prisão

Bruno Boghossian: Aos 100, Folha encara missão de expor investidas contra a democracia

Informação é pedra no sapato de autoridades que têm algo a esconder ou querem extinguir contestação

Quando um governante decide dar um passeio fora dos limites da democracia, alguns de seus primeiros alvos costumam ser os tribunais e a imprensa. O autocrata tenta intimidar as cortes porque sabe que juízes conseguem impor um freio imediato a medidas autoritárias. O jornalismo não tem esse poder nas mãos, mas é um obstáculo diante de candidatos a ditador.

Um público bem informado é uma pedra no sapato para autoridades que têm algo a esconder ou que precisam extinguir focos de contestação. Ditaduras não convivem bem com uma imprensa livre porque a circulação de informações estimula o país a discutir e decidir seus próprios rumos –algo que um tirano não consegue suportar.

É normal que um político fique incomodado com o que lê nos jornais. Pode reclamar da postura crítica de um veículo, de uma reportagem que teve um peso maior do que ele gostaria ou até de uma informação errada. Ainda que jornalistas possam ficar contrariados, esse debate faz parte das regras democráticas. O problema ocorre quando as autoridades preferem jogar outro jogo.

O mundo tem um punhado de populistas que se intitulam democratas, mas dizem que “o certo é tirar de circulação” jornais que os deixam aborrecidos. Fazem ataques virulentos à imprensa quase todos os dias e tentam classificar qualquer informação desconfortável como falsa.

Governantes dessa natureza usam a desinformação como arma política. De um lado, exploram o peso da máquina dos governos para torpedear a credibilidade do jornalismo profissional e reduzir o alcance de notícias verdadeiras. De outro, empunham o megafone de seus cargos para espalhar mentiras e convencer o país dos maiores absurdos ou apenas tumultuar o ambiente.

A imprensa livre ajuda a sustentar a democracia porque expõe investidas como essas e mostra que os fatos não se dobram aos desejos de qualquer autoridade do momento. Ao completar seu centenário, a Folha continua a encarar essa missão.


Rogério Furquim Werneck: Jair, Guedes e Lira

Não falta agora quem queira se convencer que, com sua nova escalação, o governo passará a funcionar como um relógio suíço. E a verdade é que nem mesmo se sabe para que lado girará o relógio. Para vislumbrar com mais clareza divergências que terão de ser enfrentadas, é preciso perceber que Guedes, o Centrão e Bolsonaro acalentam visões muito distintas do que será possível extrair de 2021.

Há 12 meses, Guedes esperava que, na esteira da reforma da Previdência, 2020 fosse o ano do aprofundamento da consolidação fiscal, em que seriam aprovadas as três PECs que o governo submetera ao Congresso no final de 2019. É bem sabido que nada disso aconteceu. E, pior, entregue ao negacionismo, diante da eclosão da pandemia, o governo acabou levado de roldão por pressões políticas em favor da adoção de medidas de amenização dos desdobramentos socioeconômicos da disseminação da covid-19. E, tendo em vista a pressa e a improvisação com que foram concebidas, as medidas afinal aprovadas acabaram tendo impacto primário de mais de 8% do PIB nas contas do governo central, no ano passado.

O esforço de consolidação fiscal que agora se faz necessário afigura-se incomparavelmente mais difícil do que parecia em fevereiro do ano passado. E é mais que natural, portanto, que o ministro da Economia acalente a esperança de transformar 2021 num ano de vigorosa retomada do esforço de consolidação fiscal que teve de ser abandonado em 2020.

No final do ano passado, Guedes contentou-se em ressaltar que a não prorrogação do auxílio emergencial havia sido um sinal importante de compromisso do governo com a responsabilidade fiscal. Comemoração um tanto precipitada. O recrudescimento da pandemia, as novas cepas do vírus e o desalento com o avanço da campanha de vacinação, em um quadro de desemprego ainda muito elevado e perspectiva de recuperação mais lenta da economia, vêm dando força redobrada às pressões políticas em favor da restauração do auxílio emergencial.

O ministro já se viu obrigado a recuar para posição mais conciliatória. Declara-se, agora, até disposto a conceder mais três ou quatro meses de auxílio emergencial se, em contrapartida, o Congresso lhe der condições de levar adiante o esforço de ajuste fiscal que se faz necessário. Quer vincular a concessão de novo auxílio à aprovação de gatilhos de contração de gastos que seriam a disparados na medida do agravamento da situação fiscal.

Tendo afinal se apossado da presidência da Câmara, com apoio ostensivo do Planalto, o que espera o Centrão de 2021? Que uso pretende dar ao temível poder de barganha com que agora poderá contar nas suas relações com o governo?

O agrupamento parece, de fato, um saco de gatos. A argamassa que lhe dá coesão é a visão comum, que seus integrantes compartilham, do que constitui a essência da atividade política: um processo de infindável extração de benesses do Estado para atendimento de interesses especiais. A ascensão de Arthur Lira à presidência da Câmara não caiu do céu. Foi fruto de longa campanha no Congresso. Sobram promessas de campanha a pagar.

É improvável que o Centrão não faça pleno uso da posição de força que agora detém para avançar para valer na ordenha do Estado. E se disponha a entregar a Guedes as chaves do acionamento de gatilhos que garantiriam o programa de corte de gastos públicos que o ministro contempla. Não entregará mais do que o estritamente necessário para livrar as autoridades fazendárias e o presidente da República do risco de responsabilização pela expansão fiscal que advirá da restauração do auxílio emergencial. E para manter as contas públicas em seu nível atual de precariedade.

Não será um desfecho que desagradará a Bolsonaro. Tendo solapado o avanço de todos os esforços mais sérios de ajuste fiscal no ano passado, o presidente tem outros planos para o Centrão. Proteção contra o impeachment e, na medida do possível, avanço da sua velha pauta conservadora no Congresso. Restaurado o auxílio emergencial, é o que, por ora, o mobiliza.


Reinaldo Azevedo: Silveira sequestra turma do miolo mole. Ou: a nossa moral e a deles

Senhores da oposição, tomem cuidado com uma eventual cassação que poderia servir à impunidade do criminoso Daniel Silveira

O lugar de Daniel Silveira é a cadeia. Agora e depois. É preciso cuidado para não oferecer a ele uma tábua de salvação. Se cassado, seu caso vai para a primeira instância, com o risco de o desfecho ficar para as calendas gregas, aquele tempo sem tempo. A Procuradoria-Geral da República já o denunciou ao Supremo com base nos artigos 344 do Código Penal e 18 e 23 da Lei de Segurança Nacional. Que se torne logo réu.

Que seja julgado, condenado e preso em regime fechado, com consequentes perda de mandato e inelegibilidade. Tudo de acordo com o devido processo legal. Ele sonha com surras públicas de gato morto em ministros do Supremo e convoca uma guerra não só contra os magistrados, mas também contra um Poder da República. A propósito: o general Eduardo Villas Bôas e pares se deram conta da qualidade dos aliados que mobilizam? É com esses Bombadões de Plutarco que pretendem construir a terra dos "homens de bem", sobre uma montanha de quase 250 mil cadáveres? Atenham-se aos quartéis.

