Mussolini

O ex-primeiro-ministro da Itália Benito Mussolini fundou o Partido Nacional Fascista em 1921 | Foto: Reprodução/Descomplica

25 de Abril: Um dia com história em Portugal... e em Itália. Do 'Bella Ciao' à 'Grândola, Vila Morena'

Correio da Manhã*

Foi a 25 de Abril de 1974 que a 'Revolução dos Cravos' acabou com a ditadura do Estado Novo em Portugal. Mas nem só por terras lusas este dia é comemorado como o da libertação de regimes ditatoriais. Corria o ano de 1945 quando, em Itália, o povo italiano colocou um ponto final na ocupação nazi no seu território.

https://youtu.be/gaLWqy4e7ls

O 25 de Abril é uma das datas mais importantes e mais comemoradas no calendário italiano desde então. Nos movimentos de libertação participaram cerca de 300 mil pessoas. Há investigadores que dizem que este número está nivelado por baixo.

Em Portugal, a 'Grândola, Vila Morena' de Zeca Afonso foi o hino da libertação do Estado Novo. Em Itália, Bella Ciao - popularizado nos últimos anos com a série 'La Casa de Papel' - foi o hino da Resistência Italiana - os partigianos - contra o fascismo de Benito Mussolini e das tropas nazis durante a Segunda Guerra Mundial.

https://youtu.be/zWas7fEBL2g

Bella Ciao é uma música cuja origem é desconhecida, historiadores defendem que terá tido origem no final do século XIX. sabe-se apenas que foi baseada em algumas composições antigas, tanto a nível de letra como musical.

Foi no dia 25 de Abril de 1945, há 75 anos atrás, que os partigianos - resistência italiana - anunciaram pela rádio, acompanhada do hino da liberdade, o Bella Ciao, a tomada de poder e a pena de morte para todos os fascistas. Foi a partir dessa data que foram recuperados os últimos territórios que ainda eram ocupados por tropas fascistas ou nazis em Itália. Em menos de uma semana, todas as cidades italianas foram libertadas. Benito Mussolini, líder do Partido Nacional Fascista em Itália, acabou por ser detido e executado, a 28 de maio de 1945.

*Texto publicado originalmente no Correio da Manhã


Alvaro Bianchi: O Maquiavel de Mussolini

No início do século 20, as correntes nacionalistas italianas que depois confluiriam no fascismo procuraram reivindicar as ideias de Nicolau Maquiavel

Como um expoente da cultura nacional e um teórico do Estado-força. O intelectual que deu forma a essa operação foi Francesco Ercole, futuro reitor da Universidade de Palermo e ministro da Educação da Itália fascista. Em seu livro de 1917, Lo Stato nel pensiero di Niccolò Machiavelli [O Estado no pensamento de Nicolau Maquiavel], Ercole inseria as ideias do secretário florentino no próprio processo de construção do Estado italiano, apresentando-o, desse modo, como um precursor do elitismo e do nacionalismo.

A chave dessa primeira leitura de Ercole estava na redução que promovia do conceito maquiaveliano de virtù à energia da vontade e à força, consideradas substâncias vivas do Estado. O futuro professor de Palermo achava, entretanto, necessário distinguir uma virtù passiva, capaz de fundar e reordenar o Estado, de uma virtù ativa, a qual dá forma ao povo e à coletividade, permitindo, desse modo, manter o Estado. De acordo com Ercole, essa virtù ativa não seria atributo coletivo, e sim individual, “isto é, de apenas um indivíduo, ou, no máximo de um número restrito de indivíduos”.

O caráter fortemente elitista e autoritário desse discurso ficaria evidente nos escritos que Ercole publicou na década de 1920 na revista Politica, dirigida pelos fascistas Alfredo Rocco e Francesco Coppola, depois reunidos no livro La politica di Machiavelli, de 1926. Nesses textos, Maquiavel era mobilizado para combater o liberalismo individualista e alinhar-se com uma concepção orgânica da política na qual os interesses individuais e egoístas seriam subordinados a uma vontade moral encarnada no Estado.

Os artigos de Ercole influenciaram diretamente Benito Mussolini, o qual desejou escrever uma tese de láurea que deveria ser apresentada durante uma planejada homenagem na qual receberia o título de doutor honoris causa da Universidade de Bolonha. Ao encontrar Ercole, então reitor da Universidade de Palermo, em maio de 1924, il duce o abraçou e contou seu projeto: “Estou estudando os escritos sobre Maquiavel que você publicou na Rivista Politica. São muito úteis para a tese que estou preparando”. Muito embora o chefe de governo tivesse pensado até no título – Vademecum per l’uomo di governo [Vademecum para o homem de governo] –, a tese não foi finalizada.

