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Marcelo Tognozzi: Um retrato da decadência da grande imprensa brasileira

 Qualidade da informação ofertada caiu.  Estado insiste em controlar emissoras. Enquanto público migra para a internet

Caiu a qualidade da informação ofertada ao público e ganhou espaço um jornalismo engajado. A ponto de, na semana passada, dois marmanjos velhos de guerra trocarem sopapos num estúdio de rádio, cada um em nome da sua militânciaReprodução/YouTube/Jovem Pan

A imprensa brasileira enfrenta sua pior crise. As mudanças são radicais e profundas. Redes e mídias sociais transformaram o cidadão comum em produtor de conteúdo e formador de opinião, a ponto de surgir uma nova profissão: influencer. Alguém que ganha a vida influindo no comportamento dos outros. A maioria dos influencers – profissionais ou amadores – não são jornalistas e nem querem ser. Enquanto mudanças como esta estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia, as empresas jornalísticas continuam vendendo suas edições em papel.

Desde sempre governos alimentaram a mídia com generosas rações de dinheiro público sob a forma de publicidade, eventos, palestras e mais as famosas marretas, como eram conhecidas algumas transfusões financeiras típicas da época de Assis Chateaubriand. Este tipo de prática está acabando, porque não faz sentido um país com 13 milhões de miseráveis abrir a bolsa da viúva e gastar dinheiro dos impostos para sustentar veículos de comunicação com publicidade de empresas estatais ou da própria administração pública. O governo tem apanhado muito porque deu às empresas de capital aberto liberdade de publicar seus balanços de graça no Diário Oficial, acabando com a obrigação de pagar pela publicação nos jornais. Ora, por que uma empresa tem de ser obrigada a pagar pedágio ao baronato da imprensa para prestar contas à sociedade?

Há mais de um século a mídia brasileira se estabeleceu como um negócio familiar, opaco e distante do capitalismo clássico, formal, ao negar-se desde seus primórdios a abrir seu capital e sentar praça na Bolsa de Valores. Dela sempre fugiu como o diabo da cruz. Mas quer morder algum de quem lá está e que, por isso mesmo, precisa ser transparente. Por que as empresas jornalísticas, as redes de TV e rádio não divulgam publicamente seus balanços? Isto deveria ser uma obrigação de quem se vende para a sociedade como um prestador de um serviço para o público, comprometido com a transparência e a liberdade de informação.

Mas na prática não é nada disso. O moralismo, a permissividade e a hipocrisia variaram de acordo com as circunstâncias, o interesse e a oportunidade. No Brasil temos a hipocrisia das concessões públicas de canais de rádio e TV, uma aberração sem sentido em plena era da internet e da produção caseira de conteúdo, onde qualquer um, rico ou pobre, pode publicar textos, fotos e vídeos, conquistar seu público, vender seu peixe. O estado insiste em controlar emissoras do mesmo jeito que controla taxis, quando o público está migrando em massa para o YouTube e o Uber. A TV tradicional está em franca decadência, perdendo muita audiência e dinheiro desde o surgimento dos serviços de streaming como Netflix. Outros gigantes estão entrando no mercado, como a Disney e a Apple e o consumidor vai fazer a festa. As pessoas veem o que querem, e esta escolha passa cada vez menos pela TV tradicional.

Nossa imprensa perdeu muito em qualidade nas últimas duas décadas, insistindo em jogar dinheiro fora apostando num modelo de negócio falido, onde a atividade fim, a produção de notícias, saiu mais prejudicada. Caiu a qualidade da informação ofertada ao público e ganhou espaço um jornalismo engajado, militante, cuja regra de ouro é esquecer princípios básicos como ouvir os dois lados, apurar a informação, cruzar, checar, levantar circunstâncias, atores, situações e evitar a todo custo julgar, condenar e, acima de tudo, militar. A ponto de, na semana passada, dois marmanjos velhos de guerra trocarem sopapos num estúdio de rádio, cada um em nome da sua militância. Este é o retrato da decadência da grande imprensa brasileira, doente e histérica.

Outro sintoma da crise é o jornalismo de fontes. Contar a notícia sem dizer o nome do informante virou coisa corriqueira. O sujeito entra no ar e diz que uma fonte deu uma informação a qual na maioria das vezes não é checada. No governo Bolsonaro este tipo de jornalismo foi atropelado pela falta de fontes qualificadas. O repórter diz uma coisa no ar e acontece o contrário. O crescimento do jornalismo de opinião, uma feira de palpites, contaminou as redações, mas não o público. Simplesmente porque estas opiniões são irrelevantes para a maioria absoluta das pessoas. O público quer notícias e serviços. Não está nem aí para o que pensam os sábios da imprensa. Se estivessem, Bolsonaro não teria vencido as eleições.

Cada vez mais as pessoas trocam a TV aberta e a TV a cabo por conteúdos do YouTube e Vimeo, como programas de humor, jornalismo, documentários, pornografia. São 130 milhões de brasileiros conectados, dos quais 90% acessam a internet todos os dias. Portais de notícias como este Poder360 ganham mais credibilidade a cada dia investindo em jornalismo saudável, sem histeria ou militância.

O mercado brasileiro também está sendo disputado por veículos estrangeiros como o espanhol El País e a americana CNN. Concorrem com empresas brasileiras e prestam contas aos seus acionistas nas bolsas de Madrid e Nova Iorque, enquanto as daqui seguem brigando por uma parte do dinheiro de empresas públicas como Banco do Brasil, Caixa Econômica, Petrobras, Correios ou os anúncios do governo federal. Esta é a diferença entre financiar jornalismo com a Bolsa de Valores e viver dependurado na bolsa da viúva.


Marcelo Tognozzi || Bárbaros e civilizados

Civilizado Macri foi emparedado. Kirchner é rainha dos bárbaros. Argentina precisa de um estadista

Aperto o play do Libertango de Piazzola, porque é inevitável falar sobre a Argentina, um país dividido por Domingo Faustino Sarmiento entre civilizados e bárbaros no seu livro Civilização e Barbárie de 1845. Estava em Buenos Aires a primeira vez que ouvi falar em Juan Facundo Quiroga, por quem Sarmiento era fascinado. Um repórter meu amigo contou que o então presidente Carlos Menem se inspirara em Quiroga ao decidir cultivar suas célebres costeletas. Ambos governaram a província de La Rioja, no pé dos Andes, fronteira com o Chile, famosa pela carne e vinhos.

