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Lula e Bolsonaro | Imagem: Reprodução

Rejeição a Lula e Bolsonaro deixa eleição aberta aos demais candidatos

Com seu prestígio e a força do governo, se for candidato, o petista terá um lugar garantido no segundo turno; vencê-lo são outros quinhentos. Isso dependerá do seu índice de rejeição

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Papel, caneta e tinteiro sobre a mesa, Getúlio Vargas escolhia com cuidado as palavras que escreveria na carta endereçada ao presidente Washington Luís em 10 de maio de 1929, para sepultar todas as desconfianças que o Palácio do Catete nutria a seu respeito: “Pode Vossa Excelência ficar tranquilo de que o Partido Republicano do Rio Grande do Sul não lhe faltará com seu apoio no momento preciso”, garantiu ao presidente da República, a propósito da sucessão presidencial.

Dias depois de entregar a carta, Getúlio fez a bancada gaúcha encenar um beija-mão de apoio ao presidente Washington Luís e aproveitou um portador para lhe enviar de presente um caixote de linguiças, salsichas e enlatados de Olderich, prestigiada marca gaúcha, como cesta de ano-novo. Com três anos de mandato pela frente no governo do Rio Grande do Sul, dissimulava sua oposição à candidatura de Júlio Prestes, o candidato de preferência dos paulistas. Toda vez que alguém questionava a lealdade de Getúlio, o presidente da República exibia a carta do político gaúcho.

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O sinal de que a “política café com leite” havia se esgotado viria num encontro do jornalista Assis Chateaubriand com o mineiro Antônio Carlos, na ceia de Natal, em Belo Horizonte. Minas não aceitaria Júlio Prestes de jeito nenhum e poderia apoiar um líder gaúcho, fosse Borges de Medeiros ou Getúlio. A oposição mineira a Júlio Prestes seria decisiva para a tomada de posição de Getúlio, ex-ministro da Fazenda de Washington Luís, que aguardava, porém, o apoio de Medeiros. O resto da história quase todos conhecem: para “tirar as meias sem tirar o sapato”, Getúlio enrolou o presidente da República enquanto pôde, se tornou o candidato da Aliança Liberal, perdeu a eleição no bico de pena e, depois, liderou a Revolução de 1930, que destituiu Washington Luís. Governou por 15 anos, oito dos quais durante o Estado Novo, uma ditadura de inspiração fascista.

A nova pesquisa Quaest, divulgada nesta quinta-feira (5), mostra que 66% dos brasileiros são contra a candidatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à reeleição em 2026, enquanto 65% dizem que Jair Bolsonaro (PL) também deveria desistir de concorrer e apoiar outro candidato. Lula aparece tecnicamente empatado com diversos candidatos da direita em simulações de segundo turno, indicando uma disputa aberta e sem favoritos claros até o momento.

Nos cenários simulados de segundo turno, Lula empata tecnicamente com Tarcísio de Freitas (Republicanos): 41% para Lula e 40% para Tarcísio; com Michelle Bolsonaro (PL): 43% a 39%; e Ratinho Junior (PSD): 40% a 38%; e Eduardo Leite (PSD): 40% a 36%. Embora Jair Bolsonaro esteja inelegível até 2030, o petista aparece empatado com o ex-presidente, ambos com 41%. Lula sai do empate técnico contra Eduardo Bolsonaro (PL): 44% a 34%; Romeu Zema (Novo): 42% a 33%; e Ronaldo Caiado (União): 43% a 33%.

A esfinge do Bandeirantes

O cenário para as eleições de 2026 permanece indefinido, com a liderança de Lula sendo desafiada pela oposição e sem um nome expressivo que possa lhe substituir na disputa. A alta rejeição tanto ao atual presidente quanto ao ex-presidente Bolsonaro sugere um eleitorado em busca de novas alternativas e torna a disputa aberta e imprevisível. Com Bolsonaro inelegível, nomes como Tarcísio de Freitas e Michelle Bolsonaro ganham destaque como potenciais representantes da direita bolsonarista.

Mas lambari é pescado, o jogo é jogado. Lula tem experiência consolidada e forte legado social dos governos anteriores, a capilaridade partidária e militância ativa do PT, o reconhecimento de setores populares e progressistas e a capacidade de fazer alianças. Seu maior problema é a crise de imagem, muito desgastada. São sinais de fadiga política após três mandatos e uma crise fiscal que fragiliza o governo junto à classe média e ao setor produtivo, mais até do que ao mercado financeiro. Lula dificilmente manterá o apoio dos partidos do Centrão que participam de seu governo.

Com seu prestígio e a força do governo, porém, Lula terá um lugar garantido no segundo turno se for candidato; vencê-lo são outros quinhentos. Isso dependerá do seu índice de rejeição até lá e do adversário apoiado por Bolsonaro, que tem cacife para emplacar um candidato com seu sobrenome no segundo turno, seja Michelle, seja Eduardo. Esse é o melhor cenário para Lula, porque afastaria o adversário mais competitivo, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

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Carioca, o atual ocupante do Palácio dos Bandeirantes tem imagem de gestor técnico e disciplinado, com boa avaliação em São Paulo; é leal a Bolsonaro, mesmo não sendo do clã. Falta-lhe carisma e projeção nacional fora do Sudeste. Sua ligação com Bolsonaro atrai tanto os votos da extrema-direita como parte da rejeição ao bolsonarismo. Tarcísio não tem experiência de uma disputa eleitoral de caráter nacional. Muito pressionado para que seja candidato, é o único nome capaz de unir o centro e a direita na disputa, removendo outras candidaturas; refuga, porém, e diz que apoia Bolsonaro.

A “sobra de futuro” do governador paulista é muito maior do que a de Bolsonaro e de Lula: pode disputar a reeleição e esperar 2030. Entretanto, Tarcísio é uma esfinge no Palácio dos Bandeirantes: decifra-me ou te devoro. Mais ou menos como Getúlio em 1930.

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Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Fraudes do INSS afetam a popularidade de Lula na sua base histórica

Para 56% dos brasileiros, o governo atual está pior do que os dois primeiros mandatos de Lula. Esse número, em janeiro, era de 45%

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

A pesquisa mais recente do instituto Genial/Quaest, divulgada nesta quarta-feira (4/6), revela que a desaprovação ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atingiu 57%, enquanto a aprovação está em 40%. É o pior resultado da série histórica desde o início do terceiro mandato de Lula. Realizada entre 29 de maio e 1º de junho, com 2.004 entrevistados em todo o país, tem margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e nível de confiança de 95%.

O caso do INSS, com suas denúncias de fraudes e desvios de recursos, aparece como catalisador dessa erosão de confiança. Para 82% dos brasileiros, a crise foi sentida. E 31% responsabilizam diretamente o governo federal. As fraudes do INSS atingem em cheio a principal base de Lula, as camadas mais pobres da população. Já o aumento do IOF, que pode ser derrubado pela Câmara, amplia o desgaste do governo junto à classe média, ainda mais porque o aumento foi anunciado na última semana de prazo para declarar o Imposto de Renda.

