Flávio Bolsonaro

Bruno Boghossian: Flávio Bolsonaro se enrola cada vez que tenta explicar o caso Queiroz

Filho do presidente tenta se defender de suspeitas, mas se destaca pelo que não diz

Quando o país conheceu os rolos de Fabrício Queiroz, o então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que o ex-auxiliar tinha uma “história bastante plausível” para justificar as movimentações suspeitas em suas contas bancárias. Meses depois, ele passou a insistir que não tinha “nada a ver” com a investigação sobre o PM aposentado. Até hoje, o filho do presidente se enrola a cada vez que tenta explicar o caso.

Flávio deu um presente aos promotores que apuram a existência de um esquema de desvio de salários em seu gabinete na Assembleia do Rio. Em entrevista ao jornal O Globo, o senador confirmou fatos que estão sob investigação, mas se destacou pelo que não conseguiu esclarecer.

Primeiro, o filho do presidente admitiu: “Pode ser que, porventura, eu tenha mandado o Queiroz pagar uma conta minha”. Flávio falava como se aquele fosse um caso isolado, mas o Ministério Público encontrou 63 boletos quitados em dinheiro, com “origem alheia aos rendimentos lícitos” do senador e de sua mulher.

Ele ainda tentou dizer que sacava aqueles valores e repassava ao auxiliar para bancar as faturas. Flávio poderia ajudar os promotores a encontrar os registros dessas operações. Em outubro de 2018, Queiroz pagou em espécie as mensalidades escolares das filhas do senador. Nos 15 meses anteriores, não houve nenhuma retirada das contas do casal.

O filho do presidente repetiu a versão segundo a qual Queiroz apenas recolhia parte dos salários do gabinete para subcontratar militantes. Flávio afirmou que não sabia dessa prática, embora isso queira dizer que o esquema ajudou a comprar apoio político em suas bases eleitorais.

Também ficou pela metade a explicação sobre o pagamento de uma parcela de um apartamento da família, em 2016, feito por um PM. O senador disse que estava num churrasco e pediu ao policial para quitar o boleto pelo celular porque não queria ir ao banco. Segundo o amigo, Flávio devolveu os R$ 16,5 mil em dinheiro vivo —o que significa que não há registros bancários do reembolso.


Bernardo Mello Franco: Histórias da carochinha

A entrevista de Flávio Bolsonaro ao GLOBO encheria um almanaque de histórias da carochinha. O senador nem se esforçou para tentar explicar o inexplicável. Deu versões que fariam corar o ex-deputado Paulo Maluf, aquele que jurava não ter dinheiro no exterior.

O Ministério Público descobriu que o sargento Diego Ambrósio pagou um boleto de R$ 16,5 mil em nome da mulher do primeiro-filho. Por que um PM ajudaria o parlamentar a quitar seu imóvel? Resposta do Zero Um: os dois se encontraram num churrasco, a prestação “estava para vencer” e ele não queria deixar a carne no prato. Sensibilizado, o policial teria se oferecido para abater a dívida. Amigo é para essas coisas.

Os repórteres Paulo Cappelli e Thiago Prado quiseram saber por que o faz-tudo Fabrício Queiroz pagava o plano de saúde e a escola das filhas de Flávio. Mais uma vez, a explicação foi singela. “Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim”, disse Flávio. Tudo normal, salvo a anormalidade de Queiroz ter recebido repasses de ao menos 13 assessores do chefe.

O senador também não se preocupou em justificar o fato de o ex-PM ter sido preso na chácara do seu advogado. Ele jurou que não conhecia o esconderijo e reconheceu que “isso não podia ter acontecido”. No entanto, alegou que não houve “crime nenhum”. Nas palavras do primeiro-filho, a operação para ocultar Queiroz “foi um erro”, mas não teve “nada de errado”. Ah, bom!

O Zero Um ainda abusou da boa-fé dos leitores ao falar da sua fantástica loja de chocolates. Como explicar o volume de pagamentos em espécie que chamou a atenção dos investigadores? “Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, eu não vou aceitar?”, desconversou o dublê de senador e comerciante. Pequenas empresas, grandes negócios.

Em outras passagens da entrevista, Flávio escancarou o divórcio da família com a Lava-Jato e defendeu o casamento com o centrão, que seu pai já definiu como “o que há de pior” na política. Ele também elogiou a proposta da nova CPMF. Neste ponto, é possível que tenha sido sincero. O imposto não vai incomodar quem paga as despesas em dinheiro vivo.


Ricardo Noblat: Sem pé nem cabeça o que disse Flávio Bolsonaro ao defender-se

Tal pai, tal filho

Se o presidente Jair Bolsonaro, como demonstrado tantas vezes, é capaz de atravessar a rua só para pisar numa casca de banana, seu filho Flávio, o Zero UM, também é. E foi o que fez ao dizer tudo o que disse em entrevista ao jornal O Globo, a primeira que concedeu fora de sua zona habitual de conforto.

Até então, ele só se dispunha a falar sobre a parceria com o ex-PM Fabrício Queiroz com veículos amigos de sua família, de preferência canais bolsonaristas no Youtuber, e redes de televisão que não lhe criassem problemas. E ainda assim a jornalistas confiáveis. Resultado: pisou na casca de banana e escorregou feio.

Admitiu que Queiroz pagava suas contas pessoais com dinheiro vivo. Mas não dinheiro extorquido de servidores do seu gabinete à época de deputado estadual no Rio. Dinheiro limpo dele, Flávio. Ocorre que o Ministério Público tem provas de que o atual senador poucas vezes meteu a mão no bolso para pagar suas dívidas.

Entre 2013 e 2018, Queiroz, então chefe do gabinete de Flávio, pagou pouco mais de 286 mil reais de contas pessoais de Flávio e da sua mulher, entre elas, parcelas do plano de saúde dos dois e mensalidades escolares dos filhos. E sempre em dinheiro vivo, sabe-se lá por que, se pagamento eletrônico é mais seguro.

Nos 15 meses anteriores a um pagamento de quase 7 mil reais, outra vez em dinheiro vivo, o casal não fez nenhum saque nas suas contas. Uma parcela de 16,5 mil da compra de um imóvel pelo casal foi paga pelo PM Diego Sodré, amigo e correligionário político de Flávio. E o que ele disse a respeito disso? Simples.

Um dia, Flávio e Sodré estavam num churrasco. Então Flávio lembrou que justamente naquele dia vencia mais uma parcela do pagamento do imóvel. Teria de abandonar o churrasco porque não tinha no celular o aplicativo que lhe permitiria pagar. Sodré pagou. E, depois, foi reembolsado por Flávio – em dinheiro vivo. Quer mais ou basta?


O Globo: Flávio Bolsonaro critica Lava-Jato e defende atuação de Aras

Senador elogia procurador-geral da República. Sobre o caso Queiroz, admite pela primeira vez que ex-assessor pagou suas contas, mas diz que dinheiro tinha origem lícita e dá sua versão sobre investigação da 'rachadinha'

BRASÍLIA e RIO — Pela primeira vez, Flávio Bolsonaro admite que seu ex-assessor Fabrício Queiroz pagava suas contas pessoais — na sua versão, com recursos do próprio senador e sem ligação com os depósitos de outros assessores do gabinete na Alerj na conta de Queiroz. Flávio diz que esses depósitos para Queiroz destinavam-se a contratar informalmente mais funcionários, o que teria acontecido sem seu conhecimento.

O filho do presidente defendeu ainda um aumento dos gastos do governo, a criação de um novo “imposto digital” e a nomeação de indicados do centrão para cargos na administração federal — desde que não tenham condenações em segunda instância. Ele fez críticas a Sergio Moro e à Lava-Jato: afirmou que a operação tenta fazer “gol de mão” nas investigações e que a PF tem sido mais produtiva após o ex-ministro da Justiça deixar o governo.

OuçaJornalistas contam os bastidores da entrevista exclusiva com Flávio Bolsonaro

O senhor é investigado em um inquérito sobre “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio, e o Ministério Público (MP) descobriu que Fabrício Queiroz, que foi seu assessor parlamentar, pagou despesas suas com plano de saúde e mensalidades escolares de filhas. Como explicar isso?

Pode ser que, por ventura, eu tenha mandado, sim, o Queiroz pagar uma conta minha. Eu pego dinheiro meu, dou para ele, ele vai ao banco e paga para mim. Querer vincular isso a alguma espécie de esquema que eu tenha com o Queiroz é como criminalizar qualquer secretário que vá pagar a conta de um patrão no banco. Não posso mandar ninguém pagar uma conta para mim no banco?