Seu prefácio, entretanto, foi publicado pela revista Gerarchia em abril de 1924, com o título Preludio al Machiavelli. Mussolini pretendia encontrar em Maquiavel um contemporâneo e um conselheiro do fascismo htttps://revistacult.uol.com.br/home/tag/fascismo). Do florentino, il duce destacava sua forte percepção negativa a respeito da natureza humana: “homens, segundo Maquiavel, são tristes, mais afeiçoados às coisas que ao próprio sangue, prontos a mudar sentimentos e paixões”. Essa natureza egoísta tornaria o povo incapaz de produzir uma ordem política. Mussolini lia Maquiavel com os olhos de Gustave Le Bon, para quem a multidão de indivíduos “inconscientes e brutais” é capaz de destruir civilizações mas não de construir uma. Esse juízo, para o autor do Preludio, continuaria válido contemporaneamente.

Desse diagnóstico da natureza humana, Mussolini deduzia uma oposição entre o povo e o príncipe, os indivíduos e o Estado. Se uma multidão de indivíduos submetidos às próprias paixões produziria a desordem e o caos, caberia ao Estado promover a ordem e acabar com a anarquia. Os indivíduos tenderiam “a desobedecer às leis, a não pagar os impostos, a não fazer a guerra”. O Estado deveria obrigá-los a agir de modo adequado. O conceito de política que organizava o Preludio inspirava-se nas ideias de Francesco Ercole e não ocultava seu caráter autoritário: “política é a arte de governar os homens, isto é, de orientar, utilizar, educar suas paixões, seus egoísmos, seus interesses, em vista de questões de ordem geral”, escrevia il duce. Para Mussolini, a ideia de que o poder do Estado é uma emanação livre da vontade do povo, pedra angular do liberalismo, não passava de ficção e ilusão. Sem o Estado, nem sequer existiria esse ente denominado povo, apenas uma multidão de indivíduos.

O Preludio al Machiavelli era um prefácio à fascistização do regime político italiano, o que de fato ocorreria poucos meses depois. A abertura do texto já expunha seu argumento. Mussolini narrava ter conhecido uma pessoa das legiões negras de Ímola, a qual possuía uma espada com um dístico atribuído a Maquiavel: “Com palavras não se mantêm os Estados”. A oposição entre o povo e o Estado encontraria solução apenas no uso da força e da coerção: “É, portanto, imanente […] o dissídio entre a força organizada do Estado e a fragmentação dos indivíduos e dos grupos. Regimes exclusivamente consensuais nunca existiram, não existem, provavelmente nunca existirão”.

A consolidação do fascismo
O Preludio mussoliniano reabriu a polêmica sobre o legado de Maquiavel na Itália. A qualidade da literatura produzida nesse contexto variou muito. Giuseppe Prezzolini, por exemplo, concluiu seu livro Vita di Nicolò Machiavelli fiorentino (1927), transformando seu personagem principal em um contemporâneo, o qual teria procurado “dar bons conselhos a [Francesco] Crispi, do qual gostava de seu espírito autoritário e de seus lances arriscados, mas por quem nem sempre foi ouvido.

Preparou para [Antonio] Salandra a declaração de guerra contra a Áustria e acompanhou [Benito] Mussolini em sua Marcha sobre Roma”. No mesmo ano, Luigi Russo escreveu duas notas sobre Maquiavel, nas quais, embora não citasse Mussolini, criticava explicitamente as interpretações dos fascistas Giovanni Gentile e Francesco Ercole. Em 1931, foi a vez de Russo publicar seus Prolegomeni a Machiavelli e uma antologia de escritos maquiavelianos que organizou. O sucesso editorial dos textos de Russo despertou a ira das autoridades fascistas e o próprio Francesco Ercole, na época ministro da Educação, proibiu a divulgação daquela antologia nas escolas italianas.

Nesse ínterim que vai do Preludio de Mussolini aos Prolegomeni de Russo, o regime fascista havia se consolidado. Em 10 de junho de 1924, o deputado socialista Giacomo Matteotti foi sequestrado e assassinado por uma squadra fascista. Seu corpo foi encontrado apenas em 16 de agosto. O envolvimento de Mussolini no episódio era evidente. Seguiu-se uma grave crise política, que pôs o governo fascista em sério risco. Em meio à intensa polêmica que envolveu o chamado delitto Matteotti, Mussolini acabou por rejeitar o título de honoris causa. Todas as solenidades já haviam sido, entretanto, preparadas pelas autoridades universitárias e o diploma emitido, mas ele nunca foi assinado nem entregue ao homenageado.

