prisão
Luiz Carlos Azedo: À sombra da Lava-Jato
É impressionante a presença da Operação Lava-Jato como vetor do processo político, a oito meses das eleições. Toda movimentação em curso, seja no Executivo seja no Legislativo, e até mesmo no Judiciário, tem como pano de fundo as investigações sobre os elos escusos entre políticos e empreiteiras para desvio de recursos públicos e financiamento ilegal de campanha. Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) escapa do redemoinho, por causa da iminente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem mesmo, a Corte foi palco de uma batalha de Itararé, aquela que foi muito anunciada e não ocorreu, nas proximidades da divisa entre São Paulo e Paraná, durante a revolução de 1930.
No começo da próxima semana, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) deverá julgar o embargo de declaração da defesa de Lula contra a condenação de 12 anos e 1 mês de prisão, com execução imediata da pena. A confirmação da sentença pelos desembargadores federais de Porto Alegre resultará na decretação da prisão do ex-presidente da República por determinação do juiz federal Sérgio Moro, em razão de jurisprudência do Supremo que determina a execução da pena após condenação em segunda instância. É assunto de repercussão internacional.
Fora da disputa eleitoral de 2018, por causa da Lei da Ficha Limpa, que somente pode ser revogada por emenda constitucional, Lula concentra os esforços no sentido de evitar a própria prisão. Seus advogados pleiteiam no Supremo que o ex-presidente não seja encarcerado antes de o processo transitar em julgado em todas as instâncias da Justiça. Para isso, precisa modificar a jurisprudência, forçando um novo julgamento que coloque em xeque o entendimento de que a pena comece a ser cumprida após decisão em segunda instância.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, em entrevistas quase diárias, tem afirmado que não colocará em votação no plenário da Corte a revisão da jurisprudência. Mesmo assim, não é levada a sério por alguns de seus pares, que começaram a acolher pleitos de advogados que podem servir de paralelo para revisão do entendimento também em relação a Lula. Nas conversas de bastidor, a aparência frágil da presidente do Supremo alimenta especulações de que acabaria por ceder às pressões.
Políticos enrolados na Lava-Jato, de todos os matizes, intensificaram as articulações junto a ministros do Supremo de suas relações para pôr a mudança em votação. Todos querem Lula fora da disputa eleitoral, mas não desejam que o petista seja preso, pois todos correrão o mesmo risco quando forem julgados. É o chamado efeito Orloff, aquele da propaganda de vodca: “Eu sou você amanhã!” Urdiu-se a manobra perfeita: acabar também com o foro privilegiado para crimes cometidos antes do mandato. Assim, ao mesmo tempo em que Lula não seria preso, com a mudança de jurisprudência, os que aguardam julgamento no Supremo ganhariam logo fôlego para prescrição de pena, voltando a ser julgados a partir da primeira instância.
Fora de pauta
Não se falava outra coisa em Brasília na manhã de ontem, com a expectativa de que o ministro Celso de Mello, decano da Corte, convencesse Cármen Lúcia a pôr o assunto em pauta, depois de uma reunião reservada com seus pares. A reunião foi anunciada aos quatro ventos, mas não aconteceu. Supostamente, a ministra é tão mineira quanto os políticos de sua terra. Consultada pelo decano da Corte sobre uma reunião informal para tratar do assunto, aquiesceu, mas não chamou ninguém pra conversar. Noticiado nos jornais, o encontro não aconteceu porque ninguém foi convidado.
Sabe-se, porém, que toda sorte de manobra já foi pensada para pôr a matéria em pauta no Supremo contra a vontade de Cármen, que não recua. Ministros contrários à mudança da jurisprudência também ameaçam fazer retaliações. À sombra da Lava-Jato, o Supremo vive dias de muito estresse, às vésperas da prisão do ex-presidente Lula. Quem já foi rei não perde a majestade, diz um velho ditado popular. Na contramão das expectativas, porém, o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato no STF, ontem rejeitou embargo de declaração contra decisão de 2016 na qual a Corte decidiu pelo cumprimento da pena de prisão após uma condenação em segunda instância. Fachin considerou que uma mudança nesse sentido só será possível em um novo julgamento da ação, de “mérito”, a ser marcado por Cármen Lúcia. Também rejeitou o pedido para que levasse o recurso a julgamento no plenário, diretamente, sem passar pela presidente do Supremo.