A correta decisão do STF gerou mais debate entre advogados do que entre os pares de Silveira. Pois é. O que une os livros "Como as Democracias Morrem" (Steven Levitsky e Daniel Ziblatt), "O Povo contra a Democracia" (Yascha Mounk) e "Fascismo "“ Um Alerta" (Madeleine Albright), com olhares e ângulos às vezes bastante diversos? Os três registram a inércia dos regimes democráticos quando confrontados com a subversão reacionária.

Os Estados democráticos estão preparados para se defender de uma improvável disrupção revolucionária, mas não têm sabido responder, em tempos de redes sociais, ao devotado ódio dos extremistas de direita à democracia. Eles se apropriam de seus códigos para destruí-la. E podem encontrar aliados improváveis entre os ditos "progressistas" e liberais do miolo mole.

Confundir os crimes de Silveira com imunidade parlamentar —ou liberdade de expressão— corresponde a permitir que garantias constitucionais que protegem a democracia sejam usadas para solapá-la. Não há filigranas retóricas nem excertos supostamente sapientes que contestem essa evidência. Assim é no mundo.

No Brasil, a questão já passou pelo crivo do STF: a prerrogativa não acoberta crimes —e só por isso Jair Bolsonaro é réu duas vezes no tribunal. Ou se deveria, então, ter considerado a apologia do estupro protegida pela imunidade? Nesse caso, "progressistas" não fizeram coro aos bolsonaristas. Devem ter ficado com receio da vigilante militância feminista. Inexistem militantes "esseteefistas", né?

Flagrante discutível? Discutíveis são comida japonesa, o "Bolero de Ravel" e "single malt" defumado. O flagrante não. O artigo 302 do Código de Processo Penal define as condições da flagrância. O caso se encaixa à perfeição no inciso III do dito-cujo. Leiam lá. O CPP é de 1941, pré-YouTube, e veio à luz na forma do decreto-lei 3.689. A propósito: junto com o Código Penal, compõe o que alguns chamariam por aí de "arsenal da ditadura" —no caso, a do Estado Novo... Devemos evitá-los?

Defendo, noto, que a Lei de Segurança Nacional seja substituída pela Lei de Defesa do Estado Democrático, projeto do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), em parceria com juristas, liderados por Pedro Serrano e Lenio Streck. Mas não perderei a vida por delicadeza, como escreveu o poeta. Não combaterei o uso contra Silveira de uma "lei da ditadura", como dizem, para que ele possa esculhambar a República e defender o AI-5.

Será que eles podem, em nome de sua moral, pregar golpe de Estado, ameaçar as instituições, perseguir minorias, sabotar os esforços coletivos contra a Covid-19 etc.? E nós, os democratas, em nome da nossa —que compreende a defesa da liberdade de expressão— estaríamos impedidos de reagir, deixando, então, que nos engulam?

Ah, não sou peru de Natal de fascistoide. Não morro de véspera. Por isso, senhores da oposição, tomem cuidado com uma eventual cassação que serviria à impunidade. Silveira, como deputado, tem de ser julgado pelo Supremo. Segundo as mais severas regras do devido processo legal.


Felipe Betim: Daniel Silveira, o ‘pit bull’ bolsonarista eleito para atacar a democracia

Deputado federal, preso pelo STF na noite de terça-feira, ficou conhecido por quebrar a placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, uma violência simbólica que vem marcando seu mandato

policial militar licenciado Daniel Silveira (Petrópolis, 38 anos) ganhou visibilidade política nacional a poucos dias do primeiro turno das eleições de 2018. Na época candidato a deputado federal do Rio de Janeiro pelo Partido Social Liberal (PSL), quebrou durante ato de campanha a placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros em 14 de março daquele ano, junto com os hoje deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) e governador do Rio afastado Wilson Witzel (PSC). A ação foi exitosa. Silveira acabou eleito na esteira do bolsonarismo com 31.789 votos, com o lema “não é uma festa democrática, é uma guerra contra a corrupção”. De certa forma, aquele ato anunciou o que estava por vir.

Até acabar preso na noite desta terça-feira, a atuação parlamentar de Silveira foi marcada pela mesma violência simbólica que representou a quebra da placa de Marielle. Com 1,90 metro de altura e porte atlético, investe no personagem de pit bull bolsonarista sem papas na língua que parece a todo momento pronto a recorrer à violência física se preciso. Fala grosso com a esquerda, enfrenta jornalistas, faz ameaças nas redes sociais contra quem se coloca em seu caminho, defende publicamente a truculência policial. O parlamentar sempre se valeu do argumento de que, como cidadão, possui direito a liberdade de expressão. E, como deputado federal, tem direito a imunidade parlamentar que lhe garante passe-livre para falar o que quiser sem ser incomodado, mesmo passando de todos os limites razoáveis.

Foi fiel a esse estilo mesmo após ter sido preso em flagrante por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Já detido, se recusou a usar máscara de proteção durante sua passagem pelo Instituto Médico Legal (IML) e hostilizou uma policial civil. “A senhora não manda em mim não. Tá achando que sou vagabundo?”, questionou. “E se eu não quiser botar? Eu também sou policial e sou deputado, e aí?”, desafiou.

Em uma ocasião, Silveira já insultou o jornalista Guga Noblat e jogou seu celular no chão. Em outra, tentou entrar sem avisar no colégio federal Pedro II, no Rio de Janeiro, para fazer o que chamou de “vistoria”. A ação foi interpretada como intimidatória e gerou revolta nos estudantes, que enxotaram o parlamentar. Mais grave ainda, Silveira cotidianamente atenta contra a democracia ao defender com intervenção militar, um novo AI-5 ou o linchamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os vídeos que resultaram em sua prisão são o principal exemplo dessa atuação violenta e de seu flerte com o golpismo. Em um deles, se dirigiu ao ministro Edson Fachin: “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu  fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, desafiou. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”.

Em outro trecho, faz um ataque generalizado ao STF: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete”, afirmou. “Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

Parte da tropa de choque fiel ao presidente Jair Bolsonaro, o que fala e pensa reflete a essência ideológica da extrema direita bolsonarista. Essa doutrina se reflete nos 47 de projetos de lei que já apresentou. Alguns fazem guinadas a policiais, como o projeto que reconhece que profissionais da segurança fazem trabalhos insalubres e de risco, o que prevê isenção de IPI na compra de arma, munição e blindagem de veículo ou o que garante atendimento médico ao policial ou bombeiro ferido durante o exercício de sua função pública.

