Michel Temer

Eliane Cantanhêde: O filho de Cesar Maia

Temer desce, Rodrigo Maia sobe. Cresceu, encorpou e está cheio de minhocas na cabeça

Michel Temer foi o grande vencedor na votação das duas denúncias de Rodrigo Janot, certo? Nem tanto, porque Temer vem encolhendo a cada pesquisa, a cada delação e a cada ginástica para salvar o pescoço na Câmara. E, quanto mais ele encolhe, mais Rodrigo Maia infla.

Derrotada a segunda denúncia na Câmara, quem ocupou os espaços na mídia não foi Temer, foi Maia. Isso diz muito. Diz, por exemplo, que Temer venceu, mas está em contagem regressiva para virar passado, enquanto Maia afirma-se no presente e se lança para o futuro.

Há uma fatalidade histórica nessa balança entre Temer e Maia: presidentes fracos, Congresso forte. Foi assim com Sarney e Ulysses o tempo todo, com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães em alguns momentos e com Dilma e Eduardo Cunha, principalmente no fim da era PT.

Como o próprio Maia repete, por mais fraco que seja, um presidente sempre é forte, porque tem os “instrumentos” – a caneta, por exemplo. Mas, se a principal meta de Temer é a reforma da Previdência, ele só tem alguma chance se Maia usar seus próprios “instrumentos”.

É Maia quem define a pauta, “esquece” ou não pedidos de impeachment, articula com os líderes, conhece cada deputado, sabe ler (e, quando necessário, manipular) o regimento. Temer tem o pão e quer fazer um sanduíche, mas é Maia quem está com a faca e o queijo na mão.

Até o impeachment de Dilma, só quem acompanha a política de perto sabia quem era Rodrigo Maia, “o filho do Cesar Maia”, que tem eleições apertadas no Rio e teve míseros 3% para a prefeitura em 2012. Mas o menino cresceu, encorpou, está cheio de minhocas na cabeça. Depois de abanar a mosca azul na primeira denúncia, não voltou a ser cotado para o lugar de Temer numa “emergência”, mas, dia sim, dia não, tem de negar que seja candidato ao governo do Rio ou à Presidência em 2018.

Terra arrasada, o Estado de Cabral e Pezão é propício a novos nomes, e a presidência da Câmara é alavanca poderosa e chance única de exposição. A primeira entrevista após a votação da denúncia de Temer foi de Maia, que não saiu mais de TVs, rádios, jornais e blogs. Ele, porém, está convencido que a calamidade no Rio exige a experiência dos ex-prefeitos Cesar Maia e Eduardo Paes.

Quanto à Presidência: se até o Luciano Huck é lembrado, por que não quem já é o segundo na linha sucessória? O campeão das pesquisas é réu em sete processos, já condenado em um, seguido de um deputado cuja principal credencial é ter sido militar há décadas. E, quando há tantos nomes, é porque nenhum é levado a sério. Sempre cabe mais um.

Rodrigo Maia, porém, demonstra alguma maturidade ao repetir sempre que conhece sua real dimensão e que, ao contrário de um Ulysses, não tem estatura, por ora, para tal audácia. Sua obsessão é encorpar o DEM, tenha que nome vier a ter, e ele se enfurece quando o PMDB de Temer e Romero Jucá intercepta potenciais adesões ao seu partido. Mexeu com o DEM, mexeu com Maia. Mas o DEM errou ao não aproveitar o excesso de exposição e o vento a favor para soltar o balão Maia para 2018. Não para ganhar, mas para fortalecer a sigla e os trunfos de negociação.

Independente do que o futuro lhe reserva, Rodrigo Maia, aos 47 anos, assumiu protagonismo na crise e Temer não tem alternativa: com ele, a reforma da Previdência já é muito difícil; sem ele, fica praticamente impossível. Como, aliás, fica muito difícil até governar.

PUGILATO
Assim como Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dividem o ringue na Lava Jato. Quem ganha? Ninguém. Todos perdem, mas quem perde mais é o Supremo Tribunal Federal do nosso pobre Brasil.


Alon Feuerwerker: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

O governo Dilma Rousseff foi removido quando viu convergir contra ele uma ampla coalizão das principais forças e blocos da economia e da política brasileiras. E o afastamento do PT, como era previsível, fez aguçarem as contradições no interior desse leque, o que está na base da perda de substância conjuntural do governo Michel Temer.

Mas Temer caminha para o apagar das luzes, e os interesses começam a buscar 2018. Para monitorar a eleição que vem, será útil acompanhar a dança dessas mesmas forças. Seu alinhamento ou desalinhamento influirá decisivamente na escolha dos personagens que estarão traduzindo eleitoralmente (“vote em fulano”) as opções de coalizão.

Dilma foi digerida por uma aliança entre 1) o capitalismo local, que ela tentou enquadrar 2) o neotenentismo togado, que ela tentou surfar e 3) o establishment político, que ela acreditou poder degolar. No fim, juntaram-se todos contra ela, já fragilizada pela recessão inevitável após as escolhas econômicas do início de seu segundo governo. E ela caiu.

O petismo é forte, mas não resistiu à poderosa aliança contra. Removido o PT, o neotenentismo foi para cima do establishment político, que vem sobrevivendo graças a uma liga fortíssima com o capitalismo local, na lógica do “agora ou nunca” para as reformas liberais. E o que faz o PT? Procura reorganizar-se aproveitando as rachaduras na coalizão que o derrubou.

O PT não é um partido de estratégias, mas de táticas. Principalmente eleitorais. Isso explica a só aparente esquizofrenia petista quando 1) ataca a Lava-Jato por supostamente perseguir Lula e 2) surfa na Lava-Jato quando o alvo desta são os adversários do PT. Política não é jogo de argumentos, mas de forças. Se a Lava-Jato está contra os inimigos, viva a Lava-Jato.

Se o PT mantiver os oponentes constrangidos pela Lava-Jato, acredita que tem mais chance de ganhar a eleição, com ou sem Lula. Já a lógica do outro lado é a inversa. Buscam um candidato que reúna, sem grandes perdas, as forças anti-Dilma. Alguém simpático aos capitalistas, fora do alcance dos neotenentes e aceitável pelo establishment político.

