Marcelo Tognozzi: O incorruptível

Em 28 de julho de 1794, o revolucionário francês Maximilien de Robespierre foi guilhotinado na Praça da Concórdia, em Paris. Sua morte marcou o começo da última fase da Revolução Francesa.
Foto: Reprodução
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Em 28 de julho de 1794, o revolucionário francês Maximilien de Robespierre foi guilhotinado na Praça da Concórdia, em Paris. Sua morte marcou o começo da última fase da Revolução Francesa

Sua morte se convertera numa necessidade. Ele impusera mudança dura e incontrolável. A um amigo confessara ter perdido a conta de quantos ladrões do dinheiro público prendera e expusera publicamente a vexames. Acabara com eles, pela lei e pela força. E prometera a si mesmo que nada o pararia. Tinha o poder de decidir sobre o destino dos ricos e poderosos, sonegadores de impostos e até pequenos canalhas.

Fazia calor quando chegou ao Parlamento naquele 26 de julho. Suava por debaixo do traje formal ao começar sua fala: “Não me confundam com aqueles indignos representantes do povo, os que desonraram a representação nacional. Não podemos fazer vista grossa dos seus crimes deixando que fiquem impunes. O que está havendo é uma conspiração para preservar criminosos entre os quais alguns que estão aqui hoje”.

Demonstrava uma coragem e uma ousadia incomuns. E seguia com seu discurso cheio de perigo: “o único remédio para o país é castigar os traidores. Ninguém pode ser contra a verdade. Eu nasci para combater o crime, não para dirigi-lo”. E continuou como se pressentisse seu destino: “Ainda haverá um momento em que os homens honrados poderão servir à nação sem serem castigados”. Era o limite: não restava outra opção, somente a morte. Julgado e condenado sem tribunal, a sentença deveria ser executada o mais rápido possível para impedir reações.

No dia seguinte pipocaram graves acusações de espionagem contra deputados, diziam que ele não passava de um tirano capaz de desrespeitar a lei, o estado de Direito e desprezar o devido processo legal. Ele reagiu com coragem, encarando seus inimigos olho no olho naquela sua derradeira ida ao Parlamento. Um deles, o mais exaltado, fez questão de mostrar que levava uma arma. Sentiu um arrepio vindo da descarga de adrenalina. Sua boca encheu de saliva. Um homem pronto para matar e morrer.

Reunido com seus companheiros, tentou articular uma resistência, mas ela não passou de um suspiro. Ocupou a prefeitura e pegou em armas. Eram duas da madrugada quando a tropa encarregada de cumprir a ordem de prisão contra ele cercou o prédio e iniciou um tiroteio. Estavam numa ratoeira. Seu amigo, o comissário Felipe, matou-se com um tiro na cabeça. Seu irmão Agostinho tentou fugir pulando de uma janela e quebrou as duas pernas. Ele resistiu como pode. Sangrava muito do tiro que acertou a mandíbula quando um dos soldados o agarrou e sacudiu como um troféu. Experimentou a mesma humilhação e medo impostos a seus inimigos. Ferido, suado, sujo, quebrado.

Eram 6 da tarde daquele mesmo dia quando três carroças saíram da prisão da Conciergerie em direção a Place de la Revolucion, num trajeto de meia hora. Na que abria o cortejo estava Maximiliano de Robespierre, 36 anos, advogado, ex-juiz criminal, o incorruptível, caçador dos ladrões do dinheiro público. A multidão gritou palavrões e vaiou o agora ex-herói da Revolução Francesa de 1789.

O carrasco fez a última inspeção na guilhotina, engraxada e preparada com esmero. Sacou o capuz de Robespierre, que gritou de dor por causa da mandíbula ferida. Em menos de um minuto a cabeça rolou para o cesto consumando a sentença necessária. E seu corpo levado para uma cova rasa e sem identificação no cemitério Des Errancis. Coberto de cal virgem para eliminar quaisquer vestígios da sua incômoda existência, logo recebeu aquela terra cinza de Paris. No dia 28 de julho de 1794. Num verão, há exatos 225 anos.

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