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O Estado de S. Paulo: STF pode limitar alcance das ações civis públicas

Corte deve discutir se decisões acerca de processos que buscam proteger interesses da sociedade têm alcance nacional ou são limitados ao Estado onde foram julgados

Bianca Gomes, O Estado de S.Paulo

No início da pandemia do novo coronavírus, uma ação julgada em Brasília determinou que planos de saúde fossem obrigados a prestar atendimento de urgência e emergência a todos os pacientes, independente do prazo de carência previsto em contrato. Se fosse considerar ao pé da letra o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública, a decisão valeria apenas para o lugar em que foi proferida: ou seja, na capital do País. Mas uma ação coletiva proposta pela Defensoria Pública do Distrito Federal garantiu que a regra valesse para qualquer brasileiro.

A abrangência territorial das chamadas Ações Civis Públicas (ACP), meio processual de defesa de interesses da sociedade, ainda não é consenso na Justiça, apesar do caso de Brasília. O tema vem sendo alvo de discussões há pelo menos duas décadas, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou disposição em dar um basta no assunto e responder se decisões acerca de ações coletivas têm alcance nacional ou se estão limitadas ao Estado onde foram julgadas. Um julgamento chegou a ser pautado para o último dia 16, mas foi adiado.

Hoje, há 438 mil ações coletivas registradas no Cadastro Nacional de Ações Coletivas (Cacol), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se a Corte entender que as decisões valem para todo o território nacional, esse número teria uma redução “drástica”, já que não haveria necessidade de análise de ações autônomas, diz João Paulo Carvalho, defensor público e coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor. “O principal efeito nacional é a agilidade, a celeridade no cumprimento da decisão. O direito já estaria reconhecido. Nos Estados, podemos nos beneficiar daquela decisão e apenas pedir o cumprimento.”

O caso dos planos de saúde é de abril deste ano, mês em que o País bateu a marca das 400 mortes diárias por coronavírus. Na prática, a ideia de dar abrangência nacional à decisão evitaria que ações sobre o mesmo tema fossem julgadas em outros Estados e tivessem resultados divergentes em outros tribunais – embora os consumidores tenham os mesmos direitos. A questão foi que o ministro Alexandre de Moraes suspendeu, em março deste ano, todos os processos que discutiam a abrangência do limite territorial para as decisões proferidas em ação civil pública, já que o Supremo ainda vai dar seu parecer sobre o assunto.

Modelo

A tese que seria discutida pela Corte tem origem em uma outra ação, ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra 16 instituições financeiras. Nela, o Idec questiona a cláusula de um modelo de contrato do Sistema Financeiro Habitacional e pede a nulidade de todos os contratos, independente de localização, já que se tratava de consumidores de diferentes Estados do País.

Quando se discutia a liminar, houve uma decisão no processo tratando sobre abrangência territorial. O TRF3 decidiu pela abrangência nacional, mas os bancos recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A 3.ª Turma do STJ aplicou o artigo 16 para limitar a abrangência, e o Idec foi à Corte Especial do STJ, que decidiu pelo alcance nacional. Foi essa última decisão que justificou a interposição de um recurso extraordinário para o STF.

“Como já definiu o Supremo Tribunal Federal, há no processo uma importante questão constitucional a ser decidida: se o artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública é ou não compatível com a Constituição”, diz Fábio Quintas, advogado que atua no recurso extraordinário representando o Itaú e o Santander.

Para ele, não é correto dizer que a norma destrói o processo coletivo no Brasil. “O artigo 16 está em vigência plena desde 1997, até a mudança de entendimento do STJ. Acho que ninguém pode dizer que o processo coletivo no Brasil se perdeu nesse período por conta dessa regra.” Segundo o advogado, dizer que a lei é inconstitucional significa trazer insegurança jurídica, já que ela orientou a conduta de todos durante pelo menos 15 anos.

Exceção

Advogado do Idec em Brasília, Walter Moura afirma que a ação civil pública que trata problemas nacionais com uma só sentença concentra e otimiza a solução. Ele justifica que o instituto pediu âmbito nacional à sentença porque a atuação dos bancos tem abrangência nacional. “As sentenças coletivas devem se restringir ao local onde elas são proferidas, que é defendido do lado contrário. Mas comporta exceções, em hipóteses em que o dano é coletivo, como foi o caso”, afirmou.

Os que defendem a limitação geográfica justificam que não faria sentido dar a um juiz de primeiro grau o poder de decidir para todo o País. Seria como esvaziar o poder dos tribunais superiores.

Professor de direito Tributário, Administrativo e Constitucional, Rubens Ferreira Jr. afirmou que o que está em jogo não são direitos individualmente considerados, mas sim, de interesses difusos e coletivos. “A jurisdição é una, ou seja, estando adequados os sujeitos do processo (autor e réu), o juiz não só pode como deve decidir de forma ampla, a não ser que consideremos que a instituição financeira seja fragmentada em diversos polos unitários, configurando empresas diversas.”

Para ele, as instituições financeiras têm interesse em limitar as decisões aos Estados pois, caso o STF mantenha o entendimento do STJ, uma só decisão já é suficiente para que todas as pessoas lesadas do País executem a sentença, sem necessidade de processo. “É um ‘cheque’ do consumidor contra os bancos.”

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) diz que a lei é clara ao estabelecer que a abrangência dos efeitos da Ação Civil Pública é restrita aos limites da competência territorial do órgão que profere a sentença da decisão.

Para entender: medidas visam reparar danos

Uma Ação Civil Pública (ACP) visa a reparação e responsabilização de danos a direitos “meta-individuais”, ou seja, difusos e coletivos. Entram nessa lista, segundo o professor de direito administrativo do Mackenzie, Armando Rovai, infrações ao meio ambiente, a bens artísticos e históricos, à honra de grupos raciais, étnicos e religiosos, à ordem econômica e aos consumidores.

A ACP está prevista na Lei n.º 7.347/85 e pode ser movida pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, Estados e municípios, por fundações e sociedades de economia mista ou por associações que tenham como finalidade a proteção de direitos coletivos. As medidas podem ser tomadas contra órgãos públicos, empresas e autoridades.

Já os cidadãos que queiram promover sozinhos uma medida do tipo devem se valer da Ação Popular, quando julgar que o poder público infringiu o patrimônio coletivo.

Os danos que motivam uma Ação Civil Pública podem ser de natureza moral ou material. Foram movidas ações do tipo, por exemplo, nos casos dos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho (MG), em 2015 e 2019, para a reparação dos danos ambientais e ressarcimento dos moradores das regiões afetadas. /

COLABOROU BRENDA ZACHARIAS


‘STF é um dos pilares da estrutura democrática, mas tem problemas’, diz João Trindade Filho

Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, constitucionalista cita casos em que a Corte evitou negacionismo do governo federal

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Consultor Legislativo do Senado Federal, o advogado João Trindade Cavalcante Filho afirma que o STF (Supremo Tribunal Federal) é um dos pilares da estrutura democrática brasileira, mas aponta problemas. “Decide causas demais, os ministros dão muitas decisões monocráticas, a Corte poderia e deveria ter uma jurisprudência mais estável, previsível, além de precisar, de tempos em tempos, praticar as ‘virtudes passivas’”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro. 

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!

Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. “No combate à pandemia, ao reforçar a descentralização política e assegurar o poder de governadores e prefeitos definirem as medidas sanitárias, o Tribunal evitou que o negacionismo do governo federal deixasse ainda mais mortos do que os mais de 180 mil atuais”, disse. 

Em outras ocasiões, de acordo com a análise publicada na revista Política Democrática Online, postou-se em defesa de minorias. “Foi o caso da ADO nº 26, quando decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Porém, tal decisão é ambígua”, diz. “Reforçou a defesa de grupos minoritários, mas, ao estabelecer um crime sem lei anterior que o defina, vulnerou um princípio milenar do direito penal (a legalidade). Teria sido melhor para Corte e para a democracia que se tivesse utilizado da técnica do ‘apelo ao legislador’”, sugere. 