A desaprovação é especialmente alta na Região Sudeste, onde 64% dos entrevistados desaprovam a gestão petista, enquanto apenas 32% a aprovam. Além disso, pela primeira vez, a desaprovação supera numericamente a aprovação entre os católicos: 53% desaprovam o governo, contra 49% que o aprovam. Cerca de 45% dos entrevistados consideram que o governo Lula está pior do que o esperado, e 61% avaliam que o Brasil está na direção errada.

De todas as análises que li sobre os resultados da pesquisa, a mais instigante é a do sociólogo e cientista político carioca Paulo Baía, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que recorre à antropologia e à psicologia de massas para analisar a situação do governo, num artigo intitulado O espelho estilhaçado: a rejeição como sintoma político, psicológico e social no terceiro mandato de Lula, no site Agenda do Poder.

“A política, como espelho das emoções coletivas, vive de afetos. E um deles, talvez o mais avassalador dos nossos tempos, é a rejeição. Não se trata apenas de um juízo racional sobre um governo ou um presidente. A rejeição, como fenômeno psicológico e social, é um campo de forças invisível, mas devastador, que atravessa o corpo coletivo da sociedade como uma febre que não se explica somente pela temperatura externa. Ela condensa frustrações acumuladas, desilusões difusas, sentimentos de traição, desencanto e medo”, enuncia Baía.

Fadiga emocional

“A rejeição não apenas se mede nas porcentagens de uma pesquisa, mas também nos silêncios, nas ausências, nas palavras não ditas e nas indignações gritadas”, destaca. Para o cientista político, esse sentimento, com tudo o que ele carrega em sua complexidade afetiva, começa a definir o clima político do Brasil neste 2025. “O governo parece afundar num pântano de ceticismo que vai além da política institucional. O que os números revelam, com o rigor de quem coleta dados e a frieza de quem os interpreta, é um país emocionalmente fatigado, dividido e cada vez mais desconectado do pacto simbólico que elegeu o líder petista pela terceira vez”, conclui.

Baía recorre à alegoria do “espelho estilhaçado”, em que os fragmentos de aprovação que ainda resistem são ofuscados por múltiplas faces da rejeição, para explicar como o sentimento que se espalha pelo corpo social é o de que algo se perdeu no meio do caminho, “algo entre a esperança e a realidade, entre a promessa e a entrega, entre a memória e o presente”. Para 56% dos brasileiros, o governo atual está pior do que os dois primeiros mandatos de Lula. Esse número, em janeiro, era de 45%.

Não se trata apenas de uma avaliação histórica negativa, mas da sensação coletiva de decepção. “É como se o mito fundacional do lulismo tivesse sido confrontado com uma realidade que não suporta mais nostalgia”, pondera Baía. Essa desconexão se aprofunda nas bases sociais onde antes havia uma fidelidade quase inabalável. No Nordeste, região que simbolicamente foi a pátria afetiva de Lula, a aprovação caiu para 54%, enquanto a desaprovação subiu para 44%.

Em outras regiões, a rejeição se impõe com ainda mais força: no Sudeste, apenas 36% aprovam o governo, enquanto 61% o desaprovam; no Sul, a aprovação é de 33% e a desaprovação de 65%; no Norte e Centro-Oeste, os índices são de 45% e 52%, respectivamente.

As mulheres, que foram decisivas para a eleição de Lula, agora desaprovam o governo em maior número (55%) do que o aprovam (42%). Entre os homens, 59% de desaprovação, contra apenas 39% de aprovação. A juventude também está distante: entre os que têm entre 16 e 34 anos, apenas 33% aprovam o governo, enquanto 64% o desaprovam. A desaprovação é maioria também entre os adultos de 35 a 59 anos, 54%, e só entre os idosos com mais de 60 anos há algum respiro: 50% aprovam, contra 46% que desaprovam.

Os católicos estão divididos ao meio: 49% aprovam e 49% desaprovam. Já entre os evangélicos, a rejeição é um campo consolidado: 67% desaprovam, enquanto apenas 29% ainda sustentam algum apoio. “A fé, neste caso, parece ter se tornado menos uma promessa de salvação política e mais um terreno de rejeição moral”, destaca o sociólogo. Pela primeira vez na série histórica da Quaest, 44% dos brasileiros consideram o governo Lula pior que o de Bolsonaro, enquanto 39% avaliam o governo Lula como melhor.

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Presidente Lula | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Lula reafirma desejo de reeleição e teme vitória da oposição no Senado

Vantagem estratégica de estar à frente do governo pode ser volatilizada numa campanha eleitoral polarizada, como em 2022, na qual a rejeição passa a ter um peso maior do que qualquer outro fator na decisão do eleitor

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

“Se eu estiver bonitão do jeito que estou, apaixonado do jeito que estou e motivado do jeito que estou, a extrema-direita não volta a governar este país”, anunciou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, domingo, no congresso nacional do PSB, ao lado do prefeito do Recife, João Campos, que tomou posse no comando da legenda. Lula falou por quase uma hora, reafirmou seu projeto de reeleição e defendeu a união entre os dois partidos de esquerda em 2026.

Para bom entendedor, ao comparecer ao congresso do PSB, Lula sepultou as expectativas dos aliados de centro-esquerda de que pode renunciar ao vice-presidente Geraldo Alckmin na chapa da reeleição. Nos bastidores da base governista, aliados do MDB defendem a indicação do governador do Pará, Helder Barbalho, para o lugar do ex-governador paulista. Mesmo antes da posse de João Campos no comando da legenda, a cúpula do PSB já havia manifestado a posição de que deseja a manutenção de Alckmin na vice.

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No seu primeiro discurso como presidente da legenda, Campos destacou que a aliança entre Lula e Alckmin é estratégica e foi fundamental para a vitória nas eleições presidenciais de 2022. A grande preocupação de Lula revelada no encontro foi com a eleição ao Senado, onde a oposição tem reais condições de formar maioria, ainda que Lula seja reeleito. Esse é um objetivo claro das articulações que estão sendo feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

Caso consiga formar maioria no Senado, a oposição tentará promover o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O principal alvo é o ministro Alexandre de Moraes, relator das ações que tramitam na Corte sobre a organização de um golpe de Estado depois das eleições de 2022 e da que investiga a disseminação de fake news por extremistas de direita nas redes sociais.

“Precisamos eleger senadores da República. Precisamos ganhar a maioria do Senado, porque, senão, esses caras [bolsonaristas] vão avacalhar a Suprema Corte. Precisamos preservar as instituições que garantem a democracia neste país. Se alguém for destruir aquilo de que a gente não gosta, a gente não vai salvar nada”, disse Lula.

Embora os chamados “incumbentes” sejam favoritos quando disputam a reeleição, o próprio Lula, em 2022, mostrou que a vantagem estratégica de estar à frente do governo pode ser volatilizada numa campanha eleitoral polarizada, na qual a rejeição passa a ter um peso maior do que qualquer outro fator na decisão do eleitor.

Foi o que aconteceu com Bolsonaro ao final do primeiro mandato, sobretudo por causa de seu negacionismo antivacinas, principalmente durante a pandemia, e das suas atitudes antidemocráticas e misóginas, que afastaram do ex-presidente os setores liberais e a maioria do eleitorado feminino.