Mais de R$ 100 mil para o plano de saúde não é muito dinheiro vivo para dar para ele?

Em 12 anos? Você acha isso muito dinheiro em 12 anos? Minhas contas são investigadas desde 2007. Se você pegar esse dinheiro, R$ 120 mil, e diluir em 12 anos, vai dar R$ 1.000 por mês. Isso é muito? Não é muito. Qualquer plano familiar baratinho é mais do que isso. Não tem ilegalidade. A origem dos recursos é toda lícita. Tenho uma vida simples para caramba. Não esbanjo nada. Meu modo de vida passa longe de uma pessoa rica. Tenho meu conforto e sempre trabalhei muito para isso. Sou deputado estadual desde os 20 anos. Quando ainda era deputado, morava com a minha mãe. Consegui fazer uma economia e construí meu patrimônio. Tudo o que faço e o que tenho é declarado. O problema não sou eu que declaro o que tenho. O problema é quem não declara o que tem, bota em nome de amante, de laranja. O que não é o meu caso.

As investigações também mostram que o policial militar Diego Sodré de Castro Ambrósio quitou um boleto de um apartamento comprado pela sua mulher. O que tem a dizer sobre isso?

É a maior injustiça que fazem com o PM (policial militar) que pagou para mim no aplicativo do telefone dele. A gente estava no churrasco de comemoração da minha eleição. A conta estava para vencer e, para eu não sair do evento e ir ao banco pagar, porque eu não tinha aplicativo no telefone, ele falou: “Deixa que eu pago aqui para você e depois você me dá o dinheiro”. Foi isso o que aconteceu. Fizeram até busca e apreensão no escritório dele, uma baita injustiça. Um cara que nem vive do salário da Polícia Militar, que é empresário, rala para caramba e tem dezenas de funcionários. Expõe ele e a empresa dele.

O senhor tem uma franquia da Kopenhagen que também é alvo de investigação. O Ministério Público (MP) encontrou muita circulação de dinheiro vivo nas contas e, em uma das peças da investigação, ironizou que a loja movimenta mais dinheiro fora da Páscoa...

É um comércio. Se a pessoa chega com dinheiro para comprar, não vou aceitar? Se eu fosse fazer uma besteira, seria numa franquia, que tem monitoramento da matriz? Se quisesse fazer coisa errada, ia para qualquer outro ramo que é muito mais fácil. Sempre tive preocupação de ter algo no setor privado, porque sei que o mandato eletivo não é permanente. É desproporcional o que o MP quer fazer comigo e a projeção que isso tem na imprensa, pelo simples fato de eu ser filho do presidente (Jair Bolsonaro). Se não fosse isso, se bobear, já tinham arquivado (a investigação) pelo princípio da insignificância.

Mas por que tantos assessores do seu gabinete deram dinheiro para o Queiroz durante anos?

Ele fez um posicionamento junto ao MP esclarecendo essas questões. Disse que as pessoas que faziam os depósitos na conta dele eram da chamada equipe de rua. Queiroz afirma que pegava o dinheiro para fazer a subcontratação de outras pessoas para trabalharem em redutos onde ele tinha força. Sempre fui bem votado nesses locais. Talvez tenha sido um pouco relaxado de não olhar isso mais de perto, deixei muito a cargo dele. Mas é obvio que, se soubesse que ele fazia isso, jamais concordaria. Até porque não precisava, meu gabinete sempre foi muito enxuto, e na Assembleia existia a possibilidade de desmembrar cargos. Outra coisa importante: mais de 80% dos recursos que passaram pelo Queiroz são de familiares dele. Então, qual o crime que tem de o cara ter um acordo com a mulher, com a filha, para administrar o dinheiro?

Como acreditar que o senhor e o presidente Jair Bolsonaro não sabiam que Queiroz estava escondido em uma propriedade do advogado Frederick Wassef?

Óbvio que não sabíamos. Por precaução, nunca mais falei com o Queiroz, nem por telefone, para não insinuarem que eu estava combinando alguma coisa com ele. O Fred (Wassef) teve quatro cânceres, né? O Queiroz estava tratando de um câncer também. Se ele (Wassef) se sensibilizou e deixou o imóvel para ele (Queiroz) usar, não tem crime nenhum nisso, nada de errado. Agora, é óbvio que isso não podia ter acontecido nunca. Foi um erro. Se (Wassef) tivesse comentado comigo, diria que ele estava sendo imprudente. Dá margem para as pessoas pensarem que a gente estava ali escondendo o Queiroz. Agora, cabe lembrar: escondendo de quê? Queiroz nunca foi procurado pela policia.

O GLOBO mostrou no ano passado que o Queiroz pagou mais de R$ 120 mil pela estadia dele no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, com dinheiro próprio e vivo. Isso surpreendeu o senhor?

Pagar cerca de R$ 100 mil em “cash”, obviamente, não é algo normal, né... A origem do dinheiro, eu não sei qual é. Ele é um cara que tinha os rolos dele, mas, obviamente, não fui eu que internei ele lá e não fui eu que paguei a despesa. Não sei de onde veio esse dinheiro. Tem que perguntar para ele.

O senhor, que é investigado pelo Ministério Público, acha que quem tem razão no embate entre Augusto Aras e os procuradores da Lava-Jato?

Qualquer investigação tem que acontecer dentro da lei e os excessos precisam ser investigados. Não dá para a gente jogar uma partida de futebol, um time fazer gol de mão e o outro aceitar. Pelo que acompanho, há suspeitas de que pessoas com foro por prerrogativa de função estavam sendo investigadas por procuradores de 1ª instância, inclusive alterando os nomes dos investigados para não ficar claro que se tratava de um senador ou de um deputado (o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, foram citados em investigações da Lava-Jato de Curitiba, mas com outros sobrenomes).

Os Bolsonaro se elegeram com um discurso alinhado ao da Lava-Jato. Agora, a força-tarefa reclama que está sendo alvo de um desmonte.  Não há uma contradição na maneira de o governo apoair as investigações?

Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava-Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa quantidade toda de operações. Inclusive com a saída de (Sergio) Moro, a produção do Ministério da Justiça subiu demais. O (Sergio) Moro na verdade saiu do governo porque percebeu que não havia um alinhamento ideológico, no tocante às armas, por exemplo.

Não foi por interferência na Polícia Federal que Moro deixou o governo?

É uma crítica completamente infundada. A competência para nomear diretor-geral da PF é do presidente. Se o presidente não pode falar onde está satisfeito ou insatisfeito dentro de um ministério, ou se troca o presidente ou se troca o ministro. Então, nesse caso, teve que trocar o ministro.

Uma ala do governo, representada pelo ministro Rogério Marinho, defende expansão de gastos, enquanto o ministro Paulo Guedes prega austeridade. De que lado o senhor está?

É uma equação em que não dá para fazer mágica. Por um lado, se o Paulo Guedes segura e não faz loucuras, é porque já foram R$ 700 bilhões gastos no combate à pandemia, justamente o que estimávamos economizar em dez anos com a Reforma da Previdência. Por outro lado, acho que tem de haver uma certa flexibilização. Há obras paradas no Brasil há mais de dez anos. Acredito que o Paulo Guedes vai ter que dar um jeito de arrumar mais um dinheirinho para a gente dar continuidade a essas ações que têm impacto social e na infraestrutura

Os militares demandam aumento do orçamento da Defesa de 50% para 2021. O senhor é favorável?

Os governos de esquerda sucatearam as Forças Armadas, achataram os salários dos militares. Hoje, um general com 40 anos de trabalho ganha igual a um delegado federal em início de carreira. Os militares sempre ficaram para trás em praticamente tudo, só são lembrados quando é necessária uma intervenção na segurança pública ou no combate às queimadas. Conseguir igualar a situação dos militares à de outros servidores públicos é uma promessa de campanha.PUBLICIDADE

O presidente Jair Bolsonaro admite que está discutindo a criação de um novo imposto, batizado no mundo político de “nova CPMF”. Como explicar que um governo que se elegeu com um discurso liberal fale em aumento de gastos e criação de imposto?

Não tem contradição nisso. Temos que tirar o peso tributário de setores importantes para geração de empregos e substituir por esse imposto digital, que não será uma CPMF. O Paulo Guedes ainda não apresentou o texto final, mas já falou em redução da carga tributária sobre folha de pagamento e de aumentar o limite de isenção de imposto de renda. Acho o imposto digital atrativo, porque tira carga de quem gera emprego e dos mais pobres e aumenta a base de contribuintes e diminui a sonegação.

Bolsonaro sempre criticou o Bolsa Família, mas agora fala em prorrogar o auxílio de R$ 600 e criar o Renda Brasil. Isso está sendo feito para avançar numa base eleitoral lulista?