Em outros, pretende endurecer a pena de prisão para usuários de drogas, aumentar as condições para que presos possam sair temporariamente da cadeia, permitir que professores usem armas não-letais nas escolas para se defender ou instituir um dia em memória das vítimas contra o comunismo —a data seria 31 de março, a mesma golpe militar no Brasil em 1964. Somente um projeto foi aprovado: a criação do Dia Nacional de Políticas de Prevenção de Desastres Naturais e Calamidades Públicas.

Conduta pouco exemplar

Essa arrogância se expressa em sua recusa em se apresentar ao Ministério Público Federal, que há oito meses tenta escutar Silveira no âmbito de um inquérito que investiga o ex-policial por improbidade administrativa, segundo informou a revista Época. Silveira há meses paga 10.000 reais mensais a um advogado de Petrópolis e tem valor reembolsado pela Câmara, sob o argumento de que recebe consultoria para a produção de projetos de lei. Até o momento, 190.000 reais de dinheiro público foram gastos.

Sua atuação como policial militar durante os mais de cinco anos em que esteve ligado à corporação também está longe de ter sido exemplar. “Em virtude de numerosas transgressões disciplinares cometidas ao longo de 2013 e 2017, por atrasos e faltas aos serviços”, afirma um boletim interno publicado pelo portal The Intercept, “o soldado acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências”. O então policial chegou a acumular 26 dias de prisão e 54 dias de detenção no quartel, o que deixa “cristalina a sua inadequação ao serviço na Polícia Militar”, diz o documento. “Fui preso por bater de frente com a arbitrariedade, contra ordens absurdas de alguns oficiais. O regulamento da PM, que é militar, é extremamente rígido”, disse em vídeo publicado no Facebook.

Mesmo antes de ingressar na corporação, Silveira já dava amostras de ser incompatível com o serviço público. Durante o processo, foi descoberta uma prisão por suspeita de venda de anabolizantes em academias de Petrópolis. Com essa passagem pela polícia em seu histórico, Silveira teve de recorrer à Justiça para finalmente entrar na corporação. Um processo para impedir sua permanência foi aberto, mas acabou arquivado em 2014 após chegar ao Supremo e sofrer vários vaivéns jurídicos.

Uma vez dentro da corporação, foi transferido para o batalhão de Duque Caxias, na Baixada Fluminense —região dominada por grupos milicianos—, onde costumava filmar com o celular suas ações de patrulhamento. Em perfil publicado pela revista Piauí, afirmou rindo que não dava para contar quantas vezes apertara o gatilho. “Matei o quê? Uns doze, por aí, mas dentro da legalidade, sempre em confronto”, afirmou.


Igor Gielow: Prisão de deputado mostra os custos do bolsonarismo para os Poderes

STF confirma decisão de Moraes em momento de tensão da corte com militares

A decisão do Supremo Tribunal Federal de manter preso deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) demonstra a extensão dos danos do bolsonarismo à relação entre Poderes no Brasil.

Num preâmbulo, a decretação da prisão pelo ministro Alexandre de Moraes deu oxigênio a uma fogueira cujas brasas foram animadas pelo general Eduardo Villas Bôas, jogando no mesmo escaninho de confusão institucional temas que são imiscíveis —embora guardem raízes genéticas, por assim dizer.

A tensão na praça dos Três Poderes havia sido reduzida consideravelmente no país após a prisão do faz-tudo do clã Bolsonaro Fabrício Queiroz, que levou o presidente a recolher-se e estabelecer uma dança com o centrão que acabou no baile dado por Arthur Lira (PP-AL) ao conquistar a Câmara dos Deputados.

Claro, impropérios seguiram sendo ditos e descaminhos trilhados, em especial na condução da pandemia da Covid-19, mas as palavras Planalto, golpe, Supremo e militares pararam de frequentar conversas como ocorria de forma quase ligeira até junho do ano passado.

Agora, o flagrante contra Silveira após um vídeo de baixo calão que só não é inacreditável porque trata-se de um bolsonarista de quatro costados na tela, evidencia o custo da associação institucional com o movimento ideológico que tem no presidente o líder.

Aliados de Bolsonaro correm para dizer que ele não é Silveira, mas parecem não ter visto o tuíte do filho presidencial Carlos lamentando a prisão do amigo.

Com a previsível confirmação da prisão pelo plenário do Supremo, sobraram a Lira duas opções para a análise do cargo.

A do fígado, usar o corporativismo e relaxar a prisão de Silveira, que alguns especialistas apontam como de difícil justificativa no modo flagrante, embora o crime seja evidente.

Para quem tem a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de assassinato, solta nos corredores da Câmara, não é um preço moral alto.

A outra saída, cerebral, seria compor um acordo que talvez poupe Silveira da cadeia, mas que o coloque no patíbulo do Conselho de Ética imediatamente.

Seria uma forma de dar alguma satisfação extra corporis. Como lembrou o decano Marco Aurélio Mello, agora Lira terá de analisar não uma decisão monocrática, e sim do plenário por unanimidade.

Seja como for, o presidente da Câmara não tem nem três semanas no cargo e já paga o preço institucional de associação com o bolsonarismo extremado. Silveira inclusive envolveu o Senado em suas críticas.

"Lá no Senado tem muito senador na mãozinha de vocês. E vocês estão nas mãos de muitos senadores", esbraveja o deputado seu monólogo direcionado ao Supremo.

Como não se vê de Bolsonaro disposição de promover uma versão política da Noite das Longas Facas, quando em 1934 Adolf Hitler eliminou a cabeça das SA (Tropas de Assalto) que lhe pavimentaram a chegada ao poder para então consolidar sua aliança condicional com o establishment alemão, a questão que fica é outra.

Lira irá apenas colocar mais um item na fatura apresentada ao Planalto por seu apoio ou começará a ponderar o custo de sua adesão?

Até aqui, pautas bolsonaristas mais explícitas já sofrem bombardeio no Congresso, disposto a tocar agendas econômicas simpáticas ao Planalto. Mas ele também viu temas caros ao centrão, como o enterro da Lava Jato, sendo levados em frente.

Mas há dimensões adicionais à crise em plena data que já foi conhecida como Quarta-Feira de Cinzas.

É indissociável do contexto da decisão confirmada pelos ministos do STF o braseiro mexido pelo general Villas Bôas ao revisitar a confecção do tuíte em que tentava emparedar a corte a não impedir a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2018.

O ex-comandante do Exército, em livro-depoimento lançado pela Fundação Getúlio Vargas, traça claramente o cenário em que discutiu a nota com o Alto-Comando da Força em um ambiente de crescente antipetismo e adesão à candidatura Bolsonaro.

Afinal, como a Folha mostrou no domingo (14), o texto de admoestação era ainda mais duro e segundo Villas Bôas foi lido por três generais que são ministros de Bolsonaro —ao menos um, Luiz Eduardo Ramos, nega ter participado.

Essas revelações precipitaram a reação do ministro Edson Fachin, que levou Silveira a produzir o chorume virtual contra o Supremo, que por sua vez horrorizou outros membros da corte.