Polarização

Embora se considere “bonitão”, “apaixonado” e “motivado”, Lula está com seu favoritismo eleitoral em xeque, por causa do índice de desaprovação do governo e das articulações do empresariado paulista para que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), seja candidato à Presidência.

Bolsonaro, que mantém sua candidatura mesmo estando inelegível, até agora, refuga a possibilidade de retirá-la em favor do governador paulista. Sem o apoio decisivo de Bolsonaro, Tarcísio não deixará o Palácio dos Bandeirantes para concorrer contra Lula, apesar da possibilidade de obter o apoio de outros pré-candidatos de centro e de direita, como os governadores do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSD); de
Goiás, Ronaldo Caiado (União); e de Minas, Romeu Zema (Novo).

Sem Tarcísio, todos pretendem manter suas candidaturas. Esse cenário aumenta as possibilidades de o ex-presidente Jair Bolsonaro levar ao segundo turno, sozinho, um candidato que tenha seu sobrenome, como a ex-primeira-dama Michele, que aparece competitiva nas pesquisas.

Ou o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está licenciado mas atua nos Estados Unidos junto ao Congresso norte-americano, contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Esse cenário polarizado dificulta a chegada de um candidato de terceira via ao segundo turno.

Mesmo sendo réu no processo da tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023, o Bolsonaro continua percorrendo o país e articula candidaturas aos governos estaduais e ao Senado. Com a polarização, a defesa da democracia será uma linha divisória inescapável no segundo turno.

Não foi à toa que o novo presidente do PSB, em seu discurso, foi enfático quanto à posição do partido em apoio ao governo: “Não existe partido sem democracia. Não existe justiça social sem democracia.E é papel de quem compreende isso ajudar a fazer um governo dar certo e ajudar a vencer uma eleição importante e estratégica, como será a de 2026. Não vamos titubear. Não vamos brincar com nada disso em nenhum estado brasileiro”, salientou.

Campos é um ator político que defende a ampliação das alianças eleitorais de Lula para além das forças de esquerda: “Vamos trazer quem pensa diferente. Vamos trazer quem quer fazer o bem, mas não sabe como. Vamos mostrar que o nosso partido está pronto para colher uma grande frente política e vamos consolidar uma vitória democrática nos estados brasileiros e no nosso país, em 2026, ao lado do presidente Lula”, disse.

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Lula vai a Tóquio com um olho no Trump e outro no Xi Jinping

Luiz Carlos Azedo (Entrelinhas/Correio Braziliense)

Planejada para ampliar parcerias comerciais na Ásia, o objetivo é diversificar as correntes de negócios e tratar a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China como uma oportunidade para ampliar as relações com países asiáticos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou ao Japão nesta segunda-feira, acompanhado dos presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Os ex-presidentes do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e da Câmara Arthur Lira (PP-AL) também integram a comitiva, além de outros parlamentares e ministros. Planejada para ampliar parcerias comerciais na Ásia, o objetivo é diversificar as correntes de negócios e tratar a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China como uma oportunidade para ampliar as relações comerciais com grandes países asiáticos.

Visita de Estado, Lula teve um encontro reservado com o imperador Naruhito e sua esposa, a imperatriz Masako. Acompanhado da primeira-dama Janja da Silva, o presidente voltará a se reunir com o casal imperial para um jantar. Naruhito, 65 anos, assumiu em 2019 o Trono de Crisântemo, como é conhecido o trono japonês, uma dinastia com mais de 2 mil anos, que remonta a 600 a. C.. Esta será a quinta vez que o presidente brasileiro visita o país.

O Brasil conta com a maior população nipodescendente fora do Japão, estimada em mais de 2 milhões de pessoas, e o Japão abriga a quinta maior comunidade brasileira no exterior, com cerca de 211 mil nacionais. Os dois países mantêm Parceria Estratégica e Global que completa uma década em agosto deste ano. Entretanto, são 130 anos das relações diplomáticas. Foram estabelecidas com a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação em 1895. O acordo permitiu abertura recíproca de representações diplomáticas em 1897 e abriu caminho para o início da imigração japonesa, em 1908.

O Japão é o nosso mais tradicional parceiro na Ásia e o nono país a investir no Brasil. Um dos objetivos da viagem é a abertura do mercado japonês para o agronegócio brasileiro, especialmente para as carnes bovina e suína in natura. O segundo país a ser visitado por Lula será o Vietnã, um caso bem-sucedido de integração às cadeias globais de valor, ao lado da Indonésia e da Índia.

A comitiva presidencial deve seguir para Hanói, capital vietnamita, na quinta-feira. Estão previstos encontros com o presidente do Vietnã, Luong Cuong, e o primeiro-ministro do país, Pham Minh Chinh. Brasil e Vietnã registraram em 2024 intercâmbio comercial de US$ 7,7 bilhões, com superávit brasileiro de US$ 415 milhões. O Vietnã é o quinto destino global das exportações do agronegócio brasileiro e um dos principais produtores mundiais de café, arroz e produtos eletrônicos.

Lula faz esse périplo pela Ásia com um olho no presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e outro no líder chinês Xi Jinping, os dois grandes protagonistas da economia mundial. Novas tarifas serão adotadas pelo governo dos Estados Unidos a partir do dia 2 de abril. A política protecionista de Trump é muito agressiva, porque pretende transferir “indústrias críticas” para os Estados Unidos. Uma lista de 15 “países sujos”, com balança comercial deficitária para os Estados Unidos, deve ser anunciada por Trump. Austrália, Canadá, China, União Europeia, Índia, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia e Vietnã estão entre eles.

Entretanto, inclusão do Brasil na lista não pode ser atribuída à balança comercial, que é equilibrada. Se ocorrer, será para proteger setores com baixa competitividade da economia norte-americana, como o siderúrgico, por exemplo. Entretanto, há conversas entre o Itamaraty e as autoridades norte-americanas. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin, ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, é o principal interlocutor entre os dois governos nessa questão.

Para Trump, as regras, instituições e alianças da globalização sugaram os EUA. É uma visão completamente oposta à do presidente da China, Xi Jinping. O caso chinês é particularmente interessante porque sua expansão comercial se deu de acordo com a institucionalidade da economia globalizada, nos marcos da Nova Rota da Seda. Apesar de seu atual poder econômico e militar, numa região na qual os Estados Unidos são a força hegemônica desde o fim da Segunda Guerra Mundial, a China optou pela cautela e o “soft power”, apesar da tensão permanente com Taiwan, a ilha rebelde chinesa, e com o próprio Japão, um grande parceiro comercial, em relação às ilhas Sankaku, no Mar da China.

Bilhões de dólares foram investidos em Institutos de Confúcio e programas de ajuda externa em dezenas de países, a China exerce forte atração pelo desenvolvimento econômico e tecnológico impressionantes, por seu urbanismo futurista e a emancipação de milhões de pessoas da pobreza. Entretanto, em três décadas alterou a divisão internacional do trabalho, no qual tinha lugar cativo ao produzir bens de consumo não duráveis e eletrônicos, ao alcançar um patamar econômico e tecnológico no qual compete em quase tudo e com quase todos.