Tem diferenças grandes. Não nos orgulhamos de falar que aumentou o número de pessoas que dependem do Bolsa Família. A gente vai se orgulhar de falar um dia sobre quantos milhões de pessoas deixaram de precisar do Bolsa Família. É uma outra visão. A gente não quer manter esse pessoal na dependência eterna, sem criar nenhuma expectativa, em troca de voto.

O governo atraiu o centrão em meio à distribuição de cargos no segundo escalão. Não vai contra o discurso de campanha?

Não. Qual foi o ministro que esses partidos políticos indicaram? Nenhum. O presidente não fez o toma lá dá cá. Esses partidos que são pejorativamente chamados de centrão já votaram, por exemplo, a reforma da Previdência, além de matérias que estão alinhadas com as bandeiras vencedoras da campanha. Não houve troca de cargos por votos.PUBLICIDADE

Na campanha, o ministro Augusto Heleno chegou a gritar “se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”...

Hoje é diferente do que acontecia. Tanto que não tem escândalo de compra de votos em um ano e sete meses de governo. Se tem denúncia, a gente toma providências.

Ciro Nogueira emplacou no comando da Codevasf um nome investigado na Lava-Jato. Qual deve ser a régua para uma nomeação?

Se não tem condenação em segunda instância, por que não vai aproveitar? A máquina pública é gigantesca, não conhecemos pessoas para ocuparem todos os postos do governo federal. Então, se tenho dificuldade para um determinado órgão no Maranhão ou no Rio Grande do Sul, nada mais natural do que pedir a referência de um parlamentar. Se tiver um currículo bom, qualificado, sem capivara (jargão para ficha policial), então por que não dar o voto de confiança? Também se faz política assim.

As investigações mostraram que um assessor lotado no Palácio do Planalto, Tércio Arnaud, atacava adversários e espalhava desinformação. Isso é legítimo?

Acho completamente legítimo. Campanha eleitoral é uma guerra política. Nós fomos alvos de ataques de adversários, então é natural que houvesse pessoas voluntárias, como era o caso dele e de vários outros, para defender e atacar o outro lado. Agora, se teve crime de ofensa a honra, tem que responder por isso. Não dá é para criar uma narrativa de que há uma coordenação, por parte nossa, de ataques a adversários. Hoje, com rede social, ninguém controla isso. Nesse projeto de lei das fake news que tramita no Congresso, está claro que quem está a favor, na grande maioria, é quem quer calar os conservadores e os perfis de direita. Quem decide o que é fake news? Se eu falar que a cloroquina, em muitos casos, salvou vidas, estaria propagando fake news?

Sim, há estudos que mostram que a cloroquina não é eficaz no combate ao coronavírus.

Não dá para dizer que ela é eficaz nem ineficaz. Se você tem esse instrumento na sua mão, você vai abrir mão dele? Tem estudo da França que fala o contrário, que a hidroxicloroquina é eficaz. Qual a comprovação científica de que usar máscara ajuda? De que tem que fechar praia? O debate é direcionado.

Vamos chegar em breve a 100 mil mortos no Brasil. Não acha que seu pai deu mau exemplo ao dizer que a Covid-19 era uma “gripezinha” e ao ir às ruas incentivando a aglomeração de pessoas?

Isso foi distorcido pela imprensa. Ele falou que, no caso dele, se ele pegasse, seria só uma gripezinha. E ele estava certo. Foi realmente só uma gripezinha para ele. Ele não faltou com sua parte de financiar e intermediar o envio de um monte de respiradores e equipamentos de proteção para estados e municípios. Isso não é minimizar. Mas o presidente também não se curva ao politicamente correto.

O senhor é a favor de mudanças que possibilitem a reeleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre na Câmara e no Senado?

Entendo que, pela proporcionalidade, comparado com a Câmara, Davi (Alcolumbre) poderia ficar mais dois anos, já que o mandato de senador tem oito anos (os deputados têm mandatos de quatro anos, mas os presidentes de ambas as Casas ficam dois anos no comando). Ele tem sido muito colaborativo com o governo. Já o Rodrigo Maia não acho que possa se reeleger mais. Ele embarreira algumas pautas que, no meu ponto de vista, são desnecessárias. Ele acaba se arvorando de, na qualidade de presidente da Câmara, falar pelo plenário, o que não é democrático. Tem Medidas Provisórias que ele deixou caducar e projetos de lei que ele não pauta. Mas são agendas vitoriosas nas urnas, como a das armas.PUBLICIDADE

A família Bolsonaro está torcendo pelo impeachment do governador Wilson Witzel?

Não tenho direito de ter preferência, mas conversas no meio político dão conta de que os desvios na Saúde aconteciam de uma forma desenfreada. Ele (Witzel) me usou para ser governador e depois virou as costas. Me senti traído quando ele, logo depois de eleito, já falava que seria o próximo presidente da República em 2022. Enganou, inclusive, os eleitores do Rio que acreditaram que teriam um governo 100% alinhado com Bolsonaro. Tenho certeza de que grande parte da população está arrependida. Sem dúvida, se o (vice-governador) Cláudio Castro assumir, o diálogo vai ser muito mais leve. Até porque hoje existe o não-diálogo com o governador Wilson Witzel.

Quem o senhor vai apoiar para prefeito do Rio?

Minha postura vai ser a que o presidente Bolsonaro mandar. Como o governo federal ajudou muito o Rio na pandemia, pode ser que o prefeito Marcelo Crivella explore essa proximidade e capitalize isso politicamente. Mas o presidente já falou que a postura dele vai ser se manter neutro no primeiro turno do Rio.


Janio de Freitas: Decisão da Justiça sobre Flávio Bolsonaro merece uma investigação

Nada acontece por acaso nesse inquérito sobre anos de apropriação de salários no gabinete do filho do presidente

A mais recente decisão da Justiça sobre Flávio Bolsonaro, favorecendo-o contra a investigação que mais abala seu pai, merece ela mesma uma investigação. Nada acontece por acaso nesse inquérito sobre anos e anos de apropriação de salários no gabinete de Flávio quando deputado estadual.

Em torno desse tema, emergem interações com milícias, exóticos negócios imobiliários e outros indícios. Todos do tipo que, nas ocorrências de combinação entre submundo e política, em geral são causa de ameaças, chantagens e subornos.

Os desembargadores Mônica Oliveira e Paulo Rangel têm comprovado conhecimento do acórdão do Supremo contra o qual votaram para transferir o inquérito, do juiz de primeira instância ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça-RJ. Como desejado por Flávio. E com possível anulação de tudo até agora apurado por decisões do juiz Flávio Itabaiana, como movimentações financeiras anormais e a reveladora prisão de Fabrício Queiroz.

Em tentativa anterior da defesa de Flávio, Mônica Oliveira negou a transferência do caso. Como fixado pelo Supremo para o investigado que deixou a função privilegiada com instância especial. Hoje senador, Flávio não pode ter os privilégios dos deputados estaduais. Paulo Rangel deixou em livro seu apoio à norma contra a qual votou agora. Contradições tão acintosas, em oposição também à relatora Suimei Cavalieri (Flávio foi favorecido por dois votos a um), precisam de mais do que recurso ao Supremo para repor o respeito à norma, lá mesmo decidida e já aplicada.

Há mais do que a razão óbvia para estranheza e suspeição. A reviravolta expõe a Justiça ao mesmo comprometimento moral, e quem sabe legal, a que militares da reserva e da ativa estão expondo o Exército, como participantes diretos ou indiretos nos danos ao país causados pelo quarteto Bolsonaro e seus contribuintes. Os conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, no entanto, notabilizaram-se, até agora, por sua tolerância com ilegalidades nas respectivas áreas, muitas delas gravíssimas como violação e nos efeitos. Resta contar, sem exagero, com o reencontro iniciado entre o Supremo e sua dívida com o país que tanto lhe dá.

Por sua conta, procuradores da República dão ao procurador-geral, Augusto Aras, um sinal da justa indignação que grassa entre eles: sua maioria sente, e repele, o incipiente reaparecimento de um Geraldo Brindeiro, o procurador-geral de Fernando Henrique batizado de engavetador-geral, símbolo de indignidade na Procuradoria e no governo de então.

Os procuradores elegem agora para o Conselho Superior do Ministério Público Federal o colega Mario Bonsaglia, o mais votado pela classe e preterido por Bolsonaro para substituir o dúplice Rodrigo Janot. Como reforço da mensagem, Nicolao Dino, já conselheiro, foi reeleito. Foi outro dos mais votados que Bolsonaro preteriu pelo sem voto Augusto Aras.