Na quarta (16), pelo menos três deles conversaram, inclusive dois críticos de Fachin, levando ao pedido de reação por parte de Moraes —que adota linha dura contra os radicais do bolsonarismo desde o ano passado. O presidente do Supremo, Luiz Fux, não participou da articulação.

Para os militares, a saída até aqui foi o silêncio. Repercutiu mal, mesmo entre oficiais-generais que apoiam a posição de Villas Bôas, ele ter tripudiado de Fachin ao questionar no Twitter por que ele demorou três anos para ver na postagem de 2018 uma ameaça.

Os militares, o comandante do Exército Edson Leal Pujol à frente, riscaram uma linha no chão e tentaram de alguma forma dissociar-se do dia-a-dia de um governo que tem 9 fardados entre seus 23 ministros, inclusive o contestado general da ativa Eduardo Pazuello (Saúde).

Inexequível como fato, deu mais ou menos certo como imagem. Agora, tudo isso é colocado em xeque, com o bônus de verem Silveira, que simboliza um radicalismo ao qual os generais dizem ter asco, no mesmo lado do ringue que eles.

O problema adicional é que a narrativa de Villas Bôas no livro explicita que, no berço, muito da espuma produzida pela hidrofobia bolsonarista tem DNA verde-oliva: o ódio ao PT, ao politicamente correto, ao que percebiam como revanchismo de esquerda.

Agora caberá à surradas instituições, testadas o tempo todo sob Bolsonaro, acharem uma acomodação para mais esse espasmo. A bola está com Lira.


Metropóles: MPF denuncia deputado Daniel Silveira ao Supremo por agressões à Corte

Denúncia foi resposta da Procuradoria-Geral da República (PGR) a ataques contra integrantes do Supremo feitos pelo deputado federal

Flávia Said, Metropóles

O Ministério Público Federal (MPF) denunciou nesta quarta-feira (17/2) o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) ao Supremo Tribunal Federal (STF). A denúncia acusa o deputado de três crimes: 1) praticar agressões verbais e graves ameaças contra ministros da Corte para favorecer interesse próprio, 2) incitar o emprego de violência para tentar impedir o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário e 3) incentivar a animosidade entre as Forças Armadas e o STF.

A denúncia, assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, foi apresentada minutos após o Plenário do Supremo manter, por unanimidade, a prisão em flagrante do parlamentar por crime inafiançável.

A prisão foi determinada após o parlamentar divulgar vídeo em que dispara ataques aos integrantes da Corte, com especial destaque a Edson Fachin, que subiu o tom contra declaração de 2018 feita pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas.

No vídeo, Silveira afirma que os 11 ministros do Supremo “não servem pra porra nenhuma pra esse país”, “não têm caráter, nem escrúpulo, nem moral” e deveriam ser destituídos para a nomeação de “11 novos ministros”. Ele também fez apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), mais duro instrumento de repressão da ditadura militar (1964-1985).

Mais sobre o assunto

“Neste último vídeo, não só há uma escalada em relação ao número de insultos, ameaças e impropérios dirigidos aos ministros do Supremo, mas também uma incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Tribunal, quando o denunciado, fazendo alusão às nefastas consequências que advieram do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, entre as quais cita expressamente a cassação de ministros do Supremo, instiga os membros da Corte a prenderem o general Eduardo Villas Bôas, de modo a provocar uma ruptura institucional”, descreve a denúncia.

Resposta da PGR às declarações do deputado federal, a denúncia é uma acusação formal feita na Justiça que, se recebida, torna réu o investigado e dá início a uma ação penal. Como o deputado tem foro privilegiado, cabe ao Supremo analisar o caso.

Prisão em flagrante

Silveira foi preso em sua casa, em Petrópolis (RJ), pela Polícia Federal (PF) no fim da noite de terça, dia em que compartilhou nas redes sociais o vídeo com os ataques ao Supremo. Ele está detido na Superintendência da PF no Rio.

O parlamentar já é investigado pelo STF em dois inquéritos: o que investiga a propagação de fake news e o que mira o financiamento e organização de atos antidemocráticos em Brasília.

Em junho, ele foi alvo de buscas e apreensões pela Polícia Federal e teve o sigilo fiscal quebrado por decisão do ministro Alexandre de Moraes, que é o relator dos inquéritos.


O Globo: Por unanimidade, STF mantém prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira

Decisão foi expedida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news

Carolina Brígido, O Globo

BRASÍLIA — Por unanimidade, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmaram nesta quarta-feira a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada ontem pelo ministro Alexandre de Moraes. No início da sessão, antes de iniciada a votação, o presidente da Corte, Luiz Fux, fez um breve discurso em prol da harmonia entre os Poderes e em defesa do STF.

— Compete ao Supremo Tribunal Federal zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras, promovendo a estabilidade democrática, estimulando a construção de uma visão republicana de país e buscando incansavelmente a harmonia entre os Poderes. Por esses motivos, esta Corte mantém-se vigilante contra qualquer forma de hostilidade à instituição. Ofender autoridades além dos limites permitidos pela liberdade de expressão que nós tanto consagramos no STF exige necessariamente uma pronta atuação da Corte — disse Fux.

Apoiador do presidente Jair Bolsonaro, Silveira é investigado no inquérito dos atos antidemocráticos, que apura a organização e realização de manifestações com ataques ao Legislativo e ao Judiciário, e também no inquérito das fake news, que apura ataques aos ministros da corte. A prisão ocorreu por flagrante delito por crime inafiançável e foi determinada de ofício pelo ministro dentro do inquérito das fake news, sem pedido da Polícia Federal ou da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Antes de determinar a prisão, Moraes consultou alguns ministros, de quem obteve apoio para colocar a medida em prática. O presidente da Corte, Luiz Fux, foi um dos que concordaram com a ideia de Moraes. Portanto, a expectativa já era de que o plenário mantivesse válida a ordem de prisão. A medida foi determinada porque o parlamentar publicou um vídeo com ataques aos ministros do Supremo. Em um dos trechos mais agressivos, ele diz que gostaria de ver ministros da Corte “na rua levando uma surra”.

— Por várias e várias vezes, já te imaginei (Fachin) levando uma surra. Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime. Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime — afirmou Silveira.

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Ao votar em plenário, Moraes defendeu a manutenção da prisão em flagrante ordenada contra Silveira. O ministro considerou “gravíssima” a conduta do parlamentar.

Veja: A íntegra da decisão do STF que mandou prender em flagrante o deputado Daniel Silveira

— As suas declarações (do deputado), a sua incitação à violência não se dirigiu apenas a diversos ministros da Corte, ofendidos pelas mais abjetas declarações, mas muito mais do que isso: suas manifestações dirigiam-se a corroer a estrutura do regime democrático e do Estado de Direito, fazendo apologia à ditadura, ao AI-5, pleiteando o fechamento do STF, incitando a violência física, nos limites inclusive da morte de ministros, porque não concorda com posicionamentos — disse, acrescentando:PUBLICIDADE

— Muito mais do que crimes contra a honra praticados contra ministros do STF e a instituição, muito mais do que ofensas pesadas, aqui as manifestações tinham o mesmo intuito de corroer o sistema democrático brasileiro, de abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito brasileiro.