Além da enorme distância cultural e de valores, o nosso maior parceiro comercial, sem o qual o agronegócio brasileiro entraria em colapso, também é o principal concorrente da nossa indústria, nos mercados interno e externo. Os principais compradores das nossas manufaturas são os Estados Unidos e, depois, a Argentina. Entretanto, a parceria com a China pode alavancar os investimentos em infraestrutura, principalmente na logística para o Pacífico. É um trunfo de Lula nas negociações com Trump, porém, aumentar a dependência em relação aos chineses não é uma boa alternativa. É preciso encontrar um novo ponto de equilíbrio.


Foto: Divulgação Lula/Ricardo Stuckert

Na questão fiscal, vale o que está escrito

Lula não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo, porém se comprometeu com limites de gastos, arrecadação e endividamento do arcabouço fiscal

Luiz Carlos Azedo, coluna Nas Entrelinhas/Correio Braziliense

No mundo dos negócios, como nas relações pessoais, credibilidade é fundamental. Esse é o xis da questão quando se compara os indicadores positivos da economia, como o crescimento do PIB, a queda do desemprego, os aumentos da renda média e do salário real, com o ambiente de incerteza que tomou conta do mercado. O governo está diante de uma sinuca de bico: cortar os gastos públicos ou ver a inflação comer a renda de milhões de brasileiros, principalmente dos assalariados que saíram da faixa de pobreza e correm o risco de voltar.

Lula foi eleito com uma narrativa de campanha contra o teto de gastos, que foi substituído por novas regras e diretrizes para as finanças públicas. De comum acordo com o Congresso, deu o pulo do gato e evitou um colapso fiscal no final do mandato de Bolsonaro. Com isso, não precisou adotar uma dura política recessiva no primeiro ano de governo. Entretanto, se comprometeu com os limites e as prioridades de gastos, arrecadação e endividamento nos anos subsequentes do arcabouço.

O objetivo principal do arcabouço fiscal negociado em 2023 era assegurar a sustentabilidade das contas públicas a longo prazo e, com isso, manter a confiança dos mercados, controlar a inflação e promover o crescimento econômico. Buscava-se equilibrar a necessidade de investimentos públicos com a responsabilidade de evitar deficits excessivos e crescimento descontrolado da dívida pública.

As novas regras estabeleceram que as despesas poderão crescer abaixo do ritmo das receitas, com limites claros, para evitar descontrole orçamentário. O arcabouço limita o crescimento da dívida pública em 70% da receita no limite de 2,5%. Entretanto, como ocorreu com o teto de gastos no governo Bolsonaro, a nova regra está sendo burlada pelo governo, com a anuência do Congresso, que é avesso a cortar gastos e, simultaneamente, a aumentar impostos. Sempre que preciso, retiram-se gastos do arcabouço fiscal, para “cumprir” a lei da responsabilidade fiscal sem cortar outras despesas como deveria. Precatórios, gastos com o combate às queimadas, socorro aos gaúchos durante as enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo.

Resultado: a inflação fechou 2024 em 4,83%, muito acima do centro da meta, 3%, e até do teto, de 4,5%. Em dezembro, ficou dentro do esperado, nos 0,52%, porém, como a meta é de 3% em 12 meses (com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo), os juros crescentes não foram suficientes para segurar os preços. Com a Selic nos 12,25% ao ano, 2025 começa com a inflação em alta.

A alta do dólar tem um papel relevante em tudo isso, com uma desvalorização do real em torno de 27%, o que deve repercutir na inflação dos próximos meses. A perda de confiança na política fiscal do governo impactou o câmbio e os juros futuros. Pode-se responsabilizar a especulação dos agentes financeiros, mas não foi só isso: a demanda de bens e serviços cresceu, a escassez de mão de obra jogou os salários para cima, a Petrobras segurou o preço dos combustíveis, os juros derrubaram o crédito, a inadimplência cresceu, o capital de giro ficou mais caro, a dívida pública cresce. Essa ciranda, segundo o Banco Central, fará com que a Selic chegue aos 14,25% em março, para conter uma explosão inflacionária.

Diante desse quadro, há três cenários. A otimista aposta numa recuperação acelerada, com crescimento de 2,5% a 3,5% do PIB, inflação controlada, investimentos estrangeiros, mais empregos na construção civil, serviços e tecnologia, ampliação do comércio exterior. O pessimista prevê crescimento abaixo de 1%, com recessão em setores na indústria e no comércio, inflação acima de 6%, instabilidade política, redução do nível de emprego, agravados por desaceleração da China e protecionismo nos Estados Unidos.

O cenário mais realista, porém, aponta para um crescimento entre 1,5% e 2,5%, impulsionado pelo agronegócio e pelas commodities; inflação entre 4% e 5%; ajustes fiscais e tributários parciais; manutenção dos atuais níveis de desigualdade; e novas oportunidades comerciais em razão da regionalização das cadeias globais de valor. O que poderia erradicar o pessimismo e transformar a avaliação mais realista no cenário positivo? Lula aceitar que as despesas do governo respeitem o arcabouço fiscal para recuperar a confiança no ambiente econômico.


Imagem: Montagem | Foto Lula: Adriano Machado/Reuters | Foto Bolsonaro: Isac Nóbrega/PR

Victor Missiato: Narrativas em movimento

Fenômeno favorece polarizações que ganham destaques em processos eleitorais, mas não se traduz em disputas por projetos políticos na esfera do poder

Victor Missiato, doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie e autor do livro Caminhos Invertidos: O Comunismo no Brasil e no Chile*

Junho de 2013 pode ser considerado um “acontecimento-monstro”, tomando como partida a proposta do historiador francês Pierre Nora, que visualizou, nos acontecimentos de maio de 1968, um retorno de uma determinada narrativa política. Ainda nessa perspectiva, outro historiador francês, François Dosse, revela que, como uma “Esfinge, o acontecimento é igualmente Fênix que, na realidade, nunca desaparece. Deixando múltiplos vestígios, volta constantemente com sua presença espectral, para brincar com acontecimentos subsequentes, provocando configurações sempre inéditas”.  

As ressonâncias do que ocorreu há 12 anos no Brasil reverbera em seus espectros políticos, criando narrativas e disputas políticas que insistem em inviabilizar um projeto consensual de desenvolvimento nacional. As duas lideranças que compõem a representatividade dessas narrativas, Lula e Bolsonaro, quase nunca se utilizaram dos movimentos de junho de 2013 para legitimarem suas decisões. No entanto, face a face com esse acontecimento, a sociedade brasileira foi se polarizando cada vez mais, criando uma espécie de labirinto sem fim.

Em dois anos, STF responsabilizou 898 pessoas por atos antidemocráticos

Do estelionato eleitoral do governo Dilma, em 2015, ao impeachment chamado de golpe, em 2016, do discurso da vitória de Bolsonaro, que afirmava lutar contra o comunismo, até a vitória de Lula a fim de salvar a democracia, tudo isso foi abastecido por uma série de inverdades, as chamadas fakes news, que, de todas as partes e todos os lados, causaram e causam grandes confusões e brigas sem fundamento analítico, pois, no intuito de valorizar determinada posição, acaba-se por destruir qualquer tipo de argumento contrário.

