Temer

Denis Lerrer Rosenfield: O impasse

Analisando o cenário político, torna- se inevitável utilizar conceitos militares: a elite da classe política está sendo dizimada. Os mais importantes partidos estão envolvidos nas delações agora vazadas e tornadas públicas. PT, PMDB, PSDB, PRB, PP e outros foram delatados, em depoimentos bastante verossímeis, cujas provas serão logo apresentadas.

Ex-presidentes entraram também na lista, com grande destaque para Lula e Dilma Rousseff. O primeiro terá pouquíssimas chances de ser candidato novamente, apesar de sua demagogia e da estridente defesa de seus advogados, diretos ou indiretos. Oito ministros do presidente Michel Temer foram acusados, levantando uma pesada sombra sobre seu governo. Seu afastamento da sociedade tende a aumentar se mantiver o status quo. Um terço do Senado foi acusado, bem como expressivo número de deputados, embora proporcionalmente menor.

Como pode um país seguir adiante com tal falta de representatividade de sua classe política? A sociedade não se reconhece em seu governo nem em seus parlamentares. Na verdade, nem os considera “seus”, mas deles mesmos, por estarem envolvidos na corrupção, agindo de costas e à revelia do conjunto da Nação. Desconhecem o significado de bem coletivo, do que é a coisa pública.

É bem verdade que estamos na etapa de abertura de inquéritos, ainda vai ser decidido quem é culpado ou inocente. Não se pode prejulgar juridicamente o desenlace das denúncias e dos posteriores julgamentos. Todavia a defesa dos envolvidos é por demais precária, todos repetem o mesmo mantra de que são inocentes ou ainda não foram julgados… Poucos se voltam para o real esclarecimento dos fatos que os incriminam.

Um olhar desavisado levaria a acreditar que todos são santos e os delatores, mentirosos, como se estes não corressem o risco de perder os benefícios da colaboração premiada se não respeitarem a verdade. Os políticos só aumentam a sua falta de credibilidade. Não transmitem confiança à sociedade. E assim propiciam um julgamento político, irreversível, de que são culpados. Seriam péssimos atores. A sociedade clama por mudanças e reafirma com força a moralidade pública, valor que ela percebe como inexistente em nossos governantes e representantes.

Acontece que o País não pode parar. Se o fizer, acoplar-se-á a essa enorme crise política, agravando a crise econômica e social, isso quando começamos a observar certas tendências que estão revertendo a curva no que diz respeito a inflação, PIB, investimento e desemprego. Tudo é ainda muito incipiente, continuando tributário das turbulências políticas. Em pouco tempo o novo governo muito fez na área socioeconômica, embora pouco tenha apresentado no quesito da moralidade pública. Vivemos um impasse que se pode traduzir tanto num avanço quanto numa reversão das expectativas.

As reformas aprovadas pelo governo Temer, como as do teto do gasto público e da terceirização, são estruturantes no que diz respeito ao presente e ao futuro do País. Devem ser necessariamente complementadas pelas da Previdência e da modernização da legislação trabalhista. Se estas não forem feitas por causa da crise política, não só o governo se fragiliza, como o País terá sérios problemas, ainda mais agudos, nos próximos anos. E qualquer que seja o próximo presidente, de “esquerda” ou de “direita”, terá inevitavelmente de enfrentar essas questões. Melhor fazê-lo agora, pois seu custo será menor; caso contrário vai aumentando com o correr do tempo e com a inércia governamental, política e partidária. O resto é mera encenação demagógica.

Dentre os sérios problemas do atual governo está o seu déficit de comunicação, pois não tem conseguido transmitir à sociedade a necessidade dessas mudanças. Termina se consolidando na opinião pública a ideia de que elas ferem “direitos” e seriam de natureza “neoliberal”. Os eleitores, capturados pela desinformação, exigem de seus parlamentares, por exemplo, que votem contra a reforma da Previdência. Tal discurso acaba por disseminar essa percepção, como se tudo dependesse de vontade política na distribuição dos recursos públicos.

Na perspectiva da esquerda e de uma direita irresponsável, toda a discussão passa a ser focada na estrita esfera distributiva, não levando em conta a produtiva. Discute-se a ampliação dos benefícios sociais, os ditos “direitos” das corporações, a criação de novos privilégios, e assim por diante, como se os recursos do Tesouro fossem inesgotáveis. Daí, pode vir a tornar-se encarniçada a luta entre as corporações incrustadas no Estado e o restante da população, que não goza os mesmos benefícios. Assim sendo, os dispêndios do Estado logo se tornarão muito superiores às suas receitas, levando a uma situação de insolvência que, por sua vez, aguça ainda mais os conflitos sociais.

As políticas públicas, e os partidos, deveriam estar mais voltados para as condições de produção de riquezas, de tal modo que os recursos à disposição do Estado possam também aumentar. Quanto mais rica for a sociedade, maior será a sua capacidade distributiva. Quanto mais insistir num distributivismo social sem amparo produtivo, menor será a sua própria capacidade distributiva, além de hipotecar a riqueza presente e a futura. Criam-se, dessa forma, condições de asfixia da capacidade produtiva, que seriam concretizadas por aumentos de impostos e contribuições voltadas para financiar os déficits previdenciários.

O Estado de bem-estar, também dito previdenciário, deve enfrentar o problema de financiamento da sua Previdência, uma vez que o seu crescimento exponencial não cabe mais dentro de suas disponibilidades de financiamento. Não se trata, como se alardeia, de um problema de “direitos”, mas de como o Estado é capaz de gerir os seus recursos. O bolo é limitado. Uma fatia maior para a Previdência significa fatias menores para saúde, saneamento, educação e habitação.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo – 17/04/2017

Foto: Antonio Cruz/EBC


Luiz Carlos Azedo: Primeira fissura

Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado faz o processo dar um largo passo atrás

 

 

Surgem as primeiras grandes fissuras na base do governo Temer, a principal delas no Senado, encabeçada pelo líder da bancada do PMDB, Renan Calheiros (AL), que assumiu uma clara dissidência em relação à orientação do governo. Renan é um sobrevivente de todos os governos, desde o de Fernando Collor, que o revelou para a política nacional. É um ás da baldeação: carregou o caixão de Dilma Rousseff até a porta do cemitério. Considerado um dos melhores estrategistas do Senado, ao lado de Jader Barbalho (PMDB-PA), que atua na surdina, seu desembarque do governo é iminente e perigoso.

Na manhã de ontem, Renan criticou mais uma vez a condução dada ao país pelo presidente Temer, o qual acusou de não ouvir ninguém, o que não é verdade. O presidente da República ouve pelo menos três integrantes da equipe de governo, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria de Governo, Moreira Franco, além de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e Romero Jucá, presidente do PMDB e líder do governo, que disputa influência no Senado com o líder da bancada.

Renan fez ontem uma comparação de Temer com a ex-presidente Dilma: “E a impressão de agora, com o presidente Michel, é que com essa política econômica, com esse aumento de imposto, com essa renegação da folha, com tudo isso, parece que, diferentemente da Dilma, que não sabia o que fazer, o Michel não tem o que fazer. E isso é pior para o Brasil”, disparou. E voltou a atacar a reforma da Previdência: “Uma reforma da banca, querendo arrecadar R$ 780 bilhões em 10 anos. Tem que fazer uma reforma da Previdência ideal”.