O ministro lembrou a vida pregressa recente de Silveira. Citou que, em 2019, o parlamentar quebrou a placa feita pela prefeitura do Rio de Janeiro em homenagem à vereadora Marielle Franco, que havia sido assassinada meses antes. Ele também entrou à força do colégio carioca Pedro II para denunciar o suposto uso de material de conotação política em ambiente escolar. O deputado só deixou o local quando a escola chamou a Polícia Federal.

Em outra ocasião, se recusou a usar máscara de proteção individual em um avião durante a pandemia do coronavírus. A PF foi acionada e o a aeronave precisou pousar para o parlamentar ser retirado. Moraes ressaltou também que, quando foi preso na terça-feira, Silveira voltou a se recusar a utilizar máscara no Instituto Médico Legal (IML) e desacatou a policial que pediu que ele realizasse o procedimento.

Na decisão de ontem, Moraes escreveu que “as condutas criminosas do parlamentar configuram flagrante delito, pois verifica-se, de maneira clara e evidente, a perpetuação dos delitos acima mencionados, uma vez que o referido vídeo permanece disponível e acessível a todos os usuários da rede mundial de computadores, sendo que até o momento, apenas em um canal que fora disponibilizado, o vídeo já conta com mais de 55 mil acessos”.

Pouco antes de ser preso, Silveira gravou um novo vídeo com provocações a Moraes. O parlamentar relatou na gravação que a Polícia Federal estava naquele momento em sua residência com um mandado de prisão, mas os policiais não aparecem nas imagens. Silveira afirmou que a decisão descumpria sua “prerrogativa constitucional” de deputado federal.

— Ministro, eu quero que você saiba que você está entrando numa queda de braço que você não pode vencer. Não adianta você tentar me calar. Eu já fui preso mais de 90 vezes na Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro — disse, em recado a Moraes.


O Estado de S. Paulo: Aliados de Lira avaliam rejeitar prisão de Silveira e enviar caso ao Conselho de Ética

Deputado bolsonarista foi detido após divulgar um vídeo com apologia ao AI-5, além de discurso de ódio e xingamentos contra os integrantes da Corte

Daniel Weterman, Vinícius Valfré e Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), se articulam para rejeitar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-SP), mas de uma forma que evite passar a imagem de afronta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia avaliada nos bastidores, principalmente por partidos do Centrão, éderrubar a ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes, referendada, por unanimidade, pelo plenário da Corte. Na tentativa de contornar o desgaste, porém, o grupo tenta construir um acordo para enviar o caso ao Conselho de Ética da Casa, que está parado desde o ano passado por causa da pandemia do novo coronavírus.

Silveira, um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, foi preso no fim da noite desta terça-feira, 16, por ordem de Moraes. A decisão ocorreu após o deputado divulgar um vídeo com apologia ao Ato Institucional nº 5 (AI-5), além de discurso de ódio e xingamentos contra os integrantes da Corte.

Moraes considerou que a postagem feita por Silveira configurou desrespeito à Lei de Segurança Nacional ao atentar contra a independência dos Poderes e contra a democracia. Pela Constituição, um deputado só pode ser preso por “flagrante de crime inafiançável”, devendo a Câmara ser comunicada em um prazo de 24 horas para confirmar ou rejeitar a decisão.

Em público, líderes partidários mais envolvidos na construção do acordo têm evitado fazer considerações sobre o episódio, mas, a portas fechadas, há articulações para salvar Silveira. A proposta de enviar o caso ao Conselho de Ética, que, em tese, passaria a analisar um processo de cassação contra o deputado por quebra de decoro parlamentar, seria apenas para ganhar tempo e dar uma resposta à opinião pública e ao próprio Supremo.

Na prática, este será o primeiro teste de fogo de Lira no comando da Câmara. O desfecho do processo liderado por ele poderá representar um enfrentamento ao STF ou um aceno a seus pares, que também têm demandas judiciais na Corte e se incomodam com a pressão de ministros sobre eles.

Levantamento feito pelo Estadão sobre a ficha corrida dos congressistas eleitos em 2018 mostrou que um terço deles é alvo de investigações. O próprio Lira responde a inquéritos em tramitação no Supremo: um relacionado a desvios na Companhia Brasileira de Trens Urbanos e outro na Lava Jato, do chamado “quadrilhão do PP”. Agora, ele tenta construir um acordo para que a crise não se torne uma afronta ao mesmo STF que o tornou réu.

Para barrar a prisão de Silveira, parlamentares devem argumentar que, embora considerem graves as declarações do deputado, Moraes exagerou ao determinar a prisão “em flagrante” após a postagem do vídeo. Nos bastidores, há um temor de que a confirmação da decisão do ministro abra um precedente.

O primeiro vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), afirmou que Silveira cometeu crimes, mas que é preciso avaliar tecnicamente a necessidade de prisão. “A despeito dos ânimos exaltados, o julgamento não deve ser sobre quem falou e o que falou, mas sobre a existência ou não do flagrante. Lembremos que essa decisão gerará precedente”, disse Ramos.

Na mesma linha, o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), também aliado do Palácio do Planalto, alertou para uma brecha no futuro. “Não concordo com o perfil do deputado, mas o STF não é o dono do Brasil. Hoje foi Daniel, amanhã pode ser qualquer um de nós”, escreveu o parlamentar.

Para o líder da bancada do Novo, Vinícius Poit (SP), houve abuso na decisão de Moraes porque Silveira deveria ser processado antes pelos ataques, como qualquer outro cidadão. Embora não concorde com o teor das declarações do colega, Poit disse que a tendência é a bancada da sigla rejeitar a prisão.

“Estamos tendendo a votar pela rejeição da prisão. A gente tem que pontuar que não concordamos com o que ele falou, mas estamos estudando se cabe alguma coisa no Conselho de Ética ou não. Liberdade é liberdade. Não podemos aplicar a lei só quando nos convém”, afirmou o líder do Novo.

A estratégia para trocar a prisão de Silveira por providências internas enfrenta, porém, resistência mesmo entre integrantes do grupo mais próximo ao governo e a Lira. O receio desses parlamentares é de que uma eventual abertura de processo no Conselho de Ética seja interpretada como tentativa de ludibriar a opinião pública e o STF. O colegiado está desativado por causa da pandemia e ainda nem começou a analisar o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar matar o marido.

Um dos principais aliados de Lira, o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) disse que sua posição ainda não está definida. “Que a decisão do ministro Alexandre vai além do artigo 53 da Constituição Federal (sobre a prisão em flagrante), ela vai. Mas a forma como o colega deputado abordou é humilhante para os ministros da Suprema Corte”, admitiu ele.