O que vimos no último dia 8 de janeiro foi mais uma disputa de narrativas que enfraquece a capacidade de criar novos consensos mínimos em torno de um consenso sobreposto, que, segundo o filósofo John Rawls, torna-se possível “quando as doutrinas que constituem o consenso são aceitas pelos cidadãos politicamente ativos da sociedade e quando as exigências da justiça não conflitam por demais com os interesses essenciais dos cidadãos”. Desse modo, o uso de conceitos como terrorismo pouco explica para a sociedade o ato criminoso de vandalismo que cidadãos cometeram há dois anos.

Ao invés de serem julgadas por atos que outros movimentos sociais e políticos também causaram ao patrimônio público nacional, essas pessoas passaram a compor uma trama narrativa golpista que pouco possui verossimilidade para o imaginário social brasileiro. Portanto, se a justiça tem como um dos pilares a penalização como forma de coação, coerção e consciência social, a nova narrativa de que os ataques, repito, vândalos e criminosos, fazem parte de uma trama golpista não possui capilaridade capaz de estabelecer uma narrativa oficial ou socialmente legítima para a população brasileira.

Tais narrativas em movimento favorecem polarizações que ganham destaques em processos eleitorais, mas não se traduzem em disputas por projetos políticos na esfera do poder. O resultado dessas construções discursivas pouco eficazes se vê na crescente fragilidade do Poder Executivo em assumir seu papel em um regime presidencialista. Nesse jogo de soma zero, quem perde é o Brasil.

*Artigo produzido, exclusivamente, para publicação no site da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23.

** As opiniões e análises expressas em artigos publicados no site da FAP são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores. Portanto, não expressam, necessariamente, a opinião da instituição sobre o assunto.


Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Isaac Fontana/Shutterstock

Revista online | Governabilidade do governo Lula no Congresso

Antônio Augusto de Queiroz*, mestre em Políticas Públicas e Governo, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A governabilidade, entendida como a existência de condições políticas para implementar um programa de governo, é um fenômeno multifacetado, que depende de vários fatores. Dentre esses fatores, o apoio no Poder Legislativo – lócus onde se forma a vontade normativa do Estado e foro legítimo e apropriado para a solução das demandas da sociedade – é crucial para qualquer governo.

Historicamente, são duas as formas de construção da base de apoio aos governantes: a) uma no processo eleitoral, por meio das alianças ou coligações eleitorais, e b) a outra após a eleição, mediante a coalizão. No Brasil, raramente os governantes elegem uma base de apoio suficiente para garantir a governabilidade, havendo a necessidade de formação de coalizão para assegurar votos suficientes para aprovar sua agenda legislativa ou seu programa de governo.

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Entretanto, a forma mais eficaz de identificar a correlação de forças no parlamento é classificando os partidos em três categorias: apoio consistente, apoio condicionado, ou independentes, e oposição.  De acordo com essa classificação: o apoio consistente reúne 139 deputados, sendo 81 da Frente Brasil (PT-68, PCdoB-7 e PV-6), 17 do PDT, 14 do PSB, 7 do Avante, 4 do Solidariedade, 2 do Pros e 14 da Federação PSol-Rede (PSol-13 e Rede-1); o apoio condicionado ou independentes, 223 deputados (Parcela do PP e até do PL pode migrar para esse grupo), sendo 59 do União, 42 do PSD, 42 do MDB, 42 do Republicanos, 18 da Federação (PSDB-14  e  Cidadania-4) 12 do PODE, 4 do  PSC, e 4 do Patriota;  e oposição 151 (PSDB – 14 deputados – pode migrar para esse grupo), sendo 99 do PL, 49 do PP e 3 do Novo. 

No Senado, por sua vez, estão 16 senadores no apoio consistente, sendo PT (8), PSB (4), PDT (3) e Rede (1); 35 no apoio condicionado/independente, sendo PSD (16), MDB (10), e União (9); e 30 na oposição, sendo PL (12), PP (6), Republicanos (4), Podemos (4), PSDB (3), e Novo (1). 

Um parâmetro para medir a base do atual governo é o resultado da eleição das mesas diretoras das Casas do Congresso. Na Câmara, a melhor referência é a votação dada à deputada Maria do Rosário (PT/RS) para o cargo de segundo secretário da mesa, e no Senado, a votação dada a Rodrigo Pacheco (PSD/MG).

A deputada Maria do Rosário, que integrava uma chapa com os três grupos (situação, independentes e oposição), expressa e representa o PT e o governo Lula. Ela recebeu 371 votos a favor e 134 votos em branco. Os votos a favor sinalizam o potencial de apoio ao governo na Casa e os votos brancos, a oposição radical ao governo ou o bolsonarismo.

Já a votação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que teve 49 votos, fica aquém do potencial da base de apoio do governo no Senado. Pelo menos dez dos 32 votos dados a Rogério Marinho (PL/RN) não foram de oposição ao governo, mas de rejeição à postura de Pacheco, contrário à investigação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

A coligação Brasil da Esperança, formada pelas federações PT/PV/PCdoB, PSol/Rede e pelos partidos PSB, PROS, Solidariedade, Avante e Agir elegeu apenas 120 deputados federais e 12 senadores, mas com a coalizão a base poderá chegar até 346 deputados e 56 senadores, como decorrência: a) do modo como o governo se relaciona com o Congresso, b) do conteúdo das políticas públicas, e c) da vocação governista da atual oposição.

Nesse cenário, o desafio do presidente Lula na relação com o Congresso – classificado como liberal, do ponto de vista econômico; fiscalista, do ponto de vista de gestão; conservador, em relação aos valores; e à direita, do ponto de vista político – será assegurar governabilidade e puxar o pêndulo da atual legislatura para o centro. Para tanto, é preciso ter calibragem nas propostas e compromisso com a defesa da democracia, da justiça e da inclusão social. 

Saiba mais sobre o autor

*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo pela FGV, sócio-diretor da Consillium Soluções Institucionais e Governamentais. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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Banco Central e taxas de juros no governo Lula serão debatidos em live da FAP

Alvos de recentes polêmicas, a autonomia do Banco Central do Brasil e o seu papel de fixação das taxas de juros serão debatidos em live da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), na segunda-feira (27/2), das 18h às 19h. Economistas discutirão o assunto durante o evento online, que será aberto ao público e terá transmissão em tempo real no site e redes sociais da entidade.

https://www.youtube.com/watch?v=LJQ1xf7Lbds

Participarão da live os economistas Benito Salomão, doutor em economia e pesquisador; Larissa Chermont, doutora em Ciências do Desenvolvimento Socioambiental e professora de economia na Universidade Federal do Pará (UFPa); e José Luis Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia.

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Também têm participação confirmada na live o doutor em economia Mário Ribeiro, professor da UFPa e ex-presidente do Banpará (Banco do Estado do Pará); e a ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) Aspásia Camargo. Ela também é doutora em sociologia e ex-secretária-executiva do Meio Ambiente no governo FHC (Fernando Henrique Cardoso).