Ruy Fabiano: A institucionalização do crime
Merval Pereira: Perto do desfecho
O ex-presidente Lula custou, mas já entendeu que não adianta confrontar a Justiça brasileira, ao contrário de seus seguidores petistas e esquerdistas em geral. Ou melhor, talvez tenham resolvido dividir as tarefas: enquanto ele revê seu discurso, garantindo que não vai fugir do país nem promover atos de contestação à ordem de prisão que considera injusta, mas inevitável, seus seguidores continuam fazem besteira, inclusive no site oficial do PT, que republicou uma fake news acusando a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, de ter comprado a casa onde mora de um doleiro, com insinuações de ilegalidades que nunca existiram.
Além de mentirosa e caluniosa, a notícia é uma estratégia burra dos aliados de Lula, pois, se já era difícil encontrar um ministro que se dispusesse a confrontar a presidente por não incluir na pauta a reanálise da autorização para o início do cumprimento da pena de um condenado em segunda instância, o vergonhoso ataque pessoal acaba com essa possibilidade pelo mero espírito de solidariedade e defesa da instituição.
O que Lula espertamente está fazendo é se preparar para uma candidatura à prisão domiciliar, em vez do cumprimento da pena em regime fechado. Ontem, depois que o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, hoje advogado de Lula, não conseguiu demover a presidente Cármen Lúcia da posição de não colocar a questão em pauta no próximo mês e meio, a defesa do ex-presidente entrou com novo pedido no Supremo, objetivando pressionar o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, a reconsiderar sua decisão de negar o pedido de habeas corpus de Lula.
Subsidiariamente, a defesa pede que, mantida a negativa, o habeas corpus seja analisado pela Segunda Turma do STF, e não pelo plenário, como determinou Fachin. Nesta Turma do STF, a tendência da maioria é pela concessão de habeas corpus, não apenas a Lula, mas à maioria dos casos apresentados. Por último, se todos os pedidos forem negados, a defesa de Lula quer que Fachin leve o habeas corpus a julgamento no plenário, mesmo sem Cármen Lúcia ter pautado.
Nada indica que terá êxito, a questão deve ser resolvida mesmo depois do julgamento dos embargos de declaração contra a condenação no TRF-4. O dia marcado para o processo ir em mesa na sessão fica público uns dias antes, e é provável que isso aconteça na sessão antecipada para o dia 26, uma segunda-feira, pois a quarta-feira 28, dia das sessões da 8ª Turma do TRF-4, é feriado para a Justiça Federal.
Esta será a primeira sessão com a composição original da turma, pois o desembargador Victor Laus terá voltado de férias no dia 23. Existe também a possibilidade de que os embargos só sejam analisados no dia 4, primeira quarta-feira de abril. Se rejeitados por unanimidade, o início do cumprimento da pena não precisa necessariamente esperar a publicação do acórdão, fica mantido o acórdão da apelação, e o extrato de ata já informa o juiz de primeiro grau, no caso Sergio Moro.
Se houver divergência, e acolhimento dos embargos parcial ou total, normalmente o juiz espera publicação de voto e acórdão e informação do TRF para execução provisória da pena, para ter ciência do conteúdo alterado da decisão. O cumprimento da decisão segue trâmite da Vara de Execuções, e por isso não ocorre no mesmo dia, mas também não demora muito.
A possibilidade de a defesa conseguir protelar a decisão com o chamado “embargo do embargo” existe, mas é pequena. A 8ª Turma do TRF-4 não tem aceito esse tipo de recurso, por entendê-lo como uma medida procrastinatória. Com o início do cumprimento da pena, a defesa do ex-presidente Lula terá que entrar com novo habeas corpus, desta vez não preventivo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que provavelmente o recusará novamente sob o mesmo argumento: segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que não terá sido alterada até então.