O primeiro teste pós-sinal já bate na porta de Aras, o relutante. Não há dúvida de que Ricardo Salles, ministro contra a preservação ambiental, já fez mais do que o necessário para responder por vários crimes de responsabilidade. Providência pedida à Procuradoria-Geral da República por nove ex-ministros do Meio Ambiente.

Ricardo Salles, invenção política de Geraldo Alckmin, é condenado por improbidade administrativa. Credencial que foi o mais provável motivo, à falta de qualquer outro, para ser o escolhido de Bolsonaro com a missão de destruir reservas indígenas, propagar o garimpo ilegal e os recordistas desmatamentos e incêndios amazônicos. Quase ignorado pela imprensa, abaixo de Bolsonaro é o maior causador de danos ao Brasil nas relações econômicas, diplomáticas e culturais do Brasil com o exterior.

Mas o próprio Bolsonaro iniciou nova fase: entrou em confinamento verbal. Desde a prisão de Queiroz, o que é uma prova irrefutável, e mesmo uma forma confessional, do perigo que agora lhe vem dessa longa ligação pessoal e funcional. Com novo dispositivo e novas figuras para remendar sua imagem, borrada por Wassef, Queiroz e o fugitivo Weintraub, Bolsonaro seguiu a recomendação de uma visita bem popularesca ao Nordeste. E foi celebrar, até com variadas mímicas de entusiasmo, um feito para a vida nordestina. A irrigação com águas do São Francisco. Obra de Lula e Dilma.


Ascânio Seleme: Silêncio, medo e ameaças

Bolsonarinho Paz e Amor apareceu de repente, graças ao tranco que o Bolsonarão sofreu com a prisão do amigo Fabrício Queiroz

Mais uma vez sua excelência tenta dar um ar de sobriedade ao seu governo bizarro. Bolsonarinho Paz e Amor apareceu de repente, graças ao tranco que o Bolsonarão sofreu com a prisão do amigo Fabrício Queiroz. Reina uma paz no Palácio do Planalto somente vista nos primeiros 45 dias de governo. Naquela época, contudo, havia uma euforia decorrente da nova investidura que hoje não se vê. Todos os gabinetes agora estão calados, esperando para ver se a coisa se consolida de verdade. Melhor mesmo fazer pouco barulho para não assustar a fera. Vai que ela se irrita e desperta outra vez aquela ira insana.

Os generais acham que a paz pode ser duradoura. A nomeação de Carlos Alberto Decotelli para o Ministério da Educação mostra que há uma disposição do presidente de buscar um pouco de calmaria no meio da tempestade. A ameaça sobre o mais velho dos seus zeros parece ter refluído um pouco depois da decisão do Tribunal de Justiça do Rio de tirar o caso das rachadinhas da primeira instância e dar ao acusado foro especial. Até por estar contaminada politicamente, a decisão do TJ, mesmo contrariando determinação do Supremo Tribunal Federal, colabora para manter o farol baixo do capitão. Da mesma forma que ninguém se mexe no Planalto para não despertar o bicho por ora acorrentado, Bolsonaro talvez ache melhor ficar quietinho em favor da segurança do filho.

O problema, todos sabem, é que o instinto belicoso do presidente é maior do que ele mesmo. Basta o cenário se deteriorar um pouco para que ressurja em toda a sua pujança. Imaginem o que pode ocorrer quando (não se trata de se, mas quando) a mulher de Queiroz for encontrada e presa. Márcia não vai se calar. Queiroz vai espernear e ameaçar. O zerinho vai chorar e o papai dele com certeza vai estourar. Tomara que eu queime a língua, ou a ponta dos dedos, mas não consigo ver a menor chance deste estado de espírito prosperar e durar. Se não for hoje, a explosão vai acontecer amanhã ou depois de amanhã. Não pense que se trata de torcida, não é. Pelo Brasil, o ideal seria que este governo chegasse ao fim, sem maiores solavancos, e depois se dissipasse.

Ocorre que há outra bomba à espreita do presidente e de seus filhos. Trata-se de mais um velho amigo, o advogado fanfarrão Frederick Wassef. Ele já mandou avisar que não vai aceitar ser abandonado, que não gosta que lhe voltem as costas. Na entrevista que deu à revista “Veja”, Wassef disse que recolheu Queiroz em sua casa de Atibaia porque “o presidente simplesmente cortou contato ou relação com ele (…) da mesma forma Flávio se distanciou completamente”. Ele acrescentou que deu guarida ao operador das rachadinhas no gabinete do zero porque passou a ter “informação de que Fabrício Queiroz seria assassinado (…) ele seria executado no Rio (…) quem estivesse por trás desse homicídio iria colocar isso na conta da família Bolsonaro”.

Fala sério, alguém acredita nesta ajuda “humanitária”, como o próprio Wassef a definiu? Difícil de engolir. O que se viu na entrevista do advogado outrora falastrão foram recados claros para o presidente. Primeiro, se ele não aceita que se abandonem outros, como fizeram com o Queiroz, imaginem o que pode fazer se abandonarem a ele. Depois, essa história de queima de arquivo foi uma inequívoca lembrança da morte do miliciano Adriano da Nóbrega, amigo de Queiroz, Flávio e Jair Bolsonaro. Encurralado numa casa de fazenda na Bahia, era fácil mantê-lo sob vigilância até que se entregasse. Mas, não, a PM invadiu a casa e metralhou o miliciano.

E tem mais. O miliciano deveria ser usado por Wassef para dar fuga a Queiroz e família, caso fosse necessário. Márcia, a mulher do chefe das rachadinhas, foi à casa da mãe de Adriano no interior de Minas Gerais tratar dessa questão. A bagunça é grande. Envolve um advogado inescrupuloso, um assassino profissional, um funcionário ladrão e um primeiro filho corrupto. É um prato cheio capaz de desestabilizar qualquer um. Imaginem o efeito que produzirá sobre Jair Bolsonaro quando suas pontas mal aparadas começarem a ser reveladas no inquérito em curso.

Francamente, doutor
Um juiz deveria ser afastado compulsoriamente das suas funções sempre que fossem apresentadas denúncias contra ele. Um magistrado denunciado por associação com uma pessoa que superfaturou serviços prestados à saúde pública, por exemplo, deveria parar de julgar casos até ele próprio ser julgado e inocentado. Continuaria recebendo até o julgamento. Se condenado, seria demitido sumariamente. Se for fotografado empunhando uma arma de uso exclusivo das forças policiais, da mesma forma deveria ser retirado da sua vara até que se esclarecessem as circunstâncias em que a imagem foi obtida. Suspeitos não podem julgar.

Embaixada para quê?
Foi-se o tempo em que as embaixadas americanas tinham em seus quadros pessoal de inteligência que informava ao Departamento de Estado sempre que um fato apresentava algum risco para os Estados Unidos. Vejam o caso Weintraub. Menos de uma semana antes de viajar para Miami com passaporte diplomático fajuto ele esteve numa manifestação em Brasília, sem máscara, cercado por pelo menos uma dúzia de outras pessoas também sem máscaras. Todo o brasileiro que entra nos EUA tem que se recolher em quarentena, a menos que seja uma autoridade em viagem de trabalho, obviamente. O filhote de Olavo se enquadra no primeiro grupo mas age como se fosse do segundo. Comete um crime pelo qual poderia ser deportado. Mas já não se fazem mais embaixadas como antigamente.

Aos trancos
Maria Cristina Boner Leo, a ex-mulher de Frederick Wassef, vem se envolvendo em rolos com órgãos públicos pelo menos desde 1999. Em abril daquele ano, a empresa TBA, da qual era dona, foi acusada de vender equipamentos da Microsoft para órgãos federais sem concorrência pública. Maria Cristina alegava ser representante exclusiva da Microsoft e amiga de Bill Gates. O caso foi parar no Congresso e na Secretaria de Direito Econômico.

Não adiantou
O secretário de Educação do Paraná, “o jovem” Renato Feder, fez um enorme esforço para assumir o posto do sinistro Abraham Weintraub. Chegou ao ponto de chamar de estadista o pior presidente da História da República brasileira. De nada adiantou o puxa-saquismo explícito, além de colar para sempre em seu perfil a embevecida admiração que tem por Bolsonaro.

Quem manda mais?
Já tem gente dizendo que o deputado Arthur Lira (improbidade administrativa, obstrução de Justiça, enriquecimento ilícito, desvio de recursos públicos, violência doméstica), líder do centrão, manda mais hoje na Câmara que o presidente da casa, Rodrigo Maia. Se ficar nessa leveza toda nos seis meses que restam de sua presidência, Rodrigo corre o risco de não conseguir fazer seu sucessor, imagina tentar uma reeleição.