Ao atacar a política econômica deu uma pista do verdadeiro alvo: “O governo está errando ao querer resolver a crise econômica, colocar a inflação na meta com mais recessão. Isso é um horror. Isso vai levar o país, em um curtíssimo espaço de tempo, infelizmente, a uma crise maior”. O problema de Renan é a negociação da dívida dos estados, em apreciação na Câmara, que está sendo conduzida pelo ministro da Fazenda. Quer flexibilizar o acordo com os estados para favorecer o governo de Renan Calheiros Filho (PMDB), em Alagoas, candidato à reeleição junto com o pai.

Outro ator importante no jogo parece se manter ao largo da disputa, o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que tem boas relações com Temer, mas jamais seria eleito para o posto que ocupa sem o apoio de Renan. Eunício costuma virar uma esfinge nessas horas e esperar o vento firmar para escolher o rumo a seguir. Somente assume uma posição mais agressiva quando se sente ameaçado. Todos estão citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato, o que aumenta o estresse entre eles.

Temer já passou por muitas disputas com Renan, que inclusive tentou removê-lo da presidência do PMDB. É dispensável dizer quem foi que até agora riu por último. Quando parecia na iminência de ser derrotado dentro da legenda, Temer fez um acordo com os deputados do PT, foi eleito presidente da Câmara e, depois, vice-presidente da República na chapa de Dilma Rousseff, em 2010. Hoje, é o presidente da República, depois de romper com Dilma Rousseff e atrair o apoio de Renan.

A recidiva dessa velha disputa, porém, pode desestabilizar o governo. Renan tem poder para emparedar as reformas que forem aprovadas na Câmara. A simples alteração pelo Senado do que foi aprovado pelos deputados faz o processo dar um largo passo atrás. Além disso, caso Renan consiga manter a bancada de senadores do PMDB coesa, dificilmente isso não dividirá a bancada de deputados. Não é à toa que o Palácio do Planalto preferiu não alimentar a polêmica. A opção foi correr com a votação do acordo das dívidas dos estados na Câmara.

A renegociação
Esse assunto vem se arrastando desde o ano passado, quando os deputados retiraram as contrapartidas do projeto original do Ministério da Fazenda, sob forte pressão dos governadores. Temer enviou um novo texto para socorrer os estados em situação mais dramática, principalmente Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. Há duas semanas, uma batalha surda se desenvolve entre a equipe econômica e base do governo na Câmara para votar o projeto.

Para renegociar as dívidas, a Fazenda quer que o acordo autorize a privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento para quitar dívidas, como já aconteceu com a Cedae, no Rio de Janeiro; que eleve a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores estaduais; e que reduza incentivos ou benefícios tributários. Tudo enguiça na hora em que o acordo proíbe estados de conceder vantagem, aumento, reajuste ou adequação de salários a servidores; criar cargos ou funções que impliquem aumento de despesa; alterar a estrutura de carreira que gere aumento de gastos; realizar concurso público, ressalvadas hipóteses de reposição de cargos vagos; criar ou aumentar auxílios, vantagens, bônus, abonos ou benefícios de qualquer natureza. São matérias indigestas para candidatos ao Senado e governadores candidatos à reeleição.

 


Temer e Moreira Franco

Luiz Carlos Azedo: Presidente sem estado-maior

Publicado no Correio Braziliense em 02/03/2017

Um velho princípio militar diz que a tropa de assalto não serve para manter a ocupação. É mais ou menos essa a situação

O presidente Michel Temer foi protagonista de sua chegada ao poder, mas não é dono das circunstâncias em que governa. Elas foram favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas continuam sendo desfavoráveis ao ato de governar. Temer é prisioneiro das circunstâncias que o fizeram chegar ao Palácio do Planalto, assim como seus parceiros políticos que apearam Dilma e o PT do poder.

Temer herdou a impopularidade do governo do qual já fazia parte, mas não consegue revertê-la por três razões: primeiro, enfrenta uma oposição implacável; segundo, os problemas têm envergadura maior do que o tempo de que dispõe para resolvê-los; terceiro, não tem um estado-maior capaz de enfrentar essas duas questões e otimizar as possibilidades reais de melhorar a vida das pessoas.

Essa é uma situação recorrente nos governos da América Latina, muito bem retratada no livro O líder sem estado-maior (Fundap, São Paulo, 2000), de autoria do ex-ministro do Planejamento do governo Allende Carlos Matus — escrito na famosa Isla Negra, cantada em versos por Pablo Neruda, no Chile, em agosto de 1996. É uma reflexão sobre os atos e responsabilidades dos governantes, nos quais a racionalidade deve levar em conta as emoções sociais ao pensar, planejar e agir estrategicamente e avaliar as consequências antes de decidir. No pensamento de Matus, são muitas as remissões autocríticas à crise política e de governo que resultou no golpe de Pinochet e na morte de Allende, mas não somente: o economista critica o modus operandi dos palácios de governo e gabinetes presidenciais latino-americanos em geral.

É antológica a parábola da “jaula de cristal”: o líder isolado, prisioneiro da corte “que controla os acessos à sua importante personalidade”. O presidente sem “vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário, não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo”. Temer é um líder sem estado-maior. Um velho princípio militar diz que a tropa de assalto não serve para manter a ocupação. É mais ou menos essa a situação. Não, necessariamente, por uma questão de habilidade política ou experiência administrativa.

Seu estado-maior não era nenhuma Brastemp, mas tinha capacidade ofensiva e força política no Congresso. Entretanto, foi implodido pela Operação Lava-Jato. Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), Romero Jucá (Planejamento) e, agora, Eliseu Padilha (Casa Civil), licenciado, deixaram o governo. Restou Moreira Franco (ex-Parceria de Investimento), que foi blindado ao assumir a Secretaria-Geral da Presidência. Não caiu com o barulho da bala, mas isso não significa que tenha o corpo fechado. Ninguém tem no Palácio do Planalto, nem mesmo o presidente peemedebista, enquanto não for absolvido no processo impetrado pelo PSDB que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Campanha

Quanta ironia! É o PSDB que pode reforçar o estado-maior de Temer, melhorando as condições de governança de sua administração, mas a ação está chegando perto do julgamento e os depoimentos dos delatores da Operação Lava-Jato, principalmente o de Marcelo Odebrecht, podem fragilizar ainda mais a situação do governo.A estratégia de Temer é mudar a agenda do governo da crise ética para a retomada do crescimento. E descentralizar as tarefas políticas, delegando a ministros de fora da cozinha e parlamentares de sua confiança a missão de aprovar as reformas da Previdência e trabalhista no Congresso. Ambas são consideradas a missão histórica do seu governo de transição.

Mas a que preço? Essa é a grande interrogação. O teste de força entre a base parlamentar e a oposição das corporações será decisivo para o futuro do governo e da economia. Enquanto o país vive esse impasse, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva põe sua campanha na rua, com as palavras de ordem “Fora, Temer! ” e “Diretas, já! ” (o que é inconstitucional) e culpa o governo de transição pela crise econômica, que, na verdade, foi causada pela política equivocada de seu próprio governo e do de Dilma. Lula se vitimiza na tentativa de escapar da Operação Lava-Jato, que pode cassar seus direitos políticos e tirá-lo da disputa presidencial. Pretende, nesse caso, ser o grande eleitor de 2018, mesmo que esteja eventualmente na cadeia.


