Maia se saíram melhor, trabalhando a boca pequena.

A oposição não caprichou no discurso, não foi persuasiva, não mostrou habilidade, deixou-se levar pelo histrionismo vazio de suas principais lideranças. Subiu no surrado pedestal da moralidade, como se não tivesse que olhar para os próprios pés e fazer sua autocrítica. Manteve a lenga-lenga de que, antes, éramos felizes e não sabíamos, sem nem sequer explicar por quais motivos Temer foi vice de Dilma por duas vezes.

Nada de novo no front. Tem sido assim de forma recorrente.

Foi um dia feio para a democracia brasileira. O governo ganhou porque não teve oposição à altura e porque soube se beneficiar da ideia pragmática e prudencial de que é melhor com Temer do que sem ele, que ao menos está “sabendo reduzir a inflação”.

O cenário mostrou uma Câmara em um de seus piores momentos, extensão daquilo que ocorreu no impeachment, em 2016. Não foi por acaso que Temer se projetou como vice de Dilma. O estrago vem lá de trás e sempre seguiu vias tortuosas, que agora cobram o preço. Tudo medíocre demais, patético demais, como se nada de muito sério estivesse em discussão. O que importava era aparecer para os eleitores, valendo-se da retórica inflamada, de caras e bocas, de apelos passionais, de juras de ódio ou amor. Até tatuagens foram feitas, ou encenadas.

Saberá Temer aproveitar a segunda chance?

Não é de esperar. Ele fez um pacto de sangue com o “centrão”, viu o grupo de Rodrigo Maia crescer em articulação, distanciou-se das correntes que poderiam emprestar alguma credibilidade, alguma dignidade programática e alguns quadros teóricos a seu governo. Não dá para acreditar que, de um dia para o outro, reformulará tudo e se reinventará. Jura que voltará a se empenhar por reformas, mas não mostra ter forças ou votos para isso. Continua a ser puxado para baixo pelo perfil rasteiro do ministério, pela mediocridade parlamentar e pelo discurso chocho do próprio Presidente.

A decisão de ontem deverá ter pouco impacto no processo político que já aponta para as urnas de 2018. Ninguém ganhou com ela.

Temer não ficará sangrando em céu aberto, ainda que parte de suas vísceras estejam expostas. Pesará nada em sua sucessão, com poder zero para influenciá-la. Há uma interrogação flutuando sobre ele: como chegará até o fim? Lula tem imensos problemas e até os passarinhos do Planalto sabem que sua eventual candidatura é mais um problema que uma solução, inclusive para ele próprio. Bolsonaro segue em busca de um partido e de uma plataforma civilizada, fazendo o possível para cortejar a direita, os ressentidos e os incautos. Tucanos estão em revoada, sem saber em que galho pousar. E Marina está, por enquanto, em fase de aquecimento.

A vasta e pouco estruturada área democrática do país permanece na expectativa, em stand-by, sem saber o que lhe reservará o dia de amanhã.