Já Alcolumbre…
Legalmente, Rodrigo e Davi Alcolumbre não podem se reeleger para a mesa. O regimento impede dois mandatos na mesma legislatura. Rodrigo cumpre o segundo mandato seguido porque o primeiro foi na legislatura passada. Antes, teve um mandato tampão com a saída de Eduardo Cunha, e o STF julgou que aquele termo não deveria ser considerado. Mas há um precedente e nele se agarra Alcolumbre. O falecido Antônio Carlos Magalhães conseguiu, em 1999, se reeleger numa mesma legislatura graças a um parecer da advocacia do Senado que foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. O poder de ACM então era imenso, tanto que se reelegeu com 70 votos a favor e apenas três contra. Resta saber se Alcolumbre reúne tanta força. Na Câmara, Rodrigo parece já ter jogado a toalha.

O cálculo do centrão
Ao bater o pé na manutenção das datas do primeiro e segundo turnos das eleições municipais deste ano, o centrão trabalha com cálculos eleitorais bem específicos. Diabolicamente, torce para que a epidemia perdure até outubro, o que afugentaria muitos quarentenistas das urnas, mas não impediria a presença em massa de embandeirados negacionistas. Por quê? Porque estes votam a favor e aqueles votam contra.

Entreouvido por aí
“Dois anos depois de sair do governo, Temer segue aprovando mais reformas do que Bolsonaro”. A frase é do jornalista Felippe Hermes, do Spotniks, e foi pronunciada depois da aprovação do marco regulatório do saneamento, que tramita no Congresso desde 2018. Rs.

Se fosse no Brasil
O presidente de Portugal deu uma aula on-line para crianças portuguesas. Tratou da pandemia de coronavírus, deu um show. Se fosse no Brasil, nosso presidente talvez preferisse outro tema, já que sabe nada de Covid-19. Poderia ser uma corriqueira aula de tiro ao alvo. Ou lições de interrogatórios, modeladas pelos exemplos deixados pelo coronel Brilhante Ustra, seu herói. Poderia ser também uma aula de homofobia ou de machismo, com foco na humilhação de terceiros e na agressão aos mais frágeis.


Reinaldo Azevedo: TJ-RJ ignora o Supremo; democracia nele!

Concessão de foro especial a Flávio Bolsonaro ignora a regra do jogo

O presidente Jair Bolsonaro descobriu a autocontenção só depois que a Justiça decretou a prisão de Fabrício Queiroz. A propósito: a concessão, pelo TJ-RJ, de foro especial a Flávio Bolsonaro afronta decisão do Supremo. Tem de ser revertida por meio de recurso especial ao STJ ou de reclamação ao próprio STF.

Fui contra o fim do foro especial —e apanhei muito dos bolsonaristas por isso—, mas o meu entendimento foi derrotado. Viva o colegiado! A menos que a 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ tenha encontrado no acórdão alguma regra excetuando filhos de Bolsonaro, esse Flávio volta para as mãos do outro, o Itabaiana. Que coisa! O apreço de certos varões de Plutarco pela democracia depende mais da polícia do que da Constituição.

A luta é longa, e estamos só no começo. Enquanto o primeiro-amigo se homiziava na realidade quântica de Frederick Wassef —o buliçoso advogado que, ao mesmo tempo, abrigava e não abrigava o subtenente de milícias--, o "capitão" nos ameaçava com a cólera das legiões, secundado por fardas e pijamas verde-oliva pendurados nos cabides do Planalto.

O Brasil anda tão doidão que debatíamos até a semana retrasada se um golpe, ou autogolpe, era ou não possível. Dar golpe para quê? Para render as Forças Armadas ao Comando de Rio das Pedras? Para transformar o país num grande Ministério da Saúde de Recrutas Zero, onde sobram coturnos e faltam médicos?

O Brasil já está levando pito até de fundos de investimento, alertando que o país não verá o verde do dinheiro enquanto não controlar a Amazônia em chamas. Entidades de defesa do meio ambiente e dos direitos humanos denunciaram à ombudsman da União Europeia os retrocessos em curso. Eurodeputados enviaram carta ao presidente da Câmara conclamando o Legislativo a resistir à devastação.

O acordo Mercosul-UE está subindo no telhado; os investimentos externos, já minguados, podem nos abandonar de vez; o agronegócio de ponta é hoje prejudicado por madeireiros e grileiros de casaca mal cortada, que ousam falar pelo setor. E lá estávamos nós a interpretar falas e silêncios de generais. No país dos cemitérios eloquentes, fazíamos um debate com quase 60 anos de atraso. A prisão de Queiroz evidenciou o ridículo dentro do trágico.

Golpe? Autogolpe? Não percamos mais tempo com as ideias mortas que oprimem o cérebro dos vivos. Participo nesta sexta à noite do que pretende ser um grande ato virtual em defesa da democracia. Não se trata de frente ampla de partidos nem de ensaio geral para a deposição de Bolsonaro ou para a disputa eleitoral de 2022.

A exemplo de outras iniciativas, como o manifesto Estamos Juntos, brasileiros se articulam em defesa da garantia dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição, repudiando retrocessos no terreno institucional. Mas não só. O coronavírus não é professor nem guia moral. É um patógeno assassino. Mas também ensina.

E as milhares de vítimas da pandemia —todas sem vela e muitas sem sepultura— escancaram a necessidade de a democracia avançar além das garantias formais. A cor da morte na pandemia é preta. Seu lugar privilegiado na pirâmide das iniquidades é a pobreza. Não podemos mais tolerar um modelo que tenta harmonizar privilégios inaceitáveis com racismo, miséria e desigualdade aviltante.

O mais provável hoje é que Bolsonaro caia. E depois? Ele lidera o desastre, mas as condições que o levaram ao poder sobreviveriam. E é nelas que mora o problema. Há que se cobrar democracia em miúdos: em políticas públicas, em atendimento aos vulneráveis, em fim de privilégios. Para que ela possa existir também para os pretos e para os pobres.

E viva esta Folha, com sua campanha em defesa da democracia e com as aulas de Oscar Pilagallo sobre a ditadura militar! É preciso pensar o passado para instruir o futuro, em vez de ser esmagado por ele. Bolsonaro e seus golpistas são só o que passa.

Reitere-se: o TJ-RJ não tem licença para ignorar decisão do Supremo. É a regra do jogo, coisa dessa tal democracia.


Bernardo Mello Franco: Uma boia para Flávio Bolsonaro

Flávio Bolsonaro é um sujeito de sorte. Depois da prisão de Fabrício Queiroz, o senador parecia prestes a se afogar na lama da rachadinha. Foi salvo por uma boia arremessada pelo Tribunal de Justiça do Rio.

Para resgatar o primeiro-filho, a 3ª Câmara Criminal inovou. Os desembargadores Mônica Tolledo de Oliveira e Paulo Rangel inventaram o foro privilegiado de ex. Flávio não é mais deputado estadual, mas será julgado como se ainda fosse. Ganhará o mesmo tratamento dos atuais inquilinos da Alerj.

Para o professor Walter Maierovitch, a decisão representa um “atentado à inteligência”. Ele lembra que o nome oficial do foro privilegiado é “foro por prerrogativa de função”. “Se ele não ocupa mais a função, como pode ter a prerrogativa?”, questiona. “É o Brasil. É o faz de conta”, resumiu ontem o ministro Marco Aurélio Mello.

Graças à criatividade dos desembargadores, o caso sairá das mãos do juiz Flávio Itabaiana. Subirá para o órgão especial do TJ, que nunca incomodou figuras como o ex-governador Sérgio Cabral. Agora a defesa tentará anular os atos do magistrado de primeira instância. Entre eles, a prisão de Queiroz e a quebra de sigilo fiscal do senador.

O Zero Um já havia tentado levar as investigações para o Supremo Tribunal Federal. A manobra foi barrada pelo ministro Marco Aurélio. Ele aplicou o entendimento da Corte, que restringiu o alcance do foro e já mandou dezenas de políticos para a primeira instância.

No passado, o Supremo permitia que os políticos mantivessem o foro após o fim do mandato. A regra foi abolida em 1999 em nome do princípio da igualdade perante a lei. Ao ressuscitá-la, os desembargadores premiaram Flávio com uma viagem no tempo. Ele será julgado no século XXI como se ainda estivéssemos no século XX, resumiu o professor Diego Werneck Arguelhes.