Inimigo político de Quiroga, Sarmiento escreveu a biografia do caudilho mais amado da Argentina, el Tigre de Llanos, corajoso, violento, temido e assassinado numa emboscada aos 46 anos. Seu livro narra a história da formação do país a partir de 1810, quando a Espanha, invadida e humilhada por Napoleão, perdeu o controle dos vice-reinados do Prata. A Argentina de Sarmiento nasce dividida entre bárbaros e civilizados, os primeiros representados pelos caudilhos, gaúchos e nativos e os segundos por uma elite de formação europeia e simpatizante dos Estados Unidos. Os bárbaros queriam uma federação; os civilizados um país unitário.

Passados 174 anos, Civilização e Barbárie continua sendo uma referência para entender a Argentina e seu povo. Sarmiento governou a província de San José, foi embaixador nos Estados Unidos e presidente entre 1868 e 1874 pelo Partido Liberal, logo transformado em Partido Autonomista Nacional (PAN). Como bom civilizado, investiu pesado em educação, transportes e guerreou contra o Paraguai ao lado do Brasil e Uruguai. Criou as bases para o surgimento de uma Argentina rica, que em 1913 inaugurou em Buenos Aires a primeira linha do metrô, chamado de subte pelos portenhos.

Em 1930, o reinado do PAN foi interrompido quando um general bárbaro chamado José Felix Uriburu virou a mesa e instalou uma ditadura. Pouco mais de um ano depois o poder passou para as mãos de outro general bárbaro, Agustín Pedro Justo, e nelas permaneceu por seis anos. Até 1946, quando Juan Domingo Perón chegou ao poder, o país viveu uma sucessão de governos fracos e fugazes.

Perón ficou uma década na cadeira. Um caudilho moderno, nem por isso menos bárbaro aos olhos dos civilizados. Não liderava uma massa armada como Quiroga, mas um exército de pobres surgido na decadência econômica pós 1930, quando política e caridade se misturaram e o sindicalismo entrou na rota da ascensão social e política. Depois de Perón veio o dilúvio numa sucessão de governos frágeis e curtos até ele voltar ao poder em 1973, morrer menos de um ano depois e a Argentina cair no buraco negro de uma ditadura terrivelmente bárbara. A democracia voltou a bordo do governo do civilizado Raúl Alfonsín, sucedido por Carlos Menen do Partido Justicialista, o esperto riojano bárbaro de costeletas que fincou as bases para a hegemonia peronista em vigor e sovada por sindicatos fortes, movimentos sociais atuantes e políticos maleáveis.

O que estamos assistindo neste momento é o civilizado Mauricio Macri ser emparedado por Cristina Kirchner, rainha dos bárbaros e comandante de uma fantástica máquina eleitoral. Antes dele, outro civilizado, Fernando de lá Rúa, não conseguiu governar e o poder voltou para as mãos dos peronistas. Desde a redemocratização nenhum civilizado terminou o mandato. Alfonsín jogou a toalha faltando sete meses e De La Rúa ficou 2 anos e 10 dias. Macri tem sido acusado de muita coisa desde que as prévias deram uma vantagem de 15 pontos para Alberto Fernandez e Cristina Kirchner. Inclusive ser um filhinho de papai civilizado demais.

Este país que nasceu dividido entre uma elite soberbamente civilizada e os caudilhos bárbaros capazes das maiores ousadias, nunca precisou tanto de um pacto, de um entendimento capaz de neutralizar estas diferenças transformadas no maior ingrediente do atraso e da crônica falta de rumo político e econômico. A Argentina necessita de uma mercadoria cada vez mais escassa nos 5 continentes: um estadista. Os estadistas são antes de tudo construtores de nações e viabilizam o entendimento, como fez Adolfo Suarez ao costurar o pacto que mudou para sempre e para melhor a história da Espanha. Os argentinos precisam se libertar deste ciclo vicioso iniciado em 1930 e fazer as pazes com eles mesmos, tornar os civilizados um pouco mais bárbaros e os bárbaros um pouco mais civilizados.


Marcelo Tognozzi: Sánchez não deu e não levou

Premiê espanhol não formou maioria. Partidos pequenos queriam barganhar

Ministérios, cargos e até uma vice-presidência. Unidas Podemos, a extrema esquerda espanhola, não levou o que exigiu e impediu o PSOE do primeiro-ministro Pedro Sánchez de governar. Por duas vezes, terça e quinta-feira (23 e 25.jul.2019), os deputados foram chamados a votar e confirmar, ou não, se Sánchez seguiria no Palácio de la Moncloa. Nas duas o socialista foi derrotado. Perdeu para o fisiologismo explícito de uma extrema esquerda que encolheu nas últimas eleições e desejava um naco gordo do governo, coisa muito comum nos presidencialismos de coalisão como o brasileiro. Pela primeira vez em 40 anos o parlamento diz não a um governante vencedor de duas eleições seguidas no voto popular: as gerais da Espanha e as do Parlamento Europeu.

Este é provavelmente o período mais tóxico da política espanhola desde o fim do franquismo. Durante muito tempo os socialistas do PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol) tinham como principal adversário o Partido Popular (PP), de centro direita. Foram se revezando no poder e tudo parecia muito confortável até que na última década a política começou a mudar com o surgimento de três novas forças: Unidas Podemos, de extrema esquerda, Ciudadanos, de centro, e Vox, de extrema direita. Vieram mais um sem número de outros partidos nanicos de expressão regional, todos com pouco voto, a viver a maravilhosa experiência do poder e da influência. É o caso do Partido Nacional Vasco (PNV). Com uma bancada de 5 deputados eleita em 2016, decidiu o destino do ex-mandatário Mariano Rajoy (PP), derrubado do governo em maio do ano passado por um voto de censura aprovado graças aos votos de um PNV paparicado pelo PSOE de Sánchez.

Quase um clone do velho Pedro de Lara, famoso jurado da era de ouro da TV, o líder do Podemos, Pablo Iglesias, decidiu partir para o tudo ou nada e literalmente tentou encurralar o primeiro-ministro Pedro Sánchez. Ou ele e seu partido ganhavam um latifúndio no governo, o Ministério do Trabalho e toda a área social, ou Sánchez não governaria. O primeiro-ministro precisava de 176 votos. Tinha 123 do seu partido, 1 do Partido Regionalista da Cantábria e precisava dos 42 de Unidas Podemos para chegar lá. Conseguiu apenas 124. O PSOE morreu na praia abraçado ao Podemos.