O ótimo é inimigo do bom. João Doria um dia pareceu ser ótimo, mas o establishment político só aceitará o #novo se não tiver opção. Por enquanto, o lugar de #bom está sendo conquistado por Geraldo Alckmin, cujas pendências com a Lava-Jato não parecem, até agora, suficientemente complicadas para fazê-lo perder momentum na corrida.

Há dois outros vetores, hoje enfraquecidos. 1) Os nacionalistas, aliados potenciais do PT, ressentidos da ainda viva e desagradável memória de um governo dito nacionalista e do progressivo desaparecimento da categoria de empresário nacionalista; e 2) a imprensa, cuja coesão quebrou na recente guerra dos neotenentes contra o establishment político no #ForaTemer.

Observemos.

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Já se sabe que o establishment político prepara petardos legislativos para o caso de precisar abrir fogo contra o neotenentismo daqui até a eleição. Os alvos mais maduros são o abuso de autoridade e os supersalários no Judiciário e no Ministério Público. Os episódios de Temer e Aécio Neves convenceram o establishment político de que pode haver vida sem o alinhamento absoluto à opinião pública. A revigorada popularidade de Lula também ajuda.

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O caso da portaria do trabalho escravo mostrou a hegemonia exuberante do “jornalismo de causas”. Não há qualquer possibilidade de debater racionalmente assuntos em que o jornalismo definiu, por antecipação, qual é o “lado do bem”. Principalmente quando há uma tentadora “oportunidade de progressismo” para quem se cansou de ser catalogado na coluna da direita.

Título original: A dança do empresariado local, do neotenentismo e do establishment político para 2018. O PT calcula e age

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Merval Pereira: Corrupção e democracia 

“O que coloca em perigo a sociedade não é a corrupção de alguns, é o relaxamento de todos”. A frase do pensador político e historiador francês do século XIX Alexis de Tocqueville, criador da definição de social-democracia na análise das democracias ocidentais modernas, nunca esteve tão em voga quanto hoje, e não apenas na América Latina, que, pela primeira vez nos últimos 22 anos, pôs o problema da corrupção como o mais importante, segundo pesquisa do Latinobarômetro divulgada ontem.

ONG sediada no Chile que faz pesquisas regularmente sobre valores e opiniões na América Latina, o Latinobarômetro, em pesquisa que já comentei aqui na coluna, já havia detectado que a confiança na democracia está em declínio na região desde 1995. Comparados com outros nacionais consultados em países da América Latina, os brasileiros são os segundos menos dispostos a apoiar a democracia.

Há pesquisas que mostram que a democracia era um valor muito mais respeitado entre as gerações mais velhas, ao passo que na dos millenials, os que chegaram à fase adulta na virada do século XX para o XXI, apenas 30% nos Estados Unidos consideram que a democracia é um valor absoluto.

O mesmo fenômeno é constatado na Europa, em números mais moderados. Um estudo mostra que, em 2016, o apoio dos brasileiros à democracia caiu 22 pontos percentuais. Não apenas o apoio saiu de 54%, em 2015, para 32%, como 55% dos brasileiros se disseram dispostos a aceitar um governo não democrático desde que os problemas sejam resolvidos.

Agora, pela primeira vez a pesquisa Latinobarômetro mostra que a corrupção é a principal preocupação do Brasil, onde cerca de 31% dos cidadãos a consideram o principal problema nacional. Envolvendo 18 países latino-americanos, a pesquisa mostra que o Brasil não está sozinho. Há dez anos, a corrupção sequer aparecia com dados significativos e, hoje, está presente e com peso em quase dez países do continente, segundo os coordenadores da pesquisa.

A conclusão é que a democracia latino-americana está em crise, e uma das principais razões é o descrédito dos sistemas políticos, dos partidos, das lideranças. O Latinobarômetro mostra que 70% dos cidadãos da região criticaram seus governos por pensarem apenas em seus interesses individuais e não no bem comum, sendo que, no Brasil, esse percentual alcançou 97%.

Não é por acaso, portanto, que a questão da corrupção, a partir do caso brasileiro, tenha se espraiado pela América Latina, já que o esquema montado pelo PT nos governos Lula e Dilma exportou para diversos países chamados “bolivarianos” o mesmo sistema de compra de apoio político com o apoio da empreiteira Odebrecht.

Esse sistema de corrupção que agora está sendo desvelado corroeu os frágeis sistemas democráticos em diversos países da região e fez com que a descrença na democracia representativa aumentasse nos últimos anos.

O surgimento do “capitalismo de Estado” fez com que a relação direta entre democracia e capitalismo já não seja mais uma variável tão absoluta quanto parecia nos anos 80 e 90 do século passado. Ela está sendo deixada de lado pela emergência de países capitalistas não democráticos, como a China, e também pela desigualdade econômica exacerbada em países como o nosso.

Um novo estudo do World Wealth and Income Database, dirigido pelo economista francês Thomas Piketty, também já citado anteriormente na coluna, mostra a “extrema e persistente desigualdade” do Brasil, o que serve para desacreditar a eficácia do capitalismo em países em desenvolvimento como o nosso.

Uma comparação do Brasil em relação a outros três países — Estados Unidos, China e África do Sul — mostra pelo menos uma diferença de 8% no que se refere à renda em mãos do 1% mais rico da população. No Brasil, a renda desse grupo corresponde a 28% do total, enquanto na China é de 14%. Crise econômica, desmoralização da classe política pela prática sistemática da corrupção e violência urbana são ingredientes que se misturam para desacreditar a democracia representativa.

É nesse ambiente negativo que o Brasil entra agora no ano eleitoral.

 


Marco Aurélio Nogueira: Políticos imperfeitos

Crítica a Temer deve ser bem calibrada. Ele é produto do quadro político atual...

Na conhecida conferência A política como vocação, proferida em 1919, o sociólogo alemão Max Weber sugeriu que o verdadeiro homem político deveria possuir ao menos três qualidades essenciais: precisaria combinar a paixão por uma causa, o sentimento de responsabilidade e o senso de proporção. Poderia ter uma dessas qualidades em maior dose, mas não poderia deixar de ter as três. Com elas, entre outras coisas, haveria como controlar a vaidade, o desejo de permanecer sempre no primeiro plano, e dar o devido peso à missão política propriamente dita.