Luiz Carlos Azedo: O pior governo…

Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro

O governo Temer aprovou praticamente tudo o que quis no Congresso, e recuperou o controle das finanças públicas. Os sinais da economia são positivos, pois a inflação entrou numa espiral descendente significativa. Mas está perdendo o controle de segurança pública, cuja responsabilidade principal é dos estados. Depois da crise dos presídios do Maranhão, Amazonas e Roraima, depara-se agora com uma grave crise no Espírito Santo. O jurista italiano Norberto Bobbio dizia que todo governo, mesmo o pior, é a forma mais concentrada de poder. Quando nada nele funciona, as tarefas essenciais do Estado são mantidas: arrecadar, normatizar e coagir. Quando um governo perde a capacidade de manter a ordem pública, deixa de ser um governo ruim para ser desgoverno. É o que está acontecendo no Espírito Santo e pode se generalizar.

É paradoxal a situação capixaba (cujo governo aparentemente fez o dever de casa fiscal), que ameaça se alastrar para o Rio de Janeiro (cujo governo faliu ética e financeiramente), onde uma greve da PM teria consequências, digamos, “iraquianas”. Não é a primeira vez que policiais militares se amotinam, isso aconteceu nos governos FHC e Lula, mas é a primeira vez que o Exército, a Marinha, a Aeronáutica e a Força Nacional intervêm num estado, como agora, e não acontece nada. Os amotinados continuam aquartelados, embora 600 militares já tenham voltado a trabalhar. Já passou a hora de entrar no quartel-general da Polícia Militar do Espírito Santo, em Maruípe, para restabelecer a disciplina da tropa.

A negociação é conduzida pelas autoridades estaduais, que empurram a situação com a barriga porque há mais de 3 mil homens das tropas federais substituindo a PM. Estão convencidos de que uma intervenção do Exército pode resultar numa tragédia. Conversa fiada. Não existe um precedente, desde a Revolução Constitucionalista de 1932, de tropas estaduais se confrontarem com o Exército. A Constituição estabelece a subordinação hierárquica das polícias militares ao Exército, em casos excepcionais, exatamente porque a antiga Força Pública de São Paulo rivalizava com as tropas da União em poderio bélico. Não serão os militares capixabas que cometerão a loucura de patrocinar um confronto dessa espécie, ainda mais com a maioria da população revoltada com seu comportamento irresponsável e perverso.

Alguma coisa de muito estranha acontece. O governador Paulo Hartung, que reassumirá o governo amanhã, faz um discurso com começo, meio e fim, quanto ao ajuste fiscal e ao respeito à disciplina e à ordem, mas tergiversa quando fala do atual comando da Polícia Militar, que perdeu o controle da situação. O quartel-general de Maruípe continua sendo o reduto dos amotinados, que ameaçam reagir a tiros, caso o Exército disperse o grupo de mulheres que protestam à sua porta. É uma situação desmoralizante, que se alastra para vários quartéis do Rio de Janeiro.

O presidente Michel Temer determinou o envio de tropas na segunda-feira, mas manteve distância regulamentar da crise a semana toda, como todo velho político que mergulha quando a onda quebra. Somente na sexta-feira, pela primeira vez, se manifestou oficialmente. Sua nota é conciliadora, mas, se não for levada em conta — como parece que não será —, sua autoridade sairá desgastada. Ontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, desembarcou no Espírito Santo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Reuniu-se com as autoridades do governo local e depois deu uma boa entrevista. Palavras ao vento, porque o estado-maior do motim continua o faz de conta em Maruípe.

A fortuna

Uma das características de Temer é a fleuma. Maquiavel, porém, dizia que nem sempre a prudência é uma virtú. Em determinadas circunstâncias, a fortuna exige certa dose de audácia. A aposta do governo nas reformas da Previdência e trabalhista, por exemplo, são iniciativas audaciosas no terreno do combate à crise fiscal e da retomada do crescimento. Mas enfrentam reações das corporações encasteladas no Estado, entre as quais, os oficiais das polícias militares.

Essa resistência ao ajuste fiscal não existe apenas no Espírito Santo. Imaginemos que a tática das “paisanas” venha a ser adotada em todo o país, como já acontece no Rio de Janeiro, e que o comportamento das tropas também se repita, o que felizmente ainda não aconteceu. Qual será a saída para o impasse? Cada um que imagine a resposta, vamos apenas contextualizá-la: a elite política do país nunca esteve tão desgastada, com o Congresso desmoralizado e vários ministros citados nas delações premiadas da Operação Lava-Jato. O que garante o Estado democrático de direito no Brasil não são seus líderes, é o funcionamento de suas instituições políticas. A nossa elite política afronta a sociedade com atitudes e decisões voltadas exclusivamente para seus próprios interesses, num momento em que o bem comum deve falar mais alto. É aí que está o perigo de os governos serem volatilizados, como no Espírito Santo.


Fonte: blogs.correiobraziliense.com.br/azedo


Marco Aurélio Nogueira: Morte de Teori exacerba cultura da conspiração e faz crescer o imponderável

Tem muita gente que não se esforça para entender o quadro. Alguns não entendem mesmo. Outros posam de sabichões. Há quem pegue a parte pelo todo e há quem se satisfaça em pegar uma evidência isolada para transformá-la em explicação definitiva. Todos, abraçados ou não, formam uma legião de agitadores, pescadores de águas turvas, inocentes úteis e inúteis.

Assim caminha a humanidade. No Brasil, sobretudo. Não há muito o que fazer.

Nessa turma, há quem ache que Moro está lavando a alma da República e há quem o veja como o bandido da história, aquele que faz o trabalho sujo. São pessoas que não conseguem compreender a envergadura da operação – sua objetividade, sua execução “dura”, seu apoio nos fatos – e a reduzem a uma espécie de caça seletiva ao Lula. Ou a uma faxina ética geral, contra todos os políticos.

Trata-se de gente que flutua: que aplaude quando um tucano cai na rede e vaia quando a presa é um petista. Ou vice-versa.

Pessoas assim formam a linha de frente das conspirações. Fornecem o caldo de cultura de que elas necessitam, pois sempre pensam que os conspiradores estão logo ali, na primeira curva. No fundo, torcem para que suas fantasias se convertam em realidade. Querem um pouco de emoção adicional.

Não é por outro motivo que todos os que integram essa turma vejam na morte de Teori a mão suja do atentado criminoso. Nem bem se organizaram as exéquias das vítimas e sem nem dar tempo dos familiares chorarem suas perdas, uns passam a dizer que a queda do avião foi planejada por Romero Jucá, outros porque acham que aconteceu para salvar a pele do Lula. Agiram assim quando JK morreu na Dutra, quando Jango não acordou depois de ter ido dormir, quando caíram o helicóptero de Ulysses Guimarães em 1992 e o avião de Eduardo Campos em 2014. Viram as garras do demônio até mesmo no acidente da Chapecoense. E, evidentemente, na morte de Hugo Chávez.

Dá para imaginar o que seria dito se algum acidente afetasse Lula, Temer ou Alckmin. Ou Tite. Papa Francisco, Trump ou Obama.

