Flávio Bolsonaro

Ricardo Noblat: Se Davi pode, por que Flávio não?

A justiça vale para todos

Está certo Davi Alcolumbre (DEM-AP), eleito no último sábado presidente do Senado pelos próximos dois anos, quando diz que não vê nada demais na indicação pelo PSL do seu colega Flávio Bolsonaro para comandar a terceira secretaria da Casa, o que lhe garante um lugar de destaque entre seus pares.

“Acho que o partido vai indicar o quadro do partido que o partido decidir. Não posso me meter”, justificou-se. Lembrado que Flávio está metido em rolos que envolvem até milicianos procurados pela polícia, Davi argumentou: “Investigados têm tantos nomes no Brasil. A gente precisa aguardar e ter tranquilidade”.

De fato, o Congresso está repleto de políticos investigados, denunciados, processados, vários deles condenados e uns poucos presos, esses com direito a exercer o mandato durante o dia na Câmara dos Deputados e no Senado desde que retornem à noite e passem os fins de semana na Penitenciária da Papuda.

O próprio Davi faz parte da horda dos parlamentares investigados. Responde a dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Em 2016, ele teria usado notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas e contratação de serviços com data posterior à data das eleições. No ano passado, fez algo parecido, e um pouco mais.

Nada que tenha causado embaraços a Davi na hora de pegar em armas como representante da nova política para corajosamente enfrentar e vencer o mais repulsivo e sagaz representante da velha política, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Para onde vai o MDB
Quem sabe?

Agora que não tem mais a presidência da República para chamar de sua, que murchou de 14 para 7 senadores, que perdeu para o DEM o comando do Senado, e que ficou sem perspectiva de poder nos principais Estados, para onde irá o MDB?

Resposta do ex-presidente José Sarney que colheu mais uma derrota humilhante no Maranhão e que agora só tem um dos filhos (Zequinha) ocupando cargo público, e assim mesmo em um governo estadual:

– O MDB é uma nau sem rumo.


José Padilha: Sergio Bolsomoro

Ministro corre risco se abdicar de convicções éticas

O governo Bolsonaro já começou carimbado por suspeitas gravíssimas de corrupção. Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro, está para lá de enrolado com as movimentações atípicas nas contas de seu ex-assessor e na sua própria conta.

Não precisamos de Sherlock Holmes, ou de Capitão Nascimento, ou mesmo do deputado Fraga para concluir o óbvio: ninguém movimenta recursos de maneira tão anormal quanto Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor. Depósitos em dinheiro, feitos um seguidinho do outro, dia após dia... Se o cara não tem algo sério a esconder, no caso a famosa prática de receber parte do salário de funcionários da Alerj, podemos dizer que se esforçou muito para parecer culpado.

Aliás, o senador continua se esforçando para parecer culpado nas entrevistas que concede para tentar explicar o que parece ser inexplicável, e faz o mesmo em sua atuação no âmbito jurídico.

Seu pai, o presidente eleito para salvar os brasileiros da corrupção (real) de PT/PMDB, já o jogou do convés do barco: "Se errou, vai ter que pagar". Presidente, ao que tudo indica, vai ter que pagar. Muito provavelmente por corrupção e desvio de verbas públicas, além de possível associação com milicianos. E não se esqueça: teve um capilé que foi parar na conta da primeira-dama...

O que me leva ao título deste artigo: Sergio Moro, o novo e poderoso ministro da Justiça, ungido pela eficiente luta contra a corrupção empreendida no âmbito da Operação Lava Jato, vai ficar assistindo a tudo isso sem fazer ou falar nada?

Queira ou não queira, ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para trabalhar no Ministério da Justiça, Sergio Moro avalizou implicitamente o governo Bolsonaro. Deu a este governo um carimbo de ética e de luta contra a corrupção. E, ao fazê-lo, colocou a sua biografia em jogo.

Lembro a Sergio Moro a famosa história do grande economista liberal Eugênio Gudin (1886-1986), que, apesar de ter controlado a crise econômica resultante da instabilidade política durante a transição do governo Vargas para o de Juscelino Kubitschek, pediu o boné assim que percebeu que o governo de Juscelino não seria orientado por visão liberal do controle dos gastos públicos.

Ou seja, não flexibilizou as suas convicções pessoais sobre a economia para se ater ao poder. (Espero o mesmo de meu amigo Paulo Guedes!) Pois bem: Sergio Moro vai flexibilizar as suas posições éticas para ficar em um governo que já nasce maculado?

Posto o problema está. Restam ao ministro três formas de lidar com ele: primeiro, pode calar e consentir. Segundo, pode pedir o boné. E, por fim, pode atuar decisivamente em favor de suas convicções éticas, colocando todo o aparato policial e jurídico que tem a sua disposição para investigar o senador Flávio Bolsonaro, dando um sinal claro para a sociedade de que, enquanto ministro, vai trabalhar pela justiça, doa a quem doer.

Em seu primeiro artigo como jornalista, Eugênio Gudin escreveu criticamente sobre a política de investimentos, conhecida como "50 anos em 5", do então presidente JK. Consta que Gudin dizia o seguinte acerca das gastanças de Juscelino em Brasília: "O Juscelino era um bom rapaz, bem intencionado, mas muito playboy. Ele criou uma capital que não produz nada". Sergio Moro criou um capital moral, e os brasileiros apostaram nele. Resta ver se este capital vai produzir algo de concreto.