Houve outras situações em que o papel concreto do STF não foi tão positivo para a democracia, segundo o advogado, que também é mestre e doutorado em Direito Constitucional. “A Corte acaba de decidir sobre a impossibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas dentro da mesma legislatura. Não deveria haver qualquer dúvida de que o artigo 57, § 4º, da CF, diz o que efetivamente busca dizer”, afirma. “Permitir a reeleição dos dirigentes das casas legislativas por conta do reconhecido papel que desempenharam parece uma espécie de ‘casuísmo do bem’”, observa.

No entanto, ressalta o consultor do Senado, mesmo os que votaram pelo respeito à literalidade do texto constitucional não o fizeram todos por respeito à Constituição, mas sim – alguns – por pressão da opinião pública.

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Merval Pereira: Na janelinha

Nos Estados Unidos, um “Júnior justice” da Suprema Corte - ministro novato - tem, por tradição, a tarefa de fechar a porta da sala de reuniões depois que o último ministro chega. Uma demonstração de humildade diante dos mais antigos. Há até mesmo filmes que mostram essa cena, com o presidente da Corte advertindo um novato: “Você esqueceu de fechar a porta. É a tradição”.

Aqui, nosso ministro junior Nunes Marques mal chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, como diria o sábio popular senador Romário, “já está querendo sentar na janelinha”. Em sua primeira atuação, ele deu aquele voto pseudamente salomônico que aprovou a reeleição de seu amigo senador David Alcolumbre, e proibiu o deputado Rodrigo Maia, inimigo do Planalto, de fazer o mesmo.

Sua decisão monocrática de reduzir o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela Lei de Ficha Limpa, fazendo com que ele seja descontado da pena cumprida, está causando séria perturbação dos tribunais eleitorais pelo país, e alimentando a percepção de que o novo ministro, nomeado ao acaso pelo presidente Bolsonaro, cumpre mais uma etapa do plano governamental de desmontar o aparato jurídico de combate à corrupção nos meios políticos, depois da aliança com o Centrão.

A atitude do ministro Nunes Marques foi tomada um dia antes do recesso do Judiciário, e em pleno período eleitoral. Isso quer dizer que centenas de candidatos que concorreram subjudice agora exigirão da Justiça Eleitoral suas posses, o que pode até mesmo alterar a composição das Câmaras de Vereadores. Ou até mesmo eleger algum prefeito.

O mais espantoso é que a Lei da Ficha Limpa foi colocada sob o escrutínio do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, e considerada constitucional pela maioria. O ponto específico agora alterado liminarmente pelo novo ministro foi analisado e considerado compatível com a Constituição e com a vontade do legislador, o Congresso Nacional.

O atual presidente do Supremo, Luis Fux, que era o relator do processo, tinha na ocasião a mesma opinião de Nunes Marques agora. Achava que a inelegibilidade, passando a contar somente a partir do fim da pena, era exagerada. O ministro Cezar Peluso, já aposentado, teve a mesma opinião, mas o ministro Marco Aurélio Mello rebateu o argumento lembrando que a utilização de recursos sobre recursos fazia com que a inelegibilidade não tivesse efeito prático, rejeitando a proposta de subtração do tempo decorrido entre a condenação e o julgamento dos recursos.

Sendo assim, a decisão monocrática do juiz novato foi contra um ponto da Lei da Ficha Limpa que já foi debatido pelo plenário, o que agrava a percepção de que, no Supremo, cada ministro é uma ilha que não se comunica com os outros, nem com as decisões já tomadas, sem que haja razão para um novo julgamento, mas apenas uma opinião pessoal

O caso, de todo modo, será avaliado pelo plenário depois do recesso, mas há uma movimentação no Supremo para que Nunes Marques altere sua decisão, para evitar o caos na justiça eleitoral. Ele pode definir que a medida só vale para a próxima eleição, para evitar que os tribunais eleitorais fiquem abarrotados de recurso durante o período de diplomação dos novos prefeitos e vereadores, ou, no limite, o presidente do Supremo, ministro Luis Fux, pode suspender essa liminar, com base exatamente em que essa lei já foi considerada constitucional pelo próprio STF.

Embora essa medida radical seja defendida por setores do judiciário, Fux parece inclinado a resolver o impasse pelo diálogo. A atuação do Supremo durante o recesso, que começou dia 20 de dezembro e vai até o dia 6 de janeiro, também está em discussão, pois quatro ministros já comunicaram que continuarão trabalhando nesse período.

Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello, com isso, reduzem o poder do presidente Luis Fux, que fica de plantão durante o recesso com poder de decisão. Aliados de Luis Fux garantem que o Regimento do Supremo não autoriza essa atitude, e o presidente parece decidido a exercer seu poder integralmente. Sendo assim, qualquer decisão a ser tomada no recesso dependerá apenas do ministro Luis Fux, que poderá cassar liminares que considere injustificáveis.


O Estado de S. Paulo: Decisão de Nunes Marques libera 'fichas sujas' a assumirem mandato de prefeitos

Às vésperas do recesso do Judiciário, ministro declarou inconstitucional um trecho da Lei da Ficha Limpa que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas

Breno Pires, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Uma decisão liminar (provisória) concedida pelo ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), livrou o caminho de políticos que concorreram nas eleições municipais de 2020 e saíram vitoriosos, mas tiveram o registro barrado pela Justiça Eleitoral devido à Lei da Ficha Limpa.

Individualmente, às vésperas do recesso do Judiciário, Nunes Marques declarou, no sábado, inconstitucional um trecho da legislação que fazia com que pessoas condenadas por certos crimes ficassem inelegíveis por mais oito anos, após o cumprimento das penas.

A ação foi proposta pelo PDT há apenas cinco dias, contra um trecho da Lei da Ficha Limpa, que antecipou o momento em que políticos devem ficar inelegíveis. Antes da lei, essa punição só começava a valer após o esgotamento de todos os recursos contra a sentença por certos crimes (contra a administração pública, o patrimônio público, o meio ambiente ou a saúde pública, bem como pelos crimes de lavagem de dinheiro e aqueles praticados por organização criminosa).

Com a lei, a punição começou imediatamente após a condenação em segunda instância e atravessa todo o período que vai da condenação até oito anos depois do cumprimento.

O partido apontou que é desproporcional deixar inelegível um político por tanto tempo e alegou ao STF que a punição deveria ser de apenas oito anos a partir do momento que começa a valer a pena, e não durante esse período mais oito anos “após o cumprimento da pena”. Para o partido, deve haver a “detração”, isto é, o tempo da punição deve ser computado desde o momento que ela começa a surtir efeito, ainda que de modo antecipado, e não apenas quando o caso encerra. O ministro Nunes Marques concordou, afirmando que essa condição é um “desprestígio ao princípio da proporcionalidade”.

A decisão de Nunes Marques valerá especificamente para os políticos que ainda estão com o processo de registro de candidatura de 2020 pendentes de julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo. É o caso, por exemplo, do prefeito eleito de Bom Jesus de Goiás, Adair Henriques (DEM), que teve o registro barrado pelo TSE. Condenado por delito contra o patrimônio público em segunda instância em setembro de 2009, ele teve o registro eleitoral para 2020 autorizado pelo Tribunal Regional Eleitoral, mas, no TSE, perdeu.

De acordo com o voto do ministro Edson Fachin, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser contado a partir de 6 de maio de 2015, data em que foi finalizado o cumprimento da pena aplicada a Adair. O fundamento da decisão é exatamente o trecho da Lei da Ficha Limpa que, agora, o ministro Kassio Nunes Marques declarou inconstitucional.