Sánchez foi derrotado pelas suas escolhas, não pelos adversários. Excessivamente tolerante com os independentistas da Catalunha, processados por rebelião pela Suprema Corte, poderia ter pacificado negociando a perda dos direitos políticos e a liberdade dos envolvidos. Preferiu deixar tudo como estava. Resultado: cinco presos foram eleitos. Quatro são agora deputados e um é senador. Esta turma, junto com outros nanicos nacionalistas de outras regiões, não moveu uma palha para ajudar os socialistas.

Ainda há a remota –mas não impossível– possibilidade de uma nova tentativa de formar um governo até 23 de setembro, quando a lei prevê que o Congresso seja dissolvido e novas eleições convocadas. Se contra todas as probabilidades Pedro Sánchez conseguir compor um governo, está claro nascerá fraco e sem a força necessária para impor seu ritmo. Será um governo manco, sujeito ao risco de uma moção de censura a qualquer momento, porque PP, Ciudadanos e Vox não sossegarão até que ele caia ou se transforme num morto-vivo.

A pulverização dos partidos e o enfraquecimento das duas maiores agremiações, que perderam parlamentares e simpatizantes para Podemos, Ciudadanos e Vox, está mexendo com o estado de espírito dos espanhóis. Nesta semana o país parou para acompanhar as negociações e as votações na Câmara dos Deputados. Era comum ouvir nas ruas, cafés, metrô e restaurantes que os partidos pequenos não podem impedir que quem ganhou a eleição governe. Entre os grandes partidos já há propostas para uma reforma política capaz de tirar poder dos pequenos partidos. Pura ilusão. Ninguém abrirá mão de poder. Terão de se entender na marra. Dando e recebendo, no melhor estilo franciscano.


Marcelo Tognozzi: O Google é a bola da vez

UE cobrou mais multas que impostos. Foram US$ 5 bilhões no ano passado. Sistema Android do Google permite que quase 13 mil aplicativos violem a privacidade dos seus usuários

A Europa está em guerra contra os gigantes da tecnologia. A batalha da vez é a dos impostos. A França passará a taxar em 3% as atividades do chamado grupo GAFA: Google, Amazon, Facebook e Apple. Toda vez que um francês usar um serviço prestado por uma destas empresas vai pingar algum para Marianne e seus filhos. Josep Borrell, prestes a trocar o Ministério das Relações Exteriores da Espanha pelo comando da diplomacia da União Europeia, defende uma taxação geral que beneficie todos os países do bloco.

O apetite dos políticos aumentou ainda mais na 5ª feira passada (11.jul.2019) com a divulgação do estudo 50 maneiras de vazar seus dados, feito em conjunto pela Universidade de Berkeley, IMDEA Networks Institute de Madrid, Universidade de Calgary e o AppCensus. O resultado mostra como o sistema Android do Google permite que quase 13 mil aplicativos violem a privacidade dos seus usuários, mesmo quando eles se negam a autorizar o acesso aos seus arquivos pessoais (leia aqui o estudo completo). Pior: a violação acontece por culpa do Google, não dos usuários.

Os europeus contam com uma lei de proteção de dados rigorosa. Vigora, por exemplo, o direito ao esquecimento. Isto significa poder requerer ao Google ou qualquer buscador que delete todas as menções ao seu nome ou quando houverem publicações “atingindo a honra, a intimidade ou a própria imagem” do cidadão. É a pessoa que decide o que fica, não a empresa.

Os dados apresentados no estudo feito a quatro mãos são, para dizer o mínimo, de dar medo. Ao analisarem 88 mil aplicativos da Google Play Store, os pesquisadores descobriram milhares deles acessando dados pessoais dos usuários sem ter autorização para isso. A invasão acontece quando o celular funciona com sistema operacional Android, o mais popular e disseminado. Os aplicativos são programados para se aproveitarem de vulnerabilidades do Android e literalmente roubar dados pessoais e utilizá-los para os mais diversos fins, lícitos ou não. Uma encrenca.

Os aplicativos invasores mais baixados são o da Disney de Hong-Kong –produzido pelo buscador chinês Baidu–, FaceApp, Shutterfly e aplicativos de saúde da Samsung. Entre os produtores de aplicativos maliciosos, 1 é inglês, 4 são americanos e 4 chineses. Ou seja: tem gente dos 4 cantos do mundo metida nesta trampa. Pela Lei Geral de Proteção de Dados da Europa, as multas podem chegar a 20 milhões de euros.

No Brasil, onde procuradores do Ministérios Público vivem o inferno dos celulares invadidos e conversas pessoais no aplicativo de mensagens russo Telegram tornadas públicas, a lei de proteção de dados foi sancionada no ano passado pelo presidente Temer, mas só entrará em vigor em 2020. Demorou mais de 8 anos sendo debatida, embora trate de um direito dos Brasileiros à vida privada e à intimidade garantido pelo Artigo 5º, inciso X da Constituição.

Neste nosso mundo digital ninguém está livre de ter sua privacidade devassada seja de uma forma sutil, como descobriram os pesquisadores, seja com violência da pura e simples invasão seguida de roubo de todo tipo de dado pessoal. O que estas empresas de aplicativos vendidos na Google Play Store estão cometendo é um crime grave, que não somente deve ser combatido, como punido. Não é por acaso que em 2018 a União Europeia cobrou do Google mais multas que impostos: nada menos que 5 bilhões de dólares.


Marcelo Tognozzi: Moro entrou ex-juiz e saiu candidato

Quanto mais batem, mais ele cresce. Será grande cabo eleitoral em 2020. E fortíssimo candidato em 2022

Os espanhóis nunca estiveram tão irritados com seus políticos. A insatisfação cresceu quatro pontos em um mês e atingiu 32,1%, a mais alta desde 1985, de acordo com a última pesquisa do Centro de Investigações Sociais (CIS), órgão público responsável por pesquisas de opinião. A insatisfação não é privilégio dos ibéricos; é um fenômeno mundial. Na França dos coletes amarelos e na Inglaterra do Brexit está acontecendo o mesmo. Os políticos teimam em repetir erros, quando deveriam inovar.

