Flávio Bolsonaro

Bruno Boghossian: Queiroz vai vestir a faixa presidencial

Com posse de Bolsonaro, caso deixa de ser uma simples maracutaia de assessor

Fabrício Queiroz vai vestir a faixa presidencial. O ex-motorista de Flávio Bolsonaro deve passar o 1º de janeiro escondido, mas as suspeitas provocadas pela movimentação milionária em sua conta vão subir a rampa e se instalar no Planalto.

A cada dia em que as pontas do caso permanecem soltas, o episódio fica mais distante do estágio em que os bolsonaristas gostariam de parar, tratando a dinheirama como uma simples maracutaia de um assessor de deputado estadual.

Queiroz deu dupla razão aos mais intrigados. Deu bolo nos promotores e não explicou por que mexeu em R$ 1,2 milhão, por que sacou R$ 320 mil, por que recebia depósitos na data de pagamento dos servidores do gabinete e por que assinou um cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, a futura primeira-dama.

Talvez por excesso de confiança, o presidente eleito e sua equipe tenham pensado que as perguntas não se transformariam em crise. Poderia ser o caso se Queiroz tivesse aparecido para dar uma desculpa esfarrapada qualquer. Agora, as dúvidas passarão a virada do ano em Brasília.

Flávio disse uma dezena de vezes que não é investigado e que não tem relação com o caso. Os promotores discordaram e pediram que ele vá ao Ministério Público no dia 10 de janeiro para falar do assunto.

O filho do presidente eleito se enrolou quando disse que Queiroz tinha dado uma “explicação plausível” sobre o dinheiro. Na véspera, quando o relatório do Coaf foi divulgado, o ex-motorista afirmara que não sabia “nada sobre o assunto”. Flávio poderá contar tudo aos promotores.

Quando Jair estiver no gabinete presidencial, o caso mudará de patamar e terá dois caminhos pela frente: pode se tornar um constrangimento para o governo ou será abafado pelas engrenagens do poder.

O episódio tinha só 48 horas de vida pública quando o general Hamilton Mourão sugeriu que o governo desse explicações à sociedade sempre que necessário. “Senão fica parecendo que está escondendo algo”, completou o vice de Jair. Pois é.


Bernardo Mello Franco: Vai sobrar para o Queiroz?

Depois de 13 dias de sumiço, o motorista de R$ 1,2 milhão terá que se explicar ao Ministério Público. Se depender dos antigos chefes, a conta vai sobrar para ele

Fabrício Queiroz vai sair da toca. Pelo menos é o que espera o Ministério Público, que pretende ouvi-lo hoje no Rio. Ainda não se sabe como o motorista vai explicar sua movimentação bancária, mas uma coisa é certa: se depender dos antigos chefes, a conta vai sobrar para ele.

Ontem o primeiro-filho voltou a ser questionado sobre as transações suspeitas de Queiroz. Ele deu de ombros e tentou atirar a responsabilidade no colo do funcionário. “Quem tem que dar explicação é o meu ex-assessor, não sou eu. A movimentação atípica é na conta dele”, disse Flávio Bolsonaro.

O senador eleito se irritou com os repórteres que faziam perguntas sobre o assunto. “Deixa eu trabalhar, deixa eu trabalhar. Não tem nada de errado no meu gabinete”, afirmou. O presidente eleito preferiu fugir dos microfones. Ele chegou a ser anunciado na diplomação do herdeiro, mas não apareceu.

É compreensível que Flávio não veja “nada de errado” no próprio gabinete. A questão é saber se os promotores concordam com ele. Até aqui, sabe-se que um motorista com renda de R$ 21 mil movimentou mais de R$ 1,2 milhão em um ano. Ele recebeu repasses de outros oito assessores do deputado, em datas que coincidem com os dias de pagamento na Alerj.

De acordo com o Coaf, Queiroz sacou R$ 324 mil em espécie. Ainda não se sabe onde a dinheirama foi parar, mas ele deixou uma pista ao assinar um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira-dama.

Desde que o caso veio à tona, há 13 dias, o motorista desapareceu. Não foi visto no antigo local de trabalho nem nacas a simples em que mora coma mulher. O deputado já admitiu que se encontrou com o ex-funcionário, mas não revelou seu paradeiro. Ao que tudo indica, também não vê “nada de errado” no sumiço.

Depois de faltar à diplomação do filho, o presidente eleito voltou a reclamar da imprensa. “Eu acho que esse jornalismo não é produtivo”, opinou, em transmissão no Facebook. A primeira-família parece sonhar com um país em que repórteres não fazem perguntas incômodas. Nessa terra abençoada, motoristas, caseiros e ex-mulheres também devem viver em eterno silêncio.