Além desse caso, advogados eleitorais ouvidos pelo Estadão reservadamente estimam que até cem candidatos que estavam barrados pela justiça eleitoral poderão assumir os mandatos, com base na decisão de Nunes Marques. Três advogados, que preferiram não se identificar nem fazer declarações, disseram à reportagem que têm clientes em situação semelhante e vão acionar o TSE. Os eventuais recursos serão analisados pelo presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso.

Integrantes do TSE consultados pela reportagem não comentaram a decisão do ministro Kassio Nunes Marques. Em conversas reservadas, no entanto, alguns ministros disseram que a forma como foi tomada a decisão não foi a mais adequada.

A principal crítica, no meio jurídico eleitoral, é que a decisão modifica as regras da eleição de 2020 após a realização. A situação é incomum. Normalmente, as regras eleitorais só podem ser alteradas faltando um ano para a população ir às urnas. Leis aprovadas pelo Congresso em um prazo de menos de um ano para uma eleição, por exemplo, só valerão para a seguinte.

A liminar do ministro avançou sobre um tema que já havia sido debatido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal em 2012, durante julgamento sobre a Lei da Ficha Limpa. Na ocasião, o ministro Luiz Fux, relator da ação, defendeu que o prazo de oito anos começasse a valer a partir do início da punição, e não após o cumprimento da pena. Apesar disso, a proposta enfrentou resistência dos ministros Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia, na ocasião. O plenário, então, entendeu por não modificar o que estava previsto na lei.

Kassio Nunes Marques, no entanto, decidiu não esperar para colocar em votação o caso no plenário do Supremo. Segundo ele, o trecho da lei questionado “parece estar a ensejar, na prática, a criação de nova hipótese de inelegibilidade”. O magistrado justificou a concessão da liminar afirmando que o pedido deve ser atendido imediatamente para não prejudicar quem foi eleito nessas condições. “Impedir a diplomação de candidatos legitimamente eleitos, a um só tempo, vulnera a segurança jurídica imanente ao processo eleitoral em si mesmo, bem como acarreta a indesejável precarização da representação política pertinente aos cargos em análise”. 

Com base na decisão dele, devem cair as decisões da justiça que determinaram a realização de novas eleições para prefeituras, nos casos em que o eleito estava na condição de ficha suja. Apesar disso, ainda pode haver recurso contra a decisão do relator no STF e, da mesma forma, também será necessária a análise do presidente do TSE.

O coordenador-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Marcelo Weick, elogiou a decisão do ministro Kassio Nunes Marques. “A Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa) completou dez anos. Natural que agora se avalie, longe do calor das emoções daquele julgamento das ADCs 29 e 30 (as ações no STF que discutiram a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa), os excessos e desproporções desta Lei, em especial nesse tormentosa e mal feita redação da alínea ‘e’. Caberá ao plenário do STF, tão logo retomada suas atividades em 2021, enfrentar essa questão que, reiteremos, vem em bom momento. A necessária reflexão desta desproporcionalidade de tratamento entre as inelegibilidade previstas na Lei 135/2010 (Lei da Ficha Limpa)”, disse.

O procurador regional eleitoral do Maranhão, Juraci Guimarães Junior, disse que a decisão afronta ao princípio da igualdade, pois os candidatos que já perderam todos os recursos possíveis não têm mais como apelar ao STF. Ele disse também que a decisão também ofenderia o princípio da anualidade da lei eleitoral. “A alteração do processo eleitoral, por força do art. 16, da Constituição Federal, deve ser feita um ano antes das eleições”, disse.

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Gil Alessi: Do ‘01’ ao ‘04’, Bolsonaro entra na mira do STF por suspeita de blindar seus filhos com a máquina pública

Suspeita de que a Abin produziu relatórios para ajudar a defesa de Flávio Bolsonaro se soma à lista que inclui troca no comando da PF, influência nas eleições do MP do Rio e outras manobras

O presidente Jair Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”. Com quase dois anos à frente do Governo, transparece a preocupação do mandatário em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, determinou nesta sexta-feira que a Procuradoria-Geral da República investigue a suposta produção de relatórios pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com o objetivo de auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente. O parlamentar é investigado ao lado do seu ex-assessor Fabrício Queiroz por ter supostamente organizado um esquema de rachadinha em seu gabinete à época em que era deputado estadual pelo Rio.

Esta “Abin paralela”, como vem sendo chamada, teria municiado a advogada de Flávio, Luciana Pires, com material a ser usado no caso, segundo reportagem da revista Época. De acordo com a defensora, as orientações teriam vindo diretamente de Alexandre Ramagem, diretor-geral da Abin e homem de confiança de Bolsonaro. Um dos relatórios deixa claro seu objetivo: “Defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro] demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. A própria Luciana Pires confirma ter recebido o relatório, segundo a reportagem, uma afirmação que contradiz o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e a própria Abin, que negaram a produção de material para ajudar o senador. Ramagem confirmou, no entanto, ter participado de reunião com a defesa do parlamentar na qual estiveram presentes o presidente e Heleno. Em nota, a Agência e o GSI afirmam que o encontro foi “completamente regular”.

A repercussão do suposto relatório da Abin incendiou a oposição, que já se articula para protocolar mais um pedido de impeachment do presidente, como afirmou nas redes sociais a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann. O Governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), fez coro à petista: “Caso confirmado, o uso da Abin para interesses exclusivamente pessoais de Bolsonaro não é apenas crime de responsabilidade, sujeito a impeachment. É também crime comum e ato de improbidade administrativa”. Por sua vez, o PSB e a Rede pediram a saída de Ramagem do cargo. No momento, a bola está com o procurador-geral, Augusto Aras, que terá que investigar o caso e prestar contas ao STF sobre suas descobertas.

Caso fique provado que a Abin agiu para ajudar Flávio, será escrito mais um capítulo em uma história de episódios nos quais a atuação do presidente parece borrar a linha que separa os negócios privados do clã e a máquina pública. Do mais velho, o “01”, como Flávio é conhecido, até o “04”, referência a Renan, 22, o mais novo de seus quatro filhos homens, toda a prole de Bolsonaro (com exceção da caçula, Laura) foi afetada por ações do pai. Como o próprio presidente disse: “Pretendo beneficiar filho meu sim, pretendo, se puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou”. Veja as acusações de interferência do mandatário em órgãos públicos para ajudar a família:

A Justiça investiga Flávio, o “01”, e Carlos, o “02”

O suposto envolvimento da Abin para ajudar a defesa de Flávio é apenas o último movimento de um xadrez político que levou o presidente tomar medidas enérgicas para tentar aliviar a pressão sobre o senador e seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro, o filho “02”, que também entrou na mira das autoridades.

Sobre Carlos, pesam várias suspeitas. Uma delas é de peculato, ao empregar em seu gabinete funcionários fantasma. A mais rumorosa, no entanto, é a de que ele poderia ser o articulador de um esquema criminoso de disseminação de fake news. Um inquérito, com investigação da Polícia Federal, corre atualmente no Supremo. Nele, o “02″ é aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros do STF e apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de apoiadores do presidente, pedindo o fechamento do Congresso e do STF.

Nos últimos meses, a PF desencadeou uma série de operações de busca e apreensão relacionadas a este caso, levando à prisão, inclusive, de influenciadores bolsonaristas. Foi o caso, na própria sexta-feira, do blogueiro Oswaldo Eustáquio. Ele estava em prisão domiciliar, mas descumpriu as restrições definidas pelo STF para ir participar de uma reunião no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da ministra Damares Alves. A tornozeleira eletrônica denunciou seu deslocamento e ele foi recolhido por determinação do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito.