No Brasil a situação não é muito diferente. O desemprego não para de crescer desde o governo Dilma, enquanto o nível dos políticos não para de cair. Quem viu e ouviu o bate-boca na Câmara dos Deputados durante a audiência com o ministro Sergio Moro sabe do que estou falando. Há pelo menos 35 anos frequento o Congresso. Conheci gente que fazia política de altíssimo nível como Luiz Viana Filho, Nelson Carneiro, Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Pedro Simon, ACM e Luís Eduardo. E também conheci anões como Genebaldo Correa, Geddel Vieira Lima, João Alves e Raquel Cândido. Mas a turma que estava na audiência de Moro é imbatível.

Os da oposição estão perdidos, não entenderam que quanto mais batem em Moro, mais ele cresce. Chegou como ex-juiz e saiu da Câmara mais candidato que nunca à presidência da República. A oposição insiste em transformar seus adversários em campeões de voto, como fez com o pastor Marco Feliciano quando ele assumiu a presidência da Comissão de Direitos Humanos. Nesta toada, Moro será um grande cabo eleitoral em 2020 e, provavelmente, candidato fortíssimo em 2022 para o deleite da esquerda que xinga, cospe e veste como uma luva o lema do inesquecível Ibrahim Sued: “Os cão ladra (sic) e a caravana passa”.

Os políticos da situação, boa parte marinheiros de primeira viagem devendo a eleição a Bolsonaro, estão cegos pelos holofotes do poder e das redes sociais. Aos poucos descobriram o Estado, suas reentrâncias, gordurinhas, sinecuras. Querem tudo. Se não levam, batem, chantageiam. Agora resolveram atacar o ministro Onyx Lorenzoni. Digam o que quiserem do ministro da Casa Civil, mas até seus piores adversários sabem que ele tem três qualidades: leal, trabalhador e ficha limpa. O presidente Bolsonaro o conhece faz tempo. Quando seus apoiadores cabiam num fusca, Onyx sentava no banco do copiloto. Como ministro, entregou aquilo que o governo sempre sonhou ter e Renan Calheiros nunca imaginou perder. E o fez sem que ninguém, jornalistas ou adversários, denunciasse troca de favores ou qualquer outra conduta desabonadora. Negociar, vencer e sair com as mãos limpas não é para qualquer amador.

Outro dia uma grande amiga resumiu tudo numa frase de José Saramago: para ver uma ilha é preciso sair dela. Quem, na distância, vê a oposição mordendo as canelas de Moro feito cão raivoso e os aliados atirando em Onyx Lorenzoni, como se fosse ele o adversário a ser batido, não tem dúvida que o governo do presidente Bolsonaro é o grande perdedor. Ao invés de deixar a ilha pegar fogo, melhor seria não brigar para dentro. Há um longo caminho com 3 anos e meio de governo pela frente e uma eleição municipal no meio. Neste cenário, a oposição e João Doria teriam muito pouco a perder.

O Poder360 saiu na frente – O espanhol Josep Borrell, um quadro histórico do PSOE, comandará a diplomacia da União Europeia e os leitores do Poder360 receberam esta informação com exclusividade no meu artigo do dia 25 de maio. Junto com a alemã Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e a francesa Cristine Lagarde, comandante do Banco Central, Borrell será um dos mais poderosos políticos europeus pelos próximos quatro anos.


Marcelo Tognozzi: O incorruptível

Em 28 de julho de 1794, o revolucionário francês Maximilien de Robespierre foi guilhotinado na Praça da Concórdia, em Paris. Sua morte marcou o começo da última fase da Revolução Francesa

Sua morte se convertera numa necessidade. Ele impusera mudança dura e incontrolável. A um amigo confessara ter perdido a conta de quantos ladrões do dinheiro público prendera e expusera publicamente a vexames. Acabara com eles, pela lei e pela força. E prometera a si mesmo que nada o pararia. Tinha o poder de decidir sobre o destino dos ricos e poderosos, sonegadores de impostos e até pequenos canalhas.

Fazia calor quando chegou ao Parlamento naquele 26 de julho. Suava por debaixo do traje formal ao começar sua fala: “Não me confundam com aqueles indignos representantes do povo, os que desonraram a representação nacional. Não podemos fazer vista grossa dos seus crimes deixando que fiquem impunes. O que está havendo é uma conspiração para preservar criminosos entre os quais alguns que estão aqui hoje”.

Demonstrava uma coragem e uma ousadia incomuns. E seguia com seu discurso cheio de perigo: “o único remédio para o país é castigar os traidores. Ninguém pode ser contra a verdade. Eu nasci para combater o crime, não para dirigi-lo”. E continuou como se pressentisse seu destino: “Ainda haverá um momento em que os homens honrados poderão servir à nação sem serem castigados”. Era o limite: não restava outra opção, somente a morte. Julgado e condenado sem tribunal, a sentença deveria ser executada o mais rápido possível para impedir reações.

No dia seguinte pipocaram graves acusações de espionagem contra deputados, diziam que ele não passava de um tirano capaz de desrespeitar a lei, o estado de Direito e desprezar o devido processo legal. Ele reagiu com coragem, encarando seus inimigos olho no olho naquela sua derradeira ida ao Parlamento. Um deles, o mais exaltado, fez questão de mostrar que levava uma arma. Sentiu um arrepio vindo da descarga de adrenalina. Sua boca encheu de saliva. Um homem pronto para matar e morrer.

Reunido com seus companheiros, tentou articular uma resistência, mas ela não passou de um suspiro. Ocupou a prefeitura e pegou em armas. Eram duas da madrugada quando a tropa encarregada de cumprir a ordem de prisão contra ele cercou o prédio e iniciou um tiroteio. Estavam numa ratoeira. Seu amigo, o comissário Felipe, matou-se com um tiro na cabeça. Seu irmão Agostinho tentou fugir pulando de uma janela e quebrou as duas pernas. Ele resistiu como pode. Sangrava muito do tiro que acertou a mandíbula quando um dos soldados o agarrou e sacudiu como um troféu. Experimentou a mesma humilhação e medo impostos a seus inimigos. Ferido, suado, sujo, quebrado.

Eram 6 da tarde daquele mesmo dia quando três carroças saíram da prisão da Conciergerie em direção a Place de la Revolucion, num trajeto de meia hora. Na que abria o cortejo estava Maximiliano de Robespierre, 36 anos, advogado, ex-juiz criminal, o incorruptível, caçador dos ladrões do dinheiro público. A multidão gritou palavrões e vaiou o agora ex-herói da Revolução Francesa de 1789.