A sugestão é útil para que se discuta, por exemplo, a conduta de parlamentares e governantes, seu maior ou menor sucesso, seu estilo de liderança, as razões que os fazem mais eficientes na representação política e na gestão e lhes dão maior capacidade pedagógica de interagir democraticamente com as massas.

Há governantes que se seguram tão somente na paixão pela causa, conseguindo compensar a ausência (relativa) das outras qualidades mediante a organização de uma boa equipe de auxiliares. Enquanto o chefe faz política e enfatiza sua causa, os assessores cuidam da administração e garantem alguma margem de responsabilidade e senso de proporção no processo de tomada de decisões. Lula pode ser aqui tomado como exemplo positivo. Dilma seria um exemplo negativo.

Em seus dois mandatos, o ex-presidente não deixou um minuto sequer de fazer política e reverberar sua causa. Conseguiu terminar seus governos nos braços do povo, sua equipe de auxiliares se encarregou, com eficiência, de fazer a máquina administrativa funcionar e estabilizar a base política, que forneceu ao governo a necessária sustentação. As circunstâncias nacionais e internacionais foram-lhe favoráveis e o beneficiaram com os ventos da Fortuna, mas é evidente que houve Virtù e bom desempenho entre 2013 e 2010.

Com Dilma Rousseff ocorreu o contrário. Apresentada ao mundo como “gestora rigorosa e técnica competente”, não mostrou aptidão particular para a política, não conseguiu expressar causa alguma nem exibiu a exaltada competência administrativa. Seu senso de proporção e responsabilidade foi reduzido, o que impulsionou a crise. Em decorrência, entrou em atrito com amigos, aliados e auxiliares, não estruturou uma equipe leal e eficiente, teve de aceitar a contragosto a transferência da operação política para outros personagens e não conseguiu organizar um Estado administrativo vigoroso. As circunstâncias não a beneficiaram e passaram, em decorrência, a exigir sempre mais talento político, que lhe era escasso. Dilma plantou, assim, os ventos que iriam transformar-se na tempestade perfeita do impeachment. A desgraça configurou-se quando ela, em 2014, bateu pé e fez questão de concorrer à reeleição. Sua vitória nas urnas foi de Pirro e só serviu para bloquear as chances que o PT teria de ajustar o curso do navio.

Faltaram a Dilma, portanto, as três qualidades essenciais estabelecidas por Weber, com o que ela foi devorada pela vaidade e pela dificuldade de interagir democrática e pedagogicamente com as massas. Sua queda foi uma espécie de profecia que se autorrealizou.

Trazendo o argumento para os dias correntes, encontramos Michel Temer como exemplo de político com dificuldades para combinar as três qualidades. Falta-lhe antes de tudo a devoção a uma causa, já que a ideia de fazer de seu governo um artífice da retomada do crescimento econômico e do ajuste fiscal não aquece mentes e corações. Com o tropeço nas pedras que surgiram pelo caminho (Joesley e Janot), Temer viu evaporar o que tinha de força para aprovar reformas, sobretudo porque não soube reunir os consensos sociais necessários para fazê-las e foi sendo desconstruído pelo próprio Congresso, que esperava ver apoiá-lo. O presidente também não demonstra possuir um apurado senso de proporção e responsabilidade, o que fez com que vacilasse na composição de seu Ministério, para o qual convocou pessoas que pouco o ajudam e têm opaca imagem pública, e se entregasse desmesuradamente ao jogo político miúdo e fisiológico. Foi, assim, sendo devorado por predadores de várias espécies, perdendo condições de fazer política abrangente, a ponto, por exemplo, de influenciar sua própria sucessão. Tornou-se um governante inercial, refém do Congresso e sustentado pelos relacionamentos que amealhou durante a longa carreira parlamentar. Seus baixíssimos índices de aprovação e popularidade fecham a moldura.

Mas a crítica a ele deve ser bem calibrada. Temer é produto do quadro político atual, que está majoritariamente ocupado por políticos imperfeitos. Alguns têm causas, outros se declaram responsáveis, mas há poucos que se dediquem a unir uma qualidade à outra. Não porque não as tenham, mas porque não se dispõem a confrontar as bandas podres do sistema e recuperá-lo.

Bons políticos existem e continuarão a existir sempre. O que falta é que eles se reúnam, se articulem, se imponham nos espaços políticos institucionais e dialoguem abertamente com a sociedade. Sem a paixão que promove a entrega a uma causa e sem um sentido superior de responsabilidade (pública), os políticos são atraídos mais pelo brilho do que pela realidade do poder; e terminam por usufruir o poder pelo poder, sem cumprirem funções positivas. Precisam romper com isso.

Constatar que um país como o Brasil esteja entregue nos últimos 15 anos às desventuras de políticos “imperfeitos” – e imperfeitos porque “incompletos” – certamente levaria Max Weber a tremer no silêncio sepulcral em que repousa.

Quanto a nós, pobres seres viventes, a constatação provoca pasmo e uma perturbadora inquietação. O momento é exigente, pede empenho e discernimento. Não precisamos de “chefes”, mas de políticos dispostos ao sacrifício e vocacionados para colocar os dedos nas engrenagens da História, assumindo compromissos claros com uma agenda corajosa.

*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

 

 


Merval Pereira: Sem surpresas

O inesperado bem que tentou fazer uma surpresa, mas, no final, o presidente Michel Temer confirmou sua força na maioria parlamentar ao livrar-se da segunda denúncia da era Janot e parece agora pronto para terminar seu governo enfrentando apenas questões políticas, sem se preocupar no momento com as questões jurídicas, que cobrarão seu custo mais adiante se Temer não conseguir um acordo que lhe garanta o foro privilegiado a partir de 2019.

O inesperado ontem não foi a tentativa da oposição de não dar o quorum, pois, embora bem-sucedidos nos primeiros momentos, os oposicionistas sabiam que não tinham força para manter a obstrução até o final. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, ajudou Temer claramente ao não dar por encerradas as sessões depois de várias tentativas de obter o quorum.

Poderia ter adiado a votação para hoje, ou mesmo para a semana que vem, se estivesse realmente empenhado em criar problemas para Temer. Mas manteve a sessão até que o quorum de 342 deputados fosse alcançado, mesmo depois que o verdadeiro inesperado marcou sua presença.

Quando correu a notícia de que o presidente Temer estava internado no centro cirúrgico do Hospital do Exército, parecia que acabava ali sua chance de derrotar a denúncia no plenário da Câmara ontem.