Um novo habeas corpus será encaminhado então ao Supremo, para o ministro Edson Fachin, que pode leválo à Segunda Turma que preside ou, mais provavelmente, remeter novamente o caso para a decisão do plenário. Como tratarão do caso específico do ex-presidente Lula, a mudança da jurisprudência não está garantida, pois, por exemplo, a ministra Rosa Weber, que é a favor do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena, tem negado os habeas corpus seguindo a maioria que se estabeleceu no último julgamento.
Pode ser também que se chegue a um acordo para colocar o ex-presidente em regime de prisão domiciliar, com algumas restrições cautelares para impedilo de participar de ações políticas enquanto seu caso tramita nos tribunais superiores.
Merval Pereira: A responsabilidade de cada um
O ex-presidente Lula, ao gravar um vídeo após a derrota no Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmando que os que o levarem à prisão terão que assumir a responsabilidade de condenar um inocente, que passaria a ser um preso político, definiu com clareza o espaço em que os diversos atores envolvidos nesta trama se movimentam.
Fernando Gabeira: A trajetória Rio abaixo
Quando menino, vi as luzes do Rio e me apaixonei. A escola nos trouxe para uma excursão a Petrópolis. A professora, generosamente, permitiu que o ônibus avançasse um pouco para nos maravilhar com a visão. Mais tarde, li no romance “Judas, o obscuro”, de Thomas Hardy, uma experiência semelhante: o personagem também admirava a cidade grande longe, fixado em suas luzes.
Assim que minha segurança profissional permitiu, ainda quase adolescente, mudei-me para o Rio, apenas com a mala de roupas, decidido a nunca mais sair. Ao voltar do exílio, apesar do avanço cultural em São Paulo, decidi, ou algo decidiu dentro de mim, ficar. Sei apenas que moro aqui, tive filhas e neto no Rio e não pretendo sair.
Mas a crise que o Rio vive é a mais grave que presenciei. Às vezes, repito aqui a pergunta de Vargas Llosa sobre o Peru, nas primeiras linhas de seu romance “A cidade e os cachorros”: quando é que o Rio se estrepou? É um reflexão que pode começar com a mudança da capital, passar pelas várias experiências de populismo de esquerda para acabar se fixando no encontro do PT com Cabral e toda a sua quadrilha. Entre eles, um coadjuvante de peso: o petróleo.
Às vezes, pergunto se fiz tudo o que poderia para evitar esse desastre. Confesso que, apesar de denunciá-los em várias campanhas, não tinha a verdadeira dimensão da rapina que iriam promover no Rio. Lembro-me que, em 2010, a “Folha de S.Paulo” publicou uma fala em que eu tentava descrever o projeto de Cabral. Comparava-o à tática das milícias que dão segurança a uma determinada área e são livres para cometer crimes. Disse que o instrumento dessa barganha eram as UPPs. A opinião pública ficaria satisfeita e Cabral teria as mãos livres para a pilhagem.
Questionei Cabral em vários debates de TV, sobre corrupção na saúde, politicas sociais etc. Não poderia imaginar que o arrogante adversário gastava R$ 4 milhões mensais com suas despesas particulares. O esquema monstruoso que contou com generosas verbas federais, royalties do petróleo e uma desvairada política de isenção de impostos corrompeu todas as dimensões do governo e talvez mesmo da vida cultural do Rio, entendida num sentido mais amplo.
Cabral caiu com seus asseclas. Em seguida, tombaram os conselheiros do Tribunal de Contas. Começa a cair agora a base de sustentação parlamentar de Cabral, Picciani à frente. O círculo da corrupção estava fechado. Não havia brechas. Era uma trama criminosa perfeita, com todos os seus anéis de legitimação. Nada ficou de pé, exceto sombras do passado, como Pezão e uma Assembleia, com raras exceções, totalmente desmoralizados.