Lembremo-nos de Dom Quixote: “yo non creo en brujas, pero que las hay, las hay”. É um erro descartar sumariamente atentados políticos: eles existem e são praticados com frequência. Tão grave quanto, é um erro esquecer que acidentes também. Falhas humanas ou técnicas, armadilhas do destino, azares do clima.

O importante é investigar e descobrir tudo, sempre, até o osso. Mas ainda mais importante é enxergar por entre a névoa e avaliar os desdobramentos: o processo.

Nisso a morte de Teori introduz um complicado fator de imponderabilidade, que não pode ser desprezado. Perde-se o homem, perde-se o juiz competente e discreto, peça-chave da Lava Jato. Uma mola escapa, desarranja o fluxo e faz crescer a confusão.

De inocentes, ingênuos e apressados o inferno está cheio.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp


Fonte: http://politica.estadao.com.br/blogs/marco-aurelio-nogueira/morte-de-teori-exacerba-cultura-da-conspiracao-e-faz-crescer-o-imponderavel/


Fernando Gabeira: Uma frente contra a barbárie

É preciso superar a tendência de culpar uns aos outros, deixar para trás o nós contra eles

A constrangedora mediocridade com que o governo respondeu aos massacres no Norte não me surpreendeu. Num artigo que escrevi aqui jogava minhas esperanças no debate entre as pessoas que reconhecem a urgência do tema. Já existem muitas ideias sobre o que fazer com o sistema carcerário em crise. Outras devem surgir. Mas o interesse social pode, pelo menos, levar o governo a uma ação mais solidária em todos os níveis. Estancar o jogo de empurra, essa irresistível tendência de lavar as mãos e jogar a culpa nos outros.

Por que Temer se interessaria pelo tema? Todos os outros presidentes se esquivaram. O fracasso do sistema carcerário atravessa a História da República. O livro de Myrian Sepúlveda dos Santos Os Porões da República conta, por exemplo, a primeira tentativa brasileira de criar uma casa correcional no Vale dos Dois Rios, na Ilha Grande. Ela trata apenas do período entre 1894 a 1945. Mas é uma história dramática. Experiências em Fernando de Noronha e em Clevelândia também são um roteiro do fracasso.

De um ponto de vista político, o sistema carcerário é um abacaxi. Parece ser insolúvel e transita num espaço muito polarizado por defensores e críticos dos direitos humanos.

O mais confortável para Temer era empurrar com a barriga, como fizeram todos. E não percebeu que tudo isso poderia estourar na mão dele. Enfim, contou com a passagem do tempo, como se a História fosse mesmo escrita com empurrões de barriga.

Esta é a diferença que deveria mobilizar Temer: estourou nas suas mãos.

O massacre em Manaus foi o episódio mais bárbaro de que ouvi falar na história dos presídios brasileiros. A descrição do que aconteceu com os mortos, feita por pessoas da própria família, é cheia de detalhes tão macabros que diante deles a decapitação até parece um ato moderado.

O massacre me fez rever algumas ideias. Tinha tendência a superestimar o trabalho de inteligência. Percebi ali que a minha visão era parcial.

Tanto as autoridades do Amazonas como Temer sabiam da crise. Em Manaus já se conhecia o plano de atacar o PCC e ele foi revelado por vários relatórios da Polícia Federal, que realizou a Operação La Muralla e golpeou profundamente a Família do Norte.

Mesmo sem saber o que se passava em cada presídio, Temer foi informado sobre a guerra das organizações criminosas dentro e fora das cadeias. Seu homem de inteligência, o general Sérgio Etchegoyen, reuniu-se com parlamentares da Comissão de Segurança e relatou a possibilidade da guerra.

Dificilmente Etchegoyen deixaria de discutir o tema, em primeiro lugar, com o próprio Temer. Talvez não soubesse apenas, como sabiam as autoridades de lá, que a primeira batalha estava por acontecer em Manaus. É outro problema típico da burocracia. Ela anuncia grandes sistemas de inteligência integrados, chega a inaugurá-los, e nada acontece.

Em tempos de WhatsApp, era possível uma troca nacional convergindo para um pequeno grupo de análise que mapearia possíveis conflitos, orientaria transferências e outras medidas preventivas.

Temer está perdendo uma grande oportunidade de trilhar um caminho que outros recusaram. No auge da crise viajou para Portugal, onde foi ao enterro de Mário Soares. No fundo, está querendo dizer: não me envolvam muito com crise carcerária, estou aflito para passar esta fase de emergência, voltar a empurrar com a barriga, tratar dos temas que realmente me interessam.

Ele poderia ter-se reunido com parlamentares, mas não quis. Os deputados da chamada bancada da bala estavam interessados. Nessas circunstâncias, mesmo sem aceitar todas as suas premissas, os deputados desse grupo são interlocutores válidos. A segurança é sua bandeira e alguns são policiais experimentados.

Se fosse congressista, estaria discutindo com eles, pois o massacre de Manaus e a crise que ele explicita requerem um esforço nacional. Assim como é preciso superar a tendência de culpar uns aos outros, é preciso deixar para trás os tempos do nós contra eles.

Alguns temas, como esse dos presídios, são de tal gravidade que nos obrigam a reaprender a ideia de frente, do convívio entre posições distintas na busca de um denominador comum. Isso não significa abrir mão das próprias convicções. Apenas reconhecer que, num momento em que as organizações criminosas entram em guerra entre si, a sociedade unida tem uma excelente oportunidade para enfraquecê-las, dentro e fora das cadeias.

Pelo menos em tese, presidentes são pessoas que não deveriam recuar diante de um grande problema nacional. Eles têm uma chance maior de unificar a sociedade e apontar o caminho comum.

Mas, mesmo diante de uma grande ausência, como a de um líder nacional, a sociedade, depois do massacre de Manaus, despertou para a importância da reforma do sistema carcerário. Todos nós que trabalhamos nas ruas conhecemos a miríade de posições sobre o tema. A diversidade não impede soluções negociadas. O problema de segurança pública já é considerado pela maioria um dos mais graves do País.

Mesmo antes de Manaus já havia também uma compreensão crescente de que ruas e cadeias são relacionadas. A crise nos presídios transformou as eleições maranhenses numa grande ameaça de caos.

Nos conflitos no Amazonas, os presos concentraram sua energia em degolar e eviscerar seus inimigos. Ainda assim, fugiram 184. Com ferramentas para derrubar paredes, armas longas, oito túneis construídos, eles poderiam ter fugido em massa.

Com o surgimento do Estado Islâmico, também especialista em decapitar, ficou claro, pela série de atentados, que para eles somos todos iguais, não importa o que pensemos. Se somos iguais ante a barbárie, por que não nos igualamos na tarefa de nos defendermos dela?

* Fernando Gabeira - Jornalista


Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-frente-contra-a-barbarie,10000099834


Alberto Aggio

Alberto Aggio: Não haverá saída fácil

Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos

Quem argumenta que a crise que assola o País tem no governo Temer sua principal causa parece ter vivido fora do Brasil por, pelo menos, uns dez anos. Por alguma razão, ideológica ou incógnita, desconhece o que se passou aqui. A profundidade da crise econômica – com o desemprego beirando a casa de duas dezenas de milhões, as finanças dos Estados em calamidade pública e a insegurança generalizada – tem nos levado, perigosamente, muito próximos à situação de insolvência vivida pela Grécia em passado recente. Este desastre, considerado o maior da nossa História, não foi obra de um governo que, fora a interinidade, alcança pouco mais de quatro meses.