Mais uma vez, Rodrigo Maia manteve o sangue-frio e não tomou uma medida precipitada, demonstrando sua boa vontade com o presidente enfermo. Mesmo ainda com o presidente no hospital, a base aliada acabou dando o quorum mínimo necessário para abrir a votação, o que decretava a permanência de Temer à frente do governo.

Foi um espetáculo triste em todos os sentidos. A oposição, num trabalho de obstrução inerente à sua condição de minoria, jogou para deixar o presidente sangrando o mais possível, já que não tem número para derrotá-lo, o que significaria paralisar o país, causando danos à economia.

A mesma economia que serviu de pretexto para a maioria dos que votaram a favor da permanência do presidente. Além de um direito legítimo da minoria, a obstrução justificava-se também pelas negociatas que estavam acontecendo nos bastidores políticos.

Mas nada retirava da atitude oposicionista o prejuízo à economia do país, no mesmo dia em que o Banco Central reduzia mais uma vez a taxa de juros, numa demonstração de que a recuperação está a caminho.

Mas também os apoiadores de Temer deram seguidas demonstrações do baixo nível de nossa política, ora falando abobrinhas no microfone sobre o cultivo da tilápia ou as qualidades do vinho nacional, ora dando show de grosserias como aquele deputado que, horas antes, viralizara no plenário em um vídeo pornô em plena atividade sexual.

Os votos eram exemplares de hipocrisia política, com deputados do PT ou do PCdoB criticando o governo Temer por fragilizar nossas estatais e supostamente entregar nossas riquezas ao estrangeiro, como se não fossem os responsáveis pelo descalabro acontecido na Petrobras e em outras estatais.

Ou deputados governistas atacando as gestões petistas anteriores pela corrupção desavergonhada, como se não estivessem ali para discutir graves acusações justamente de corrupção do governo que apoiam.

Enfim, mais uma vez o plenário da Câmara mostrou-se ao povo brasileiro de maneira clara, para reforçar a percepção de que raros são aqueles representantes eleitos que respeitam seus mandatos e estão ali pensando nos interesses do país.

O PSDB, que já foi o representante de uma oposição programática, acabou sendo o principal responsável pela salvação de Temer com o relatório de Bonifácio de Andrada, justamente identificado por oposicionistas e governistas como tucano que é. Os elogios que recebeu dos governistas não podiam ser compartilhados com boa parte da bancada de seu partido, que votou contra Temer, e muito menos com a maioria de seus eleitores. E os ataques oposicionistas contra seu relatório eram ataques contra o partido que representava, queira ou não a direção do PSDB.

- O Globo


Luiz Carlos Azedo: O susto de Temer  

Uma “obstrução urológica”, eis o diagnóstico oficial do mal-estar que o presidente Michel Temer sofreu ontem e o levou ao Hospital do Exército, no qual foi submetido a exames e passou por uma “sondagem vesical de alívio por vídeo”, segundo nota oficial do Palácio do Planalto. A notícia vazou quando os deputados começavam a apreciação da segunda denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer, na qual também estão arrolados os ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da secretaria-geral da Presidência, Moreira Franco.

Temer chegou andando ao hospital, mas uma ambulância do Exército fez todo o percurso da Praça dos Três Poderes ao Setor Militar Urbano. Seu mal-estar interrompeu uma agenda movimentada, que havia sido iniciada bem cedo, toda focada na votação que haveria na Câmara. Recebeu os deputados Caio Nárcio (PSDB-MG), Aluisio Mendes (Pode-MA), Ademir Camilo (Pode-MG) e Jozi Araújo (Pode-AP), Sinval Malheiros (Pode-SP) e Maurício Quintella (PR-AL); o governador de Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB); além de Moreira e Padilha.

Quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Sérgio Etchegoyen, chegou ao gabinete, Temer já estava sentindo muitas dores, o que levou o militar responsável pela segurança pessoal do presidente da República a acionar o dispositivo médico e de segurança. Entre os políticos, o diagnóstico era unânime: Temer havia sentido o ritmo de trabalho, que incluiu muitos almoços e jantares, e somatizou a pressão política. O presidente da República sempre teve votos para barrar a denúncia, mas foi chantageado pela própria base e obrigado a fazer muitas concessões. O deputado mineiro Fábio Ramalho (PMDB), que oferecera um jantar para o presidente na terça, comentava que Temer, não era de dispensar um leitãozinho à pururuca, mas se recusara a comer na confraternização.

No final da tarde, o Palácio do Planalto minimizava a situação, anunciando que o presidente da República deixaria o hospital caminhando por volta das 18h. Não foi o que aconteceu. Também informava que o médico do presidente, Roberto Kalil Filho, estava em contato com a equipe do Hospital do Exército para avaliar se haveria necessidade de Temer ser transferido para São Paulo. Informada da situação, Marcela Temer foi para o hospital no meio da tarde para acompanhar o marido.

Uma obstrução urinária pode ser uma coisa simples ou algo muito grave, dependendo da causa. A obstrução urinária aguda começa com um desconforto na bexiga, com dores abdominais. A sondagem vesical e esvaziamento da bexiga proporcionam alívio imediato, mas não resolve a causa do problema. A causa mais comum entre os homens com mais de 60 anos é a hiperplasia prostática benigna (HPB), o aumento da próstata, que estreita o canal da uretra. É um mal do envelhecimento que pode ser tratado com medicamento ou cirurgia. O problema é facilmente detectado nos exames de PSA e de toque.

Cálculos
Cálculos renais também pode provocar obstrução urinária. A urolitíase (pedra no rim) desenvolve-se quando o sal e as substâncias minerais contidas na urina formam cristais, que se aderem uns aos outros e crescem em tamanho. Normalmente, são removidos do corpo pelo fluxo natural da urina, mas, em certas situações, aderem ao tecido renal ou se localizam em áreas de onde não conseguem ser removidos. Esses cristais podem crescer variando desde o tamanho de um grão de arroz até o tamanho de um caroço de azeitona. A maior parte dos cálculos inicia a sua formação dentro do rim, mas alguns podem deslocar-se para outras partes do sistema urinário, como o ureter ou a bexiga, e lá crescem. Existem cinco tipos predominantes: oxalato de cálcio, fosfato de cálcio, ácido úrico, cistina, estruvita (infectado) e cálculos de tipos mistos.