Antes de ser flagrada no laranjal, a família Bolsonaro fazia comício contra o foro privilegiado. Era tudo marketing para tapear eleitores. Segundo o advogado Rodrigo Roca, que substituiu o enrolado Frederick Wassef, ontem o dia foi de comemoração. “O senador ficou muito satisfeito com a vitória”, contou.


Merval Pereira: Os caminhos da Justiça

Bolsonaro sabe o que está em jogo, sabe o que pode sair dali. Sabe o que fez no passado, ele seus filhos, o Queiroz

O julgamento de ontem do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mostra como são difíceis, e muitas vezes tortuosos, os caminhos da Justiça. A transferência da primeira instância para o Órgão Especial do TJ da competência para julgar o caso de Flavio Bolsonaro, acusado de ser o chefe de uma quadrilha que cometeu peculato com o dinheiro público - a vulgarmente chamada “rachadinha”, quando um parlamentar fica com parte do salário dos funcionários de seu gabinete - beneficiou o filho do presidente por um lado, mas não anulou as provas já obtidas durante a fase em que a primeira instância cuidou do caso.

A defesa queria duas coisas: tirar o caso do juiz Itabaiana e anular todas as provas obtidas nas investigações. Teve vitória parcial, e se alguém foi beneficiado foi Flavio Bolsonaro, pois existe uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) de que quando o parlamentar perde o mandato, seu caso vai para a primeira instância.

A alegação de que Flavio Bolsonaro era deputado estadual quando cometeu o suposto crime, e por isso é beneficiado pelo foro privilegiado, é uma dessas interpretações distorcidas que, com os recursos, acabará sendo anulada no Supremo.

A decisão que limitou o foro privilegiado teve como relator o ministro Luis Roberto Barroso numa Ação Penal, que não produz efeito vinculante, o que quer dizer que não há obrigatoriedade de os desembargadores aderirem a ela, embora fosse recomendável.

No entanto, com a decisão de passar para a segunda instância, pela lógica todo o processo anterior deveria ter sido anulado, e o inquérito começaria da estaca zero, o que não aconteceu. Pode vir a acontecer quando a defesa de Flavio Bolsonaro recorrer ao Órgão Especial, órgão máximo do Tribunal de Justiça do Rio, formado por 25 desembargadores. Mas pode também o Órgão Especial considerar que a primeira instância é que é competente para julgar o caso, seguindo a jurisprudência do STF.

Isso tudo para dizer que Bolsonaro acusar o Judiciário de perseguir sua família por questões políticas não resiste a uma análise isenta. Desde a prisão do seu amigo Fabrício Queiroz, acusado de ter parte com às milícias e ser o coordenador da “rachadinha”, Bolsonaro está completamente diferente, a começar pela feição. Sua postura no vídeo da saída do Weintraub, no mesmo dia da prisão do Queiroz, mostra como está impactado com a notícia, que o envolve diretamente, porque seu amigo foi preso na casa de Frederick Wassef, advogado dos Bolsonaro.

Desde então, está calado, evita fazer aqueles mini comícios na saída do Alvorada, baixou a crista, como se diz de um energúmeno que se submeteu à realidade. Todos seus seguidores também reduziram muito os ataques, e com ele calado, o clima político mudou muito.

Bolsonaro não passa da retórica, nunca teve um gesto para unir as pessoas, sempre trabalha na desunião, na disputa política, na guerra. E todo dia tinha assunto novo, um ataque a alguém, a alguma instituição. Ao contrário, ontem amanheceu propondo novamente a união entre os Poderes. Esse estender de mão é consequência do impacto que foi para Bolsonaro pessoalmente a prisão do Queiroz.

Ele sabe o que está em jogo, sabe o que pode sair dali. Sabe o que fez no passado, ele, seus filhos, o Queiroz, ele sabe que os inquéritos no STF são fortes, está ficando cada vez mais claro que a interferência na Polícia Federal existiu, e que o interesse era evitar processos contra o filho Flavio senador e a prisão de Queiroz. Além do caso do impulsionamento de WhattsApp no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Só há dois problemas para esse novo acordo proposto: o primeiro é a pessoa do presidente, que não é nem controlável, nem confiável. Depois, a cabeça dele não vai mudar - a busca do poder sem limitações, de que o Executivo tem que comandar, que o Legislativo e o Judiciário o impedem de governar. Ninguém ganha espírito democrático tendo sido autoritário a vida inteira.

Qual é a solução para esse caso? Que Bolsonaro esqueça a tese de golpe, esqueça a tentativa de controlar outros Poderes, se adapte à democracia representativa, ao presidencialismo de coalizão e faça acordos com partidos políticos no Congresso dentro da legalidade. Mas entendendo que isso não absolve o Queiroz, nem o Flavio, nem o Jair de nada do que fizeram.


Dora Kramer: Agora é cinza

O fracasso dos intentos autoritário não quer dizer que o governo Bolsonaro não tenha imposto grandes malefícios ao nosso país

Nada como os fatos. No devido tempo deram razão à percepção de que eram infundados os temores sobre a possibilidade de Jair Bolsonaro golpear a democracia ao molde venezuelano, a fim de governar a plenos e absolutos poderes. Em um ano e meio, de maneira mais acentuada nos últimos quatro meses, o presidente, filhos e súditos passaram de intimidadores a intimidados.

Sinal eloquente do retraimento típico de gente acossada foram a suspensão do espetáculo, em duas sessões diárias, na porta do Palácio da Alvorada e a ausência do presidente nas performances dominicais nas cercanias do Palácio do Planalto logo após a prisão de Fabrício Queiroz.

O presidente & filhos foram acometidos de um súbito gosto por modos razoáveis, enquanto aqueles ministros ditos ideológicos perderam a loquacidade. Faz algum tempo que Damares e Araújo já não dão vazão em público a suas ideias reacionárias. Os ativistas do extremo digital reduziram drasticamente sua presença nas redes e trataram de apagar vídeos no YouTube para eliminar rastros e não facilitar a coleta de provas nas investigações acerca dos patrocínios e da organização de atos atentatórios à verdade e à Constituição.

Não foi preciso nada além da estrita observância das normas em vigor e do repúdio social aos abusos por eles mesmos cometidos para que lhes fosse cortado o fornecimento de oxigênio. Consideram-se injustiçados, vítimas de perseguição, ignorantes que se mostram a respeito de uma pergunta retórica que Sigmund Freud registrou na história da psicanálise: “Qual a sua responsabilidade na desordem da qual se queixa?”. A resposta é de essencial utilidade para uma correção de rumos.

Bolsonaro pode não estar perto de perder o mandato, mas já perdeu a condição de abalar Bangu (sem referência outra, só força de expressão) com a estridência de suas cordas vocais. Dizem que a luz do sol é o melhor detergente. Aqui a substância responsável por imprimir clareza ao cenário tem sido o olho e as mãos da lei.

Não são fortes o bastante para impedir o retrocesso civilizatório cujas bases foram plantadas nos governos do PT com o menosprezo do então presidente Luiz Inácio da Silva pela educação formal, pelo uso correto do idioma e pelo respeito à ética na política e com a introdução da dinâmica do “nós contra eles” na sociedade, e seriamente agravados por Bolsonaro. Mas, se é real a ocorrência do atraso, é verdadeira também a consolidação dos mecanismos de contenção a ilegalidades. Vários deles, diga-se, reforçados na era petista.

“Bolsonaro e companhia passaram do papel de intimidadores à condição de intimidados”

Jair Bolsonaro não contava com o peso dessa engrenagem na imposição de limites ao exercício do poder. Felizmente é com esse aparato legal que o país conta para dissipar apressadas e inapropriadas comparações com o regime de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Lá, Judiciário, Legislativo e Forças Armadas foram tomados de assalto como pré-requisito para transformar a Venezuela numa democracia de fancaria. Aqui, fica a cada dia, a cada fato, a cada reação mais patente: isso é impossível.

Portanto, que se recolham de um lado esperanças e de outro temores. Não vai ter golpe. Entre os motivos já explicitados, porque o candidato a golpista está identificado e queda-se refém dos próprios blefes. A cada dobra de aposta nesse jogo o presidente perde mais espaço no tabuleiro onde se posicionam as instituições, a massa crítica de setores organizados e a maioria da sociedade, conforme atestam as pesquisas de opinião.

O fracasso dos intentos autoritários, contudo, não significa que esteja tudo bem. Não quer dizer que o governo Bolsonaro não tenha imposto grandes malefícios ao nosso país. Impôs enormes. Em decorrência do já citado retrocesso civilizatório tivemos o prejuízo das vidas perdidas por causa da atitude negacionista em relação à pandemia, a perda de importância no campo diplomático, os monumentais riscos ao comércio exterior e aos investimentos devido ao desprezo pela preservação do meio ambiente e à depreciação de questões relativas a direitos humanos. O Brasil era um, hoje é outro bem pior aos olhos do mundo, motivo de piadas e lamentações.