Com os dois filhos mais velhos na mira de investigações, o clã presidencial passou para o ataque. O primeiro passo foi articular a troca no comando da Polícia Federal em abril deste ano, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo —visto pela mandatário como muito independente. O então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, denunciou a orquestração: em seu discurso de renúncia, ele acusou o presidente de tentar influenciar politicamente a PF. “O presidente me disse, mais de uma vez, que ele queria ter uma pessoa do contato dele que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, colher relatórios de inteligência”, afirmou.

Posteriormente, o ministro demissionário apresentou à TV Globo uma troca de mensagens entre ele e o presidente na qual o mandatário teria sugerido a saída de Valeixo para proteger aliados. Posteriormente vieram à tona imagens de uma reunião ministerial na qual Bolsonaro diz que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala do mandatário também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações se aproximam de Flávio e Carlos.

A suposta influência do presidente na chefia da PF para proteger aliados —dentre eles seus filhos— deu origem a um outro inquérito que tramita atualmente no STF para apurar se houve irregularidade. Não há prazo para sua conclusão, e o presidente ainda não foi ouvido.

Em outra frente para tentar blindar Flávio e Carlos, o clã entrou nas eleições para a chefia do Ministério Público do Rio, Estado onde correm investigações contra ambos. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado pelo “01” por sua atuação no caso da rachadinha no gabinete. Os Bolsonaro cerraram fileiras em torno do procurador Marcelo Rocha Monteiro, bolsonarista assumido, como uma opção para a lista tríplice, definida em dezembro, de onde é escolhido o nome do próximo procurador-geral de Justiça do Estado. No final, Monteiro foi o quarto mais votado pelos promotores. Agora cabe ao governador interino Cláudio Castro optar por manter a tradição e indicar para a chefia um integrante da lista, ou fazer um aceno ao presidente nomeando o candidato da família para o cargo ―uma opção caso algum dos três integrantes da lista tríplice desista da candidatura.

Publicamente, o presidente alega que estes órgãos estão agindo para prejudicar seus filhos em uma tentativa de atingi-lo —ele chegou até a dizer que se tratava de perseguição política do então governador Wilson Witzel. Agora alvo de processo de impeachment, Witzel buscava se cacifar para disputar o Planalto em 2022, o que justificaria, segundo Bolsonaro, as tentativas de desmoralizar sua família.

Uma embaixada para Eduardo, o “03”

Em julho de 2019 o presidente fez um de seus mais ousados movimentos com o objetivo de colocar nas mãos da família um importante cargo público. Jair afirmou que iria indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o “03”, para a vaga de embaixador do Brasil em Washington, uma das mais cobiçadas e prestigiadas representações do país no exterior, tradicionalmente reservada para diplomatas de carreira que se destacam no exercício da função. “Vou nomear, sim. E quem disser que não vai mais votar em mim, lamento”, chegou a afirmar o presidente ao ser questionado sobre a medida. “Eu quero uma pessoa de confiança minha na embaixada dos EUA (...) Vocês acham que eu colocaria um filho meu em um posto de destaque desse para pagar vexame?”, indagou.

A indicação logo começou a fazer água. Sob acusações de nepotismo, parlamentares de oposição e mesmo alguns aliados do presidente começaram a boicotar a nomeação de Eduardo, alegando que ele não seria aprovado na sabatina a que teria que se submeter no Senado antes de ser empossado. A reação da população também desencorajou o Planalto a manter o nome do deputado para a vaga, com 62,8% dos brasileiros se opondo à ascensão do filho do presidente para o novo emprego, segundo uma pesquisa da consultoria Atlas Político. No final de outubro, pouco mais de um mês após o início das articulações em prol do “03” em Washington, o próprio Eduardo tomou a palavra da tribuna da Câmara e anunciou a desistência, alegando que precisava ficar no Brasil para ajudar a manter viva a onda conservadora que o elegeu.

O empreendedorismo de Renan, o “04”

Os negócios do filho caçula se misturaram recentemente com os do Governo, em ações que suscitaram críticas por possível tráfico de influência do presidente. A primeira sinalização de que Renan estava entrando no jogo político político com suacompanhia startup ocorreu em 13 de novembro, quando o caçula articulou e participou de uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores —companhia que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, fundada pelo caçula e cuja sede fica em um camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso não constava na agenda oficial do ministro e foi revelado pela revista Veja. A Gramazini apresentou a Marinho durante o encontro um projeto de moradias populares feitas em pedra. A pasta informou que Renan “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

Mas as relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. A Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo —tendo feito vídeos para os ministérios da Saúde, Educação e Turismo— realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo. O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) solicitou à Procuradoria da República que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Em nota, a Astronautas Filmes afirma que “a chamada ‘parceria’ com Renan Bolsonaro foi restrita à produção de um único vídeo de lançamento para um projeto social, que tinha como público-alvo empresários da cidade de Brasília. Ressalte-se, a convite dos organizadores do evento. Por se tratar de um público de interesse, optamos por inserir a marca da produtora na comunicação do evento em contrapartida ao produto entregue”. Eles também alegam que não existe nenhum “laço de favorecimento”.


Merval Pereira: Com a boca na botija

 “Prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, crime de responsabilidade e improbidade administrativa”. Essa é a lista de crimes e ações administrativas ilegais que o suposto auxílio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) à defesa do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente da República, pode acarretar, na opinião da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Carmem Lúcia, que mandou que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, saísse de sua inércia para investigar o caso.

Aras havia considerado “grave” a denúncia do repórter Guilherme Amado, da revista Época, confirmada por outros órgãos de imprensa, mas disse que não era possível tomar providências, pois não havia provas. Foi o que a ministra Carmem Lucia mandou que fizesse: investigar para tentar descobrir tais provas, ou demonstrar que a denúncia é inepta.

A situação é muito grave, as próprias advogadas de defesa do senador Flavio confirmaram que receberam dois relatórios sobre como atuar na tentativa de invalidar as provas conseguidas pelo Ministério Público do Rio sobre a “rachadinha” no gabinete de Flavio da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, coordenada pelo notório Fabricio Queiroz.

Elas alegam que não seguiram nenhuma das sugestões, pois estariam fora de sua capacidade de intervenção. Da mesma maneira que o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), General Augusto Heleno, admitiu que participou de uma reunião no gabinete do presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto, ao lado do diretor-geral da Abin, delegado Alexandre Ramagem, e das advogadas de Flávio Bolsonaro para tratar do assunto.

Segundo Heleno, como o assunto não dizia respeito à segurança institucional, como achava anteriormente, mandou que não se fizesse nada. O General Heleno e o delegado Ramagem, assim como as advogadas do senador Flavio, agiram como o ex-presidente dos Estados Unidos Bill Clinton, que admitiu que fumou maconha, mas garantiu que não tragou.

De acordo com a revista eletrônica Crusoé, os relatórios partiram do delegado Marcelo Bormevet, apelidado de “homem do capitão” devido à proximidade com Jair Bolsonaro desde que participou, com Ramagem, da segurança pessoal do então candidato eleito. Uma reunião com órgãos de inteligência governamental para tratar de problemas legais do filho do presidente é, no mínimo, desvio de finalidade e improbidade administrativa.

Um dos documentos, conseguido pela Época e confirmados por outras publicações, tinha um título explícito: "defender FB [Flávio Bolsonaro] no caso Alerj, demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB". A sugestão que as advogadas comentam que estava fora de seus controles se referia à substituição de "postos", provavelmente da Receita Federal, lembrando que desde 2019 haviam sugerido esse procedimento: "Permanece o entendimento de que a melhor linha de ação para tratar o assunto FB e principalmente o interesse público é substituir os postos conforme relatório anterior.

Se a sugestão de 2019 tivesse sido adotada, nada disso estaria acontecendo, todos os envolvidos teriam sido trocados com pouca repercussão em processo interno na RFB [Receita Federal]".