Carne vermelha, crustáceos e pouco líquido favorecem a formação dos cálculos, que podem ser tratados com dieta e muito líquido. Noventa por cento dos cálculos saem do rim e passam ao ureter dentro de três a seis semanas. Os cálculos que não passam através do ureter podem ser removidos através de cateteres especiais ou através da desintegração com ultrassom. Em ambos os casos, o médico coloca um aparelho na bexiga (cistoscópio) ou no ureter (uretroscópio) para facilitar a remoção. Se a sonda não funcionar, a opção é a cirurgia ou um novo tipo de tratamento, chamado litotripsia extracorpórea, no qual os cálculos são “despedaçados” por ondas de choques, que dispensam anestia e hospitalização.

Mas a causa pode ser mais grave. Uma estenose uretral, por exemplo, pode ser provocada por traumas ou lesões uretrais, uretrites e, principalmente, câncer. Temer tem 77 anos, está sob forte pressão, em plena seca de Brasília, com uma agenda carregadíssima. Os próximos dias dirão o que realmente houve.

- Correio Braziliense


Merval Pereira: Síndrome do pato manco

O presidente Michel Temer, mesmo que se confirme hoje, como tudo indica, a maioria necessária para superar a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele, não escapará de ser um “pato manco” até o fim de seu governo, o que muito o constrange neste momento em que as forças políticas se mobilizam para sua sucessão.

"Pato manco" (lame duck), é uma expressão usada principalmente na política norte-americana que define o político que continua no cargo, mas por algum motivo não pode disputar a reeleição e perde a expectativa de poder. A expressão nasceu na Bolsa de Valores de Londres, no século XVIII, em referência a investidor que não pagou suas dívidas, e ficava exposto à pressão dos credores. A ave (e o político) com problemas torna-se presa fácil dos predadores.

A expressão surgiu de um velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead duck, isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”. Temer, a exemplo de Sarney no final de seu governo, não terá mais força política para levar adiante seu projeto econômico, embora vá tentar evitar a síndrome do "pato manco", justamente para não se tornar um presidente sem influência na sua sucessão.

O governo quer voltar à agenda econômica depois da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer na Câmara, mas reformas como a da Previdência, que precisam de um quorum mais alto para serem aprovadas, vai ser muito difícil passar. Talvez o governo consiga aprovar outras medidas que podem ser feitas por projetos de lei, como controle de gastos.

Mas a um ano da eleição - quinta-feira já entramos no ano eleitoral - nenhum político vai querer entrar em algum assunto polêmico, que possa prejudicar uma reeleição. Nada que provoque muita discussão vai passar no Congresso. Antes da crise política que paralisou o governo Temer, com a gravação de sua conversa com o empresário da JBS Joesley Batista, já estava muito difícil aprovar a reforma da Previdência, a joia da coroa da proposta econômica do governo.

Agora, provavelmente não haverá mais tempo útil nem meios para negociar o apoio necessário à sua aprovação. É possível que a fixação de uma idade mínima acabe sendo aprovada, pois já existe um consenso na sociedade em torno desse item da reforma. Mas a complexidade da reforma integral da Previdência não tem mais espaço político para uma negociação exitosa.

Além da dificuldade crescente que o governo tem para pagar dívidas contraídas nas duas votações para livrar Temer do processo no Supremo Tribunal Federal, há necessariamente o receio do contágio da impopularidade do presidente na próxima eleição geral de 2018.

Na tramitação inicial do projeto de emenda constitucional havia ainda o argumento político de que a aprovação da reforma alavancaria a economia, fazendo com que a eleição de 2018 fosse disputada em um ambiente econômico mais promissor, ajudando a melhorar a imagem do governo e, consequentemente, a de seus aliados.

Já não há mais tempo útil agora para esse tipo de especulação, e ninguém vai querer arriscar um movimento tão polêmico sem a garantia de que haverá uma reviravolta na economia. O presidente Temer tem toda razão de tentar até o fim, assim como o ex-presidente Lula também insiste em uma candidatura presidencial praticamente inviável.

Mas os dois jogam seus futuros nas eleições. Se Temer ganhar musculatura para se tornar um eleitor de peso da sua própria sucessão, pode ter esperança de apoio do futuro presidente para se salvar do processo a que responderá sem o foro privilegiado. Foi-se o tempo em que era possível cogitar ele próprio como o candidato à reeleição.

Uma anistia direta, ou mesmo indireta, com alguma decisão que atinja todos os ex-presidentes (beneficiando até mesmo Lula) pode ser uma saída. Assim como Lula vê na presidência a salvação pessoal e de seu projeto político.

Os dois correm o risco de morrer na praia.

 


Luiz Carlos Azedo: Base azeitada

A bandeira do ajuste fiscal acabou de ser enterrada pelo Palácio do Planalto, que somente este mês liberou R$ 687 milhões em emendas individuais para os parlamentares. A farra não foi para cooptar ninguém da oposição: foi para domar a própria base parlamentar. Como o orçamento é impositivo desde 2015, o governo é obrigado a liberar os recursos das emendas, mas decide o fluxo de pagamentos, o que serve para administrar os humores dos parlamentares, premiando aliados e retaliando a oposição. Em razão da votação da denúncia contra o presidente da República, entretanto, para desespero da equipe econômica, a liberação de recursos quase dobrou em relação a setembro (foram R$ 273 milhões) e mais que quadruplicou se compararmos com agosto (R$ 138 milhões).

Para aumentar o rombo nos cofres do governo, Temer acelerou a sanção do Programa de Regularização Tributária, o novo Refis, que será publicado nesta quarta-feira, no Diário Oficial da União, sem vetos, o que contraria o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que havia proposto nove vetos. A rebelião na base, estimulada pelo lobby dos maus pagadores, forçou a decisão. Uma nova medida provisória também deverá prorrogar o prazo de adesão. A Receita deve regulamentar as novas regras até quinta-feira. O prazo de adesão termina em 31 de outubro, mas deve ser prorrogado. Com a medida, haverá perda de receita da ordem de R$ 3 bilhões, de um total previsto de R$ 13 bilhões a serem arrecadados.