A live será mediada pelo presidente estadual do Cidadania no Pará, o ex-deputado federal Arnaldo Jordy. O público poderá acompanhar o debate online pelo site da fundação, pela página da FAP no Facebook e pelo canal da entidade no Youtube.

Polêmica

O assunto ganhou ainda mais relevância nas últimas semanas depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros a 13,75% pela quinta vez seguida. Segundo ele, a decisão influencia no crescimento do país.

A guerra entre favoráveis e contrários ao presidente se acirrou também depois de ele afirmar que iria cobrar o Banco Central . Lula ainda chamou a independência da instituição de "bobagem".

Além da fixação da taxa de juros, o Banco Central é responsável pela emissão de moedas e atuação no câmbio e em modalidades como controle de garantias – depósitos compulsórios e mais).

A independência do Banco Central, discutida por mais de 30 anos, ocorreu para evitar interferência política nas decisões econômicas, além de intercalar os mandatos do presidente da instituição com o do presidente do país.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por exemplo, fica no posto até o fim do ano que vem, no meio do governo Lula. Ele tomou posse no cargo em fevereiro de 2019, logo após reunião privada com o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), dentro do Palácio do Alvorada.


Nas entrelinhas: Lula tem razão: os juros estão exagerados

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

”É melhor ser feliz do que ter razão.” A frase do poeta Ferreira Gullar se aplica a muitas coisas. Ao motociclista no trânsito, por exemplo. E se aplica também ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principalmente nessa polêmica sobre os juros e a concentração de renda no Brasil. Realmente, as taxas de juros do Banco Central (BC), com a Selic a 13,75%, são escorchantes (ultrapassam muito a medida justa; abusivas, exorbitantes), ainda mais com uma previsão de que a inflação ficará, neste ano, em 5,5% (Focus). São 8,25% de diferença. Nenhum país do mundo pratica uma taxa de juros real dessa magnitude.

O enriquecimento no Brasil não pode ser atribuída apenas ao talento empresarial e à capacidade de trabalho. Porém, é injusta a generalização da tese de que os empresários não trabalham — a maioria trabalha muito. Entretanto, o rentismo e o patrimonialismo são formas seculares de acumulação de capital no Brasil, a gênese da formação do grande parte do empresariado brasileiro e, digamos também, da elite política do país. A inflação e as altas taxas de juros tornam os ricos mais ricos e os pobres mais pobres no Brasil.

Esse processo explica por que a elite econômica, os ricos, em sua maioria, apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro, mesmo sabendo dos riscos para a nossa democracia. O mesmo fenômeno ocorreu após o golpe militar de 1964, que obteve maciço apoio até da classe média, durante o chamado “milagre econômico”, que fez o bolo crescer sem dividi-lo — ao contrário do que fora prometido pelo então ministro da Fazenda, Delfim Netto. A eleição de Lula mostrou um país dividido não apenas ideologicamente, mas também socialmente.

Entretanto, Lula precisa entender que já não vivemos numa sociedade industrial como aquela que se formou em meados do século passado, e que o transformou na maior liderança operária do país. Ele transitou do mundo sindical para a alta política, chegou à Presidência pela terceira vez numa “modernidade líquida”, como diria o sociólogo polonês Zygmunt Baumann. A velha estrutura de classes sociais bem definidas, que deu origem à democracia representativa, não existe mais.

A política se organiza por meio dos partidos no plano institucional. Porém, na sociedade o espaço público vem sendo ocupado cada vez mais pelas redes sociais, às vezes clandestinas. Os sindicatos e outras agências da sociedade civil perderam protagonismo nesse mundo novo, marcado por novas relações sociais, econômicas e de produção frágeis, fugazes e maleáveis. Ideias e relações pessoais passam por transformações rápidas e imprevisíveis. Instabilidade financeira, novas tecnologias e mudanças na estrutura produtiva diluíram o mundo que se conhecia até o final do século passado. As ideias de coletividade deram lugar ao individualismo.

Concentração de renda

Voltando a juros altos, inflação e retomada do crescimento. A herança do nosso passado se faz presente. Até 1930, nosso desenvolvimento econômico seguiu o modelo clássico, voltado para o setor exportador. A partir daí, as atividades voltadas para o mercado interno passaram a predominar, em decorrência da crise de 1929 e da II Guerra Mundial, e da manutenção e ampliação da renda interna. Nosso desenvolvimento econômico, particularmente a industrialização, caminhou sobre essas duas pernas.

A inflação brasileira, até então, refletia a política monetária e creditícia, mas passou a ser consequência também dos desajustes estruturais da economia. Depois de 1954, quando o governo federal passou a fazer também grandes investimentos públicos, a inflação foi uma das formas de financiamento da industrialização e se tornou um instrumento de concentração de renda, em favor de empresários, industriais, comerciantes e empreiteiros. Assalariados, trabalhadores rurais e classe média pagaram a conta. Greves operárias, manifestações estudantis e ocupações de terras foram a resposta ao modelo. O desequilíbrio do balanço de pagamentos e o sistema cambial também favoreceram a concentração de renda.

Quando Lula fala que existe uma cultura de juros altos, precisa levar em conta que existe, também, uma memória da inflação inercial, que foi superada pelo Plano Real, mas passa por uma recidiva desde o governo Dilma Rousseff. Por isso, a ideia de se tolerar um pouco mais de inflação para o país se reindustrializar e voltar a crescer é muito perigosa.

Hoje, a inflação está fora de controle. É resultado de uma política de juros baixos (2%) e câmbio alto adotada por Roberto Campos Neto no BC, no começo do governo Bolsonaro, sob orientação de Paulo Guedes, não apenas por causa da pandemia e da guerra na Ucrânia. A alta do dólar favoreceu o setor exportador; a taxa de juros, o rentismo.

A vitória eleitoral de Lula foi uma reação popular a esse modelo, como fora a volta de Getúlio Vargas ao poder, em 1950. O presidente tem razão quando ataca os juros extorsivos praticados pelo BC, mas isso não resolve o problema. Pelo contrário: a forma como está fazendo isso tem uma lógica eleitoral evidente, porém, facilita a vida da oposição bolsonarista e aperta o nó do conflito distributivo, quando deveria afrouxá-lo.

Nove entre 10 grandes banqueiros discordam da atual política monetária. As fintechs é que estão ditando as regras do jogo. Além disso, arma-se uma casa de caboclo para Lula no Congresso, a pretexto de defender o BC. Não basta ter razão para ser feliz.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-tem-razao-os-juros-estao-exagerados/

Nas entrelinhas: Lula critica juros altos e escala crise com BC

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ontem, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75%, patamar em vigor desde agosto de 2022, frustrando a expectativa de parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio Lula, de que haveria uma redução de 0,25% para sinalizar a queda dos juros. Segundo o presidente, o Brasil tem uma “cultura” de juros altos que “não combina com a necessidade de crescimento” do país.