Se não produzir nada, não chamarei o ministro Sergio de playboy, que isso ele não é. Mas, se o ministro Moro capitular em suas convicções éticas quando essas se aproximam dos Bolsonaros, corre o risco de ficar conhecido pela alcunha de Sergio Bolsomoro.

*José Padilha, Cineasta, diretor dos filmes "Tropa de Elite" (2007), "Tropa de Elite 2" (2010) e "RoboCop" (2014)


Ricardo Noblat: Onde estão Flávio e Queiroz?

O mais discreto dos filhos do capitão

Onde possa haver jornalistas, ou mesmo apenas a sombra de um, o deputado Flávio Bolsonaro não deve pôr os pés. Para evitar perguntas incômodas sobre os rolos de Queiroz e os seus. Flávio foi orientado assim por sábios conselheiros.

Por isso, ele nem mesmo compareceu ao hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde seu pai foi operado ontem. A família em peso estava lá – Michele, a mulher, e os filhos Carlos, Eduardo e Renan, esse o número 4, por ora silencioso à falta de um mandato.

Há semanas que Flávio passou a engrossar a turma dos foragidos encabeçada pelo ex-motorista Fabrício Queiroz e integrada pela mulher e as duas filhas dele, ex-funcionárias do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, e do pai capitão em Brasília.

É um Flavio discreto, discretíssimo, que hoje se limita a postar em sua página no Twitter mensagens em sua própria defesa. Diga-se a seu favor que Flávio sempre foi o mais contido e moderado dos filhos do capitão – Renan à parte.


César Felício: A cartucheira de Flávio está cheia

Senador eleito tem muitas linhas de defesa a explorar

O exército que guarda o senador eleito Flávio Bolsonaro ainda tem muitas linhas de defesa a serem rompidas, antes da sobrevivência política do primogênito do presidente ser dada como ameaçada. É verdade que o coração do grupo político que empalmou o poder está exposto com o escândalo e talvez toda a sequência de disparates que aconteciam no gabinete de Flávio na Assembleia não tenha vindo à tona. Há várias maneiras, contudo, do caso não dar em nada.

A primeira linha, decerto a principal, estará nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, dentro de dez dias. O pedido da defesa do senador eleito, acolhido por Fux, não trata apenas da questão do foro ao qual Flávio deve responder. Sobre este ponto, Marco Aurélio já sinalizou que não deve aceitar a reclamação. Também menciona que o Ministério Público do Rio de Janeiro, de certo modo, provocou o Coaf a detalhar as operações suspeitas, o que configuraria quebra de sigilo e demandaria autorização judicial. É uma questão sobre a qual não é possível prever a decisão do relator.

Flávio pode se tornar beneficiário de uma briga que a princípio não é a sua: a luta do Judiciário para demarcar limites à atuação do Ministério Público. A reclamação pode ser a ocasião para ficar estabelecido se o Coaf pode ou não atender a pedidos do Ministério Público, uma decisão que pode ter um alcance muito maior do que a polêmica sobre o sigilo do filho do presidente. Pode marcar uma inflexão na tendência de fortalecimento do Ministério Público que se tornou patente nos últimos anos.

A segunda linha é a sombra de alguma ação governamental no caso Flávio. Esta hipótese estava em baixa, já que o Planalto tem sinalizado que trata -se de uma situação particular do parlamentar, que deve se defender sozinho. A tese é de que Bolsonaro iria erguer um cordão sanitário em torno do próprio filho, soltando sua mão e o entregando à correnteza. A consulta pública aberta pelo Banco Central dá margem para que se coloque em dúvida se o cordão sanitário vai mesmo existir. Se o Banco Central acabar com a compulsoriedade de uma transação potencialmente suspeita ser comunicada ao Coaf, o cheque de R$ 24 mil de Fabrício Queiroz para a madrasta do senador, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, poderia ter passado despercebido.

Em Davos, Sergio Moro procurou estancar a manobra com dois movimentos: em um "quebra-queixo" com jornalistas disse que a sugestão do BC "não era decisão tomada". "O governo ainda vai se posicionar", garantiu. Mais adiante, em entrevista para a Reuters, o ministro procurou ser claro: "O governo nunca vai interferir no trabalho dos investigadores ou no trabalho com promotores". O tempo dirá se Moro prevaleceu ou foi vencido.

O BC publicou uma nota para dizer que a sugestão na realidade vai apertar, e não afrouxar o controle sobre transações, já que os bancos terão de monitorar todas as transações e reportar o que considerarem suspeito. Seria uma maneira de os bancos aprimorarem seus controles, de acordo com a autoridade financeira. É uma maneira também de cortar os poderes do Coaf, que deixaria de receber informações compulsórias e passaria a ter informações espontâneas.

Parece claro haver uma disputa entre Sergio Moro e Banco Central sobre o tema. O Coaf dependerá de uma autorregulação bancária para poder atuar?

É outra queda de braço que pode beneficiar Flávio.

Escalada
Vive-se no Brasil agora uma incerteza sobre o funcionamento de mecanismos de controle sobre o poder central. Com uma canetada, o vice-presidente Hamilton Mourão ampliou ontem a capacidade do governo de atribuir o selo de "ultrassecreto" a documentos e dados passíveis de serem alcançados pela Lei de Acesso à Informação. O carimbo poderá ser usado por funcionários que exercem cargo de comissão. É muito mais gente para colocar a venda.