As investigações do Procurador-Geral Augusto Aras não serão difíceis. Basta que ele requisite às advogadas cópias dos relatórios que elas confirmam ter recebido. A gravidade da situação já levou a que a palavra “impeachment” volte a circular no Congresso, e deu tons mais dramáticos à sucessão da presidência da Câmara dos Deputados, que é quem dá início a um processo desse tipo. O atual presidente, Rodrigo Maia, tem mais de 30 pedidos de abertura do processo de impeachment contra o presidente, nenhum tão grave e consubstanciado quanto este, que o futuro presidente da Câmara terá certamente que avaliar.


El País: STF decide que vacina contra covid-19 poderá ser obrigatória e impõe derrota para Bolsonaro

Ministros determinam que população não poderá ser forçada a se vacinar, mas União, Estados e municípios poderão criar restrições para quem não tomar o imunizante

Marcelo Cabral, Beatriz Jucá, El País

Os ministros do Supremo Tribunal Federal, o STF, decidiram nesta quinta-feira pela obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 no país. Por dez votos a um, o STF entendeu que as vacinas são obrigatórias ―mas não forçadas―, porque, na visão da corte, a decisão individual de cada pessoa não pode se sobrepor à saúde coletiva do país como um todo. Na prática, isso significa que ninguém será forçado ou coagido a tomar uma vacina, mas que poderá sofrer medidas restritivas por leis criadas pela União, Estados e Municípios, caso deixe de fazê-lo. Essas restrições podem incluir a proibição de embarcar para viagens ou de frequentar alguns espaços públicos, por exemplo.

A decisão do Supremo representa uma derrota para o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que declarou publicamente várias vezes ser contra a obrigatoriedade da vacinação. Na terça-feira, durante entrevista ao apresentador José Luiz Datena, Bolsonaro afirmou que " Como cidadão é uma coisa, e como presidente é outra. Mas como eu nunca fugi da verdade, eu digo: Eu não vou tomar a vacina. Se alguém acha que a minha vida está em risco, o problema é meu e ponto final”.

Bolsonaro também não irá participar de campanhas para incentivar a população a se vacinar contra o novo coronavírus, segundo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello― uma posição contrária à de diversos líderes mundiais, como o presidente eleitos dos EUA, Joe Biden, que deve se imunizar na próxima semana, ou a rainha Elizabeth, do Reino Unido. “Sobre o presidente ser voluntário ou não, eu acho que é o mesmo enfoque: ele está reforçando a voluntariedade, e não a obrigatoriedade. É uma visão”, afirmou o ministro, durante sessão no Senado nesta quinta.

O presidente também vem defendendo a exigência de um termo de consentimento, a ser assinado pelas pessoas que receberem doses das vacinas que forem autorizadas em caráter emergencial. No entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que não irá incluir esse termo na votação da Medida Provisória que autoriza o Brasil a aderir ao consórcio mundial liderado pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para providenciar o acesso à vacinas a preços mais baixos. “O relator não vai incluir esse retrocesso na MP. Que seja incluído por emenda do governo, não por um partido da presidência da Câmara. O governo que tente ganhar no Plenário”, disse Maia.

O líder da Câmara também chamou de “lamentável” a decisão de Bolsonaro de não se vacinar. “Enquanto ele briga pelo tema, milhares de brasileiros vão se infectando e centenas vão perdendo suas vidas. Está tratando de um tema tão grave de forma tão irresponsável, mas tenho fé que ele compreenda seu papel e consiga não fazer uma guerra ideológica e responder aos anseios da sociedade brasileira”, criticou o político.

Já a oposição celebrou a decisão do STF. O ex-ministro da Saúde e deputado federal Alexandre Padilha (PT) destacou que a vacina não é proteção individual, mas proteção coletiva. “Quem se vacina protege a si, aos seus pais, seus filhos, seus colegas de trabalho, seus pares no mundo”, afirmou no Twitter. Já o deputado federal Marcelo Freixo considerou a decisão importante após Bolsonaro criticar publicamente a vacina. “Nós só vamos vencer a covid-19 se nós lutarmos juntos e pensarmos uns nos outros. Cuidar de si é cuidar de todos”, publicou o parlamentar do PSOL.

Julgamento triplo

O julgamento do STF surgiu a partir de duas ações sobre o tema movidas por partidos políticos ―o PDT e o PTB. Na primeira, os ministros eram questionados se Estados e municípios teriam competência para determinar a vacinação compulsória durante a pandemia. Já na segunda, o PTB, partido aliado de Bolsonaro, pedia que o Supremo declarasse inconstitucional a obrigatoriedade da vacinação. O Supremo decidiu confirmar a primeira tese e rejeitar a segunda. Também foi julgada ainda uma terceira ação sobre o tema, que questionava se o Estado poderia obrigar pais a vacinarem os filhos, a despeito de objeções filosóficas, religiosas, morais e existenciais. A decisão, também nesse caso, foi favorável à obrigatoriedade da vacinação.

Durante o julgamento, os ministros lembraram, por exemplo, da obrigatoriedade do voto, em que o eleitor não é coagido a se dirigir às urnas, mas pode sofrer sanções caso não cumpra o seu dever eleitoral. Eles também disseram que, sem condições dignas de saúde pública, não existe liberdade.

Votaram a favor da vacina obrigatória os ministros Ricardo Lewandowski, relator do caso, e os magistrados Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luiz Fux. O único voto parcialmente contrário foi do magistrado Kassio Nunes Marques. Ele reconheceu a possibilidade de restringir ações para quem não tomar a vacina, mas afirmou que a medida deveria depender de aval do Governo Federal, via Ministério da Saúde. Marques foi indicado ao STF em outubro deste ano, justamente por Jair Bolsonaro.

Importação rápida das vacinas

Lewandowski, aliás, também determinou uma liminar sobre vacinas na noite desta quinta-feira, determinando que prefeitos e governadores poderão importar diretamente vacinas no caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não der o aval para uso de vacinas já registradas em agências reguladoras internacionais em um prazo de até 72 horas. Vacinas autorizadas por pelo menos uma das agências sanitárias citadas por lei ―da União Europeia, Estados Unidos, Japão ou China― e distribuídas comercialmente nos respectivos países poderão ser adquiridas por gestores locais, caso não seja cumprido o plano nacional de vacinação ou “não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença”, segundo o ministro. A decisão acontece em meio a críticas de uma suposta inércia do Governo Federal e de suspeitas de politização na agência.

Ainda nesta quinta, apesar de estar imerso em uma enxurrada de críticas nas últimas semanas pela demora para apresentar a estratégia brasileira de vacinação contra a covid-19, Pazuello afirmou que o Brasil está na vanguarda do mundo com o seu planejamento ―mesmo com países como Reino Unido, Estados Unidos e Rússia já tendo iniciado seus programas nacionais de vacinação. Segundo o ministro, o Brasil pode receber 24,7 milhões de doses das vacinas da Astrazeneca, da Pfizer e da Sinovac no mês de janeiro, caso estes imunizantes recebam o aval da Anvisa e cumpram o cronograma de entrega estabelecido em memorandos de entendimentos. Até o momento, o Governo só tem contrato assinado para a aquisição de doses com a Astrazeneca. Mesmo considerando estas três vacinas, a previsão é de chegar a 93,4 milhões de doses até março ― o que vacinaria pouco mais de 42 milhões de pessoas, considerando a necessidade de duas doses por pessoa e as perdas por eventuais problemas logísticos.

“Nós não estamos sendo atropelados, nós estamos numa vanguarda”, afirmou Pazuello, um dia depois de apresentar oficialmente o plano operacional de vacinação brasileiro. O documento já incluía a intenção de aquisição da Coronavac ―vacina desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac com parceria de produção pelo instituto Butantan, vinculado ao Governo de São Paulo―, mas não especificava um cronograma com o quantitativo de doses previstas. O ministro diz que a campanha pode começar em janeiro, se houver registro da Anvisa e se os laboratórios conseguirem entregar as doses negociadas. Uma medida provisória foi publicada no Diário Oficial nesta quinta para destinar 20 bilhões de reais para aquisição de vacinas, compra de insumos como agulhas e seringas e realização de campanha de vacinação.