A performance de Pezão como morto-vivo é patética. Ele indicou um deputado para o TCE. O procurador recusou-se a defender essa escolha: era inconstitucional. O procurador foi demitido por defender a Constituição. Felizmente, o deputado indicado por Pezão está para ser preso. Foi indicado ao TCE porque é cúmplice do assalto. A lógica da quadrilha ainda domina o estado. Em outras palavras, o Rio foi arruinado pela maior quadrilha da História, e coube aos remanescentes do grupo reconstruí-lo. Eles não sabem nem querem fazer isto. Seu único objetivo é escapar da Justiça.
No livro “Sobre a tirania”, de Timothy Snyder, o autor mostra 20 lições do século XX. Uma delas pode ser adaptada para o Rio: mantenha a calma quando o impensável chegar. Snyder fala do terrorismo nessa lição. O impensável chegou ao Rio não na forma do terrorismo, mas na ruína profunda de suas instituições. Ele explode na violência cotidiana, crise econômica, desemprego e miséria.
Em outras circunstâncias, a única saída seria uma intervenção federal. Mas o governo de Brasília é também um remanescente do esquema gigantesco que arruinou o país. Não tem força nem legitimidade. A última esperança está na própria sociedade. Uma ilusão a enfraquece: esperar 2018 para realizar a mudança.
Em outros estados, isso pode fazer sentido. Não consigo imaginar como o Rio resistirá a mais um ano de bandidos no poder e a todas as consequências da presença da quadrilha no governo. De que adianta prender deputados como Picciani se a Assembleia está pronta para soltá-los?
No espírito de manter a calma quando o impensável chegar, a sociedade precisa discutir logo não apenas as grandes saídas, mas também a solução emergencial. O problema central é este: o que fazer com as grandes quadrilhas que dominam o estado? Como tomar iniciativas imediatas, para não ter de mudar daqui no futuro próximo? Não tenho resposta pronta. Sei apenas que é preciso enfrentá-los, derrubá-los e substituí-los. Isso precisa ser feito agora.
Já disse no alto de um caminhão de som, em debates e palestras: é insuportável viver num país onde os bandidos fazem a lei. O Rio é o núcleo dramático dessa desgraça nacional.
PS: No artigo anterior, errei o nome de Mario Tricano, prefeito de Teresópolis.
Imperdoável, pois o conheço pessoalmente e o entrevistei no seu hotel.
Míriam Leitão: No Rio é pior
O Rio é o estado onde tudo aconteceu da pior forma. A crise econômica é mais profunda e prolongada, o assalto aos cofres públicos foi mais violento e disseminado, a crise da Petrobras o atingiu mais fortemente do que a qualquer outro estado. A deterioração fiscal tem sido mais aguda, com a aflição interminável do servidor público e seus salários atrasados.
Ontem foi mais um dia histórico no Rio, com a prisão do presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, depois da decisão unânime dos desembargadores do TRF. Eles votaram pela prisão do deputado, do líder do governo Edson Albertassi e de Paulo Melo, outro parlamentar.
Há uma semana Albertassi estava com um pé no Tribunal de Contas do Estado, apesar de todas as dúvidas que pesavam sobre ele. Tanto tempo depois de iniciado o mais sério combate à corrupção no Brasil e no Rio, o governador Luiz Fernando Pezão se considerou no direito de o indicar para a vaga e demitir o procurador- geral Leonardo Espíndola, que se recusou a defender a nomeação. As instituições tiveram que travar uma luta, a começar da ação popular do PSOL, para evitar que o deputado fosse para o TCE. Ontem, Picciani, Albertassi e Melo foram detidos.
O PMDB é o maior partido do Estado e há anos governa o Rio. As dúvidas sobre o enriquecimento rápido de deputados estaduais é assunto antigo. A memorável reportagem “Os homens de bens da Alerj", que ganhou prêmios no Brasil e no exterior, foi publicada há 13 anos.