A crise deriva diretamente das medidas adotadas pelos governos do PT, especialmente o de Dilma Rousseff. Quando o mundo já prognosticava que o modelo nacional-desenvolvimentista, com o Estado centralizando o investimento e promovendo os “campeões nacionais”, era um projeto ultrapassado ante os ditames da globalização e nefasto a um desenvolvimento mais equilibrado e competitivo, a então presidente Dilma adotou precisamente essa opção, provocando desequilíbrio financeiro, recessão e desemprego, com toda a sua carga de desorganização da economia.

Os efeitos da crise econômica e as revelações de um sistema mafioso de poder que promoveu no Estado e nas empresas públicas um nível de corrupção inaudito encheram de indignação uma sociedade cada vez mais informada. E ela desceu às ruas. O projeto de Dilma e do PT tornou-se, então, insustentável e seu principal aliado, o PMDB de Michel Temer – que havia ajudado (e muito) a reeleger Dilma –, foi se distanciando do núcleo de poder (que, na verdade, pouco frequentou) e resolveu abandonar o governo. Não é verdade que Temer não tenha a legitimidade do voto. Ele foi eleito com Dilma e com o voto dos petistas. Talvez se possa dizer, ao contrário, que foi o PMDB que reelegeu Dilma.

Após o impeachment e a assunção definitiva de Michel Temer, o País pôde começar a se reorganizar. Mas os déficits e as disfunções acumuladas revelaram-se de tal monta que se tornou evidente que a travessia até bom porto, com a recuperação do crescimento e o estabelecimento de um clima de diálogo entre as forças políticas, seria cheia de obstáculos e necessitaria de paciência e sobriedade.

Declaradamente, o de Temer é um governo de transição cujo objetivo central é rearranjar o País para chegar de maneira mais equilibrada a 2018. É a tal travessia, pinguela, corda bamba, seja lá o nome que se queira dar. Para isso o apoio de uma base parlamentar é essencial e configura seu principal ativo político.
Mas a dimensão política não gira em torno de si, sem substância e projetos para superar a crise. É imperativo realizar reformas e algumas delas estão sendo aprovadas pelo Congresso, com mudanças maiores ou menores. Contudo esse andamento não é pacífico nem portador de estabilidade absoluta. Os mais afoitos diagnosticarão crises terminais a cada turbulência e não faltará quem faça uma exumação da “Nova República” com o intuito de defender o que não defendeu na ultrapassagem do regime civil-militar para uma nova ordem política democrática, lá pelos idos de 1986/88.

É notório, todavia, que o governo Temer não conseguiu extirpar a crise ética. A composição do pessoal governante do Executivo vem apresentando diversos problemas em razão da trajetória anterior do seu “núcleo duro”, quase todo ele comprometido com problemas de corrupção herdados do período petista. Ministros foram substituídos, evidenciando, em alguns casos, que o problema é mais grave e profundo: trata-se da resiliência do velho patrimonialismo, que teima em solapar a res publica, razão pela qual multidões saíram às ruas desde 2013.

Não à toa, em 2016 as manifestações massivas de rua elegeram esse como seu alvo preferencial. As que visaram a atacar aspectos das reformas que o governo está pondo em marcha foram pouco massivas e, regra geral, descambaram para a violência. O que é negativo para o debate político em torno das reformas, que não têm consenso assegurado nem dentro da base governista.

Mas há uma mudança que merece atenção. Embora a Lava Jato permaneça como fator ineliminável da conjuntura política e ação exemplar de intransigência republicana que deve ser saudada, a imperiosidade das reformas tornou mais evidente para a opinião pública a necessidade de se repensar um projeto para o País. Em suma, que o País se encontra numa encruzilhada histórica e há necessidade de um aggiornamento democrático do capitalismo brasileiro, alterando os fundamentos da relação entre Estado e sociedade. Nesse cenário desafiador, só a política poderá ajudar-nos a suplantar dificuldades, preconceitos e vazios diante de um País em ruínas e que vive sob ameaça de crispação, com uma esquerda “desarmada” e perdida entre a inércia do corporativismo e um maximalismo retórico e anacrônico.

As saídas não serão fáceis e não estarão exclusivamente nas ações da Lava Jato. O imperativo das reformas atualizou a conjuntura e não se poderá fugir dele, sob pena de adiarmos a resolução dos problemas do País e reproduzirmos um sistema político sabidamente em colapso. Pode ser que as reformas não sigam nem a velocidade nem a organicidade desejada, mas parece não haver outro caminho.

2017 não se anuncia como um ano com turbulências mais débeis do que foi 2016. Por ora não se divisa nem sarneyzação nem dilmização de Temer. A consigna “diretas já” não é mais que uma retórica preguiçosa e inútil, que não enfrenta os desafios que o País tem diante de si. A partir de uma posição de intransigência democrática e republicana, a Nação precisa se unir e realizar essa travessia, procurando construir, ao mesmo tempo, novos horizontes para os brasileiros.

Alberto Aggio é historiador e professor titular da UNESP


fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,nao-havera-saida-facil,10000097018


Marco Aurélio Nogueira: As névoas que recobrem a sujeira do planalto

Ninguém sabe. Mas dá para ver que Calero não atirou a esmo e seu alvo não era exclusivamente Geddel.

Há coisas nebulosas, coisas intrigantes e coisas escandalosas no caso Geddel-Calero.

O escândalo é fácil de ser localizado.

Um ministro procura achacar outro para resolver um problema pessoal, numa absurda tentativa de coação do privado sobre o público. Quer dar uma carteirada e sair na boa. Nada mais antirrepublicano. Crime grave, ainda mais porque cometido no centro nervoso da Presidência, de modo infantil e presunçoso, indiferente ao bom-senso, como se quisesse provocar um vendaval de detritos e sujeira. O ex-ministro Geddel fez, literalmente, uma porcada, ou uma porcaria.

Em reação, o ministro-vítima sai pelo Palácio gravando conversas com seus pares e com o próprio Presidente. Falar em deslealdade, no caso, é cabível, ainda que tenha se tratado de uma manobra de autoproteção. Mas não é atitude razoável em um cargo como o de ministro de uma República na qual as coisas públicas devem ser tratadas publicamente. Temer falou em indignidade. Tem certa razão. Pode nem ser tanto, mas choca.

O nebuloso tem a ver com a atitude de Calero. Por quê? Não só gravou como fez questão de divulgar para o mundo que o fez. Ganhou uma projeção que jamais teve ou teria, vestindo o cômodo figurino do herói, do perseguido, do íntegro. Calero não só quis ser honesto, mas parecer sê-lo. Com qual finalidade?

Como há sempre um dia após o outro, a operação parece ter sido desenhada para organizar o próximo passo ou outra jogada de efeito mais à frente. Quem sabe uma candidatura? Um livro de memórias? Um filme?

Ninguém sabe. Mas dá para ver que Calero não atirou a esmo e seu alvo não era exclusivamente Geddel. Na mira, estava também Eliseu Padilha, ministro muito mais poderoso, além evidentemente do próprio presidente. Estava, portanto, o núcleo duro do Governo Temer.

Não se tratou de um ataque gratuito ou da ação de um lobo solitário, por mais que se deva dar ao ex-ministro o direito de se proteger do lamaçal que escorre em Brasília e dentro do Palácio. Ele mesmo disse que foi “aconselhado por amigos da Polícia Federal”. Deve ter ouvido muita gente antes de agir, o que sugere uma ação articulada.