Já na avaliação do deputado Fábio Trad (PSD-MS), a decisão de Moraes não ofende direitos dos parlamentares e está correta sobre a prisão em flagrante. Para o parlamentar, um “meio-termo”, com envio do caso ao Conselho de Ética, seria uma mensagem negativa da Câmara à sociedade.

“São 19 minutos de ofensas que estão sendo reportadas e chegando ao conhecimento do público pela postagem. As consumações se perpetuam no tempo. Não vejo violação de prerrogativas do Parlamento”, destacou Trad. “Até ele ter o direito, a tramitação, a ampla defesa, o contraditório (no Conselho de Ética), qual a mensagem que o Parlamento transmite à sociedade? Isso não pode. Não há liberdade para a prática de crimes. E ele praticou”.

Oposição defende cassação de Daniel Silveira

Enquanto os partidos aliados a Lira se movimentam para rejeitar a prisão de Silveira, a oposição quer marcar posição e cassar o mandato dele, sob o argumento de quebra de decoro.

O líder do PT na Casa, Ênio Verri (PR), disse que o partido vai se posicionar a favor da cassação do mandato de Silveira. “Vou me posicionar a favor da instalação do Conselho de Ética, que é quem deve decidir. Mas sou a favor da cassação do mandato dele, pelo histórico, não apenas pelo fato. Ele é reincidente, e uma pessoa que não honra o que jurou sob a Constituição tem de responder por isso”, afirmou.

A primeira vice-líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), disse que Silveira “confunde imunidade parlamentar com impunidade” e abusa da liberdade de expressão para cometer crimes. “O deputado atenta contra a Constituição e os pilares da Democracia, diminuindo a autoridade do STF e a independência dos Poderes”, observou ela. “O Parlamento não pode assistir a tudo isso e não puni-lo. Precisamos manter a prisão, levá-lo ao Conselho de Ética e cassar o mandato dele.”

O PSOL entrou com representação para cassar o mandato do deputado no Conselho de Ética da Câmara. Aliados de Lira, no entanto, dizem ser preciso reativar o colegiado para avaliar eventuais punições mais leves a Silveira, entre elas a suspensão.

O líder do PSDB na Câmara, Rodrigo de Castro (MG), não antecipou qual será a orientação à bancada na votação sobre manter ou não a prisão, mas reprovou os ataques feitos por Silveira aos ministros do Supremo.

“As declarações são estarrecedoras. Trata-se de um dos ataques mais ultrajantes que a Suprema Corte já sofreu”, observou Castro. “No âmbito da Câmara, o foro para apurar as infrações cometidas pelo deputado é o Conselho de Ética, mas, ainda assim, todas as penas que possam ser aplicadas contra ele são insuficientes frente ao que a sociedade espera”.

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Bernardo Mello Franco: Bispo no xadrez - Crivella foi mau prefeito e mau profeta

Depois de se mostrar um mau prefeito, Marcelo Crivella também se revelou um mau profeta. O bispo passou a campanha anunciando a prisão do adversário Eduardo Paes. Ontem ele é que foi em cana, acusado de chefiar um esquema de corrupção.

De acordo com as investigações, o grupo começou a faturar antes da eleição de 2016. Quando o bispo virou prefeito, seus aliados montaram um “quartel-general da propina” para fraudar licitações e achacar fornecedores.

O Ministério Público apontou Crivella como o “vértice” da organização criminosa. O principal operador era o lobista Rafael Alves. Ele instalou o irmão na Riotur e passou a despachar na Cidade das Artes e acompanhar as caminhadas matinais do prefeito.

Ao examinar as provas, a desembargadora Rosa Helena Guita concluiu que a quadrilha atuou de modo permanente, “ao longo dos quatro anos de mandato” e “nos mais variados setores da administração”.

Às vésperas do Natal, ela determinou que o bispo fosse recolhido ao xadrez. Os fundamentos da prisão preventiva eram questionáveis, e a decisão foi cassada horas depois pelo STJ. No entanto, o desvio de ao menos R$ 53 milhões parece bem documentado na denúncia.

O esquema de Crivella recicla personagens de outros escândalos fluminenses. O doleiro Sergio Mizrahy, que delatou o grupo, já havia sido preso na Lava-Jato. O empresário Arthur Soares, acusado de abastecer a turma, reinou no governo de Sérgio Cabral.

O marqueteiro Marcelo Faulhaber, denunciado como integrante da quadrilha, coordenou a campanha de Paes neste ano. Por via das dúvidas, o prefeito eleito evitou festejar a derrocada do rival.

A prisão de Crivella antecipa o fim de uma gestão marcada pela desordem administrativa e pela mistura entre fé e política. Ele já havia garantido o título de pior prefeito da história da cidade. Ontem saiu de cena de camburão, a nove dias do fim do mandato.

A queda do bispo abala o projeto de poder da Igreja Universal. Edir Macedo apostava no sobrinho para mandar sem intermediários. Agora terá que barganhar mais espaço no governo do aliado Jair Bolsonaro


El País: Prisão de Marcelo Crivella fecha ano infernal da política no Rio de Janeiro

Além da detenção domiciliar do prefeito, Estado teve governador sofrendo impeachment por acusações de corrupção, a exemplo dos mandatários anteriores. Enquanto isso, covid-19 avança e lota hospitais

Ana Paula Grabois, El País

2020 vem sendo um ano difícil para o Brasil, entre uma pandemia que já deixou mais de 188.000 mortos e uma crise econômica que poderá levar milhões de pessoas ao desemprego e à pobreza. No Rio de Janeiro, entretanto, o ano ganhou um contorno extra de agonia: uma crise política cada vez mais profunda, que culminou nesta terça-feira com a prisão do prefeito da capital, Marcelo Crivella (Republicanos), pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, acusado de liderar uma organização criminosa dentro da prefeitura para praticar corrupção ―no fim da noite, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, concedeu prisão domiciliar ao prefeito, com o uso de tornozeleira eletrônica. De acordo com o magistrado, Crivella não apresenta periculosidade o bastante para permanecer preso em uma penitenciária.

Além de preso, Crivella também foi afastado do cargo. O Rio terá como prefeito nos últimos nove dias deste ano o presidente da Câmara de Vereadores da cidade, Jorge Felippe (DEM), até a posse em 1º de janeiro de Eduardo Paes, filiado ao mesmo partido, vencedor da última eleição municipal ao derrotar o próprio Crivella. Via rede social, Paes disse que irá manter o trabalho de transição para o cargo. O episódio da prisão tem pitadas de ironia. No último debate na TV antes do segundo turno da eleição, Crivella afirmou repetidas vezes que o adversário iria ser preso.