Houve um dia em que o Rio tinha, ao mesmo tempo, dois ex- governadores presos. Garotinho foi solto, mas o conselheiro que ele indicou para o TCE, Jonas Lopes, que havia virado um dos líderes do esquema de corrupção, se tornou o grande delator. Confessou seus crimes e contou o que acontecia no TCE. Cinco conselheiros foram presos. Tiveram o mesmo destino do ex-governador Sérgio Cabral e alguns ex- secretários, como Sérgio Côrtes.
Cabral foi condenado em três dos 16 processos a que responde a penas somadas de 72 anos de prisão. As descobertas de como ele se apropriava do dinheiro público são de embrulhar o estômago, com aquelas extravagantes compras de joias, ouro, mansões e viagens internacionais.
Tudo tem sido mais escancarado no Rio. Empresas que lavavam dinheiro do esquema recebiam — e ainda recebem — benefícios fiscais milionários. E não há um fim nesse sofrimento estadual. Há uma continuidade delitiva, tanto que foi a tentativa de nomear o conselheiro do TCE que precipitou a operação “Cadeia Velha".
A dimensão da crise do Rio precisa ser entendida pela cúpula do Judiciário. Empresários do setor de transportes envolvidos em desvios foram soltos por decisão do ministro Gilmar Mendes. Agora alguns voltam à prisão por novas denúncias. Inclusive, há o temor de que o precedente do caso do senador Aécio Neves seja invocado em sessão marcada para hoje na Assembleia, e os deputados sejam liberados pelos seus pares.
No Rio, os crimes foram constantes, sérios. Endêmicos. Não foram casos isolados. Por muito tempo ele foi saqueado. É preciso enfrentar a crise com a certeza de que estamos diante da necessidade de reconstrução. O estado não pode mais viver situações como a que acaba de acontecer: numa semana Albertassi estava com um pé no tribunal que julga as contas dos órgãos públicos, e na outra semana ele está preso. Até a semana passada Picciani era um dos maiores centros de poder do Rio, ontem estava na cadeia. No Rio, as investigações não são sobre fatos passados apenas, mas também sobre o presente. Um presente contínuo.
Não por outra razão, o Rio tem sofrido mais na crise econômica. É o único estado do Sudeste que continua perdendo empregos de carteira assinada este ano. Foram fechadas 81 mil vagas até setembro, enquanto São Paulo criou 111 mil. No desemprego geral, o Brasil está em 13% e o Rio, 15%. Nos anos anteriores à crise, o estado teve a enorme vantagem dos royalties do petróleo em tempo de preços em alta. Esses recursos foram mal geridos e hoje a crise fiscal é maior e mais difícil de tratar do que a da maioria dos estados brasileiros. A esperança é de que tudo o que tem acontecido ajude o estado a fazer a travessia para uma outra estrutura de poder no Executivo e Legislativo. O Rio precisa recomeçar.
Merval Pereira: Um tapa na sociedade
Toda a cúpula do PMDB do Rio está neste momento na cadeia, com exceção do governador Pezão, que continua no posto apesar de todas as acusações, e do ex- prefeito Eduardo Paes, que está no exterior, também envolvido em várias denúncias. É um fato político relevante, essa prisão em massa de um grupo político inteiro, e a revelação de que todas as campanhas eleitorais dos últimos anos foram realizadas com o suporte de dinheiro desviado de obras públicas as mais diversas. A delação premiada do marqueteiro Renato Pereira é das peças mais devastadoras politicamente já surgidas nesses tempos de Lava Jato.
Não houve praticamente um setor da administração que não tivesse sido acionado para alimentar essa máquina partidária que domina o Estado há décadas. Nos votos dos juízes do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região ( TRF- 2), a crise econômica do Estado foi atribuída à corrupção desenfreada desse grupo político, e a prisão foi apontada como a única maneira de estancar a prática de atos ilegais, que continuaram mesmo depois da prisão do ex- governador Sérgio Cabral.
É alta a probabilidade de que a Assembleia Legislativa do Rio decida ainda hoje não permitir a prisão de seu presidente, Jorge Picciani, e de outros dois deputados estaduais do grupo, que passaram a noite no mesmo complexo penitenciário onde está preso o ex- governador Sérgio Cabral, o chefe da organização criminosa que ainda controla a política estadual. O presídio de Benfica abriga todos os envolvidos nos processos da Operação Lava- Jato no Rio.