Já no primeiro dia do governo, com a Medida Provisória 870, o governo estabeleceu supervisão e monitoramento sobre organismos internacionais e organizações não governamentais indistintamente, recebam elas ou não recursos públicos. O mesmo instrumento legal levou a órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) a temerem, no limite, pela criação de restrições orçamentárias que ameacem a sua própria existência, temas que já foram tratados nesta coluna e na de Malu Delgado, publicada na quarta-feira.

A onda de violência que atinge o Ceará levou o presidente a usar as redes sociais para colocar na ordem do dia a proposta do senador Lasier Martins que reforça a lei antiterrorismo. Pelo projeto de Lasier, elogiado por Bolsonaro, é tipificado como terrorismo "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir qualquer bem público ou privado", se o objetivo for pressionar os governantes. É uma amplitude tão grande que permite abarcar neste critério a derrubada de uma torre de transmissão e a pichação de um muro.

Wyllys
A desistência de Jean Wyllys de exercer o mandato é um ato político, mais além da possível ameaça que pesa à sua vida. Wyllys cria um constrangimento de porte ao governos federal e estadual em um momento de baixa em sua carreira.

Wyllys surgiu como figura pública na condição de celebridade instantânea, após vencer um programa BBB, e elegeu-se como militante da causa LGBT. Mas se notabilizou por antagonizar e ser antagonizado por Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo. "Eles fizeram um jogo de ganha-ganha. Um serviu de escada para o outro", comentou uma vez, cinicamente, um dos mais poderosos congressistas do país. Não foi bem assim.

Foi reeleito com apenas 24.295 votos, o menos votado dos 46 deputados do Rio de Janeiro. Entrou na sobra de quociente aberta pela votação de Marcelo Freixo. Em 2014 havia conseguido 144.740 sufrágios.


Folha de S. Paulo: Sob pressão de militares, Bolsonaro tenta deixar Flávio sozinho com crise

Setores sugeriram até que o filho do presidente não assumisse cadeira no Senado devido ao agravamento das suspeitas no Rio

Por Igor Gielow, da Folha de S. Paulo

Com o aumento da cobrança de setores militares, o governo Jair Bolsonaro (PSL) começou a deixar o filho mais velho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sozinho para explicar o cada vez mais nebuloso caso envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

O que os apoiadores do governo não sabem dizer ainda é se a tática será eficaz e, principalmente, se não veio tarde demais.

"Se por acaso ele errou e isso for provado, lamento como pai, mas ele terá de pagar o preço por esses atos que não podemos aceitar", afirmou Jair Bolsonaro nesta quarta (23) à Bloomberg, em Davos (Suíça), onde participa do Fórum Econômico Mundial.

A Folha apurou junto a oficiais generais da ativa, das três Forças, que existe um consenso de que Flávio não foi convincente até aqui nas explicações sobre o cipoal que mistura operações financeiras envolvendo imóveis no Rio com a movimentação atípica de valores seus e de seu ex-assessor.

Após a repercussão da declaração, Bolsonaro disse, em entrevista à Record, que acredita no filho e que as acusações contra ele são infundadas.

"Não é justo atingir um garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir", declarou o presidente.

A crise em torno do caso foi agravada na terça (22), quando uma operação liderada pelo Ministério Público fluminense mirou o ex-capitão da PM Adriano Magalhães da Nóbrega, suspeito de liderar uma milícia e um grupo de extermínio na zona oeste do Rio.

O gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio empregou a mulher e a mãe do ex-PM quando ele já era investigado, e o senador eleito jogou a responsabilidade sobre Queiroz pelas indicações.

Para um general ouvido pela reportagem, isso tornou rifar o primogênito dos Bolsonaros uma prioridade. Como fazê-lo sem envolver o presidente, essa é outra questão.

Ele afirma, no que concorda um almirante, que a mera ligação com o gabinete não implica culpa de Flávio, mas é basicamente impossível de ser respondida de forma satisfatória para a opinião pública.

Alguns setores da cúpula das Forças Armadas fizeram chegar ao núcleo militar do Planalto a sugestão de que Flávio não assumisse a cadeira no Senado, em fevereiro. Isso poderia, para eles, evitar a contaminação do debate legislativo pelo caso.

O temor é menos por efeitos objetivos, já que Comissões Parlamentares de Inquérito geralmente acabam em nada, mas pela necessidade de estabelecer um toma lá, dá cá logo de saída para garantir a tramitação das reformas econômicas que serão propostas pelo governo Bolsonaro.

A Folha ouviu de um defensor dessa tese que o preço a pagar, no caso de a situação de Flávio se agravar, será um maior distanciamento das Forças Armadas do governo.

Um membro do grupo militar no Planalto desconsidera a hipótese, por considerar que equivaleria a uma confissão de culpa. Acha também que Flávio precisa cuidar de sua defesa, mas que o Senado é um local adequado para isso.

A amigos, o senador eleito tem demonstrado tranquilidade. Foi ao Rio nesta semana para cuidar de sua mudança para Brasília, por exemplo, rejeitando quaisquer insinuações de renúncia preventiva.

Se ela acontecesse, ele perderia a prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal que reclamou e ganhou em decisão provisória na semana passada, travando as investigações, movimento que disparou o estágio atual da crise.