O carrasco fez a última inspeção na guilhotina, engraxada e preparada com esmero. Sacou o capuz de Robespierre, que gritou de dor por causa da mandíbula ferida. Em menos de um minuto a cabeça rolou para o cesto consumando a sentença necessária. E seu corpo levado para uma cova rasa e sem identificação no cemitério Des Errancis. Coberto de cal virgem para eliminar quaisquer vestígios da sua incômoda existência, logo recebeu aquela terra cinza de Paris. No dia 28 de julho de 1794. Num verão, há exatos 225 anos.


Marcelo Tognozzi: Os pobres da Europa, observa Marcelo Tognozzi

Estratégia Europa 2020 fracassou. Continente tem 112 milhões de pobres

Há uma parte da Europa igual à periferia de São Paulo, Rio, Buenos Aires, Lima, Cidade do México ou Bogotá. A Europa pobre. Em 1 ano aumentou bastante o número de pessoas vivendo nas ruas, pedintes, camelôs e sem-teto. Pessoas que passam a noite em bancos de praça ou marquises de ruas movimentadas. Estão em Madri, Paris, Genebra, Lisboa, Berlim, Istambul, Roma, toda parte. São imigrantes? Ao contrário, fazem parte dos 112 milhões de pobres europeus, pouco mais de 20% da população dos 28 países membros da União Europeia. Eles nos mostram que nada mais será como antes da crise de 2008.

A Estratégia Europa 2020, um plano aprovado em 2010 e cuja meta era tirar da pobreza 20 milhões de pessoas, fracassou. Os técnicos e os políticos apostaram que o crescimento econômico e a geração de empregos fariam com que a pobreza diminuísse. Mas emprego virou algo precário em todo mundo, não é mais um seguro contra a pobreza. Há poucos dias, dezenas de pobres e sem-teto montaram um acampamento em frente ao Museu do Prado, o principal de Madri, por onde passam anualmente cerca de 3 milhões de pessoas vindas de todas as partes do planeta. Estão ali, em exposição permanente, mostrando a agonia do estado de bem-estar social.

Pessoa dorme perto de propaganda do Santander em Madri. Em 1 ano, aumentou o número de pedintes, camelôs e sem-tetoMarcelo Tognozzi/Poder360 – 8.jun.2019

 

Os acampados são pessoas que não conseguem emprego, este artigo de luxo que um dia foi a salvação da classe trabalhadora. E também não têm acesso aos serviços básicos simplesmente porque na Espanha quem não tem um endereço fixo e não é “empadronado”, como se diz por aqui, tem dificuldade até para ser atendido num posto de saúde. Os técnicos da União Europeia não costumam falar de pobres, mas de “risco de pobreza” nos seus relatórios. Uma fineza para com os desvalidos por parte de quem não entende que, seja em São Paulo, Paris, Nova Iorque ou Istambul, todo mundo é parecido quando sente dor.

Stephane Hessel (1917-2013) publicou em 21 de outubro de 2010 seu ensaio Indignai-vos, de apenas 32 páginas. Tinha 93 anos e exibia a mesma energia de quando era um moleque de 20 recrutado pela resistência francesa na 2ª Guerra como maquis. Argumenta que a Europa que emergiu da guerra era mais solidária e comprometida com as questões sociais, a garantia ao trabalho e uma aposentadoria digna. A indignação de Hessel pode ser resumida em uma frase: “O homem justo crê que a riqueza gerada pelo trabalho deve prevalecer sobre o poder do dinheiro”.

Esta mentalidade foi se perdendo ao longo dos últimos 74 anos e a pobreza da Europa crescendo na mesma proporção do acúmulo exagerado de riqueza pelo setor financeiro, o que o ex-maquis chama de “ditadura internacional dos mercados financeiros, que ameaçam a paz e a democracia”. Hessel não estava delirando quando escreveu ter o setor financeiro engordado tanto, que tirou das mãos do homem comum o dinheiro que deveria estar circulando e gerando menos pobreza. Por este raciocínio, o correto seria que os bancos devolvessem à sociedade parte desta riqueza acumulada sob a forma de impostos que financiassem ações contra a pobreza. Eles seriam capazes disso? Por quê?

Em fevereiro deste ano, Bradesco, Itaú e Santander pagaram R$ 32,8 bilhões em dividendos e juros aos seus acionistas. Nada menos que um aumento de 43% sobre o lucro de 2018. Praticamente o mesmo valor do orçamento da Bolsa Família para 2019. Isso, num país com 14 milhões de desempregados, 40 milhões de miseráveis, crianças que vivem nas ruas, escolas e hospitais que não funcionam. Bancos geram cada vez mais lucro e cada vez menos empregos. São ao mesmo tempo uma fonte de riqueza e de pobreza. Seja em São Paulo ou Madri, miséria é miséria em qualquer parte, riquezas são diferentes.

*Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor independente há 20 anos. É pós-graduado na Graduate School Of Political Management - The George Washington University e faz pós-graduação em Inteligência Econômica em Madrid.


Roberto Freire: A irracionalidade anda a galope

Governo Bolsonaro está à deriva
Temos um ex-presidente preso
Tenta-se rebaixar o Judiciário
A República está desalinhada

Um espectro ronda o Brasil, o espectro da irresponsabilidade.

Desde o processo eleitoral do ano passado, em virtude da disseminação de novas tecnologias da informação e de certa falência do modelo político brasileiro, o debate sobre o futuro do país vem se dando sobre trilhas tortas, no qual ideias e propostas altruístas e legítimas convivem com mitos, mentiras, todo tipo de manipulação e enganos. E em uma escala monumental, envolvendo em tempo real milhões de brasileiros, eleitores, cidadãos.

O próprio resultado das eleições, inquestionável, pode ser analisado por esse prisma. Em um movimento de repúdio a gestões hegemonizadas pelo PT e apoiada em amplos segmentos do conservadorismo e da direita, a maioria dos eleitores que foram às urnas optou por um conjunto de ideias soltas, meramente ideológicas, e não por um projeto de desenvolvimento com rosto, linha, com um porto a ser alcançado.