Apenas a partir de 3 de janeiro de 1925, com seu discurso no Parlamento, Mussolini retomou o controle da situação e lançou a contraofensiva, encerrando a crise política que se arrastava desde o assassinato de Matteotti. Mais tarde, com as chamadas “leis fascistíssimas” de 1925 e 1926, promoveu uma enorme restrição das liberdades políticas e civis, consolidando um novo regime fascista e mandando para a cadeia seus opositores. Com o novo regime, realizava-se a virtù ativa, preconizada por Ercole, e a multidão de indivíduos era finalmente submetida à força do chefe de Estado.

A ideia de um Maquiavel fascista é evidentemente anacrônica. A ideia de estados (stati, no original, com letra minúscula), que abre O príncipe, é fortemente pré-moderna e muito mais ambígua do que Mussolini dá a entender. E, se o florentino em vários momentos de sua obra identificou o estado com o príncipe, ele também o identificou com o povo que governa na República – em especial com o povo que governava sua amada Florença, antes de os Medici a subjugarem. Mas o Maquiavel de Mussolini não poderia ser popular. Para tornar-se partidário do fascismo, antes foi preciso que ele fosse convertido à força em elitista autoritário.

*Alvaro Bianchi é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e professor livre-docente da mesma instituição.


Vinicius Mota: Maré fascista faz 100 anos

No romance 'M', Mussolini conta como ergueu sua catedral de violênciaNa Itália após a Primeira Guerra, a vitória sobre o império austríaco pesa como um fardo. Veteranos do conflito das trincheiras vagam pelo país sem perspectiva de coisa nenhuma.

Entre eles estão os “arditi”, jovens que nas batalhas se especializaram em penetrar as linhas do inimigo e assassinar sentinelas a golpes de punhal, a arma que, entre os dentes de um crânio, estampa as suas camisas escuras.

Gabriele D’Annunzio, gigante da poesia italiana, aviador e herói de guerra, arrebata os desnorteados. Em 1919 comanda uma ação tresloucada e toma o território do Fiume, hoje na Croácia.

Em Milão, em março daquele ano, o militante enxotado do Partido Socialista Benito Mussolini agrega renegados nos Fasci di Combattimento, cuja estreia nas urnas é um fiasco.

Na alcova, a magnata Margherita Sarfatti ensina bons modos e o gosto pelas artes ao amante Benito. Apresenta-o a D’Annunzio, que insiste para que os fascistas apoiem a resistência utópica do Fiume e ainda mais: uma marcha sobre Roma.

Depois das greves de 1920, empresários financiam e a política coonesta as expedições punitivas de fascistas contra socialistas. A pequena-burguesia engrossa os fasci, e a maré muda.

A governança da Itália apodrece, e em dois anos Mussolini dá o blefe com a ideia roubada a D’Annunzio. Uma multidão de maltrapilhos mal armados se desloca rumo à capital em meio a tempestades. O rei se recusa a decretar o estado de sítio que poderia esmagar em poucas horas aquela boçalidade.

Em “M” (ed. Intrínseca), o soberbo romance de Antonio Scurati agora traduzido no Brasil, Mussolini e seu círculo de escroques contam como transformaram a violência numa catedral.

M, O FILHO DO SÉCULO

  • Preço R$ 79,90 (816 págs.)
  • Autor Antonio Scurati
  • Editora Intrínseca
  • Tradução Marcello Lino

*Vinicius Mota é Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.


Luiz Werneck Vianna*: Retomar o moderno, retomar a modernização

Não sairemos desta barafunda infernal com os apertados nós que nos atam ao passado

O denso nevoeiro que até há pouco tempo embaçava a linha do horizonte e nos interditava prever o dia de amanhã começa a desanuviar. Passada a borrasca já se podem contar os perdidos e os salvados, mesmo que os mais estropiados dentre esses não devam esperar uma sobrevida sem sobressaltos. A Olimpíada está conosco e espanta os maus presságios com a festa de confraternização entre povos, que traz consigo o espírito de concórdia de que tanto estamos precisados.

O processo eleitoral se anuncia – esse santo remédio de eficácia comprovada em nossas crises políticas –, e com ele o retorno da política, da discussão sobre que rumos devem ser empreendidos na administração de nossas cidades, que valores e princípios queremos para nortear nossa vida em comum, hora da persuasão de eleitores e de alianças entre os afins. E, quando couber, até entre contrários, do que a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados consistiu num auspicioso primeiro sinal.