Se Flávio desistisse do cargo, assumiria sua cadeira o suplente Paulo Marinho, empresário que ajudou a articular a candidatura presidencial de Bolsonaro.

Na Suíça, apesar da declaração à TV da agência de notícias, Bolsonaro tem fugido do assunto. Alegando cansaço, segundo o general Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o presidente deixou a imprensa atônita ao não aparecer para uma entrevista coletiva organizada pelo fórum —mais tarde, ele disse que seguiu recomendação médica.

O temor dos militares com o caso também passa pela incerteza em relação ao que ainda pode vir pela frente. Até terça, era uma confusa e suspeita sucessão de revelações sobre práticas financeiras dos deputados estaduais do Rio —como Flávio.

Agora, chegou no mundo das milícias, organizações formadas por policiais e ex-policiais que ocuparam espaços deixados pelo tráfico em favelas, cobrando por proteção e serviços aos moradores.

No caso específico da investigação sobre o ex-capitão Nóbrega, há um agravante político. O grupo de execuções extrajudiciais ao qual estaria ligado, o Escritório do Crime, é suspeito de envolvimento na morte da vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018.

Autoridades deverão fazer uma ofensiva de comunicação para dissociar eventuais problemas de Flávio com a Receita de qualquer insinuação de ligação com a morte de Marielle pela via indireta de Nóbrega —que está foragido.

Não existe nada nesse sentido, mas politicamente a associação acaba sendo inevitável e já está sendo explorada pela oposição.

*Colaboraram Lucas Neves, de Davos, Talita Fernandes, de Brasília, e Rodrigo Borges Delfim, de São Paulo


Bernardo Mello Franco: Flávio Bolsonaro joga mais uma na conta do Queiroz

A simpatia da família Bolsonaro pelas milícias já era conhecida. O fato novo é a proximidade de Flávio com o chefão do Escritório do Crime

Primeiro foram os 48 depósitos em dinheiro vivo. Depois, os R$ 7 milhões na conta do motorista. Era difícil imaginar outra notícia capaz de piorar a situação de Flávio Bolsonaro. Aí veio a Operação Os Intocáveis.

O Ministério Público deu um passo importante para desmontar o Escritório do Crime, principal grupo de extermínio em atividade no Rio. A Justiça ordenou a prisão do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, apontado como chefe da gangue. Ele conseguiu fugir, mas não apagou os vínculos com o senador eleito.

Como deputado estadual, Flávio propôs uma moção de louvor ao miliciano por sua “dedicação, brilhantismo e galhardia”. “É com sentimento de orgulho e satisfação que presto esta homenagem”, escreveu. Dois anos depois, ele premiou o ex-PM com a Medalha Tiradentes, a maior honraria do Estado.

O reconhecimento não se limitou às palavras. O filho do presidente também empregou a mãe e a mulher do foragido em seu gabinete. As duas ficaram penduradas até dezembro. Quando largaram a boquinha, o deputado já havia sido promovido a senador.

A simpatia da família Bolsonaro pelas milícias já era conhecida. Pai e filho usaram seus mandatos para defender os grupos paramilitares. “Não se pode simplesmente estigmatizar as milícias”, discursou Flávio, em 2007. “Naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”, elogiou Jair, em 2018.

O fato novo é a proximidade do primeiro-filho com um chefão do Escritório do Crime, cuja lista de vítimas pode incluir Marielle Franco. Em tempo: Flávio foi o único deputado a votar contra a concessão da Medalha Tiradentes à vereadora assassinada.

Ontem o senador eleito adotou uma tática pouco original para se defender. Jogou a contratação da mãe e da mulher do miliciano na conta do motorista. Nessa toada, Flávio ainda vai tentar nos convencer de que ele era o assessor do Queiroz —e não o contrário.

É cada vez mais barulhento o silêncio de Sergio Moro sobre as suspeitas que envolvem o filho do chefe.


El País: Escândalo acende alerta para clã Bolsonaro nas redes sociais

Análise da interação no Twitter mostra impacto do caso envolvendo Flávio e reação da família. Crise precoce e opinião pública em desalinho com pauta mais radical aumenta dependência da economia

Eleito com 55,2 milhões de votos, o presidente Jair Bolsonaro enfrenta em seu primeiro mês no poder uma crise precoce com as suspeitas sobre as movimentações financeiras de seu filho e senador eleito, Flávio Bolsonaro. O escândalo, que ganhou novo fôlego na semana passada, já acendeu um alerta na principal trincheira comunicacional do clã –as redes sociais–, ainda que seja cedo, segundo os analistas, para sugerir o fim da lua de mel do novo ocupante do Planalto com o eleitorado.

Análise da consultoria AP/Exata sobre a movimentação no Twitter mostra o impacto das acusações contra Flávio provocam: agitaram opositores e provocaram mal-estar nos apoiadores do presidente. Na semana entre os dias 14 e 21 de janeiro, as menções negativas a Bolsonaro superaram as positivas e chegaram a seu auge na sexta-feira, 18, um dia depois da divulgação de que o filho do presidente foi ao Supremo Tribunal Federal pedir o congelamento das investigações que envolvem o ex-assessor e amigo da família Fabrício Queiroz , reivindicando o foro privilegiado que terá a partir de fevereiro —um expediente legal que a família Bolsonaro sempre criticou.