“É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disparou. Quando Lula ataca publicamente a taxa de juros praticada pela autoridade monetária, está fritando o peixe com um olho no gato e outro na frigideira. O peixe é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 2024; o gato é o mercado financeiro, sem trocadilho; e a frigideira, a opinião pública, principalmente os eleitores de Lula. A autonomia do banco é alvo de críticas do petista desde a campanha eleitoral, atacar os juros altos é uma narrativa de campanha de qualquer candidato de oposição, mas acontece que a eleição já passou.

Lula não confia em Campos Neto, que considera um quadro ideológico do bolsonarismo e grande responsável, juntamente com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, pelas dificuldades que enfrentou com o mercado financeiro durante a campanha eleitoral. Os agentes econômicos e investidores não esconderam a preferência pela reeleição de Bolsonaro, não importa os riscos que isso significou — e o bolsonarismo ainda significa — para a democracia. Havia expectativa de que o ex-presidente faria um forte ajuste fiscal e avançaria no programa de venda das estatais, principalmente da Petrobras, caso fosse reeleito.

O problema de Lula é que Campos Neto tem mandato para presidir a autoridade monetária até 2024. Quase “imexível”, a independência do BC foi concretizada por lei em 2021, com objetivo de blindar a instituição de interferências políticas. Haddad tenta um meio caminho entre o desenvolvimentismo e a política social-liberal, porém, a política monetária é neoliberal. Esse conflito existiu em todos os governos, mas nunca num cenário de poder absoluto do BC sobre a fixação da taxa de juros.

Lula até argumenta que o ex-presidente do BC Henrique Meirelles, durante seu governo, teve autonomia, embora o banco não fosse independente. Meirelles foi e continua sendo um homem com um pé no mercado financeiro e outro na política. Haddad não tem um pé no mercado financeiro, nem Campos Neto na política. São dois bicudos que não vão se entender. O resultado será uma política econômica esquizofrênica, com o governo e o BC em rumos cruzados, ou seja, se ninguém mudar de rota, em algum momento, haverá um naufrágio.

Palanque

“Tem muita gente que fala: Pô, mas o presidente não pode falar isso’. Ora, se eu que fui eleito não puder falar, quem que eu vou querer que fale? O catador de material reciclável? Quem que eu vou querer que fale por mim? Não. Eu tenho que falar. Porque quando eu era presidente, eu era cobrado”, disse Lula. Essa narrativa corrobora as críticas de que o presidente não desceu do palanque. E não desceu mesmo: está montado numa bicicleta — se parar de pedalar, pode cair.

A independência do BC parte do princípio de que uma diretoria estável é capaz de resistir às pressões populistas, para fazer uma gestão técnica, focada no combate à inflação, sem interferências de natureza político-ideológica. Aprovada pelo Congresso, a lei foi sancionada por Bolsonaro em 2021 e aclamada no mercado financeiro e no mundo empresarial. Desde o Plano Real, com o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, não havia uma política monetária tão blindada.

De janeiro de 2021 a agosto de 2022, a taxa de juros subiu 11 pontos percentuais. Essa foi, inclusive, uma das causas da derrota de Bolsonaro. A pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, segundo os economistas, foram as principais causas da inflação. Mas não apenas, porque o chamado “teto de gastos” foi ultrapassado oito vezes durante o governo passado — a última com a PEC da Transição.

Para haver redução da taxa de jutos com consistência, é preciso melhorar o ambiente econômico, à deriva sem a nova âncora fiscal. Além disso, com a elevação dos juros nos Estados Unidos, a expectativa de inflação no Brasil também subiu, o que torna impeditiva a redução de juros, segundo a atual política monetária.

Ao que tudo indica, Lula está seguindo a mesma receita de Bolsonaro em relação à Petrobras, que foi obrigada a trocar de presidente e reduzir o preço dos combustíveis. A escala no confronto com Campos Neto, porém, esbarra no fato de que o BC é independente, ao contrário da Petrobras.

O duro constrangimento a que está sendo submetido por Lula pode levar Campos Neto à renúncia. Porém, se não o fizer, sua resiliência pode transformá-lo no líder da oposição à Lula nos meio empresarial, quiçá seu candidato a presidente da República. Daí narrativa populista de Lula.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-critica-juros-altos-e-escala-crise-com-bc/

Nas entrelinhas: Reeleição de Lira muda o foco político de Lula

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Os 513 deputados federais eleitos em outubro do ano passado tomarão posse no próximo dia 1º, em sessão marcada para as 10h, no Plenário Ulysses Guimarães. No mesmo dia, às 16h30, começa a sessão destinada à eleição do novo presidente e da Mesa Diretora para o biênio 2023/2024. Haverá troca de posições na composição (11 cargos), mas não na Presidência, pois é praticamente certa a recondução do deputado Arthur Lira (PP-AL) ao comando da Câmara.

Ele tem o apoio de 19 partidos, que somam 489 deputados. Em 2021, numa disputa com o presidente do MDB, deputado Baleia Rossi (SP), foi eleito com 302 votos contra 145. No comando da Casa, consolidou seu poder quando o presidente Jair Bolsonaro, temendo um impeachment, decidiu entregar o Orçamento da União e a Casa Civil da Presidência ao PP. A abertura do processo de impeachment é um ato monocrático do presidente da Câmara e, quando isso ocorreu, virou um trem descarrilado nos governos Collor de Mello e Dilma Rousseff, que foram depostos constitucionalmente.

À época do acordo com o Centrão, o filho do presidente da República, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), estava acossado pelas investigações do escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e pelo envolvimento de um capitão da PM-RJ que fora seu assessor parlamentar no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Um vizinho miliciano de Bolsonaro, na Barra da Tijuca, no Rio, foi apontado como um dos executores. O governo também já estava mal das pernas, com grande perda de popularidade. Ou seja, as coisas estavam do jeito que o Centrão gosta.

Apesar de aliado de Bolsonaro, cuja reeleição apoiou, Lira prontamente reconheceu a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na primeira reunião entre ambos, o petista sinalizou que não interferiria nas eleições para a presidência da Câmara e do Senado. Foi uma declaração sensata e já esperada, mas a rapidez com que a bancada do PT decidiu apoiar a reeleição de Lira surpreendeu o próprio presidente da República.

A explicação veio na hora de cobrir o rombo no Orçamento de 2022, que Bolsonaro estourou durante a campanha eleitoral. Lira demonstrou pronto apoio à chamada PEC da Transição, que autorizava o governo a gastar aproximadamente R$ 170 bilhões fora do teto de gastos.

Lula poderia ter resolvido o problema da falta de recursos para o Bolsa família por medida provisória, no primeiro dia de governo, mas foi pressionado pela bancada do PT e os próprios aliados a apoiar a PEC e embutir no projeto o jabuti do pagamento das emendas parlamentares do chamado orçamento secreto de 2022, que não haviam sido executadas.

Petistas e aliados avaliaram que esse seria o primeiro passo para uma relação amigável com Lira, fundamental para a sustentação política do novo governo no Congresso. O Centrão é o fiel da balança da governabilidade de Lula. A recondução do deputado muda completamente o eixo político do governo, hoje focado na desmilitarização do Palácio do Planalto e dos ministérios, e na despolitização das Forças Armadas. O foco agora é o Congresso.