Passado o processo eleitoral, veio a política real. Um governo à deriva, um presidente que diz não entender nada de economia e que nasceu para ser militar e não para ser líder maior do País, um ministro da Justiça que alçou o combate à corrupção à instância de ideologia, um ministro da Fazenda que acredita ser o presidente, um chanceler que busca revisar a história de maneira tosca e abusiva, um guru ao estilo Rasputin com um imaginário séquito de alunos convertidos a uma religião do atraso, um ministro do meio ambiente avesso e cético em relação às mudanças climáticas, um vice que surpreende e vivifica ideias realmente republicanas, um governo com base parlamentar em crise e seu próprio partido virando mais amontoado que ajuntamento e se dividindo publicamente.

É impressionante como tudo na República está desalinhado. À esquerda e à direita, cada um tentando se salvar em seu quadrado político, ou de interesse pessoal. O outrora partido no poder, que teve tudo para deixar ao país uma boa herança pela esquerda, ficou preso ao seu líder maior hoje na prisão e não vem a público trazer nada de novo.

Outrora grandes partidos de centro e social democrata também caíram na inação em virtude de a Justiça ter lançado redes sobre seus principais expoentes políticos. Partidos fisiológicos, principalmente ao centro e à direita, continuam esperando pela fisiologia. A contra-política, ou melhor, a “nova política” imperando e a economia afundando.

Uma democracia convive com ex-presidente da República e líderes outrora proeminentes presos, com empresários intocáveis recolhidos a celas, com impeachment, com o rigor da Justiça –que sempre deve ser rigorosa, amparada na Constituição e no arcabouço legal. Todavia, pode fenecer, se conviver com movimentos que visam desacreditar a política, os políticos e, principal e especialmente, as instituições democráticas e republicanas.

Estamos a ver nas últimas semanas uma escalada perigosa para desmoralizar o Judiciário, com foco maior no seu vértice, o STF (Supremo Tribunal Federal). Colaboraram para essa situação controversas decisões e posicionamentos do STF e de alguns dos seus ministros, ressaltando-se a recente e equivocada imposição de censura a alguns veículos de imprensa no país.

A história passada e recente nos oferece exemplos de que tal escalada resulta em colapso democrático nos países que a experimentaram. À esquerda, a Venezuela de Chávez/Maduro. À direita a Hungria e a Turquia, dentre outros.

Hoje vivemos uma corrida no Congresso Nacional para ver quem consegue atingir mais rapidamente os clássicos 15 minutos de fama, daí a multiplicidade de discursos, solicitações de comissões parlamentares de inquérito, pedidos de impeachment e outras iniciativas ligeiras, apressadas.

Tudo sendo replicado nas redes sociais por milhões de mensagens, avivando não o espírito democrático dos cidadãos críticos, mas a sanha autoritária e golpista que sempre esteve presente em movimentos de direita, em alguns partidos de esquerda antidemocráticos e, claramente, em grupos da campanha e que agora formam alas dentro do governo Bolsonaro.

Na democracia e dentro da lei a crítica deve ser livre e destemida. Nenhum Poder da República e suas instituições estão livres do crivo da cidadania, mas a liberdade corre risco se houver a desmoralização de qualquer uma delas. Se há de fato denúncia de crime de responsabilidade contra o presidente ou ministro do Judiciário então se façam articulações políticas sólidas no Congresso e se decidam em relação ao caso, porém sem o fogo-fátuo e as luzes da ribalta que se apagam.

Levar um ministro ao impeachment por um processo maduro não agride a democracia, porém abrir a caixa de pandora aos 7 cantos é irresponsabilidade. Até a esperança se solta.

*Roberto Freire é presidente do Cidadania


Alon Feuerwerker: O subdesenvolvimento é mesmo uma obra

País é atrasado em pontos essenciais

O encontro de Davos este ano vai mais ou menos. O deslumbramento com a globalização anda em baixa. Nesse circo, somos um país que anda no arame: pelas declarações oficiais, o Brasil quer uma globalização sem globalismo, inserir o país na economia globalizada mas manter aqui dentro o centro das decisões. Espremido o discurso, é isso que fica.

Um problema pelo mundo é os liberais-raiz andarem meio sem prestígio depois da crise de 2008-09, a que ainda não acabou. Exuberante mesmo desde então só a concentração de renda. A novidade mais recente é a confirmação da desaceleração chinesa. Estava previsto, mas nem por isso machuca menos quem, como nós, vive de exportar primários e semi.

No Brasil a luta atual de ideias tem uma peculiaridade, pois o desastre da economia no último governo petista abriu a janela de oportunidade ao liberalismo. Nunca houve ambiente tão propício à difusão dele, o que se reflete na imprensa e mostrou vigor na eleição do ano passado. O Brasil decidiu dar uma chance para o capital dizer a que veio. Uma novidade.

Se na mitologia econômica de uns Zeus é planejamento e ativismo estatal, para outros basta deixar dinheiro na mão (ou no caixa) dos empresários e eles produzirão prosperidade. Está empiricamente demonstrado que o segredo é uma combinação ótima entre os 2 pólos, mas –de novo– pedir razão no atual ambiente político é perda de tempo.

O governo Bolsonaro fala, portanto, ao coração de quem 1) vê a pátria como última proteção contra o poder do capitalismo global de dissolver as fronteiras e as relações sociais estabelecidas e/ou 2) vê no capital a força capaz de libertar o país da sina de baixo crescimento, serviços públicos medíocres, impostos injustos e dos demais problemas nacionais crônicos.

São vetores contraditórios mas não necessariamente antagônicos. Há 2 casos de sucesso de países que conseguiram inserção global mantendo-se soberanos: os Estados Unidos da América (do Norte) e a República Popular da China. Aliás estão ambos agora em desconforto mútuo pois um descobriu que mantida a ordem das coisas o outro vai tomar a liderança.

O que há em comum entre China e EUA? Entre outros aspectos, 1) decidiram que enriquecer não é pecado, 2) fizeram a reforma agrária, base para um mercado interno pujante, 3) colocaram foco total na industrialização e 4) construíram sociedades em que a educação universal de boa qualidade ocupa posição estratégica, e daí podem falar em “meritocracia”.

Avalie você mesmo o estágio em que nos encontramos. Somos uma sociedade em que 1) o lucro continua sendo pecado, 2) a questão social no campo volta a ser caso de polícia, 3) o pensamento econômico dominante diz que indústria é bobagem e 4) educação é um apartheid social: escolas são bem melhores para os ricos e a classe média do que para os pobres.