O intrigante está aí. Calero gravou conversas estratégicas e explosivas, o que faz com que seja inevitável a pergunta sobre suas motivações e sobre as consequências de seu ato. Os petardos do ex-ministro podem ter sido qualquer coisa, mas não foram ingênuos nem aleatórios, e muito menos para defender a própria pele.

Até aí, matéria para um bom folhetim de suspense. A questão de base — o tráfico de influência —, porém, persiste, a assustar até os mais vetustos fantasmas do Palácio.

Ela mostra uma das dificuldades principais do Governo Temer, talvez sua maior fragilidade: a escolha de colaboradores. Seu déficit nessa área é brutal. Ou os escolhidos têm o rabo preso, ou são inadequados, ou são fracos de dar dó. Salvam-se poucos: Meirelles, Jungmann, Serra, Roberto Freire, Flávia Piovesan — dá pra contar nos dedos.

Com uma equipe de poucos que podem fazer a diferença, Temer tem de enfrentar um mar revolto e turbulento, em cujas praias repousam uma economia estagnada, milhões de desempregados e uma sociedade alvoroçada. É difícil vislumbrar como conseguirá fazer a travessia.

A chamada classe política, que deveria mostrar racionalidade superior e capacidade de interpretar os sinais do tempo, não o ajuda e ameaça, a todo momento, destroçá-lo de uma só vez ou comê-lo pelas bordas. O próprio presidente, figura de proa dessa classe, parece perdido, sem saber que caminho seguir ou que tom dar ao coro dos insaciáveis.

Não seria mais razoável o presidente começar de novo, enquanto há tempo? Reorganizar o governo, recheá-lo de bons técnicos e de políticos consistentes, traçar metas generosas e emprestar qualidade à comunicação pública, para tentar se ligar melhor à sociedade? Difícil, mas não impossível, até porque não depende exclusivamente dele. Onde estão os que o apoiaram em nome dos interesses gerais da nação e não de olho no próprio umbigo?

Aí, o cidadão olha desesperadamente para fora do governo, para além dele. Procura forças sociais com vocação reformadora e espírito democrático. Não acha. Procura lideranças que consigam conjugar todos os tempos verbais. Não acha. Procura gente que queira debater com serenidade, estudar o país e o mundo, disseminar cultura política democrática e senso de responsabilidade. Não acha, ou acha poucos, quase sempre caçados pelos militantes da intransigência.

Dirige-se então às oposições e se depara com um elenco conhecido: demagogos de prontidão, gente que se mexe sem sair do lugar, líderes histriônicos que se dão ares de providenciais, que prometem passar o país a limpo e esquecem o quanto de sujeira eles próprios produziram, que circulam, falam e gesticulam como se fossem os salvadores da pátria e trouxessem o futuro nas mãos, valendo-se dos mesmos expedientes e da mesma retórica surrada de sempre, que prometem partir do zero e mostrar como se governa, tal como heróis da modernidade perdida.

É uma oposição temperada com desejo de vingança e ressentimento, que trabalha para devolver a Temer o impeachment que ele protagonizou. Pode ser que venha a acontecer, mas, se assim for, o barco continuará o mesmo, o mar permanecerá revolto e as praias não sairão do lugar. Ao menos no curto prazo.

Os déficits são enormes. Falta convicção social de que a representação democrática é um valor. Faltam partidos com musculatura para agregar grupos e pessoas em torno de programas factíveis de reforma. Faltam bons sistemas educacionais, regulação democrática dos meios de comunicação e redução da publicidade manipuladora para que se dissemine capacidade crítica entre os cidadãos. É um vazio cívico que tem sido preenchido por formas light ou hard de autoritarismo e por postulações próximas da barbárie, da intolerância e da grosseria preconceituosa.

Está difícil. Nunca é fácil.

Sempre há um excesso de pó e fumaça na vida real, a saturá-la e encobri-la. A realidade é uma combinação marota de verdade e ilusão, essência e aparência. Há uma “pseudoconcreticidade” embaçando a concreticidade. Enxergamos sempre paisagens na neblina, o que nos impede de desvelar aquilo que surge. Nem tudo é o que parece.

Lutar e brigar há que. Mas a batalha mais importante é a da compreensão: a crítica do real. Mais importante porque mais difícil e porque hoje se faz em campo aberto, sujeito a muitas interveniências, narrativas, ressignificações e exageros. Quando se consegue limpar o quadro, a paisagem já voltou a mudar.

Talvez por isso tanta gente opte por gritar, protestar, advertir, ameaçar, resistir, denunciar. Busca-se assim um lugar ao sol, em nome da sensação de que se está pondo algo em movimento.

O verdadeiro movimento, porém, passa ao largo, silencioso, imperceptível.

Não há um antes e um depois, tipo primeiro a razão depois a luta. Lutar às cegas é se candidatar à derrota. Lutar é compreender e compreender é lutar. A realidade é uma só, verdade e aparência, e os que querem compreendê-la precisam tratá-la como um todo. A verdade nasce daí, com todos os senões, limites e contradições.

* Marco Aurélio Nogueira: Cientista político por profissão e por paixão. A política liberta, mas também pode ser uma prisão. Democrata e gramsciano por convicção, socialista por derivação. Corintiano de raiz. Atualmente, coordena o Núcleo de Estudos e Análises Internacionais-NEAI da UNESP. Seu livro mais recente é As Ruas e a Democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo (Contraponto/FAP, 2013).


Fonte: http://ano-zero.com/caso-geddel-calero/


Ao tomar posse, Freire diz que a cultura é instrumento de integração e de diversidade

O presidente Michel Temer deu posse nesta quarta-feira (23) ao deputado e presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), como ministro da Cultura. Ele substitui Marcelo Calero, que pediu demissão do cargo na última sexta (18).

Durante o discurso na cerimônia de posse, no Palácio do Planalto, Freire disse que a cultura é um instrumento de integração de diversidade e que a pluralidade do Brasil deve ser a base da tolerância.

“Enquanto para alguns a cultura é simples elemento de afirmação da diferença, para nós deve ser instrumento de integração de diversidade em função de humanismo que busca excluir a noção de estrangeiro”, disse.

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Temer: Freire vai ajudar a salvar o Brasil (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Temer disse que o novo ministro da Cultura vai ajudar a “salvar o Brasil”. “Você traz para o governo esta simbologia de quem tem passado de lutas em favor do Brasil. O governo está ganhando muito. E se o governo foi bem até agora, eu vou dizer a vocês que a partir do Roberto, vai ganhar céu azul, vai ganhar velocidade de cruzeiro e vai salvar o Brasil”, disse o presidente.

Freire falou ainda sobre as crises econômica e ética que, segundo ele, o Brasil enfrenta atualmente.

“Temos clareza das dificuldades que atravessamos hoje em nosso país. Uma profunda crise econômica e ética de governos que não cuidaram dos fundamentos macroeconômicos com a necessária responsabilidade produziu um ambiente nefasto para nossa economia e para a política, que requer temperança, ousadia e de apoio à Lava Jato para superá-la”.