Deputados da base transformaram o Refis em moeda de troca, assim como fizeram em relação à redução das multas ambientais e às novas regras do combate ao trabalho escravo, estabelecidas por simples portaria do Ministério do Trabalho. Ontem, por medida liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a portaria. A ministra acolheu o pedido da Rede Sustentabilidade, porque houve desvio de poder na edição da medida, ao alterar conceitos que devem ser usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de exigir, por exemplo, que o fiscal apresente um boletim de ocorrência com o seu relatório.

A operação para azeitar a base do governo foi complementada por um esforço do presidente Michel Temer a fim de melhorar a relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi chamado ao Palácio do Planalto para uma reunião. Na saída, Maia disse que está tudo bem entre os dois, com a ressalva de que “em política não tem amiguinho, muito menos para sempre”. A declaração é mais um sinal de que Maia pretende manter distância regulamentar de Temer, mas não deseja o lugar do presidente. Tanto que decidiu pôr em votação as denúncias contra Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) em bloco, e não separadamente. Mais cedo, liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, havia rejeitado um recurso do PSol contra a votação em bloco, com o argumento que a decisão cabia à Câmara.

Outro reforço para Temer foi a declaração do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), defendendo a sua permanência na Presidência até o final do mandato. A decisão aparta o governador paulista dos deputados tucanos que pretendem votar a favor da aceitação da denúncia, o que aumentará a pressão dos ministros tucanos Bruno Araújo (Cidades), Antônio Imbassay (Secretaria de Governo) e Aloysio Nunes Ferreira (Relações Internacionais) sobre os integrantes da bancada. Temer e Alckmin são velhos aliados, mas o namoro do presidente da República com o prefeito de São Paulo, João Doria, que ameaçava deixar o PSDB para ser candidato a presidente da República, havia provocado um distanciamento entre os dois.

Lacrou
O presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), decidiu ontem arquivar a representação do PT que pedia a cassação de Aécio Neves (PSDB-MG), o que pôs um ponto final no caso. Formalmente, não existe mais nada contra o senador mineiro, o que fortaleceu sua posição na queda de braços com o presidente interino da legenda, senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), que, desde a semana passada, vinha defendendo a saída definitiva de Aécio da presidência da legenda.

Ontem, senadores do PMDB chegaram a se reunir para discutir a questão, mas não chegaram a conclusão alguma. Tasso disse que a reunião serviu para que os tucanos fizessem uma “avaliação da situação”, mas deixou claro que Aécio decidirá se vai concluir o mandato ou não: “dentro do seu livre arbítrio, analisando a situação”. Uma saída salomônica foi proposta pelo líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC): esperar a convenção partidária, marcada para dezembro, quando acaba o mandato de Aécio, que continuaria licenciado. “A liderança do partido continua sendo Tasso, no pleno exercício do mandato de presidente, com plena liberdade e solidariedade de todos os membros da bancada”, explicou.

– Correio Braziliense


O Estado de S. Paulo: Lula fala em referendo contra ações de Temer

Ao lado de Dilma, em Ipatinga (MG), ex-presidente Lula participa da segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou nesta segunda-feira, 23, em Ipatinga, em Minas, a segunda etapa da caravana que vem fazendo pelo País reafirmando que, se eleito, vai fazer um “referendo revogatório” para extinguir medidas tomadas pelo governo Michel Temer e pedindo para que a população não vote “nesse bando de picaretas” que cassou Dilma Rousseff.

A presidente cassada participou do primeiro dia da caravana pelo Estado. Um palanque foi armado na Praça Três Poderes, no centro da cidade, para a realização de um ato de apoio a Lula, acompanhado por centenas de pessoas. O governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), e o presidente da Assembleia, Adalclever Lopes (PMDB), também participaram do evento.

Lula disse que está se preparando para as eleições e que é melhor “eles” também se prepararem. “O Lulinha paz e amor voltou. Talvez nem tanta paz nem tanto amor”, afirmou. “Eles não sabem o que é um pernambucano com a energia dos mineiros”, disse. O ex-presidente afirmou também que estão fazendo uma “desgraceira” com o País e que por isso resolveu ser candidato novamente.

A caravana passará por 14 cidades – a maioria nos Vales do Mucuri e do Jequitinhonha. A caravana termina no dia 30, com ato em Belo Horizonte. Na primeira etapa da caravana, Lula esteve, em agosto, no Nordeste do País.

O Estado de São Paulo


Míriam Leitão: O acerto não abona

Nesta quarta-feira, o presidente Michel Temer estará diante do melhor e do pior do seu governo. Na política, responderá à segunda denúncia de crime em três meses e usando as armas que usou da primeira vez: políticas e recursos públicos. Na economia, o Banco Central deve levar a 7,5% a taxa de juros que estava em 14,25% no começo do seu governo. O acerto na economia não abona o erro no resto.

Como na primeira denúncia, o presidente tem usado o seu poder de comando do país para socorrer-se dos apuros em que entrou. No fim de semana, um dos seus decretos perdoou 60% das multas ambientais das empresas. E o que não foi perdoado poderá ser usado pelos empresários em investimentos para recuperação ambiental. O temor é que eles acabem usando os recursos que terão que pagar em projetos do seu interesse ou que eles tenham mesmo que fazer para respeitar as leis ambientais. De novo, o governo estará premiando quem desrespeitou a lei.

Em artigo intitulado “Riqueza Ambiental”, publicado na “Folha de S.Paulo”, o presidente distorce o que acabou de acontecer e afirma que assinou “a maior e mais inovadora iniciativa ambiental do governo”. Desconto do valor de multas e dívidas de empresas sempre foi concedido. Entra governo e sai governo. A atual administração reduziu e parcelou dívidas previdenciárias do setor rural. Não há nada de inovador em dar um desconto de 60% em multa ambiental. Usar os restantes 40% em projetos ambientais também não é novo. “Tal volume de recursos, que não dependerá do Tesouro Nacional, é uma verdadeira revolução no setor”, escreveu Temer, em outro argumento sem sentido. Ora, se as multas fossem pagas, os recursos, 100% deles, iriam para o setor público, ou seja, para o Tesouro. Temer tenta dourar a pílula de mais uma concessão feita pelo seu governo.

O momento mais estranho do artigo, contudo, é quando ele afirma que seu governo tem uma lista extensa de realizações na área ambiental. “Ampliamos áreas de reservas e parques nacionais...” O governo reduziu a área da Floresta Nacional de Jamanxin. No mesmo decreto, ele ampliou uma área de proteção ambiental com menor poder de proteção, mas o que se perdeu na Flona perdido ficou.