A prisão ocorre depois de o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ser afastado do cargo em agosto e ter seu impeachment aprovado pelo parlamento fluminense devido a diversas denúncias envolvendo fraudes em contratos na área da saúde, principalmente os emergenciais para a compra de equipamentos e a construção e operação dos hospitais de campanha para tratamento da covid-19.

O histórico recente dos governadores do Rio, aliás, é trágico. Os dois antecessores de Witzel estão presos devido às investigações do braço da Operação Lava Jato no Estado. O ex-governador Sérgio Cabral foi preso em 2016, após deixar o cargo, e está no Complexo Penitenciário de Bangu. Já o ex-governador Luiz Fernando Pezão, preso em 2018, está em prisão domiciliar. O casal Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que governou o Estado antes de Cabral, também já foi preso. Hoje os dois estão em liberdade, embora processos que motivaram as prisões ainda tramitem no Judiciário. Garotinho chegou a ser preso cinco vezes. Rosinha, três. Houve ainda a prisão do ex-governador Moreira Franco em 2019, quando era ministro do governo Michel Temer. Moreira Franco ficou preso por quatro dias devido à Lava Jato.

Como se não bastasse o caos na política, o Rio também enfrenta uma taxa de ocupação de mais de 90% dos leitos de UTI da rede pública em plena epidemia, poucas semanas após Crivella ―ainda durante a campanha em busca da reeleição à prefeitura― autorizar a volta de banhistas às praias, aumentar a flexibilização para o uso de bares e restaurantes e permitir a prática de esportes em espaços públicos, além da volta às aulas nas redes pública e privada. Desde o início da pandemia da covid-19, o Estado do Rio de Janeiro já acumula mais de 24.000 mortos.

QG da Propina

Como motivo da prisão, o Ministério Público do Rio de Janeiro acusa Crivella e mais seis pessoas de praticar os crimes de corrupção, peculato, fraudes a licitações e lavagem de dinheiro. Os promotores também teriam identificado uma movimentação atípica de quase 6 bilhões de reais na Igreja Universal do Reino de Deus entre maio de 2018 e abril de 2019, de acordo com o portal UOL. Ao chegar à delegacia para ser preso, o prefeito declarou ser alvo de “perseguição política” e que espera por “justiça”. “Fui o governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, disse.

A detenção preventiva do grupo tem relação com o chamado QG da Propina, um esquema supostamente operado por Rafael Alves, amigo de Crivella que despachava na prefeitura sem ter cargo oficial. Também preso nesta terça-feira, Rafael é irmão de Marcelo Alves, que presidiu a Riotur, a empresa municipal de turismo. Rafael operava nas dependências da Prefeitura do Rio a partir da indicação de postos-chave, como no Tesouro Municipal e de acordo com o MP , negociava propinas com empresários que buscavam pagamentos devidos ou manutenção de contratos. Além dos sete presos, 26 pessoas foram denunciadas no esquema. Segundo o Ministério Público do Estado, tratava-se de “uma bem-estruturada e complexa organização criminosa liderada por Crivella” que atuava desde 2017, ano em que iniciou o seu mandato.

Como mostrou reportagem do EL PAÍS em setembro, em um vídeo gravado durante a busca e apreensão na casa dele, em março, Crivella supostamente liga para um dos celulares de Rafael Alves para avisar de uma busca na Riotur e é atendido pelo delegado da Polícia Civil responsável pela ação. Ao perceber que não se tratava de Alves ao telefone, Crivella encerra a chamada. A desembargadora Rosa Helena Guita, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a ordem de busca na ocasião e determinou a prisão do prefeito nesta terça, disse que na época que “a subserviência de Crivella a Rafael Alves é assustadora”.

O prefeito passou a ser investigado após a delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, em 2018, no âmbito da Operação Lava Jato. Em setembro, no pedido para busca e apreensão na casa de Crivella, os promotores do MP diziam que a organização criminosa praticava “toda a sorte de crimes contra a administração” e que a sua “nefasta atuação se espalhou por todo o tecido da administração municipal do Rio de Janeiro, consistindo, o seu modus operandi, em um verdadeiro mecanismo predatório de governo, em que todas as facetas da administração são enxergadas como oportunidades para a consumação de novas negociatas espúrias”.

Agarrado a Bolsonaro

Durante sua gestão, Crivella foi alvo de três votações de impeachment na Câmara dos Vereadores e conseguiu se livrar de todos. Desaprovado por cerca de 70% dos cariocas, perdeu a reeleição para o seu antecessor. No segundo turno, a maioria dos concorrentes do primeiro turno declararam apoio a Paes contra Crivella, incluindo os partidos de esquerda PT e PSOL.

Com uma administração criticada em diversas áreas, o pastor buscou se agarrar ao seu eleitorado mais fiel, os evangélicos de denominações neopentecostais, e à figura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Rio é o berço político do presidente e de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, ambos do Republicanos, mesma legenda de Crivella.

Durante a campanha, Crivella usou diversas imagens de arquivo junto a Bolsonaro na propaganda política, mas o presidente nunca chegou a gravar para o horário eleitoral. Cerca de duas semanas antes do primeiro turno, em sua live semanal, o presidente declarou apoio a Crivella, liberando os seus seguidores a votar em Paes. “O outro [Paes], eu não quero tecer críticas. É um bom administrador, mas eu fico aqui com o Crivella. Se você não quiser votar nele, fique tranquilo, não vamos criar polêmica e brigar entre nós porque eu respeito os seus candidatos também”, afirmou Bolsonaro.

Nesta terça, em conversa com jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que a prisão de Crivella respingue no governo. “Isso aí é questão policial, segue o baile, investigação e acabou”, disse ele “Para o governo não tem impacto nenhum. Tem nada a ver com a gente. Sem impacto, zero impacto”, afirmou. Bolsonaro não comentou o episódio ao longo desta terça-feira.

Problemas pela frente

À frente da prefeitura, Paes terá que encarar diversos problemas. Um deles é o déficit fiscal, estimado por sua equipe em R$ 10 bilhões. Outro é uma situação caótica de enfrentamento à pandemia na cidade. O Rio é a capital brasileira com a maior taxa de letalidade em relação ao total de casos de covid-19. Além da superlotação nas UTIs e do sucateamento do sistema de saúde, praias, igrejas e bares seguem liberados.

Para evitar a corrupção dentro da administração, o futuro prefeito anunciou no início de dezembro a criação da Secretaria de Governo e Integridade Pública, a ser comandada pelo deputado federal Marcelo Calero (Cidadania). “Todos nós na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Aqueles que forem designados por mim terão suas vidas abertas, não a sua vida pessoal, mas terão a sua dimensão pública permanentemente acompanhada”, disse Paes ao anunciar a pasta.

A nova secretaria pretende implementar mecanismos de controle, transparência e sanção entre os integrantes do governo e nas compras públicas e licitações, além de adotar um novo sistema de gestão para o pagamento de dívidas.