RPD || João Trindade Cavalcante Filho: O STF e a democracia

O Supremo Tribunal Federal é um dos pilares da nossa estrutura democrática, sendo fundmental em temas como a defesa das minorias e no combate à pandemia, por exemplo, mas tem problemas e, em algumas situações, sua atuação rendeu críticas, avalia João Trindade

É conhecido que Ulisses, na Odisseia, pediu a seus marinheiros que o amarrassem ao mastro do barco a fim de que não cedesse ao canto das sereias. Trata-se de uma alegoria sobre renúncia, confiança, sobre a vitória da racionalidade contra o desejo. Também muito conhecida é a aplicação desta metáfora para o papel da jurisdição constitucional: Ulisses seria o povo; as sereias seriam os riscos do autoritarismo, e a tripulação representaria a jurisdição constitucional, os responsáveis pela guarda da Constituição.  

A pergunta que se faz é se, no barco brasileiro, Ulisses ainda confia em sua tripulação.  

O STF é, óbvio, um dos pilares da nossa estrutura democrática. Mas também tem problemas: decide causas demais, os ministros dão muitas decisões monocráticas, a Corte poderia e deveria ter uma jurisprudência mais estável, previsível, além de precisar, de tempos em tempos, praticar as “virtudes passivas”.  

Em algumas situações, o STF, ao invés de garantir a democracia, colocou-a em risco. Destaco a ADPF nº 402, ou “o dia em que um ministro do STF monocraticamente afastou um presidente de poder”, ocasião em que o Plenário da corte teve que, por assim dizer, “apagar o incêndio”, evitando uma crise institucional ainda maior.
João Trindade Cavalcante filho

No combate à pandemia, ao reforçar a descentralização política e assegurar o poder de governadores e prefeitos definirem as medidas sanitárias, o Tribunal evitou que o negacionismo do Governo Federal deixasse ainda mais mortos do que os 177 mil atuais.  

Noutras ocasiões, postou-se em defesa de minorias. Foi o caso da ADO nº 26, quando decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia. Porém, tal decisão é ambígua. Reforçou a defesa de grupos minoritários, mas, ao estabelecer um crime sem lei anterior que o defina, vulnerou um princípio milenar do direito penal (a legalidade). Teria sido melhor para Corte e para a democracia que se tivesse utilizado da técnica do “apelo ao legislador”.  

Em outras situações, o papel concreto do STF não foi tão positivo para a democracia. A Corte acaba de decidir sobre a impossibilidade de reeleição dos presidentes das casas legislativas dentro da mesma legislatura. Não deveria haver qualquer dúvida de que o art. 57, § 4º, da CF, diz o que efetivamente busca dizer. Permitir a reeleição dos dirigentes das casas legislativas por conta do reconhecido papel que desempenharam parece uma espécie de “casuísmo do bem”. Porém, mesmo os que votaram pelo respeito à literalidade do texto constitucional não o fizeram todos por respeito à Constituição, mas sim – alguns – por pressão da opinião pública. A tripulação cumpriu a ordem de Ulisses não por lealdade, mas porque, pega em flagrante pelo olhar do chefe, foi obrigada a retornar às posições.

Em algumas situações, o STF, ao invés de garantir a democracia, colocou-a em risco. Destaco a ADPF nº 402, ou “o dia em que um ministro do STF monocraticamente afastou um presidente de poder”, ocasião em que o Plenário da corte teve que, por assim dizer, “apagar o incêndio”, evitando uma crise institucional ainda maior. No caso do impeachmentde Dilma Rousseff, a polêmica decisão de “fatiar a pena” foi proferida numa sessão sob a presidência de um ministro da Corte. Em contraponto, não se pode esquecer que a Corte, durante todas as outras fases do longo processo de impeachment, cumpriu seu papel de guardião do procedimento, inclusive estabelecendo o “passo a passo” dos atos processuais.

Passamos incólumes por algumas sereias, mas a desconfiança de Ulisses em relação à tripulação não parece ter diminuído.  

Foi preciso que o próprio STF afastasse, por exemplo, interpretações tresloucadas que defendiam a possibilidade de uma “intervenção militar constitucional” (?). Uma leitura quimicamente aditivada do art. 142 da CF precisar de uma negativa expressa do mundo jurídico e da própria Corte já mostra que o canto das sereias é realmente tão atrativo quanto perigoso.

Recentemente, uma sereia chegou a tentar Ulisses oferecendo-lhe amordaçar a própria tripulação com a ajuda de um soldado e um cabo. Felizmente, nesse caso, Ulisses mais achou graça do que ficou tentado. Mas talvez seja o momento de a tripulação se concentrar em cumprir de forma cada vez mais denodada as ordens que Ulisses lhe transmitiu – nada mais, nada menos. Afinal de contas, toda a relação entre Ulisses e a tripulação é baseada na confiança recíproca. A nós, que queremos Democracia acima de tudo e a Constituição acima de todos, resta advertir Ulisses e cobrar da tripulação.

*Consultor Legislativo do Senado Federal. Mestre (Instituto Brasiliense de Direito Público) e Doutorando


Folha de S. Paulo: Em um mês no STF, Kassio ajuda Bolsonaro, vota a favor de Lula e se alinha à ala contra Lava Jato

Ministro atendeu as expectativas e tem ajudado Gilmar e Lewandowski no movimento para enterrar a operação

Matheus Teixeira, Folha de S. Paulo

No primeiro mês como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques ajudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em julgamentos importantes e foi voto decisivo contra a Lava Jato na Segunda Turma da corte.

O magistrado já votou a favor até do ex-presidente Lula (PT) para derrotar a operação e tem feito jus à fama de garantista, ou seja, com uma visão de mais respaldo às alegações dos réus.

Nesse caso, ele se juntou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.

Assim, ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.

No julgamento que discutiu a reeleição para as presidências da Câmara e do Senado dentro da mesma legislatura, Kassio ficou isolado ao adotar uma posição que correspondia exatamente à pretensão do Palácio do Planalto.

Ele foi o único a defender que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), poderia seguir no cargo, mas que o chefe da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, não teria esse direito porque já tinha sido reconduzido no posto. No final, a tese que permitia a reeleição, vedada pela Constituição, foi derrotada por 6 a 5.

Além deste caso, Kassio interrompeu julgamentos no plenário virtual de interesse de Bolsonaro e pediu para que sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência. Com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.

É o caso, por exemplo, de duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.

Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, votaram para obrigar o presidente a desbloquear os seguidores que entraram com as ações.

Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.

Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.

O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.

Na análise de matérias econômicas, Kassio seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na Reforma Trabalhista.

O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.

Em relação à Lava Jato, o ministro mostrou que seria contrário aos métodos dos investigadores já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.

Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.

Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo.

No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.

Kassio herdou a cadeira de Celso na Segunda Turma, que julga recursos contra decisões de instâncias inferiores da Lava Jato, e tem sido decisivo no movimento de enterrar a operação.

Kassio exerce papel de fiel da balança no colegiado, uma vez que os ministros Gilmar e Ricardo Lewandowksi praticamente sempre votam contra os interesses dos investigadores, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia costumam ir na corrente contrária.

Em outro movimento para enfraquecer a operação, o ministro ajudou a fixar uma tese que pode esvaziar a pretensão de Fux de enviar ao plenário todas as ações penais da Lava Jato.

Kassio acompanhou Gilmar ao decidir que não devem ser enviados ao plenário os recursos que ainda estejam em andamento na turma. Com isso, ajudou a derrotar a iniciativa de Fachin e manteve o caso do ex-deputado Washington Reis (MDB-RJ) no colegiado.