Assalta-nos, então, a dúvida: a situação tem remédio ou remediada está? Nenhuma das duas hipóteses. Para a segunda, que implicaria o impedimento, ainda não se encontrou um caminho eficaz. Para a primeira, dependeríamos de uma mudança radical nos atos e no pensamento de Jair Bolsonaro, num repente transmutado em líder. Resta, portanto, o aguardo de um milagre.

Publicado em VEJA de 1 de julho de 2020, edição nº 2693


El País: Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, é preso em São Paulo

O policial aposentado e amigo da família do presidente Jair Bolsonaro é investigado no suposto esquema de 'rachadinha' na Alerj

O policial aposentado e ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), Fabrício Queiroz, foi preso na manhã desta quinta-feira em Atibaia, cidade do interior de São Paulo. Queiroz é investigado no suposto esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Os mandados de busca e apreensão, e a prisão do policial aposentado, foram realizados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo após determinação da Justiça do Rio. Também foi autorizada a prisão da esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar.

O ex-assessor estava em um imóvel de Frederick Wasseff, advogado da família Bolsonaro. De acordo com informações de um caseiro, repassadas à polícia, Queiroz estava no imóvel havia cerca de um ano. Após passar pelo Instituto Médico Legal (IML), ele foi encaminhado para o Departamento de Homícidios e Proteção à Pessoa (DHPP), e de lá será levado para o Rio.

A Polícia Civil também realiza outras buscas e apreensões, inclusive, em um imóvel no bairro Bento Ribeiro, zona norte do Rio, onde vive Alessandra Esteve Marins, ligada ao gabinete de Flavio Bolsonaro. O servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho, a ex-assessora da legislativa Luiza Paes Souza e o advogado Luis Gustavo Botto Maia também são alvo de medidas.

Flavio Bolsonaro afirmou em rede social que encara com tranquilidade a prisão de Queiroz. “A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!”, escreveu no Twitter.Flavio Bolsonaro@FlavioBolsonaro

Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim.Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!

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Queiroz trabalhou por mais de dez anos —de 2007 a outubro de 2018— no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, que foi deputado estadual por quatro mandatosChamado de amigo pelo presidente, Queiroz passou a ser conhecido depois que um relatório do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do final de 2018, apontou movimentação de 1,2 milhão de reais, entre repasses recebidos e enviados, em suas contas ao longo de um ano, valor que as autoridades consideraram incompatíveis com sua renda e atividade.

O Coaf também considerou atípico o fato de Queiroz ter recebido depósitos de outros servidores do gabinete, o que indica a prática de rachadinha —quando funcionários públicos são obrigados a transferir parte de seus salários a parlamentares que os contrataram ou a seus aliados. Outra transação que chamou a atenção foi um cheque de 24.000 reais para a hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente afirma que o repasse consistiu no pagamento de parte de um empréstimo dele ao PM.PUBLICIDADE

As suspeitas contra Queiroz levaram a Promotoria a abrir investigação contra o próprio Flávio por suspeita de lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público). Em julho de 2019, o caso foi suspenso provisoriamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)Dias Toffoli, que considerou que houve quebra de sigilo no compartilhamento irregular pelo Coaf de informações financeiras do parlamentar com os investigadores. Essa decisão acabou por congelar mais de 900 apurações semelhantes. No final de novembro, no entanto, o plenário da Corte decidiu que esse tipo de procedimento é legal, e a investigação contra o senador foi retomada.

Em abril deste ano, o site The Intercept divulgou documentos e dados sigilosos do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ) que apontavam que Flávio Bolsonaro financiou com dinheiro público a construção de prédios da milícia no Rio. De acordo com os investigadores, que falaram com The Intercept em condição de anonimato, Flávio estaria recebendo atualmente o lucro do investimento dos prédios por meio de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega —executado em fevereiro na Bahia— e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.

Segundo a reportagem, Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj, e Queiroz confiscava cerca de 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.


Folha de S. Paulo: PF antecipou a Flávio que Queiroz seria alvo de operação, diz suplente do senador

Empresário afirma que revelação foi feita a ele em 2018 pelo filho do presidente, que demitiu assessor para tentar prevenir desgaste

Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo

empresário Paulo Marinho, 68, foi um dos mais importantes e próximos apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018. Ele não apenas cedeu sua casa no Rio de Janeiro para a estrutura de campanha do então deputado federal, que ainda hoje chama de “capitão”, como foi candidato a suplente na chapa do filho dele, Flávio Bolsonaro, que concorria ao Senado. Os dois foram eleitos.

Em dezembro daquele ano, com Jair Bolsonaro já vitorioso e prestes a assumir o comando do país, Flávio procurou Paulo Marinho. Estava “absolutamente transtornado”, segundo o empresário. Buscava a indicação de um advogado criminal.

escândalo de Fabrício Queiroz, funcionário de Flávio no seu gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio, não saía das manchetes. Havia acusações de “rachadinhas” e de desvio de dinheiro público. O senador recém-eleito temia as consequências para o futuro governo do pai —e precisava se defender.

As revelações que Marinho diz ter ouvido do filho do presidente nesse encontro são bombásticas: segundo ele, Flávio disse que soube com antecedência que a Operação Furna da Onça, que atingiu
Queiroz, seria deflagrada.

Foi avisado da existência dela entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, por um delegado da Polícia Federal que era simpatizante da candidatura de Jair Bolsonaro.

Mais: os policiais teriam segurado a operação, então sigilosa, para que ela não ocorresse no meio do segundo turno, prejudicando assim a candidatura de Bolsonaro.

O delegado-informante teria aconselhado ainda Flávio a demitir Fabrício Queiroz e a filha dele, que trabalhava no gabinete de deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília.

Os dois, de fato, foram exonerados naquele período —mais precisamente, no dia 15 de outubro de 2018.

Queiroz estava sumido em dezembro. Mas, segundo Marinho, o senador Flávio Bolsonaro mantinha interlocução indireta com ele por meio de um advogado de seu gabinete.

Nesta entrevista, Marinho, que é pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PSDB, começa falando da cidade que pretende governar, dos planos para a campanha presidencial de João Doria em 2022 —e por fim detalha os encontros com Flávio Bolsonaro.

Segundo ele, as conversas podem “explicar” o interesse de Bolsonaro em controlar a Superintendência da Polícia Federal no Rio, causa primeira dos atritos que culminaram na saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.

Como está a sua candidatura a prefeito do Rio? Ser candidato nunca esteve nos meus planos. Quando assumi a presidência do PSDB no Rio, há um ano, fui orientado pelo [governador de SP, João] Doria a trazer jovens e mulheres para o partido, que é inexpressivo no estado a ponto de não ter conseguido eleger um único deputado federal em 2018.

Fui buscar a Mariana Ribas, ex-ministra interina da Cultura no governo do Michel Temer, ex-secretária de Cultura do Rio. Ela tem 34 anos de idade, é jovem, bonita, se encaixava no perfil que o governador [Doria] indicava. Ela topou. Mas, por motivos pessoais, desistiu.

O nome que aparecia naturalmente para substituí-la era o do Gustavo Bebianno, ex-ministro de [Jair] Bolsonaro, meu amigo fraterno e pessoa de absoluta confiança.

Bebianno começou a trabalhar como pré-candidato. Uma semana depois da indicação, teve um infarto fulminante e morreu, aos 54 anos. Para mim, foi uma tragédia pessoal. Perdi um irmão. Para o partido, foi irreparável.

Dias depois, o Doria me convidou para ser candidato. Aceitei o desafio.

Vou trabalhar para encontrar um campo político de aliados que deem ao eleitor uma opção que não seja a de votar no menos pior. Os eleitores do Rio têm se acostumado a isso. E é isso o que eu quero combater.

Quem ganhar a eleição no fim do ano pegará uma cidade arrasada, pela crise econômica e pela pandemia. O que poderia ser feito? O Rio já enfrentava um quadro de dificuldades imensas, que a pandemia agravou. Já havia aumento de trabalhos informais, desemprego, falta de projeto político e econômico. A cidade está à beira do abismo.

Quem disser que pode planejar algo para 2021 cometerá uma leviandade com o eleitor.