Eduardo Paes foi muito ligado ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso na Operação Lava Jato devido a uma lista extensa de crimes de corrupção relacionados a contratos de fornecedores com o governo do Estado. Paes não é réu em nenhum inquérito criminal da Lava Jato, mas foi citado em delação da OAS por ter supostamente recebido caixa 2 na campanha eleitoral municipal de 2012. Existe também um processo que corre na Justiça Eleitoral por suposto recebimento de recursos da Odebrecht, também em campanha eleitoral.

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El País: Marcelo Crivella, prefeito do Rio, é preso por suspeita de chefiar esquema de propina

Prisão foi realizada pela Polícia Civil e do Ministério Público, em um desdobramento da operação que investiga um suposto ‘QG da propina’ na Administração municipal

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), foi preso na manhã desta terça-feira durante uma operação conjunta do Ministério Público do Rio de Janeiro e da Polícia Civil. A poucos dias de deixar a prefeitura ―o prefeito eleito Eduardo Paes (DEM) toma posse em 1º de janeiro―, Crivella foi detido em sua casa e levado para prestar depoimento no início da manhã. Procurada, a Promotoria confirmou que realizou uma operação “para cumprir mandados de prisão contra integrantes de um esquema ilegal que atuava na Prefeitura do Rio”, mas que, em razão de sigilo de Justiça, não poderia fornecer outras informações.

Segundo informações da TV Globo, que mostrou o momento da condução do prefeito para a Cidade da Polícia, Crivella foi preso em um desdobramento da Operação Hades, iniciada no dia 10 março, que apura suspeita de irregularidades na Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur). Ainda de acordo com a emissora, ao menos outras seis pessoas foram presas, incluindo o empresário Rafael Alves, apontado como operador do esquema.

Como mostrou reportagem do EL PAÍS em setembro, o prefeito é acusado pelo Ministério Público de montar um “QG da Propina”, esquema que motivou a abertura do processo de um impeachment na Câmara Municipal. Alves, que é irmão de Marcelo Alves, ex-presidente da Riotur, é suspeito de direcionar licitações, burlar a ordem cronológica de pagamentos que o Tesouro Municipal devia a empresas e, segundo a investigação, tinha poderes de indicar cargos.

Em um vídeo gravado durante a busca e apreensão na casa dele, em março, Crivella supostamente liga para um dos celulares de Rafael Alves para avisar de uma busca na Riotur e é atendido pelo delegado da Polícia Civil responsável pela ação. Ao perceber que não se tratava de Alves ao telefone, Crivella encerra a chamada. A desembargadora Rosa Helena Guita, que deu a ordem de busca na ocasião e determinou a prisão do prefeito nesta terça, disse que na época que “a subserviência de Crivella a Rafael Alves é assustadora”.

Ao ser preso nesta terça, Crivella afirmou aos jornalistas ser vítima de “perseguição política”, em declaração na entrada da Polícia Civil às 6h35. “Lutei contra o pedágio ilegal injusto, tirei recursos do carnaval, negociei o VLT, fui o Governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, disse. Questionado sobre sua expectativa agora, o prefeito disse: “Justiça”.

Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, fundada por seu tio, o bispo Edir Macedo, Marcelo Crivella foi eleito prefeito do Rio de Janeiro em 2016, mas não conseguiu reeleger-se, apesar do apoio explícito do presidente Jair Bolsonaro, após acumular críticas a sua gestão. O presidente da Câmara do Rio, Jorge Felippe (DEM), deve assumir a Administração municipal pois o vice de Crivella, Fernando McDowell, morreu em 2018.

Já Eduardo Paes comentou pelo Twitter a prisão, afirmando que o trabalho de transição de Governo será mantido. “Conversei nessa manhã com o presidente da câmara de vereadores Jorge Felipe para que mobilizasse os dirigentes municipais para continuar conduzindo suas obrigações e atendendo a população. Da mesma forma, manteremos o trabalho de transição que já vinha sendo tocado”, escreveu.


Bernardo Mello Franco: Governo de Witzel acabou; desafio agora é continuar solto

Ao assumir o governo do Rio, Wilson Witzel anunciou que era “chegada a hora de libertar o estado da irresponsabilidade e da corrupção”. Um ano e oito meses depois, chegou a hora de o estado se libertar dele. O ex-juiz foi afastado do cargo, acusado de comandar uma organização criminosa no Palácio Guanabara.

A decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, situou Witzel no topo de uma quadrilha que embolsava verbas da saúde. Segundo o Ministério Público, “o grupo criminoso agiu e continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia”. O ex-secretário Edmar Santos, preso em julho, delatou o chefe e os comparsas.

Os investigadores afirmam que a quadrilha fraudou compras de respiradores e contratos com organizações sociais. Os resultados foram visíveis: o governo prometeu construir sete hospitais de campanha, mas só inaugurou dois. O Rio já perdeu 16 mil vidas para o coronavírus.

Eleito com discurso moralista, o ex-juiz foi acusado de replicar o esquema que levou Sérgio Cabral para a cadeia. O procurador Eduardo El Hage, que investigou os dois governadores, disse ter se sentido num “túnel do tempo”. O enredo se repetiu em detalhes, incluindo a lavagem de dinheiro no escritório de advocacia da primeira-dama.

Witzel era um ilustre desconhecido quando deixou a magistratura para se candidatar ao governo. Permaneceu anônimo até a reta final da campanha, quando a pregação a favor das armas o ajudou a surfar a onda bolsonarista. Sem uma única sentença relevante, ele usou o título de juiz para posar de vestal. A propaganda era tão falsa quanto o diploma de Harvard que ostentava no currículo.

Megalômano, o doutor mal se instalou no Guanabara e já passou a sonhar com o Planalto. A ambição fez ruir a dobradinha com Jair Bolsonaro, que só pensa na reeleição. Agora o presidente comemora a desgraça do ex-aliado, embora seus filhos também estejam enrolados em transações com dinheiro vivo.

Preso na sexta-feira, o notório Pastor Everaldo ajudou a unir a dupla de farsantes. Em 2016, ele batizou Bolsonaro no Rio Jordão, num ritual encenado para atrair o eleitorado evangélico. Dois anos depois, abençoou a candidatura de Witzel, que buscava uma legenda de aluguel para entrar na política.

O ex-juiz já estava prestes a ser cassado pela Assembleia Legistativa. Com a posse de Cláudio Castro como governador em exercício, a conclusão do processo de impeachment tende a se tornar uma mera formalidade. O mandato de Witzel, o Breve, parece causa perdida. Agora seu desafio é permanecer solto, enquanto operadores e ex-secretários amargam os primeiros dias no xadrez.

Na sexta, o ex-juiz celebrou o fato de ainda poder dormir no Palácio Laranjeiras, onde já foi acordado duas vezes pela polícia. “Não fui despejado”, festejou. Quando for instado a mudar de endereço, ele poderá levar uma recordação: a patética faixa azul e branca que mandou confeccionar para a própria posse.