O pior do toma-lá-dá-cá que o governo conduz para manter o presidente no cargo foi o decreto que muda o conceito de trabalho escravo. O presidente tem dito que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, negocia modificações no texto com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

Se a procuradora-geral está nessa negociação com o ministro do Trabalho acabará sendo usada mais uma vez. A primeira foi quando ela aceitou encontrar-se com o presidente fora do expediente. Isso virou argumento da defesa de Temer, para dizer que nada houve de errado quando ele recebeu o empresário Joesley Batista fora de hora e agenda. Seria “hábito” da sua gestão. Se ela aceitar agora fazer consertos numa portaria sem conserto, acabará virando coautora de algo que deveria ser simplesmente revogado.

Usando de forma desabrida as mais variadas moedas de troca o presidente caminha para ter mais uma vitória na sua faina para permanecer no poder. Na quarta-feira, ele terá os votos necessários para ficar na cadeira. Seu governo, no entanto, permanecerá sendo um mandato instável, impopular, e sujeito a novas surpresas como as que o levaram às duas denúncias da PGR.

Na mesma quarta-feira, o Copom fará o nono corte na taxa de juros. Ela começou a cair em outubro do ano passado, quando estava em 14,25% e deve ir para 7,5%. Para se ter uma ideia de como mudou para melhor: há uma ano a previsão do mercado financeiro era de que se chegaria ao fim de 2017 com 11% de Selic. Nos últimos 12 meses, o custo de carregamento da dívida brasileira caiu dois pontos percentuais segundo os dados divulgados ontem pelo Tesouro Nacional, de 12,5% para 10,5%, isso é uma redução de R$ 80 bilhões, segundo a coluna publicada pelo jornalista Ribamar Oliveira do “Valor”, citando estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI). Esse custo vai continuar caindo, porque é gradual o repasse das novas taxas ao estoque da dívida. Os juros em queda mostram os acertos da política econômica. Esses acertos, no entanto, não são um salvo-conduto para o presidente tomar as decisões que tem tomado na condução do país.

O Globo

 

 


Merval Pereira: 2018 começa quarta 

Com a mais que provável vitória da maioria governista na votação de amanhã na Câmara, livrando o presidente Temer da segunda denúncia remanescente da era Janot, começa a tomar corpo a disputa sucessória, com uma novidade fundamental: dificilmente se repetirá a polarização entre PT e PSDB que marcou as últimas seis eleições presidenciais. Temer ainda sonha um sonho improvável: presidir uma recuperação econômica de tal porte que lhe dê condições de ser um eleitor de peso na sua sucessão.

Os dois partidos que dominaram a cena política desde 1994 chegam a mais uma eleição presidencial feridos de morte, buscando alternativas às principais lideranças, dentro ou fora de suas legendas.

O ex-presidente Lula, se conseguir disputar a eleição em 2018, chegará provavelmente sub judice, depois de condenado em segunda instância, pelo TRF-4, e em primeira instância pelo menos mais uma vez. Pode criar um impasse jurídico-político de amplas consequências, pois pela legislação um candidato pode ser impugnado mesmo depois de eleito e diplomado. Mas seria improvável a impugnação de qualquer candidato nessa situação, ainda mais sendo Lula.

O PSDB, sem seu candidato natural, o senador Aécio Neves, derrotado em 2014 por diferença mínima, quase certamente escolherá saída tradicional, que seria o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.

O prefeito João Doria seria uma novidade fora dos quadros ortodoxos do partido, mas parece estar perdendo fôlego ao tentar queimar etapas nessa maratona, que tem características diferentes das demais disputas presidenciais, mas exige resistência que o veterano Alckmin está mostrando ter.

A deterioração da política tradicional faz com que surjam nomes fora dos partidos políticos, como o apresentador de TV Luciano Huck e ex-ministros do Supremo como Ayres Britto e Joaquim Barbosa. A legislação brasileira, porém, que não permite candidaturas independentes ou a criação de siglas novas a meses da eleição, como aconteceu com Emanuel Macron na França, ajuda a manter limitações na apresentação dos candidatos.

O jurista Modesto Carvalhosa mantém esperanças de que o STF aprove as candidaturas independentes, caso em que pretende se apresentar como alternativa aos eleitores. Não é por acaso que ele planeja um encontro com Huck, para realçar a necessidade de surgimento de candidaturas fora dos quadros tradicionais da política.

O detalhamento da mais recente pesquisa de opinião do Datafolha ajuda a desmascarar a tese de que o ex-presidente Lula seria imbatível junto ao eleitorado mais pobre. Embora continue na frente nas pesquisas, o eleitor tem posições heterodoxas quando escolhe candidatos sem que Lula apareça na lista. Desde as mais radicais, como escolher Bolsonaro para substituir Lula (6%) ou Lula para substituir Bolsonaro (13%), até as mais lógicas, como Marina Silva ou Ciro Gomes, escolhas que parecem ter mais força de proximidade ideológica, mas que também podem significar mera identificação com ex-ministros dos governos Lula.

Mas, quando se vê que Luciano Huck aparece como opção de 40% a 60% dos eleitores de Lula, fica claro que a questão ideológica tem muito pouco a ver com a escolha. Aqui, a identificação é com medidas assistencialistas de Lula e Huck, sejam elas bolsas governamentais de vários tipos ou presentes dados em programas de televisão.

Assim como o populismo de direita, com Collor, derrotou Lula e Brizola em 1989, e hoje o ex-presidente e o atual senador são farinha do mesmo saco, na eleição de 2018, a mesma tendência política tem candidatos fortes para disputar com Lula ou Ciro Gomes, seja Doria ou Alckmin, Huck ou Bolsonaro.

O governador de São Paulo, com características de ação política de gestos moderados e conservadores, tende a repetir erros já cometidos pelo PSDB em eleições passadas, assumindo posições mais à esquerda, como se isso fosse preciso para derrotar Lula ou seu preposto, que pode ser o ex-prefeito Fernando Haddad ou o líder do MTST Boulos.