Para o novo ministro da Cultura, a a experiência de 40 anos como parlamentar o ensinou sobre a necessidade do dialogo para enfrentar a divergência, “elemento fundamental da democracia”. (Com informações das agências de notícias)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: A base e o ajuste

*Luiz Carlos Azedo

Temer está sendo posto à prova por duas outras variáveis: a primeira é a crise fiscal; a segunda, a Operação Lava-Jato

O principal cacife político do presidente Michel Temer é uma base parlamentar sólida, tecida durante a crise política que levou ao impeachment a presidente Dilma Rousseff, da qual o peemedebista era o sucessor legal. O impeachment gerou um campo de forças centrípeto, para o qual foram atraídos os principais partidos de oposição, que hoje integram o bloco formado também pelo PMDB e por outros partidos que estavam no governo.

Essa base foi formada em decorrência de quatro fatores: a inapetência de Dilma Rousseff para negociar com os seus aliados, a começar pelo próprio vice-presidente da República; o fracasso do seu modelo de desenvolvimento, a chamada “nova matriz econômica”; o escândalo da Petrobras, que atingiu principalmente o PT; e, principalmente, a mobilização da sociedade a favor do impeachment. No primeiro momento, esses fatores desagregaram a antiga base de Dilma no Congresso; depois, provocaram um reagrupamento de forças a favor de Temer, o que se reflete na composição do atual ministério.

O que mudou com a formação do novo governo? Em primeiro lugar, as forças que o compõem já não têm um objetivo claro e unificador como fora apear o PT do poder. As forças majoritárias no Congresso, os empresários prejudicados pela recessão, a Operação Lava-Jato e os movimentos a favor do impeachment convergiam quanto a isso. Hoje, as variáveis que mantêm a coesão das forças que apoiam Temer no Congresso e no mercado são a participação no governo e a nova equipe econômica, respectivamente.

Num primeiro momento, a reação do PT fora do governo foi tentar voltar às origens e se articular com os movimentos sociais e com partidos de esquerda nos protestos contra Temer. Para isso, utilizou a narrativa do “golpe parlamentar” e tentou nacionalizar o debate eleitoral, principalmente nos grandes centros urbanos. O resultado dessa estratégia foi um fracasso eleitoral sem precedentes, que repercute internacionalmente. Prefeitos e vereadores eleitos pelos partidos que compõem a base do governo, a começar pelo PMDB e pelo PSDB, demonstram que essas forças têm o apoio da maioria da sociedade, uma tendência que deve se confirmar com os resultados do segundo turno.

Entretanto, o governo Temer está sendo posto à prova por duas outras variáveis que foram determinantes para o impeachment de Dilma Rousseff: a primeira é a crise fiscal (vamos incluir aí os governos estaduais e as prefeituras); a segunda, a Operação Lava-Jato, que ameaça levar de roldão lideranças políticas importantes do PMDB e de partidos aliados.

Os sinais de que a recessão começa a ser vencida são visíveis, já há analistas que preveem a queda da inflação ainda neste ano e uma lenta retomada do crescimento a partir do próximo ano. A chave da estabilidade política e da sobrevivência do governo Temer até 2018 passa pela aprovação do ajuste fiscal. Seu caminho crítico não é o teto do gasto público, cuja emenda constitucional foi aprovada em primeiro turno por ampla maioria na Câmara. A chave é a reforma da Previdência, sem a qual estados e municípios entrarão em colapso no curto prazo; a União, logo depois.

Engessamento
Em ambos os casos, porém, a base parlamentar de Temer sofre pressões corporativas, principalmente de servidores federais que não querem perder vantagens e privilégios. Essas corporações têm enorme poder de pressão porque estão muito bem representadas no Congresso e, como ocupam posições-chave no Estado, não hesitam em paralisar os serviços que prestam à população, em desorganizar a administração e em ampliar o desgaste do governo. O PT e outras forças de esquerda estão se aproveitando dessa contradição para resgatar o seu velho discurso sindical contra as reformas.

Procuram confundir a opinião pública em aspectos fundamentais, como a de que o teto necessariamente reduzirá as verbas da Educação e da Saúde, quando não é ocaso, pois isso dependerá da definição de prioridades e de escolhas na hora de elaborar o Orçamento da União. Na questão da Previdência, também se faz muita confusão com a situação dos funcionários públicos e dos trabalhadores do setor privado, uma forma de mascarar a discussão sobre os privilégios.

Resta a Operação Lava-Jato e o impacto do combate à corrupção na política sobre o governo Temer. Essa é uma variável que os partidos da base do governo não controlam, ainda que tentem mitigar os efeitos das investigações e circunscrevê-las ao PT. Todos os esforços nessa direção, até agora, fracassaram. As informações de bastidores são tenebrosas. Tudo indica que até o final do ano a Lava-Jato avançará, em nível federal, alcançando parlamentares, ministros e governadores. Por isso, os políticos se mobilizam no Congresso para aprovar uma reforma política a toque de caixa, com objetivo de blindar os grandes partidos contra o expurgo de suas lideranças, engessando ainda mais o quadro político.

*Jornalista, colunista do Correio Braziliense

Fonte: http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-base-e-o-ajuste/


Roberto Freire: Um novo Brasil irá às urnas

Com o início oficial da campanha para as eleições municipais de 2016, os brasileiros se preparam para participar de um processo que apresenta características muito peculiares, algumas delas jamais experimentadas em pleitos anteriores. As disputas que elegerão prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país serão norteadas pelas novas regras impostas pela legislação eleitoral, entre as quais a proibição do financiamento empresarial e a redução do período de campanha de 90 para apenas 45 dias.

Ao contrário do que muitos imaginam, o novo modelo de financiamento não deve causar nenhum grande temor em relação ao aumento do caixa 2 nas campanhas. Haverá, na realidade, uma fiscalização muito mais eficiente e rigorosa sobre todos os candidatos – até mesmo por parte dos adversários –, e isso se deve à sociedade brasileira, hoje muito mais atenta e atuante, e a instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal, que vêm funcionando plenamente no combate à corrupção. A Operação Lava Jato, que desnudou o esquema criminoso montado pelos governos lulopetistas na Petrobras e segue a todo vapor, é a maior prova disso.

Apesar de o pleito ser municipal, é evidente que as eleições de outubro também serão pautadas pela questão nacional. O Brasil vive um momento único em sua história, com intensa participação de uma cidadania mobilizada nas ruas e nas redes como nunca se viu. O processo de impeachment de Dilma Rousseff e o fim do tenebroso ciclo de poder do lulopetismo que levou o país a mergulhar em sua pior recessão econômica, além dos desdobramentos da Lava Jato, serão componentes fundamentais do debate e exercerão forte influência na decisão do eleitor.

Enquanto os partidos que compõem a base de sustentação do governo interino de Michel Temer registram um crescimento no número de candidaturas em todo o Brasil, o PT amarga uma redução de mais de 35% na quantidade de candidatos em relação ao pleito de 2012. Ainda não há dados consolidados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas estimativas preliminares apontam que o PPS disputará as eleições municipais com 619 candidatos a prefeito, 155 a vice-prefeito e 6.233 a vereador, o que deve representar uma expansão média de 30% em comparação com os números apresentados há quatro anos. O partido crescerá especialmente em São Paulo, estado no qual deve lançar 67 postulantes à Prefeitura em pequenas, médias e grandes cidades.