Velhos timoneiros de volta a seus postos de comando entoam o velho lema de que navegar é preciso e, lentamente, ainda com destino incerto, tateia-se em busca de uma saída desta barafunda infernal em que fomos envolvidos. Não sairemos dela, contudo, enquanto estivermos prisioneiros dos apertados nós que nos atam ao passado.

O mundo mudou e nós mudamos com ele, e não há caminho fácil pela frente neste século 21 que resiste em começar, como neste episódio regressivo do Brexit, com a maré montante da direita e a ressurgência dos temas da xenofobia, do nacionalismo autárquico e a candidatura presidencial de Donald Trump nos EUA no surrado estilo populista de um Mussolini, inventário de horrores que nos vem do que houve de pior no século passado.

Para o começo do alívio desses nós torna-se necessário reafirmar a velha lição de que somos parte do Ocidente, um outro Ocidente, na caracterização de José Guilherme Merquior em belo ensaio esquecido (Revista Presença, n.º 15, 1988), e de que não devemos cultivar ressentimentos em razão do nosso atraso porque seríamos, de fato, “uma modificação e uma modulação original e vasta da cultura ocidental”. Uma das marcas da nossa originalidade residiria no fato de não termos compartilhado com os europeus o etos da antimodernidade quando a História moderna foi vista como um pesadelo por muitos dos seus intelectuais. Ao contrário, segundo Merquior, o modernismo brasileiro foi percebido em chave otimista, longe da Kulturpessimismus europeia, como um “modernismo da modernização”, tal como presente em Mario de Andrade e confirmada com a ascensão de Juscelino Kubitschek – da prefeitura de Belo Horizonte com a obra da Pampulha à Presidência da República com a criação de Brasília –, quando as agendas do moderno e da modernização caminharam juntas.

O golpe militar interrompeu esse processo benfazejo. Com o novo regime a modernização apartou-se do moderno, que passou a ser reprimido com a intensificação da tutela estatal sobre os sindicatos, com o abafamento das tendências que se vinham acumulando em favor da auto-organização da vida social e com as severas limitações impostas à criação cultural e artística no País, cujos altos preços ainda pagamos. A democratização do País, consolidada com a Carta de 88, concedeu alento ao moderno, mas, a essa altura sem o embalo dos trilhos que antes percorria, ele não teria como se reencontrar com a modernização em razão da pesada herança de desacertos econômicos deixada pelo regime militar.

Sanear a economia foi obra do Plano Real e caberia ao governo do PT levar à frente a agenda do moderno presente nas suas lutas de fundação, respaldadas por importantes intelectuais críticos da modernização autoritária com que se tinha imposto o capitalismo no País, como, entre tantos, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e Florestan Fernandes. Partido com origem na moderna sociedade civil brasileira, ao se tornar governo, de modo surpreendente e sem apresentar suas razões, o PT logo se converteu em partido de Estado.

Essa conversão coincidiu com a adoção da obra do marxista italiano Antonio Gramsci – desde os anos 1960, influente em círculos da esquerda – como referência por alguns dos seus quadros dirigentes, embora numa versão antípoda das suas concepções originais, ironicamente caracterizada pelo sociólogo Francisco de Oliveira como hegemonia às avessas. Ao invés de os partidos e movimentos sociais dos seres subalternos buscarem a conquista da hegemonia na sociedade civil em nome de suas concepções políticas e ético-morais, credenciando-se assim ao exercício de papéis dirigentes, pela prática levada a efeito pelas lideranças do PT caberia ao Estado (às avessas) instituí-la por cima.

Nessa reviravolta, mais do que abdicar da agenda do moderno, que pressupõe a autonomia dos seres sociais e de suas organizações, o PT alinhou-se sem alarde à tradição da modernização pelo alto que nos vinha da era Vargas, reanimada pelo ciclo do regime militar, em especial sob o governo Geisel, com as escoras do tipo de presidencialismo de coalizão bastarda que praticava e de suas políticas de cooptação dos movimentos sociais.

Sob a presidência de Dilma Rousseff, menos por sua imperícia nas coisas da política, mais pela exaustão da modelagem herdada do seu antecessor, tanto a agenda do moderno se rebelou contra ela – como se constatou nas manifestações massivas de junho de 2013 em favor da autonomia do social – como se lhe escapou das mãos a da modernização com a economia do País parando de crescer.

Estamos não num fim de caminho, mas no da sua retomada. Se o direito ao moderno não pode mais ser arrebatado da animosa sociedade brasileira de hoje, temos também um compromisso inarredável com a modernização que faz parte do nosso DNA.


*Luiz Werneck Vianna: *SOCIÓLOGO, PUC-RIO

Fonte: estadao.com.br