Ricardo Noblat: Cresce o laranjal

Wellington, o onisciente

Como a investigação corre em segredo de justiça, ignoram-se os nomes dos funcionários do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio que abasteciam a conta bancária de Queiroz, solidários com as dificuldades financeiras enfrentadas por ele.

Mas um nome pelo menos foi descoberto – o de Wellington Sérvulo Romano da Silva, 48 anos, autor da proeza de morar em Portugal com a família no período em que se imaginava que por aqui trabalhasse. Não se descarte a hipótese de que estivesse lá e cá ao mesmo tempo.

De toda forma, louve-se o estilo transparente do presidente eleito Jair Bolsonaro que desde a semana passada não se nega a abordar o assunto. Ele voltou a repetir ontem: “Se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com Queiroz, que paguemos a conta deste erro”.

Não incluiu o nome de Wellington porque certamente desconhecia sua existência até então.


João Domingos: Tensão permanente

Qualquer coisa que atinja os filhos do presidente respingará no governo

Pela composição da chapa presidencial, pelo resultado da eleição para a Câmara e para o Senado, e pela escolha de alguns ministros que tendem a se pautar pela ideologia ou mesmo pela fé religiosa, é bastante provável que o governo de Jair Bolsonaro venha a ter no mínimo três focos permanentes de tensão.

O principal deles, e desse não há como escapar, está na família do presidente eleito. Pela primeira vez na história recente do País, e é possível que em todo o período republicano, um presidente da República terá três filhos com mandato parlamentar: Eduardo, deputado, Flávio, senador, estes dois pelo PSL, e Carlos, vereador no Rio de Janeiro pelo PSC. Todos eles conselheiros do pai, ativos politicamente, e muito atuantes pelas redes sociais.

Qualquer opinião deles a respeito de seja lá o que for, qualquer articulação que fizerem, qualquer coisa que os atinja, respingará no governo e será notícia com destaque. Natural que seja assim, porque não há como desvincular o pai dos filhos sabendo-se que são tão unidos e que têm o pensamento praticamente igual.

Exemplos da grande repercussão de tudo o que envolve os filhos já há aos montes. Em abril o deputado Wadih Damous (PT-RJ) xingou o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e disse que a solução para a Corte seria o seu fechamento, transformando-a em tribunal constitucional. O deputado Eduardo Bolsonaro disse em julho, numa palestra, no Paraná, que bastavam um cabo e um soldado para fechar o Supremo. O choque maior foi causado pela fala de Bolsonaro, pois ele vive a expectativa do poder. Damous já o perdeu.

Quando a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado começar, qualquer coisa que Flávio Bolsonaro fizer no Senado, ou o irmão fizer na Câmara, será visto como um ato consentido do pai, o presidente da República, mesmo que nada tenha a ver com ele. Se por um lado Jair Bolsonaro pode dizer, como tem dito, que é um pai feliz por ter três filhos em cargos eletivos, por outro ele terá de aceitar que, pelas circunstâncias que envolvem o poder, os filhos são também um peso.

O segundo possível foco de tensão do governo de Bolsonaro estará no recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Em primeiro lugar, porque é um ministério que atuará em áreas sensíveis da sociedade, envolvendo índios, minorias, direito das mulheres, comunidade LGBT e as novas siglas que a ela vão se interligando e direitos humanos. O ministério será um ímã para atrair a atenção dos grupos sociais mais organizados e engajados do País, levando-se em conta as opiniões conhecidas da futura ministra da pasta, a advogada e pastora Damares Alves.

Ela já se disse contrária ao aborto, que ninguém nasce gay, que não é a política, mas a igreja evangélica que vai mudar a Nação, e que as feministas promovem uma guerra entre homens e mulheres. Não há dúvidas de que a polêmica vai se instalar nessa área. Para piorar, o Ministério Público abriu ação civil pública contra uma ONG de Damares por “dano moral coletivo decorrente de suas manifestações de caráter discriminatório à comunidade indígena” por causa da divulgação de um filme sobre infanticídio indígena feito pela organização. Os procuradores pedem que a ONG seja condenada a pagar R$ 1 milhão.

O terceiro possível foco de tensão no governo de Bolsonaro está no vice-presidente, o general Hamilton Mourão. Acostumado a falar o que pensa sobre tudo e sobre todos, da política externa à política trabalhista, da necessidade de aprovação da reforma da Previdência à privatização de estatais, o vice causa barulho. Mesmo que diga que perdem tempo os que acham que vão intrigá-lo com Bolsonaro, suas declarações sempre vão causar impacto.