Eleito com um estridente discurso de combate à corrupção, Bolsonaro viu as plataformas digitais se povoarem com questionamentos e pedidos de explicação. Pela primeira vez desde a posse, o levantamento da AP/Exata mostrou que as menções negativas do termo Bolsonaro superaram as positivas por quatro dias seguidos, coincidindo com as novas revelações do caso no fim de semana, como o rastro de depósitos suspeitos na conta do próprio Flávio Bolsonaro. "Depois das entrevistas de Flavio, no domingo, nas TVs, a polaridade positiva associada ao termo Bolsonaro volta a crescer", diz Sergio Denicoli, diretor da empresa de análises, que explica que a aparição pública deu argumentos aos defensores para se posicionarem.

A dinâmica da reação mostra a faca de dois gumes de ter as redes sociais como ponta de lança. As plataformas digitais exigem um fluxo constante de interação. "Quanto menos eles falam, mais perdem capital. Por isso, a pressa em sanar os impactos negativos acabam por deixá-los expostos", segue Denicoli.

Nesta terça-feira, houve nova batalha de hashtags no Twitter medindo a força dos grupos pró e contra o Governo, em meio à repercussão do breve discurso de Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial em Davos. Nos grupos pró-Bolsonaro no WhatsApp também há a preocupação de produzir respostas claras para o caso Queiroz. O movimento convive com um chamado para concentrar forças para derrotar a candidatura de Renan Calheiros (MDB-RN) ao comando do Senado, numa tentativa de reedição da mobilização contra a "velha política" estimulada na campanha.

A fotografia do bolsonarismo 'radical' e 'light' no Datafolha

Fora da corrida em tempo real das redes sociais, o bolsonarismo encara sua primeira crise no poder com uma situação de opinião pública mista. Por um lado, Bolsonaro conta com o otimismo recorde da população em relação à situação econômica. Segundo pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, nada menos do que 47% dos brasileiros dizem acreditar que o desemprego irá diminuir nos próximos meses, uma taxa que representa um salto de 28 pontos percentuais na comparação com agosto passado (19%). Outros índices de percepção econômica têm a mesma alta positiva.

Por outro lado, o mesmo Datafolha mostrou que falta consenso na maioria do eleitorado em torno das propostas mais controversas do novo presidente. Há duas semanas, o instituto divulgou a primeira pesquisa a medir a inserção do bolsonarismo na sociedade, que consultou os brasileiros sobre as 13 principais teses defendidas pelo presidente nos seus discursos, entre elas a ampliação posse de armas, a flexibilização das regras ambientais e a restrição a novas demarcação das terras indígenas. Com base nas respostas, identificou três grupos de bolsonaristas: heavy (ou intensos, são os que concordam com pelo menos 9 das 13 teses e representam 14% da população brasileira,), medium (ou medianos, concordam com 5 a 8 teses e representam 55% da população) e light(ou leves, são os 31% da população que defendem no máximo quatro teses do presidente).

"Percebemos que a maioria da população rejeita a maior parte dos temas. A principal atitude do presidente até agora foi o decreto das armas, mas os brasileiros não concordam com essa liberação, 68% discordam dela. Então Bolsonaro está priorizando nas primeiras semanas uma agenda que é a dos seus eleitores mais fiéis, que são 14%, e se esquecendo das maiorias. Isso pode dar um descompasso entre o representante e seus representados", avalia o diretor do Instituto Datafolha, Mauro Paulino.

A divergência entre a maioria do eleitorado e as posições do presidente acabaram de eleger não surpreende o professor da Universidade de Brasília (UnB) Rodolfo Teixeira (UnB). "A população ficou muito mal informada durante a campanha porque o programa do presidente era sucinto, com muitos chavões que não aprofundavam os temas. Não me surpreende não esteja alinhada com a agenda do atual presidente. O Brasil é conservador, mas há tópicos da agenda que são bastante questionáveis e pouco factíveis", diz. O professor cita como exemplo a viabilidade de implantar em curto prazo propostas como a Escola sem Partido. "O que de fato ele pode fazer para federalizar isso? Será que vai conseguir tanta gente alinhada com esse pensamento para fazer a avaliação dos professores?", questiona.

Em três semanas de mandato, além da facilitação do acesso às armas e do combate ao que chama de "doutrinação marxista nas escolas", Bolsonaro pouco falou sobre saúde, área considerada prioritária por 40% dos brasileiros e que enfrenta hoje o desafio de preencher mais de 1.400 vagas deixadas pelos cubanos do Programa Mais Médicos. Tampouco anunciou medida econômica de impacto, mas Teixeira aposta que é justamente na seara econômica que a relação do Governo com a opinião pública e com o próprio Congresso vai se definir.  "A  economia é o que vai preponderar. No meu entender, Bolsonaro tem de seis meses a um ano para mostrar melhoras significativas na economia. E vai ter problemas para lidar com questões como a reforma trabalhista, a reforma da Previdência, as privatizações. A população está mais atenta ao tamanho do Estado e ao que ele se propôs a fazer, que é reduzir o gasto público", explica.