Tanto que o ex-governador continua tendo, dentro da prisão, regalias que presos comuns não têm, sempre se utilizando de métodos escusos como usar um pastor próximo a seu grupo para instalar um home theater na cadeia. O relato de que comandou uma salva de palmas para receber na prisão o ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro Carlos Arthur Nuzman revela o nível de cinismo do ex- governador e confirma que não se arrependeu de nada do que fez, mantendo ainda uma liderança dentro da cadeia, como os chefões da bandidagem carioca que fingia combater.
As denúncias contra Sérgio Cabral mostram que ele começou a participar do esquema corrupto da política do Rio de Janeiro quando ainda era deputado estadual e presidiu a Assembleia Legislativa, mesma função que hoje exerce o presidiário Picciani.
A longevidade do esquema, e sua força política no estado, demonstram como está arraigada na política estadual a corrupção. O PMDB é o único partido político do Rio com esquema eleitoral espalhado pelo estado, não havendo concorrência possível, pois PT e PSDB, os dois partidos mais fortes a nível nacional, têm estruturas muito fracas no Rio.
A legenda, no entanto, tornou- se tóxica no estado, diante da revelação dos esquemas de corrupção, e já na disputa pela Prefeitura do Rio o partido perdeu a condição de eleger seu candidato, que além do mais tinha problemas pessoais que o inviabilizaram.
A decisão por unanimidade do Tribunal Regional Federal da 2 ª Região de mandar prender os deputados estaduais Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, e sobretudo os comentários dos juízes sobre a necessidade de afastá-los do convívio da sociedade para que cessem de praticar crimes, revela que a provável decisão da Assembleia de liberá-los será considerada uma afronta não apenas ao Tribunal Federal, mas à opinião pública, que está sendo convocada para protestos em frente à Assembleia para pressionar os deputados.
Eliane Cantanhêde: O Rio de Janeiro chora
Governadores, secretários, deputados, membros do TCE, empresários... Quem escapa?
Aos que até hoje condenam a transferência da capital da República, ironizam a “ilha da fantasia” e imaginam que Brasília é a origem de todos os males e o centro da corrupção brasileira: já imaginaram se a capital continuasse no Rio de Janeiro?
A Lava Jato explodiu esquemas em vários Estados do País, inclusive no DF, mas nada tão avassalador quanto no Rio, pela abrangência, pelos valores e pela diversidade de órgãos, partidos, personagens. Onde o MP, a PF e a Justiça mexem, há escândalos. Nada escapa.
O símbolo disso é o ex-governador Sérgio Cabral, que se arvorava até candidato à Presidência da República, enquanto dilapidava o patrimônio público e vivia como magnata com sua mulher, Adriana Ancelmo. Só faltou um apartamento com R$ 51 milhões em dinheiro vivo.
Não escapam nem os secretários de Cabral, nem mesmo Sérgio Côrtes, da Saúde. Da Saúde!!! Mas o Rio não tem só um, mas pelo menos três ex-governadores enrolados. Além do megalomaníaco Cabral, estão na mira Anthony e Rosinha Garotinho que, diante do sucessor, parecem ladrões de galinha, mas também são de colarinho-branco e têm fama de espertos.
Os desmandos no Rio, que continua lindo, não se resumem ao Executivo. O presidente da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani, foi preso com dois outros deputados estaduais e é a ponta de um iceberg. Dá para imaginar as falcatruas na Alerj? E na família Picciani? São três filhos: Leonardo, ministro de Dilma e de Temer, Rafael, deputado estadual, e Felipe, empresário, que também foi preso. Agora, é saber se os pares dos Picciani na Alerj vão impedir a prisão do chefão. Chegariam a tanto?
É também do Rio o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, um outro peixe graúdo a cair na rede da Lava Jato na Baía da Guanabara e agora passando um tempo em Curitiba. Mas grandes, médios e pequenos empresários brilham nesse cardume.