Kassio também frustrou as expectativas de Fux no julgamento do início deste mês que discute se o crime de injúria racial pode ser equiparado ao do racismo e, portanto, se tornar imprescritível também.

Após ganhar grande repercussão o assassinato de João Alberto Freitas no Carrefour em Porto Alegre em um suposto ato de racismo de dois brancos no supermercado, o presidente da corte pautou o caso para julgamento como forma de o Supremo dar uma resposta à sociedade sobre o episódio.

Fachin, relator do tema, votou pela equiparação dos delitos, mas Kassio divergiu e afirmou que não cabe ao Judiciário decidir se um crime prescreve, mas ao Congresso, responsável por editar as leis.

Ele citou inúmeros graves delitos que têm prazo de prescrição e defendeu a separação entre os Poderes. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Alexandre de Moraes.

Outra característica de Kassio é a brevidade de seus votos. O ministro antecipou seu estilo logo na estreia na Segunda Turma.

"Vossas Excelências vão ter a oportunidade de perceber que eu falo muito pouco. Não sou muito fã da minha própria voz. E sou fã do poder de síntese", disse ele, após as saudações de boas-vindas dos colegas.

Kassio tomou posse em 5 de novembro. A solenidade ocorreu pouco mais de um mês após a posse de Fux na presidência, que ficou marcada pela contaminação pelo novo coronavírus poucos dias depois de ao menos oito autoridades que estiveram presentes.

No caso de Kassio, foi anunciado que a solenidade seria virtual para evitar o contágio da Covid-19.

A cerimônia, porém, contou com a presença física das principais autoridades do país, como Maia, Alcolumbre, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o chefe da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, e os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.

Cinco dias depois, Moraes foi diagnosticado com a doença.

Como é praxe, o empossado não discursou na cerimônia. Apenas Fux usou a palavra, e fez elogios ao currículo de Kassio, um de seus pontos fracos durante o processo de escolha para o cargo, devido a inconsistências nos trabalhos acadêmicos apresentados.


Vera Magalhães: Eventual vitória de Bolsonaro é culpa de Maia, não do STF

É falacioso e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro.

Diferentemente da eleição municipal, na qual resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a anterior. Sem saber se movimentar no STF, Corte que tem vários assuntos delicados para si pendurados, o presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura para isso neste momento).

A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. Fazer beicinho e se dizer traído por aqueles que sempre jogou na fogueira chega a ser engraçado.

A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.

Ao dar corda para vários postulantes à sua cadeira enquanto havia outro, Arthur Lira (PP-AL), colocado há anos e já com o apoio do Planalto, o deputado do DEM sempre deixou implícito que estava embarcado no plano do correligionário Alcolumbre, ainda que em público dissesse o contrário. Agora larga atrás para montar uma estratégia que mantenha o bloco em torno de si coeso e destaque entre os vários pré-candidatos alguém capaz de vencer a dupla Bolsonaro-Lira.

É impossível? Não é. A economia patina, o governo não tem agenda na Câmara e a hesitação num assunto sensível à base dos deputados, que é a substituição do auxílio emergencial, joga contra o governo. Além disso, Lira é um candidato cheio de rolo, que não conta com a simpatia da opinião pública e que tem a imprensa, o Ministério Público e o STF nos calcanhares.

Se souber, como já soube no passado, catalisar essas deficiências e organizar o jogo, Maia tem chance de eleger um sucessor. Precisará, ainda, fazer com que os partidos que se opõem a Bolsonaro – e aí têm de entrar PT e PSDB, além de parcelas do que se convencionou chamar de Centrão – entendam que dar a ele o comando da Câmara agora é facilitar sobremaneira seu caminho para 2022.

Precisa metabolizar a derrota vexatória que passou neste fim de semana, e à qual se submeteu porque foi excessivamente vaidoso e não soube sair de cena e construir um sucessor, e partir para a ação o mais rápido possível, porque só resta um mês e pouco para colocar uma nova estratégia em prática.


Felipe Frazão: Disputa pelo comando da Câmara vira novo teste para medir força de Bolsonaro

Centro, que vai lançar candidato contra Bolsonaro em 2022, quer começar a derrotar presidente a partir da disputa pela presidência da Casa

BRASÍLIA - A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal permitir a reeleição para o comando do Congresso, mudando a interpretação de mandamento expresso na Constituição, abre caminho para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), assuma a candidatura especulada nos bastidores e consolide o apoio de partidos de esquerda em torno de seu nome, o que pode ser decisivo. O adversário mais forte é Arthur Lira (Progressistas-AL), um dos líderes do Centrão e aliado do Planalto.

Passadas as eleições municipais, em que praticamente todos os candidatos de Bolsonaro saíram derrotados, a disputa pelo comando da Câmara será mais um teste de fogo para o presidente da República e está sendo vista como a próxima “prévia” à sucessão de 2022. O escolhido de Bolsonaro vai concorrer contra um grupo de oposição que articula abertamente uma candidatura de centro ao Planalto daqui a dois anos.

Ter um aliado no comando da Câmara é imprescindível para Bolsonaro. O titular desse cargo é quem decide o que será votado em plenário, pode barrar todos os projetos de interesse do governo e inicia processos de impeachment contra o presidente da República.

Iniciada na sexta-feira, 4, a análise da possibilidade de reeleição na Câmara tinha até domingo quatro votos favoráveis e quatro contrários no STF; para o Senado o placar está cinco a três pró Davi Alcolumbre (DEM), que não tem adversários de peso na disputa. Maia precisa de mais dois votos no STF para derrubar a vedação legal à recondução ao cargo.

Enquanto Maia está proibido de concorrer, são cinco os nomes do Centro que disputam a vaga de candidato do seu grupo. Baleia Rossi (SP), líder do MDB e presidente do partido; Marcos Pereira (SP), presidente do Republicanos e nome mais forte na bancada evangélica; Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, antigo partido de Bolsonaro; e Elmar Nascimento (BA), líder do DEM. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria e fiel aliado do presidente da Câmara, também é candidato, embora seu partido tenha fechado com Lira. Parte deles pressiona para que um seja escolhido na semana que vem, mas Maia adia, seguindo no comando processo sucessório. Motivo: a oposição só aceita se unir a ele.

Esquerda

Os idealizadores do bloco buscam o apoio de PV, Rede, PSB, PDT, PCdoB, PT e PSOL, o que daria liderança folgada para manter o comando da Câmara. São 137 votos na mesa. As negociações com essas siglas de esquerda estão avançadas, mas há desconforto em fechar uma aliança no primeiro turno.

A esperança de Maia é a de ter, com a esquerda, cerca de 330 votos, suficientes para vencer a eleição em primeiro turno, sem correr riscos de levar a disputa a um segundo escrutínio. A eleição é encerrada por maioria absoluta, quanto um candidato atinge o número mágico de 257 votos. “Os líderes da oposição se acostumaram no trato com ele, confiam de certo modo. Então, não acho difícil ele se apegar nisso e na decisão do Supremo para seguir”, afirma Sâmia Bomfim, líder do PSOL. O partido, que tem dez deputados e é o mais radical na oposição a Bolsonaro, avalia manter a tradição histórica de lançar candidato próprio, desta vez, uma das cinco mulheres da bancada. Mas o objetivo, claro, é marcar posição política.

Outros partidos da esquerda devem intensificar reuniões a partir da próxima semana. “Vamos aguardar se, de fato, Rodrigo vai se declarar candidato”, diz a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC).

No momento, Maia diz que não será candidato, ainda que venha a ter aval do STF, mas não consegue convencer seus pares. Ele vem sendo avisado que os partidos querem um novo nome. Reservadamente, deputados envolvidos nas negociações apontam PSL e Republicanos, que somam 73 votos, com mais possibilidade de defecção caso ele insista em disputar.