A favor do presidente está a boa popularidade e a "lua de mel" com o Congresso Nacional, comum nos primeiros meses de mandato, tudo agora a ver quanto dura a depender da extensão e do do impacto do caso Queiroz. Seja como for, analisar a relação que começa a se desenhar com os parlamentares não é simples, já que nesta legislatura se estabelecem novas formas de interação. Primeiro porque o Governo tem sinalizado por um diálogo com as bancadas temáticas e não mais com os partidos políticos, o que retira poder das lideranças partidárias. Segundo porque, a partir de fevereiro, Bolsonaro lidará com um Congresso bastante renovado, onde os partidos tradicionais perdem forças e ganham espaço parlamentares de primeira viagem.

Nada menos do que 102 políticos eleitos para a Câmara assumem na semana que vem seu primeiro mandato na vida pública enquanto 147 assumem pela primeira vez o posto de deputado federal. Juntos, representam quase a metade das vagas da Casa. "O Poder Executivo costuma ter mais força que o Legislativo quando ele é preponderado por novatos. A gente tem que ver como a pressão do Executivo vai se dar", pondera Teixeira. Segundo o especialista, o novo Congresso também será marcado por representantes de ideias mais "extremas" de direita e de esquerda. "Há candidaturas coletivas bem sucedidas com pautas mais progressistas, de esquerda. E temos uma direita com mais militares, religiosos e pessoas com perfil mais conservador. Isso certamente vai ter impacto na forma que o Congresso vai lidar com o presidente", diz.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro ignora conselhos para manter filhos à distância

Bolsonaro já foi aconselhado a manter os filhos longe do palácio. A ideia era evitar que as confusões do trio causassem desgaste para o governo

O vice-presidente Hamilton Mourão disse que os rolos do primeiro-filho geram “algum problema familiar, mas não para o governo”. Será mesmo?

Mourão não é o único aliado que gostaria de ver os herdeiros de Bolsonaro longe do palácio. O desejo é compartilhado por outros integrantes do núcleo militar do governo. Os generais temem que confusões envolvendo Flávio, Carlos e Eduardo contaminem a administração de Jair. Por enquanto, não conseguiram ser ouvidos.

No desfile da posse, o vereador Carlos posou de guarda-costas do pai na garupa do Rolls-Royce presidencial. Não foi só um ato de exibicionismo. Para políticos que esperavam Bolsonaro no Congresso, o “02” quis mostrar que será uma eminência parda do novo governo.

Pelo que se viu até aqui, ele tinha razão. Na sexta passada, o UOL informou que Carlos já teve mais audiências com o presidente do que 18 dos 22 ministros. Embora não ocupe cargo em Brasília, ele participou da primeira reunião ministerial da “nova era”. Passou o encontro tuitando, enquanto os titulares de pastas tiveram que deixar os celulares fora da sala.

O vereador flertou com a ideia de assumir a Secretaria de Comunicação Social, que administra as verbas de publicidade do governo. A indicação não saiu, mas ele reassumiu os perfis do painas redes sociais. Nas horas vagas, usa o Twitterp ara atacar jornais e jornalistas.

Eduardo, o “03”, também se esforça para ostentar prestígio. Ele já chegou ase insinuar para a presidência da Câmara, segundo posto na linha sucessória. Depois viajou aos EUA como chanceler informal do governo. O ocupante oficial do cargo, Ernesto Araújo, precisou da sua bênção para ser nomeado.

Ontem o deputado desembarcou em Davos na comitiva do pai. Ele divulgou uma foto em que aparece ao lado do presidente no avião. Quatro ministros, entre eles Paulo Guedes e Sergio Moro, observam acena do outro lado do corredor.

Flávio, o “01”, costumava ser descrito como o filho moderado de Bolsonaro. Na transição, aliados do presidente diziam que ele seria o único herdeiro anão causar problemas ao governo. Poi sé.


Leandro Colon: Aceno de Renan é sinal de perigo

Elogio de senador a Flávio Bolsonaro é mensagem de proteção a um governo enfraquecido

O presidente Jair Bolsonaro desembarca em terras suíças nesta segunda-feira (21) para o Fórum Econômico Mundial, em Davos, deixando por aqui uma crise com potencial para causar sérios danos em um governo que ainda engatinha.

Uma consequência do caso Queiroz é a dificuldade que Bolsonaro terá para faturar politicamente as eleições às presidências da Câmara e do Senado, no dia 1º de fevereiro.

Salvo imprevistos, tudo caminha, respectivamente, para as vitórias de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Renan Calheiros (MDB-AL) em cada Casa.

O PSL de Bolsonaro abraçou a candidatura de Maia ao perceber que, mesmo com a maior bancada eleita, não teria condições de levar adiante um candidato competitivo.

O provável sucesso de Maia não será uma vitória de Bolsonaro. O atual presidente da Câmara não é um candidato do governo. Pode até, por circunstâncias da eleição na Câmara, ter se aproximado do Planalto, mas deve manter a relação política ambígua adotada no período de Temer.

O maior perigo para Bolsonaro está no Senado. Na última sexta-feira (18), em entrevista à Folha, Renan Calheiros fez um aceno ao defender o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.

“Temos com relação a ele (Flávio) as melhores expectativas, de que é um moço que quer trabalhar, que quer fazer um bom mandato, que tem posições e defende-as”, disse.

Horas depois da declaração, o Jornal Nacional revelou os 48 depósitos na conta de Flávio que somam R$ 96 mil, todos no valor de R$ 2.000 e feitos sucessivamente em curiosos intervalos de poucos minutos.