O perfil conciliador de Alckmin pode ser atropelado por uma campanha radicalizada, que facilitaria a tarefa de Bolsonaro ou Doria. Uma radicalização de Alckmin soaria tão falsa como o ridículo colete antiprivatizações que usou em 2006 e levou-o, junto com outros erros, a ter menos votos no segundo turno do que no primeiro.

A radicalização política provavelmente dará o tom da campanha e poderá ser ultrapassada pelo populismo. Mas, se o eleitorado se cansar dessa radicalização que transformou a política numa guerra incessante, pode ser que a leveza política de Alckmin ou Marina Silva sirva de contraponto aos radicais de esquerda e direita.


Dorrit Harazim: Dona Pureza disse o essencial

O tamanho do retrocesso embutido na portaria do atual governo sobre trabalho análogo à escravidão é obsceno

Faz exatamente 20 anos que uma cabocla maranhense saiu de Bacabal, cidade-fornalha na divisa com o Pará, e desembarcou no inverno de Londres com apenas uma sacola de viagem comprada e equipada pela Pastoral da Terra de São Luiz. A bagagem continha produtos de higiene pessoal e roupa íntima. Um vestido de gala lhe seria presenteado na capital inglesa.

Em 54 anos de vida Pureza Lopes Loiola nunca havia saído da roça.

À sua espera no aeroporto de Heathrow estava um intérprete encarregado de traduzir a narrativa dessa brasileira que se alfabetizou aos 40 anos para ler a Bíblia e tentar achar o filho sumido nas entranhas do trabalho escravo rural brasileiro. O intérprete também ajudou a viajante a absorver aquele mundão novo para o qual ela havia sido catapultada sem querer.

Indicada pela Pastoral maranhense ao prêmio 1997 da Anti-Slavery International, entidade pioneira fundada na Inglaterra em 1839 para combater o tráfego de escravos no mundo, dona Pureza havia sido a vencedora. E para receber a homenagem foi preciso viajar.

A primeira perna até São Luís foi de ônibus. Dali embarcou num voo até Salvador, com troca de avião em Fortaleza e escalas no Recife e em Natal. Por último, a travessia noturna do Atlântico, rumo ao destino final desconhecido. Coisa de 32 horas entre a sua casa de tijolo sem reboco no setor mais desassistido de Bacabal, e um dos aeroportos mais pantagruélicos do mundo.

Como a homenageada nunca tinha viajado de avião, e estava sozinha, a Pastoral e os anfitriões ingleses trataram de informar as respectivas empresas aéreas sobre a presença a bordo de passageira tão especial.

Preocupação desnecessária. Evangélica de fé, dona Pureza tirou tudo de letra. Só se inquietou no voo de retorno ao Brasil quando o comandante saiu da cabine, foi trocar algumas gentilezas com a passageira e acabou comentando que também iria tirar um cochilo. “Ué”, pensou a viajante, “ele não deveria continuar a pilotar o avião?”

A entrega do prêmio da Anti-Slavery — chamada mãe de todas as ONGs por ser a mais antiga do mundo — é solene e envolve uma programação intensa. Além da cerimônia principal no Westminster Central Hall, há uma recepção black-tie, beneficente, no cultuado hotel Savoy, uma visita ao Parlamento, ao Foreign Office, uma dezena de entrevistas e palestras em ONGs de outros países europeus — o roteiro alemão, por exemplo, incluiu Göttingen, Bonn, Düsseldorf, Aachen, Colonia, Heidelberg, Freiburg e Stuttgart.

A maratona de quase um mês não intimidou a estreante em terra estrangeira. Mulher inteligente e perceptiva, anotou tudo que lhe pareceu extraordinário para contar na volta ao pessoal da Quadra L, Rua 3, na Vila São João. Em uma das fitas que gravou, ouve-se um chiado contínuo por vários minutos. “Tá ouvindo?”, perguntava a todos. “Isso aí é o trem passando embaixo do mar. Uma maravilha — a gente embarca na Inglaterra e sai na França!”

Foi em 1993 que o caçula dos cinco filhos de dona Pureza saiu de casa em busca de emprego e acabou “sumido”. Um irmão e dois primos da maranhense também já haviam sido tragados em algum garimpo, fazenda ou carvoaria, sem deixar rastro.

Dona Pureza então decidiu pôr o pé na estrada. Largou a carvoaria que lhe rendia uns trocados e começou a percorrer os entrepostos de trabalhadores rurais desempregados. Mostrava a foto do filho de 18 anos e ia perguntando se alguém tinha visto aquele jovem com três dedos do pé esquerdo atrofiados.

Ao longo de três anos peregrinou, seguindo pistas que davam em nada. Mas anotava tudo o que via e ouvia — nomes de fazendeiros, locais suspeitos, tudo. De um sobrinho conseguiu emprestado um gravador que escondia na roupa de evangélica. Passou a gravar suas conversas com agenciadores de trabalho escravo, peões amedrontados, fazendeiros que jamais suspeitariam daquela crente. Na Pastoral ela encontrou incentivo para encaminhar denúncias a Brasília, a persistir. Escreveu dezenas de cartas a autoridades federais.

Dos presidentes Itamar Franco e, depois, Fernando Henrique Cardoso recebeu exatamente a mesma resposta protocolar. Dos conterrâneos José e Roseana Sarney não pronuncia o nome pois sequer responderam. À época, pelas contas da Pastoral da Terra, o número de brasileiros que trabalhavam sob vigilância armada, sem salário e cortados do mundo, em regime de escravidão, chegava a 26 mil.

“Lá em Brasília não têm misericórdia. Quando sentam na cadeira , acham que são semideuses. O Congresso passa o tempo todo brigando por dinheiro em vez de olhar com mais piedade para o povo”.

Esta coluna evoca aqui parte da viagem feita com dona Pureza duas décadas atrás, para “Veja”, por ela continuar atual. O tamanho do retrocesso embutido na portaria 1.129/2017do atual governo é obsceno. Alterar as regras de combate ao trabalho escravo, ou análogo ao trabalho escravo, num país em que as operações de fiscalização estão em ponto morto (foram 189 uma década atrás, este ano despencaram para 49), os recursos para a inspeção viraram farinata, e os beneficiários de sempre deixarão de ser nomeados, se encaixa na avaliação da cabocla respeitada em Londres:

“Lá em Brasília não têm misericórdia. Quando sentam na cadeira, acham que são semideuses”.

* Dorrit Harazim é jornalista