Por um instante, leitor ou leitora, esqueça da guerrilha e do #blablabla nas redes sociais, e liste você também os itens que acha importantes para o Brasil passar a se desenvolver de maneira soberana e inserida nos mercados globais. Verá que estamos atrasados em todos os pontos essenciais. Enquanto isso, segue a mesmerização das massas, uma especialidade.

É a gloriosa obra do subdesenvolvimento.

*Alon Feuerwerker, 63 anos, é jornalista e analista político e de comunicação na FSB Comunicação. Militou no movimento estudantil contra a ditadura militar nos anos 1970 e 1980. Já assessorou políticos do PT, PSDB, PC do B e PSB, entre outros. De 2006 a 2011 fez o Blog do Alon. Desde 2016, publica análises de conjuntura no blog alon.jor.br. Escreve para o Poder360 semanalmente, às quintas-feiras e aos domingos.


Marcelo Tognozzi: Sonho e realidade se encontram na eleição do Parlamento europeu

Pleito está marcado para 25 de maio serão onde "sonho e realidade se encontram" European Union. Europeus prezam seu sistema de vida, mas não conseguem bons trabalhos. Na Espanha, há Previdência quebrada. Jovens têm sido atraídos pela direita, pelo discurso de retomar empregos

Diferente do Brasil, onde a conta das aposentadorias e pensões é paga com dinheiro do Tesouro, na Espanha, a exemplo de outros países da União Europeia, há um fundo de reserva para bancar a Previdência. Mas as contas não fecham porque os trabalhadores da ativa não estão gerando contribuições suficientes para bancar os inativos.

Um fenômeno em toda Europa é o envelhecimento da população e a Espanha é o país com menor taxa de natalidade do mundo desenvolvido. A mais baixa desde 1941, quando o país se reerguia após uma guerra civil que em quatro anos matou mais de 500 mil pessoas.

Em 3 cidades não nascem crianças há uma década, como no pequeno município de Yernes y Tameza, em Astúrias. Lá o único menor de idade, com 13 anos, é o menino Adrian Beovides, o último a nascer ali.

Boa parte dos jovens espanhóis, como a maioria dos europeus, terminou a universidade, mas não consegue emprego. Na faixa entre 20 e 30 anos, já são praticamente 1/3 os excluídos do mercado de trabalho. Muitos deles com uma pós-graduação, às vezes duas, e enorme frustração por não conseguirem exercer a profissão escolhida.

A sociedade está diante de uma encruzilhada: jovens super qualificados não conseguem trabalho e, consequentemente, pagam menos impostos e contribuições. Disputam vagas de garçom, vendedor ou recepcionista com imigrantes com pouco ou nenhum estudo.

O Estado investe muito na formação das pessoas e, quando estão prontas para devolver este investimento sob a forma de impostos, são excluídas do mercado de trabalho. O resultado é este curto-circuito nas constas da Previdência.

Esta rapaziada está de mau humor. As duas últimas pesquisas do CIS (Centro de Investigação Social), órgão público responsável pelas pesquisas de opinião mostram uma descrença nos políticos, a percepção de uma política contaminada pela corrupção e uma baixa expectativa de que o atual governo será capaz de oferecer soluções.

A esquerda e a centro-esquerda parecem ter esgotado sua criatividade para manter e expandir o estado de bem-estar coletivo (welfare state) com base em políticas sociais. Há uma evidente falta de propostas em relação ao tema que mais preocupa os espanhóis: o desemprego e a falta de perspectivas para a criação de novos postos para profissionais qualificados.

O descontentamento levou boa parte dos jovens a votarem na direita e centro-direita em dezembro passado, nas eleições da Andalucía, derrotando a esquerda depois de 36 anos de sucessivos governos. Após estas eleições, a extrema direita e a centro-direita passaram a gerar uma expectativa concreta de poder para o eleitorado.

Na França, após os protestos dos coletes amarelos, as últimas pesquisas indicam um crescimento de Marie Le Pen, a candidata de extrema direita derrotada por Emanuel Macron. O voto na direita não reflete ideologia, mas um pragmatismo de quem deseja ver seu problema resolvido no curto praz e que cansou de esperar.

Quando um engenheiro, psicólogo ou arquiteto, disputa uma vaga de 1.000, 1.500 euros com um trabalhador que veio do Oriente ou da África fugindo da fome e da morte, é sinal de que as coisas estão indo de mal a pior. A maioria continua sendo absorvida pelo setor de serviços, no qual o Turismo segue como o grande empregador de mão-de-obra qualificada ou não.

A esquerda e a centro-esquerda perderam a conexão entre o discurso, a prática e os resultados. Hoje milhares de diplomas vão para o fundo de alguma gaveta sem a menor utilidade numa Europa em que o setor financeiro não para de aumentar seus lucros e gerando cada vez menos postos de trabalho graças a automação, enquanto um contingente cada vez maior de trabalhadores é obrigado a sobreviver fazendo o que não gosta e abandonar o sonho de exercer a profissão escolhida.

Há ainda um agravante: os imigrantes com algum dinheiro “compram” seu próprio trabalho investindo num negócio, como fizeram milhares de chineses com suas lojas de quinquilharias.

Os europeus prezam muito seu sistema de vida. E têm horror quando são obrigados a sair da zona de conforto. Ao contrário dos sul-americanos, asiáticos e africanos, não sabem e não gostam de improvisar.

Foram acostumados durante décadas a uma rotina iniciada na escola de tempo integral e encerrada numa aposentadoria com direito a remédios, médico, transporte público e segurança para ir e vir.

A crise está colocando tudo isso em risco. O discurso adotado pela direita e centro-direita incluindo a revisão das políticas sociais, luta contra a corrupção, resgate dos valores da família e de estímulo aos que desejam ter filhos tem soado como música para uma fatia cada vez maior do eleitorado por propor o resgate desta zona de conforto ameaçada.

Para eles, questão da imigração não é problema quando o imigrante pode pagar impostos e ajudar a financiar um sistema no qual os contribuintes são cada vez mais escassos.

Há ainda a falta de crédito para o consumo que colabora para agravar a situação. Enquanto no Brasil e nos Estados Unidos as pessoas compram comida e bens de consumo como roupas e eletrodomésticos financiados em 10, 12, 24 vezes, os consumidores europeus não podem fazer isso.

Os limites dos cartões de crédito são curtos e o crédito disponível se concentra no setor imobiliário e na venda de veículos. Ou seja: o dinheiro circula menos, as vendas são menores e há menos oferta de emprego.