Entre os nomes do PPS que disputam com chances reais em importantes municípios paulistas com mais de 100 mil eleitores, estão o deputado federal Alex Manente, candidato a prefeito em São Bernardo do Campo; a vereadora Pollyana Gama, em Taubaté; o vereador Marcelo Del Bosco, em Santos; o ex-prefeito Farid Madi, no Guarujá; Fábio Sato, em Presidente Prudente; Ricardo Benassi, em Jundiaí; Myriam Alckmin, em Pindamonhangaba; Cláudio Piteri, em Osasco; Raimundo Salles, em Santo André; Darinho, em Francisco Morato; Aurélio Alegrete, em Ferraz de Vasconcelos, entre outros. Na capital, o partido integra a candidatura de João Doria, do PSDB, e oferece aos paulistanos uma forte chapa para o Legislativo que conta, por exemplo, com as candidaturas dos ex-vereadores Soninha Francine e Cláudio Fonseca, que já exerceram excelentes mandatos na Câmara Municipal em outras legislaturas.

Nas demais capitais brasileiras, o PPS se faz muito bem representado principalmente em Vitória, no Espírito Santo, pelo prefeito e candidato à reeleição Luciano Rezende (responsável por uma administração ousada, moderna e premiada por sua eficiência); em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, com Athayde Nery; e em São Luís, no Maranhão, com a deputada federal Eliziane Gama, líder em todas as pesquisas de intenção de voto. O crescimento do partido em todo o país, se tornando uma força política competitiva nas próximas eleições, certamente se deve à postura altiva do PPS como oposição firme, sem ódio e sem medo ao lulopetismo, tendo sido favorável ao impeachment desde o início do processo.

O Brasil que irá às urnas no dia 2 de outubro é um país bem distinto daquele que escolheu prefeitos e vereadores há quatro anos e também do que votou nas eleições presidenciais de 2014. A participação da cidadania está hoje muito mais presente, a fiscalização é maior e os candidatos precisam estar à altura da responsabilidade que este novo momento exige. A eleição deste ano será diferente de tudo o que já vivenciamos até aqui, e não só pelas novas regras eleitorais. A campanha mudou porque, afinal, o país mudou. É hora de arregaçar as mangas e trabalhar.


Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: Adeus, presidenta!

O livro Adeus, senhor presidente, de Carlos Matus, um dos teóricos da administração pública mais estudados no Brasil, por causa do seu método de “planejamento estratégico situacional”, é um ensaio romanceado sobre o exercício do poder na América Latina. Ex-ministro de Salvador Allende, Matus não se limitou a denunciar e repudiar o golpe militar de Pinochet, ocorrido em 1973, que transformou o Chile num mar de sangue, procurou também entender o que aconteceu e buscar caminhos para que os erros cometidos pela esquerda chilena não se repetissem.

Não passa pela cabeça de ninguém comparar o impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, ao golpe fascista chileno, mesmo entre aqueles que acusam o presidente interino, Michel Temer, de golpista, mas o contexto justifica, ao menos para quem foi apeado do poder, conhecer ou revisitar a obra de Matus. Ele constrói um cenário fictício, que começa com a posse de um presidente que criou grandes expectativas e prometeu muitas mudanças e termina com suas reflexões, depois de afastado do poder, sobre o desapontamento dos eleitores e as razões pelas quais não cumpriu o que prometeu. Detalhe: seu sucessor também é malsucedido e desaponta o povo.

Matus trabalha com o cotidiano do governo, a perda de tempo com coisas banais, os erros estratégicos, as intrigas políticas e lutas intestinas, num palácio onde pululam sindicalistas, dirigentes partidários, empresários, tecnocratas, intelectuais, jornalistas, parentes e corruptos de todas as categorias. É muito semelhante à situação de Dilma, que pode até ter lido a obra de Matus, mas parece que não adiantou muito. São favas contadas a sua cassação, depois da votação da madrugada de ontem no Senado, quando se decidiu, por 59 votos a favor e 21 contrários, dar inicio ao julgamento final do seu impeachment.

O líder comunista Enrico Berlinguer, falecido em 1984, profundamente marcado pelo fracasso da experiência chilena, nela se inspirou para propor o famoso “compromisso histórico” entre os comunistas e democratas-cristãos na Itália, que se digladiavam desde o fim da II Guerra Mundial. À época, o líder democrata-cristão Aldo Moro, que viria a ser assassinado em 1978, depois de 55 dias de cativeiro, pelas Brigadas Vermelhas, uma organização terrorista de extrema-esquerda, sinalizava a possibilidade de concretização da aliança, com sua “abertura à esquerda”. Esta estratégia produziu bons resultados eleitorais para o PCI nas eleições de 1976, nas quais obteve 35,9% dos sufrágios, levando-o a apoiar o governo do democrata-cristão Giulio Andreotti. Mas a DCI estava em crise por causa do referendo do divórcio e o assassinato de Aldo Moro destruiu as boas perspectivas então desencadeadas para um governo de coalizão dos dois maiores partidos da Itália.

Foi uma grande oportunidade perdida por todos os partidos italianos, que prosseguiram numa trajetória meio suicida ao deixar que a corrupção contaminasse suas entranhas e levasse a Itália a uma sucessão de crises políticas, que acabou com a derrocada de todos, que praticamente desapareceram após a Operação Mãos Limpas, inclusive o poderoso PCI. Depois de uma sucessão de fusões, o PCI se tornou o Partido Democrático, hoje no poder. Esses parênteses faz sentido porque aqui no Brasil vivemos um fenômeno político semelhante, que está sendo desnudado pela Operação Lava-Jato, cujo impacto no sistema eleitoral e partidário pode ser muito maior do que imaginam os grandes caciques da política brasileira.

Não errar

O placar de ontem no Senado mostra que o impeachment é mesmo inexorável e que o presidente interino, Michel Temer, tem capacidade de articulação e força política para garantir a governabilidade. Há expectativa de que a cassação da presidente Dilma se dê em 25 de agosto, ironicamente, o Dia do Soldado. Vale destacar que a presidente afastada, no auge das manifestações de protesto contra seu governo, chegou a cogitar da decretação de “estado de defesa” (que lhe conferiria poderes especiais para suspender algumas garantias individuais asseguradas pela Constituição, a pretexto de restabelecer a ordem em situações de crise institucional), mas não obteve apoio dos comandantes militares, nem do então ministro da Defesa, Aldo Rebelo (PCdoB), que a demoveu dessa ideia. Esse fato é o melhor exemplo de que o Brasil atravessa uma crise política, econômica e ética sem precedentes, mas não vive uma crise institucional, graças ao comportamento profissional das Forças Armadas.

Mas voltemos ao impeachment. O presidente Michel Temer, apesar do grande apoio político e parlamentar, se defrontará com os mesmos problemas que levaram à breca o governo Dilma: recessão, desemprego, inflação, deficit fiscal, fisiologismo político e envolvimento dos partidos de sua base no escândalo da Petrobras. Seu estoque de problemas não pode aumentar, pelo contrário, precisa ser reduzido. Certamente, não cometerá os erros de Dilma Rousseff, mas está sujeito a outros e precisará evitá-los. Para encerrar, a ministra Cármem Lúcia foi eleita ontem para a Presidência do Supremo Tribunal Federal. Data vênia, quer ser chamada de presidente e não de presidenta.


Fonte: pps.org.br