Guerra surda

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), também articula a reeleição de Lira. O PT terá a segunda maior bancada da Câmara, com 68 deputados. Com os partidos que compõem a Federação (PCdoB e PV), chega-se a 80 parlamentares, ficando atrás do PL, com 99, o partido de Bolsonaro.

Lira começou a agregar apoios em novembro de 2022. Além do PP e do PL, reuniu ainda o União Brasil, que terá a terceira maior bancada, Republicanos, Podemos, PSC e Mais Brasil (fusão PTB e Patriota), que formam o Centrão. PSD, MDB, PDT, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Pros também aderiram. O PSol, na federação com a Rede, que soma 14 deputados, lançará a candidatura do deputado Chico Alencar (RJ), que está de volta à Câmara.

Há uma disputa surda por lugares na Mesa e nas Comissões, que são distribuídos de acordo com o tamanho das bancadas, mas podem ser disputados de forma avulsa. Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado de Bolsonaro e presidente da bancada evangélica, pleiteia a primeira vice-presidência da Câmara. O PT quer a deputada Maria do Rosário (RS) na cobiçada primeira-secretaria.

Outra disputa importante é pela vaga aberta pela aposentadoria da ministra Ana Arraes, no Tribunal de Contas da União (TCU), cargo indicado pela Câmara. A escolha será em 2 de fevereiro. Lira trabalha para garantir a eleição de Jhonatan de Jesus (Republicanos—RR), de 39 anos, que vem a ser o responsável pela indicação dos últimos três diretores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y) e há uma série de denúncias do senador Telmário Mota (Pros-RR) que o envolvem.

O órgão é investigado pela Polícia Federal por fraude na compra de remédios, deixando pelo menos 10 mil crianças indígenas sem medicamentos. Uma operação da PF, realizada em novembro, cumpriu 10 mandados de busca e apreensão no órgão ligado ao Ministério da Saúde. A crise dos ianomâmis virou uma dor de cabeça para Jhonatan, que sonha com os 36 anos que poderia passar no TCU.

Também disputam a vaga Soraya Santos (PL-RJ), Hugo Leal (PSD-RJ) e Fábio Ramalho (MDB-MG). A todos Lira já prometera apoio.

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Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, assumiu o cargo em cerimônia no Salão Nobre no Palácio do Planalto | Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Revista online | A natureza pede democracia

Habib Jorge Fraxe Neto*, consultor do Senado, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição/janeiro de 2023)

A proteção e a conservação do meio ambiente vicejam melhor onde correm as águas da democracia, e o recente discurso de posse da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, indicou o curso dessas águas. Passados quatro anos desde que se iniciou o desmonte sistemático da governança ambiental, em 2019, a natureza – nós nela incluídos – respirou aliviada, como as seculares árvores amazônicas respiraram aliviadas quando dos empates vitoriosos de Chico Mendes e outros seringueiros. Desde então, o mundo mudou muito. Se naquele tempo eles se perfilavam no interior do Acre em torno das árvores para impedir seu corte, hoje se colocam contra o desmatamento de nossas florestas atores do porte da comunidade europeia e das empresas globais de seguros. O governo anterior não entendeu essa mudança.

Nos últimos quatro anos, nosso Sistema Nacional do Meio Ambiente foi colocado à prova, e quem acompanhou a passagem da boiada sabe que a precarização da governança ambiental foi tramada entre quatro paredes e de modo a ruir suas bases, convertendo o país de líder em pária da questão ambiental. Nada mais contrário à democracia, que exige a participação da sociedade civil, da ciência e do máximo de atores dedicados à causa do meio ambiente, dada a complexidade das soluções necessárias. 

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O novo governo entendeu a gravidade do que foi executado. Estávamos indo na contramão da racionalidade científica e socioeconômica, e nossas políticas ambientais haviam sido colocadas a serviço do crime organizado, sobretudo na Amazônia Legal. As medidas até aqui anunciadas alinham-se com as mais modernas práticas em políticas públicas. E os tempos são outros, passados 20 anos desde o início do primeiro governo Lula, também com Marina na pasta ambiental. 

Hoje até os então mais céticos concordam que a mudança do clima precisa ser enfrentada. Os mercados pressionam cada vez mais nesse sentido, considerando os imensos custos arcados pelas seguradoras globais (grandes conglomerados financeiros) devido a acidentes naturais associados a eventos climáticos extremos. Em nosso caso, cerca de dois terços das emissões de gases de efeito estufa associam-se ao desmatamento da vegetação nativa e a atividades agropecuárias. Absolutamente irracional foi descartar, como fez o governo derrotado, planos efetivos de combate ao desmatamento.

Marina e sua equipe precisarão reconstruir as políticas de controle do desmate, a exemplo do que fizeram de 2004 a 2012, quando as taxas de corte raso da Floresta Amazônica diminuíram 83%. O novo governo precisa ainda viabilizar, em especial na Amazônia, modelos socioeconômicos para a geração de renda que não dependam de atividades ilegais. A operação do Fundo Amazônia (que foi retomada no primeiro dia do novo governo, após quatro longos anos de paralisação) poderá contribuir de forma significativa para isso via pagamentos, inclusive internacionais, por resultados de desmatamento evitado. 

Técnicas de agricultura de baixo carbono constituem outro pilar das políticas ambientais e, nesse campo, há imenso potencial para diminuir a vulnerabilidade dos sistemas agrícolas e, ao mesmo tempo, aumentar a renda dos produtores rurais. A transversalidade ministerial anunciada na posse da ministra Marina será fundamental para conciliar a dicotomia, equivocada em nosso entender, que classifica o setor rural como inimigo do meio ambiente. Um dos grandes gargalos é a precariedade nos incentivos, na produção de tecnologias e na assistência técnica para que o setor agrícola adote técnicas menos emissoras em carbono, que têm vantagem econômica e ambiental quando comparadas às da agricultura convencional. 

Confira, a seguir, galeria:

Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Reprodução: Canal Agro Estadão
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Foto: Wenderson Araújo/CNA_Trilux
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Foto: Boris Baldinger/World Economic Forum
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Os desafios são imensos, diante do papel brasileiro de ser e continuar sendo uma potência ambiental, pela sua imensa riqueza natural, pela matriz energética forte em renováveis e, em especial, pelo gradual fortalecimento das instituições e movimentos sociais dedicados à proteção da natureza que se observou até 2018. E, ainda que o governo anterior tenha se dedicado ao desmonte, a sociedade civil e os servidores públicos da área ambiental fortaleceram resistências que agora serão de grande valor. 

A reconstrução da governança ambiental é um grande desafio e exige o apoio de toda a sociedade. Além dos temas aqui apontados, há muitos outros de relevância social e econômica, como políticas de saneamento básico. Diversas pesquisas recentes apontam que, mesmo em uma sociedade ideologicamente dividida como a nossa, cerca de 80% dos brasileiros consideram a proteção ambiental uma prioridade. Poder público e setores econômicos devem nortear suas ações nesse rumo para assim fortalecer nossa democracia. A natureza agradece. 

Sobre o autor

* Habib Jorge Fraxe Neto é consultor legislativo do Senado Federal, na área de meio ambiente. 

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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