Stéphane Hessel (1917-2013), escritor, diplomata e um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, lançou em 2010 um panfleto de 32 páginas intitulado “Indignai-vos”, pelo qual exortava os jovens europeus a uma insurreição pacífica contra um capitalismo de privilégios para o setor financeiro em detrimento da cidadania.

Mais de 1,5 milhão de exemplares foram vendidos somente na França, servindo de inspiração para protestos e o surgimento de novos influenciadores. Na Espanha, a jornalista Rosa Maria Artal coordenou a livro “Reaja” (Reacciona), lançado em 2011, reunindo textos de intelectuais progressistas sobre a necessidade de combater a corrupção, os poderes financeiros e uma política cada vez mais distante da cidadania.

Nove anos depois, o pragmatismo do eleitor que quer emprego e aposentadoria fez a indignação e a reação começarem a migrar para uma direita que adotou as mesmas palavras de ordem.

Assim como os trabalhadores da Deep America votaram em Donald Trump em troca da promessa receber de volta seus empregos perdidos para os asiáticos, os jovens europeus namoram a direita pesando no seu 1º emprego, em uma Europa de oportunidades. No caso dos Estados Unidos os empregos e as oportunidades reapareceram.

Na Europa eles ainda são sonho e embalam o crescimento da direita na Itália, Espanha, França, Holanda, Áustria, Bélgica e Hungria. Até chegarmos na encruzilhada de 2019, o ano em que o sonho e a realidade têm encontro marcado dia 25 de maio nas eleições do Parlamento Europeu.


Roberto Freire: Por uma esquerda contemporânea do futuro

Em um mundo que enfrenta um revolucionário processo de transformação, não é das tarefas mais simples para as forças políticas e agremiações partidárias se adaptarem à nova realidade. Instituições datadas do período da Revolução Industrial, ainda no século XIX, os partidos políticos perderam muito de sua interlocução junto à população e hoje têm enorme dificuldade de se estabelecer nas sociedades plenamente interconectadas em rede. As esquerdas, em especial, praticamente todas em crise em grande parte do mundo, só retomarão o diálogo com os demais atores sociais se tiverem a capacidade de interpretar as mudanças em curso.

Essa revolução social já é um dado da realidade que está bem diante dos nossos olhos e contra o qual não se pode lutar. Tal processo envolve não apenas o avanço das novas tecnologias ou das ferramentas de comunicação, mas se trata, fundamentalmente, de uma transformação radical na forma como nos relacionamos uns com os outros. É evidente que as sociedades atuais não têm praticamente nenhuma similitude com aquelas de décadas passadas. Este é um movimento irrefreável que só se intensificará.

Novas questões estão na ordem do dia no mundo moderno, entre as quais a inteligência artificial e a robotização. Os “Tempos Modernos”, retratados como obra-prima no cinema pela genialidade de Charles Chaplin são coisa do passado. Hoje, a linha de montagem é ocupada por robôs e por todo um processo de automação. Essa verdadeira revolução está transformando profundamente tudo o que está à nossa volta: o mundo do trabalho, a cultura, as relações sociais, os costumes e as instituições – entre elas, inclusive, até mesmo a própria família.

Este novo mundo digital que se descortina nos afeta a todos, em todos os segmentos de atividade, proporcionando o surgimento de novas ferramentas e organizações que substituirão as velhas estruturas – que podem ser simbolizadas, no mundo do trabalho, pelos atuais sindicatos. Para todas essas questões, é fundamental que tenhamos uma visão conectada com o futuro e abdiquemos de vícios e valores ultrapassados de um mundo que ficou para trás e não mais voltará.

Lamentavelmente, o que temos observado com certo estarrecimento, especialmente no Brasil, é um comportamento retrógrado e totalmente refratário às mudanças justamente por parte daqueles movimentos que se dizem progressistas e de vanguarda. Muitos deles, notadamente alguns grupos políticos de esquerda liderados pelo PT e seus aliados PCdoB, PDT e PSOL, têm se comportado como forças da reação, pois se insurgem contra toda e qualquer mudança. Basta haver uma proposta de reforma para que esses setores prontamente se posicionem em oposição a ela, como se o Brasil vivesse um nirvana que não justificasse qualquer iniciativa de transformação.

Provavelmente, não leram com atenção Karl Marx, autor do célebre panfleto “O Manifesto Comunista”, que escreveu: “tudo o que era sólido se desmancha no ar”. Ou devem ter lido essa frase como se fosse algo meramente poético. Na realidade, se trata de uma mudança muito mais profunda que, infelizmente, certa esquerda não consegue perceber. É justamente essa capacidade de interpretação da realidade e de projeção do futuro que esses grupos vêm perdendo paulatinamente.

Durante a Revolução Industrial, houve um movimento que se voltou contra a chamada “mecanização do trabalho” – o ludismo, inspirado e liderado por Ned Ludd, cujos seguidores se revoltaram contra a utilização das máquinas em substituição à mão-de-obra humana nas fábricas. Se naquele momento os ludistas destruíam a maquinaria, hoje temos uma espécie de “ludista digital”, aquele que se posiciona, inequivocamente, contra o avanço das inovações tecnológicas e o mundo digital.

Para citarmos outro exemplo, na área científica também há forte resistência a qualquer debate sobre avanços das pesquisas e o uso da tecnologia de ponta para novas descobertas. Recentemente, em meio aos debates a respeito do desenvolvimento da biotecnologia no Brasil – cujo avanço alguns tentaram impedir, sobretudo em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados –, não foram poucos os setores mais atrasados e obscurantistas da esquerda que simplesmente não toleravam sequer debater o tema.

Comecei a minha militância política no velho Partido Comunista Brasileiro, o PCB, lutando pelas reformas de base. Já naquela época, éramos de uma esquerda que defendia e buscava as mudanças. O que se vê nos dias de hoje, infelizmente, é um comportamento agressivo, intolerante, anacrônico e até mesmo reacionário de certos setores do pensamento dito progressista que não aceitam nenhum tipo de reforma.

É necessário e urgente interpretar todo esse processo de transformação e estabelecer um canal direto de comunicação com os novos atores políticos e sociais – por meio das redes e rodas democráticas e dos mais diversos movimentos da cidadania. Temos de ser contemporâneos do futuro, que já começou. Ou seremos atropelados por ele. (Poder 360 – 05/11/2017)