Flávio chega ao Senado nas cordas, sem força para ser porta-voz do pai. Perdeu a capacidade de articulação para influenciar na eleição à presidência da Casa. O gesto que recebeu de Renan é um recado de proteção antecipada contra eventuais tentativas de cassação de mandato.

Em troca, o emedebista quer ter o Planalto ajoelhado aos seus pés para garantir a reforma da Previdência. O pior cenário para qualquer governo.


Blog do PPS: Burrice sem partido - a idiotização das ideologias

Na cartilha do bolsonarismo, até hoje o Brasil era dominado por comunistas e a China é um modelo de liberalismo a ser seguido.

Essa viagem dos deputados do PSL, cheia de desculpas esfarrapadas para o motivo da excursão e com argumentos risíveis da direita caipira para tentar atenuar o histórico da ditadura comunista chinesa, é piada pronta.

Mas não se iluda, eles não são apenas ignorantes e idiotas. São desonestos e mal intencionados.

O que se vê, hoje, são máscaras caindo.

À esquerda e à direita, há bandidos e pilantras. Ou você não sabia?

Cabe a nós, que não embarcamos nessa polarização oportunista e conveniente, nem alimentamos essa relação simbiótica de interdependência retórica e moral que garante a sobrevida de ambos e os levou ao 2º turno das eleições de 2018, buscar uma saída equilibrada, racional, viável e eficaz.

Não que seja uma tarefa simples, mas não há solução mágica nem salvadores da Pátria. Sem atalhos fáceis, o caminho é sempre o estado democrático de direito.


Bruno Boghossian: Depósitos para Flávio atravessam o coração do governo Bolsonaro

Caso é devastador para imagem do clã e 'dói no coração', como disse o presidente

O novelo ainda começava a se desenrolar, em dezembro, quando Jair Bolsonaro decidiu fazer uma aposta alta. “Se algo estiver errado comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta”, disse o presidente eleito. “Dói no coração da gente? Dói, porque nossa maior bandeira é o combate à corrupção.”

O escândalo provocado pela movimentação de dinheiro no gabinete de Flávio Bolsonaro cresceu de uma dor desconfortável no peito para um ataque cardíaco grave.

Os pagamentos feitos na conta do filho do presidente, revelados pelo Jornal Nacional, atravessam o discurso moral da família e arrastam consigo a imagem de todo o governo. Assim como o PT sofreu com o mensalão após ostentar a bandeira da ética por décadas, o bolsonarismo corre um risco considerável.

Em junho de 2017, Flávio recebeu um salário de R$ 18.768 como deputado estadual. Naquele mês, alguém multiplicou esse rendimento por seis ao depositar R$ 96 mil em sua conta, divididos em 48 envelopes.

Caso o autor dos pagamentos não seja um filantropo que prefere ficar anônimo, o caso não pode passar mais um único dia sem explicação. Flávio conseguiu a proeza de dar duas entrevistas, mas não ofereceu nem uma desculpa esfarrapada.

Se o caixa eletrônico da Assembleia do Rio falasse, poderia contar uma história de pequenas corrupções. Depósitos em dinheiro vivo, em valores pequenos e sem identificação são a maneira mais discreta de se cobrar pedágio de funcionários —a chamada rachadinha.

O senador eleito insiste que os investigadores tentam fazer um “gol de mão” e repete que tem todo o interesse em esclarecer o caso. Sua recusa em falar dos pagamentos contradiz tanto o discurso anticorrupção quanto sua linha de defesa.

Flávio diz que teve acesso aos autos da investigação no início deste ano. Naquela ocasião, o Ministério Público já havia recebido o documento do Coaf que apontava os 48 depósitos em sua conta. Só depois ele acionou o STF para paralisar o caso.


Elio Gaspari: Acima de tudo, Bolsonaro quer matar as provas

Quem viu a reação do PT diante das denúncias de corrupção acha que está num pesadelo, pois a música é a mesma

A corrida do senador eleito Flávio Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal teve dois objetivos. O primeiro foi travar a investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro em torno dos “rolos” de seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

Daqui a poucos dias, o ministro Marco Aurélio Mello liquidará essa questão, destravando-a. O segundo, essencial, é a tentativa de anular as provas conseguidas pelos procuradores. Que provas? Isso não se sabe, pois o caso corre em segredo de Justiça e até bem pouco tempo Flávio Bolsonaro repetia que não está sendo investigado.

A nulidade das provas é o sonho de todo réu. Na última catedral da impunidade, a Operação Castelo de Areia virou pó conseguindo-se anular as provas de que o Sol das roubalheiras nascia na caixa das empreiteiras. Depois dela vieram a Lava Jato, Sergio Moro e deu no que deu.

Desde que os “rolos” de Queiroz se tornaram públicos, todos os seus movimentos ofenderam a boa-fé do público. Não atendeu a duas convocações do Ministério Público, passou por uma cirurgia e deixou-se filmar dançando. Já o senador eleito Bolsonaro considerou “plausíveis” as explicações que recebeu do ex-assessor. Que explicações?

Quem acompanhou a reação do comissariado petista diante das denúncias de corrupção nos governos petistas acredita que está num pesadelo. A melodia dos poderosos é a mesma. Onyx Lorenzoni diz que a oposição busca um terceiro turno.

Em 2011, Dilma Rousseff disse a mesma coisa quando surgiu o rolo do patrimônio de Antonio Palocci, chefe de sua Casa Civil. A letra do samba é muito diferente, porque os “rolos” de Queiroz são cascalho quando comparados com as propinas bilionárias que rolaram durante o consulado dos comissários.