Novo

Contrário à reeleição, o Partido Novo avalia que, apesar da discordância de mérito, a realidade política impõe que as bancadas de oposição a Bolsonaro conversem com o grupo liderado por Maia. “Lira é impossível”, afirma sem titubear o líder do Novo, deputado Paulo Ganime (RJ).

O candidato foi denunciado por um esquema de rachadinha, o que ele nega. “O grupo do Rodrigo Maia é melhor, mas é longe do que o Novo gostaria.” O presidente do Cidadania, Roberto Freire, adverte: “Pode ser um candidato do agrado ou não (da esquerda). O importante é derrotar Bolsonaro.”

Disputas têm candidatos avulsos e reviravoltas

Eleições do Legislativo costumam ter reviravoltas em cima da hora e com articulações em plenário. Há candidaturas registradas no dia da votação e renúncias. A regra prevê a apresentação dos candidatos no dia da eleição. O presidente Jair Bolsonaro conhece os métodos. Antes do Palácio do Planalto, ele tentou duas vezes comandar a Câmara. Em 2011, recebeu nove votos, e em 2017, quatro, de 513 possíveis. Era uma forma de marcar posição e ganhar holofotes. É o que deve ocorrer com a maioria dos contendores avulsos em fevereiro.

O eleito se torna o terceiro na linha sucessória do País. A bancada da bala, por exemplo, promete lançar o deputado Capitão Augusto (PL-SP), na disputa. A tentativa de Bolsonaro de eleger o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) é arriscada.

Só governos que saem fortalecidos das urnas costumam emplacar com facilidade seus favoritos, um mês depois da posse no Planalto. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) emplacou em 1995 o deputado Luis Eduardo Magalhães (PFL) com 385 votos, em primeiro turno. Em 2003, no primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PT lançou o deputado João Paulo Cunha como candidato único. Foram 434 votos. Em 2011, o candidato de Dilma Rousseff, o petista Marco Maia, conseguiu 375 votos.

Enquanto isso, em 2019, Bolsonaro não conseguiu sequer emplacar um candidato. Arthur Lira, sua aposta neste ano, conta com o apoio do PL, PP, PSD, Solidariedade e Avante, que somam 135 votos dos 257 necessários caso todos os 513 deputados participem da votação.

Confira os cotados para a presidência da Câmara

  • Arthur Lira (PP-AL) - ícone do Centrão apadrinhado pelo Palácio do Planalto.
  • Rodrigo Maia (DEM-RJ) - fiador das reformas, preside a Casa com apoio da oposição desde 2016.
  • Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) - aliado de Maia. Racha o Progressistas com Lira.
  • Baleia Rossi (MDB-SP) - representa a volta do MDB ao comando do Parlamento.
  • Marcos Pereira (Republicanos-SP) - candidato com mais força na bancada evangélica.
  • Luciano Bivar (PSL-PE) - presidente do segundo maior partido, o PSL.
  • Elmar Nascimento (DEM-BA) - líder dos Democratas na Câmara.

O Estado de S. Paulo: Decisão do STF zera o jogo na disputa na Câmara e no Senado, avaliam líderes políticos

Resultado do julgamento surpreendeu parlamentares, que esperavam um aval para a recondução no Congresso

Jussara Soares e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de barrar a reeleição dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), surpreendeu políticos que estavam acordados no fim da noite deste domingo, 6. A expectativa era a de que a Corte desse aval à recondução, conforme apontavam as tendências. Com a virada, as análises preliminares são que o resultado zera o jogo nas duas casas, mas a disputa se torna mais imprevisível no Senado.

Por 6 a 5, o STF decidiu não dar permissão à reeleição de Alcolumbre. No caso de Maia, a derrota foi ainda maior: o placar foi de 7 a 4. Os ministros Luís Roberto BarrosoEdson Fachin e o presidente do STF, Luiz Fux, votaram neste domingo contra a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara. Com os três últimos votos, o Supremo barrou a tese de reeleição no Congresso. 

No meio político, a avaliação é a de que a mudança no posicionamento dos ministros do STF ocorreu devido à pressão nas redes sociais diante da possibilidade de reeleição. No fim de semana, as hashtags #STFOrganizaçãoCriminosa e #STFVergonhaNacional foram usadas para criticar os ministros da Corte, que foram acusados de atentar contra a Constituição.

A eleição da cúpula do Congresso está marcada para 1.º de fevereiro de 2021. O resultado traz mais definição para a disputa na Câmara e reduz especulações. Apesar de Maia dizer a toda oportunidade que não era candidato à reeleição, a ideia permanecia.

Com isso, o grupo de aliados deverá definir agora o apoio em torno de um dos cinco nomes já pré-estabelecidos, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), Baleia Rosssi (MDB-SP), Elmar Nascimento (DEM-BA), Luciano Bivar (PSL-PE) e Marcos Pereira (Republicanos-SP). Entre eles, deve prevalecer quem conseguir conquistar os partidos da oposição.

Rossi, no entanto, pode ter de sair da corrida para dar lugar ao seu partido no Senado. Com Alcolumbre fora da jogada, cresce a expectativa de que o MDB tenha maioria para fazer o presidente na Casa. O Senado tem um número menor de candidatos e esperava uma definição do STF para organizar o xadrez de 2021. O líder do MDB, a maior bancada da Casa, Eduardo Braga (AM), já se movimenta para a disputa. No mesmo partido, Eduardo Gomes (TO) e Simone Tebet (MS) são apontados como possíveis candidatos.

O presidente do PTB, Roberto Jefferson, autor da ação que levou ao julgamento ao STF, tratou o resultado como uma vitória do seu partido. “O PTB ganhou de 6x5 no STF. Acabou a farra da reeleição na Câmara e no Senado. Deus seja louvado. Vitória do povo do Brasil”, disse. Jefferson disse que não esperava esse resultado, mas acredita que a virada aconteceu por “medo do povo”. 

O presidente do Progressistas, senador Ciro Nogueira (PI), afirmou não ter se surpreendido com o resultado, mas disse que o cenário do Senado agora está imprevisível. Ele era contra a reeleição de Maia, mas a favor da de Alcolumbre.

Pré-candidato à presidência da Câmara, em um grupo de aliados de Maia, o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, elogiou a decisão dos magistrados. “O STF agiu com responsabilidade ao recusar a tese casuística de reeleição no Parlamento. O § 4º do art. 57 da CF é absolutamente claro no seu teor, não cabendo interpretação diferente. Mudanças na CF devem ser promovidas dentro do Congresso Nacional, o locus adequado para isso”, escreveu Pereira, em sua conta no Twitter.

O líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (Novo-RJ), comemorou o resultado. “O STF decidiu hoje corretamente sobre algo que nem deveria estar decidindo. A CF é muito clara. O Brasil perdeu tempo, dinheiro e muito mais com essa discussão. Pelo menos não rasgaram a CF, não dessa vez”, disse, em sua conta no Twitter. 

O presidente do Cidadania, Roberto Freire, disse que o STF agiu com perfeição. “Rosa Weber, Marco Aurélio, Cármen, Barroso, Fux e Fachin colocaram o gênio de volta na lâmpada. Queriam arrastar o STF pra uma aventura política que enxovalharia a Corte e diminuiria a democracia a pretexto de salvá-la. Na democracia, as instituições são maiores do que os homens”, avaliou.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o deputado Marcos Feliciano (Republicanos-SP) disse que o resultado enfraquece o DEM, partido de Maia e Alcolumbre. “Decidiram manter a vedação da reeleição no Congresso! Acabou-se o delírio imperial de Rodrigo Maia! Agora é bola ao centro e recomeça o jogo. DEM sai muito enfraquecido”, disse ele, por meio das redes sociais.

O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), concordou com a decisão da Justiça. “Saem fortalecidas a Constituição, a democracia, a República. Saímos mais fortes desse episódio pra enfrentar os ataques de Bolsonaro a nossas instituições.”