Como o espaço é curto, fiquemos nos grandes, como Eike Batista, do grupo X, e Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”. E o vice-almirante da reserva Othon Silva, que presidiu a Eletronuclear, controlada pela Eletrobrás? Difícil entender como alguém que entraria para a História como pai do programa nuclear brasileiro joga tudo no lixo por corrupção, pelo vil metal.
O que dizer do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que, de acordo com o TCU, gerou um prejuízo de US$ 12,5 bilhões à Petrobrás? A própria Petrobrás, aliás, tem sede no Rio, uma coleção de ex-diretores e gerentes condenados e três ex-presidentes respondendo por corrupção e/ou má gestão, como Aldemir Bendine, que Dilma tirou do Banco do Brasil e jogou na petroleira, apesar da Lava Jato e da má fama do nomeado.
E já que se falou de TCU, que tal o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ)? Dos sete conselheiros, cinco, inclusive o presidente, Aloysio Neves, são acusados de corrupção pela Operação O Quinto do Ouro, por aceitarem propinas à época do governo Sérgio Cabral. A eles se junta mais um ex-conselheiro. Por enquanto...
Haveria ainda muito a dizer sobre o passado macabro do lindo Estado do Rio, mas é preciso também refletir sobre o presente e o futuro. No presente, o governador Pezão negocia dívidas com o mesmo empenho com que precisa se descolar do padrinho Cabral. E o futuro é incerto e não sabido, com Eduardo Paes, César Maia e Rodrigo Maia, todos três batendo na trave da Lava Jato e seus desdobramentos.
Enquanto isso, quem sofre é a população carioca, sem salários, sem 13.º, sem saúde e educação e ameaçada por ladrões e assassinos sanguinários. Nem uma inofensiva moradora de rua escapou da barbárie. Só falta o Cristo Redentor chorar.
Dora Kramer: Um fantasma na ópera
Eduardo Cunha não foi o primeiro nem será o último político de destaque a ser preso pela operação Lava Jato. Sequer pode ser apontado como aquele que maior poder e/ou volume de informações reuniu na República. As presenças de José Dirceu e Antônio Palocci em Curitiba – chefões da era em que o PT mandava (e principalmente desmandava) no País – dão por si tal testemunho. Pode ser que ele venha a fazer uma delação devastadora que comprometa do baronato ao cardinalato da política? Pode ser que haja vida em Marte. No terreno das possibilidades criam-se, entre outras coisas, fantasmas. Tudo é possível embora nem tudo seja provável.
Para dirimir quaisquer dúvidas, o melhor método é o exame das condições objetivas. A principal delas esteve registrada no placar eletrônico da Câmara no dia 12 de setembro último, quando o então deputado afastado de suas funções legislativas pelo Supremo Tribunal Federal teve o mandato cassado por 450 votos a favor e 10 contra. No início, quando o processo foi aberto no Conselho de Ética, a avaliação preponderante era a de que Eduardo Cunha sairia ileso. Segundo essa versão, teria poderes ilimitados para impedir o andamento dos trabalhos e um embornal de informações a respeito de seus pares tóxico o suficiente para garantir votos a favor da manutenção de seu mandato. No campo da suposição, isso parecia fazer sentido. Mas a realidade tem componentes menos esquemáticos.
No caso, a opinião pública, a revelação de novas e cada vez mais contundentes acusações, o comportamento excessivamente ousado de Cunha, a decisão do STF de afastá-lo do cargo, a impossibilidade de contar com ajuda do governo, o instinto de sobrevivência eleitoral dos deputados, uma série de fatores que desmontou a presunção inicial e produziu um resultado surpreendentemente desfavorável a ele. A prisão menos de quarenta dias depois provocou alvoroço, não obstante fosse algo esperado, líquido e certo. Fez-se o silêncio em Brasília. Pudera, dizer o quê? Lamentar, comemorar? O governo e mundo político em geral não poderiam fazer uma coisa nem outra. Até o PT se manteve discreto, dada sua impossibilidade de falar de corda em casa de enforcado.