O pesadelo estraga o sono de milhões de pessoas que votaram contra a roubalheira, o blá-blá-blá e a resistência dos petistas a uma autocrítica.

Todas as explicações dadas até agora partem da premissa de que a plateia é boba. Por exemplo: Fabrício Queiroz deixou de ser assessor de Flávio Bolsonaro no dia 16 de outubro, logo depois do primeiro turno da eleição, para cuidar do seu processo de aposentadoria.

Por coincidência, sua filha, personal trainer no Rio e assessora de Jair Bolsonaro em Brasília, foi exonerada no mesmo dia. (A essa altura a Polícia Federal já sabia que o Coaf estranhara a movimentação financeira de Queiroz.)

Travas, silêncios, segredo de Justiça, corrida à “porcaria” do foro privilegiado e pedidos de nulidade das provas só servem para alimentar murmúrios maliciosos.

Os promotores não têm pressa, só têm perguntas.

O MEM DE SÁ DA AVENIDA FOI DONO DO BRASIL
A história de Pindorama é linda e pouco conhecida. Depois de d. Pedro 2º e Getúlio Vargas, o homem que por mais tempo governou o Brasil foi o juiz Mem de Sá, que mandou de 1557 a 1572. Recebeu a colônia em completa desordem, expulsou os franceses do Rio de Janeiro, guerreou com os índios, mandou em tudo o que podia e morreu no cargo, riquíssimo, com 2.000 cabeças de gado e dois grandes engenhos de açúcar. Fundou uma dinastia que dominou o Rio por mais de um século, ligando a cidade à política e à economia da região do rio da Prata. Seu sobrinho reconquistou Angola, tomada pelos holandeses.

Não se conhece seu rosto e sua memória está preservada em Salvador, num túmulo, e no Rio, numa bonita e decadente avenida do centro. Mem de Sá ganhou algumas biografias, menores que sua obra. Esse defeito foi corrigido com a publicação, em 2017, da tese de doutorado “Mem de Sá, um precursor singular no Império quinhentista português” da professora Marise Pires Marques, da Universidade Nova de Lisboa. Felizmente, o livro está na rede e de graça.

Num prodigioso trabalho de pesquisa (centenas de documentos manuscritos, 1.439 notas de pé de página), a professora reconstruiu o personagem e retratou o andar de cima da segunda metade do Quinhentos. Está tudo lá, dos cobertores ingleses do governador-geral ao vinho que importava (e mandava trocá-lo por pau-brasil quando lhe parecia ruim), ou aos copos em que o bebia. Quando o doutor deixava a sede do governo para visitar suas propriedades, deixava um pajem na escada do palácio para informar que estava trabalhando.

Como o acesso à tese é fácil, quem quiser pode sapeá-la. Mem de Sá assume o governo na página 62 e sua fortuna está a partir da 157.

IMPOSTECAS
Para os doutores Paulo Guedes e Marcos Cintra (secretário da Receita) pensarem no tamanho da encrenca em que se meteram:

Um cidadão comprou num site americano roupas no valor de US$ 40. A mercadoria chegou ao Brasil e ele soube que foi devolvida porque a nota fiscal não descrevia o conteúdo e, por isso, era impossível calcular o valor do tributo a ser cobrado.

Tudo bem, mas:

1) O cidadão poderia ser chamado para abrir o pacote e mostrar o conteúdo.

2) O imposteca poderia ter aplicado um tributo punitivo. Se o contribuinte não quisesse pagar, o pacote seria devolvido.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e desarmamentista convicto. Depois de saber pelo general Augusto Heleno que os carros matam como as armas, passou a andar a pé. Advertido pelo ministro Onyx Lorenzoni do perigo dos liquidificadores, está pensando em comprar um cofre para guardar o seu.

O cretino espera que algum ministro lhe diga se pode continuar usando o fogão de sua casa.

MADAME NATASHA
Madame Natasha não gosta de marxistas, nem de globalistas, porque essa gente quer acabar com a língua portuguesa.

Por isso ela concedeu uma de suas bolsas de estudo ao ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, pela nota do coordenador de Habilitação e Registro do FNDE na qual ele atribuiu as mudanças no texto do edital que orientava a compra de livros didáticos pelo MEC a um “erro operacional no versionamento”.

Natasha acredita que ele quis dizer que publicou-se um edital com uma versão errada. A pedido de seu amigo Eremildo, a senhora continua curiosa. Gostaria de saber quem foi o “versionador” que suprimiu a proibição de publicidade nos livros.

ANISTIA
A Assembleia Legislativa do Espírito Santo aprovou, por unanimidade, o projeto que concede anistia administrativa aos PMs que se envolveram na greve branca de 2017.

Com a anistia esfumaçaram-se 2.622 processos, 90 dos quais caminhavam para a demissão e 23 haviam resultado em expulsões. Ficou tudo em paz e quem foi punido retornará ao serviço, com direito aos salários perdidos. (Foi rejeitada uma emenda que concedia indenização de R$ 100 mil para as vítimas de homicídios dolosos ocorridos durante o período da greve.)

A paralisação da PM jogou o estado num caos, mas a anistia era pedra cantada e foi bandeira de campanha do atual governador, Renato Casagrande.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".