Enquanto na capital federal a palavra de ordem era não passar recibo, no restante do País estabeleceu-se a gritaria em torno dos presumidos efeitos de uma delação premiada. Por ora apenas um fantasma nessa ópera composta pela operação Lava Jato. Não que seja um equívoco supor que Cunha faça delação e provoque com ela uma devastação em massa. Mas é preciso medir e pesar as circunstâncias. E estas não lhe são necessariamente favoráveis. Não é ele quem dita as regras muito menos o rumo dos acontecimentos como, de resto, já ficou demonstrado. A faca e o queijo estão nas mãos do Ministério Público e da Justiça.
Ainda que o ex-deputado tenha disposição de delatar não significa que os procuradores se interessem pela contrapartida ou que as condições estabelecidas em lei para a obtenção de benefícios se apliquem a Eduardo Cunha. A força tarefa da Lava Jato trabalha há mais de dois anos, período em que reuniu uma montanha de informações a respeito das quais seguramente o País ainda não sabe da missa a metade. De onde é possível que o ex-deputado não tenha dados que os investigadores considerem novos e/ou necessários ao esclarecimento dos fatos.
Se não pôde controlar seu destino quando presidente da Câmara nem se utilizar do arsenal intimidador de maneira eficiente, não será preso que Eduardo Cunha terá êxito no manejo da figura de assombração. Ademais, terá de ter muito cuidado com o que disser para não piorar sua já sofrível situação.(O Estado de S. Paulo)
Fonte: pps.org.br
Prisão de Dirceu demonstra que é preciso criar um novo governo para mudar rumos, diz Freire
"A ingovernabilidade está instalada no país", observa presidente do PPS. O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), disse, nesta segunda-feira (03), que a prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu “demonstra que é preciso criar no país um novo governo para que ele possa, junto com a Justiça, corrigir os rumos do Brasil”. No entender de Freire, “há o encaminhamento de que o impeachment pode se tornar necessário”.
Freire observou que o momento é de atenção ao fato de que o país precisa se preparar “para fazer a intervenção constitucional, legítima para dar um paradeiro nisso tudo”. “A ingovernabilidade está instalada no país”, observou. O presidente frisou ainda que os poderes Legislativo e Judiciário estão “garantindo a institucionalidade democrática”.
A prisão de Dirceu, analisou o parlamentar, é “um episódio a mais, lamentável em todos os sentidos”.
“José Dirceu já é um condenado. O importante em mais essa fase da operação Lava Jato é que a Justiça está cumprindo seu papel”, disse Freire. Segundo ele, o PT continua a se comportar como uma organização criminosa, conforme definiu o ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, durante julgamento do mensalão. “Lamentável isso”, salientou.
Na avaliação de Roberto Freire, o processo e as punições do mensalão não serviram como advertência ao PT de que era preciso parar com as atividades que envolviam corrupção, conforme demonstra o caso de Dirceu, que continuou a delinquir dentro da prisão, segundo a Polícia Federal.
A PF classificou Dirceu como o homem que instituiu o esquema de propina em contratos da Petrobras ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, como ministro chefe da Casa Civil, posto em que definia os ocupantes de cargos na máquina administrativa. Atuava como um dos líderes do petrolão, que ordenava o que as pessoas colocadas por ele em postos-chave na companhia petrolífera deviam fazer para viabilizar a corrupção.
O comando da Polícia Federal e o Ministério Público Federal afirmam que o petrolão é uma repetição do esquema do mensalão e que Dirceu foi seu beneficiário pessoal. No mensalão, ele viabilizava o favorecimento do seu partido, o PT.
José Dirceu foi preso na manhã desta segunda-feira em Brasília, na 17 ª fase da Operação Lava-Jato. Além dele, também foram presos o irmão do ex-ministro, Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, o ex-assessor de Dirceu, Roberto Marques, e o dono da empresa de informática Consist, Pablo Kipersmit.
Por: Valéria de Oliveira
Fonte: Assessoria PPS