A prefeitura tem duas receitas sólidas: o ISS, ligado à atividade econômica, que parou, e o IPTU. Haverá uma inadimplência enorme em janeiro [mês de cobrança do tributo]. Que governo terá coragem de executar a dívida e tomar o imóvel de uma pessoa que não pagou IPTU em uma situação de pandemia? Essa inadimplência terá que ser tolerada.

O momento não é para ginasiano. É para pessoas que tenham experiência empresarial, como eu tenho, no mercado financeiro, de comunicação. Eu trabalho desde os 14 anos. Tenho contatos com todo o mundo e capacidade de articular todas as pessoas de bem para se juntarem em torno de um projeto de salvação da cidade.

O PSDB do Rio vai ser uma plataforma para a candidatura presidencial de Doria em 2022. Ela é viável? O governo Bolsonaro está com os dias contados? A minha motivação ao aceitar assumir a presidência do PSDB no Rio foi a minha convicção de que o Brasil precisa eleger um próximo presidente com as qualidades do Doria.

E o governo Bolsonaro? Eu não sei fazer essa futurologia em relação ao governo Bolsonaro. Mas estamos praticamente no meio do mandato e até aqui não aconteceu absolutamente nada. Foram dois anos perdidos. Toda sorte que ele teve na campanha eleitoral, foi o contrário no governo. Um governante pegar uma pandemia no meio de um mandato, que vai retrair a economia em 6%, 8%, é inimaginável.

O capitão não tem capacidade pessoal de gerir um país em condições normais. E muito menos no meio de uma loucura como essa que nós estamos vivendo. Então, são duas as alternativas: ou vamos viver crise atrás de crise ou alguma coisa vai acontecer contra ele, [consequência] de algum crime de responsabilidade que possa praticar ao longo desta crise. E o resto vai ser essa loucura.

E na campanha já não dava para perceber isso? A primeira coisa que percebi é que não se tratava de um mito. Outras pessoas do núcleo duro achavam isso. O Gustavo [Bebianno] mesmo tinha pelo capitão uma admiração. Achava que ele era um estadista, um líder, o homem que iria colocar o Brasil em outro patamar.

Eu olhava o capitão, com aquele jeito tosco dele, e algumas coisas me chamavam a atenção. Por exemplo: ele era incapaz de agradecer às pessoas. Chegava uma empregada minha, servia a ele um café, um assistente entregava um papel, e ele nunca dizia um obrigado. Eu nunca ouvi, durante o ano e meio em que convivi, ele expressar a palavra obrigado a alguém.

Um gesto mínimo. Pode não parecer nada, mas demonstra uma faceta da personalidade dele. Será que é uma pessoa apenas de maus hábitos, que não tem educação?

As piadas eram sempre homofóbicas. Os asseclas riam, mas elas não tinham nenhuma graça. E, no final, ele realmente despreza o ser feminino. Tratava as mulheres como um ser inferior.

Não tinha uma mulher na campanha dele. Nunca houve. A única, a distância, foi a Joice [Hasselmann, deputada federal], que ficava em São Paulo. Não tinha mulher na campanha dele, só homem.

Ele gostava mesmo era de conversar com os seguranças dele. Policiais militares, batedores. Ele se sentia em casa, ficava horas conversando, contando piada.

Gustavo Bebianno era visto como uma espécie de homem-bomba que morreu guardando muitos segredos. Ele tinha de fato um dossiê sobre Bolsonaro? O Gustavo tinha um telefone celular por meio do qual interagiu durante toda a campanha [presidencial de 2018] e a transição de governo com o capitão. Eles se falavam muito por WhatsApp. O capitão adorava mandar mensagens gravadas para ele.

O Gustavo tinha esse conteúdo imenso [de mensagens], na mais alta intimidade que você pode imaginar. Eram conversas íntimas que provavelmente deviam ter revelações interessantes.

Um dia, num ato de raiva pela demissão injusta que sofreu, tratado como se tivesse sido um traidor quando foi o que mais fez pelo capitão, ele deletou grande parte desse conteúdo. E deixou esse telefone com uma pessoa nos Estados Unidos.

Depois parece que ele resgatou de novo o conteúdo. Ele ficou muito marcado pela demissão, com muito desgosto, melancolia. Ele morreu de decepção, de tristeza mesmo. Mas ele não era homem-bomba. Não tinha nada que pudesse tirar o capitão do governo por algo do passado.

Onde está o telefone? Eu não sei onde está, para te dizer a verdade. Está com alguém. Eu não sei com quem.

O senhor já disse que ele tinha preocupação com os rumos do governo Bolsonaro. Imensa. Ele dizia: ‘O capitão vai se enfraquecer de tal maneira que só vai ter a saída do golpe para se manter no poder. E ele é louco para fazer o golpe’. Ele tinha certeza que isso ia acontecer.

Por que o senhor acha que há tanto interesse de Bolsonaro na Superintendência da Policia Federal do Rio de Janeiro? Eu não sei responder exatamente. Mas eu me recordo de um episódio que aconteceu antes de ele [Bolsonaro] assumir o governo que talvez ilustre um pouco melhor essa questão.

Eu vou te contar uma história que nunca revelei antes porque não tinha razão para falar disso. Eu tenho até datas anotadas e vou ser bem preciso no relato que vou fazer, porque talvez ele explique a sua pergunta.

Quando terminou o segundo turno da eleição [em 28 de outubro], o capitão Bolsonaro fez a primeira reunião de seu futuro ministério em minha casa [no Rio]. Estavam o vice-presidente Hamilton Mourão, o Onyx Lorenzoni [futuro ministro da Casa Civil], o Paulo Guedes [Economia], o Bebianno e o coronel [Miguel Angelo] Braga [Grillo], para discutir o desenho dos ministérios do futuro governo. Ela começou às 9h e terminou às 17h. Foi o último dia que vi o capitão Bolsonaro.

Nunca mais estive com ele.

No dia 12 de dezembro, uma quarta-feira, me liga o senador Flávio Bolsonaro [filho do presidente] me dizendo que queria falar comigo, por sugestão do pai.

Operação Furna da Onça [que investigava desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio] já tinha sido detonada e trazido à tona o episódio do [Fabrício] Queiroz [que tinha trabalhado no gabinete de Flávio na Assembleia e é acusado de integrar o esquema].

Flávio estava sendo bombardeado pela mídia. O Queiroz estava sumido.

Ele me disse: ‘Gostaria que você me indicasse um advogado criminalista’. E combinamos de ele vir à minha casa às 8h do dia seguinte, uma quinta-feira, 13 de dezembro.

Passei a mão no telefone e liguei para o advogado Antônio Pitombo, de São Paulo, indicado por mim para defender o capitão no processo da [deputada] Maria do Rosário no STF [Supremo Tribunal Federal].

E ele me indicou um advogado de confiança, Christiano Fragoso, aqui do Rio.

No dia seguinte, quinta-feira, 13, às 8h30, chegam na minha casa Flávio Bolsonaro e o advogado Victor Alves, que trabalha até hoje no gabinete do Flávio, é advogado de confiança dele. Estávamos eu, Christiano Fragoso, Victor e Flávio Bolsonaro. Flávio começa a nos relatar o episódio Queiroz. Ele estava absolutamente transtornado.

E esse advogado, Victor, dizendo ao advogado Christiano que tinha conversado com o Queiroz na véspera e que o Queiroz tinha dado a ele acesso às contas bancárias para ele checar as acusações que pesavam contra o Queiroz.

E o que ele disse que as contas mostravam? O Victor estava absolutamente impressionado com a loucura do Queiroz, que tinha feito uma movimentação bancária de valores absolutamente incompatíveis com tudo o que ele poderia imaginar.

Já o Flávio estava ali lamentando a quebra de confiança do Queiroz em relação a ele. Dizia que tudo aquilo tinha sido uma grande traição, que se sentia muito decepcionado e preocupado com o que esse episódio poderia causar ao governo do pai.

Ele chegou até a ficar emocionado, a lacrimejar.

E Flávio então nos conta a seguinte história: uma semana depois do primeiro turno, o ex-coronel [Miguel] Braga, atual chefe de gabinete dele no Senado, tinha recebido o telefonema de um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro, dizendo que tinha um assunto do interesse dele, Flávio, e que ele gostaria de falar com o senador.

O Braga disse: ‘Ele está muito ocupado e não costuma atender quem não conhece’.

Estou te contando a narrativa do Flávio e do advogado Victor para nós, Paulo Marinho e Christiano, do outro lado da mesa. O senador contou que disse ao coronel Braga que se encontrasse com essa pessoa [o delegado] para saber do que se tratava. Estava curioso.

E aí marcaram um encontro com esse delegado na porta da Superintendência da Polícia Federal, na praça Mauá, no Rio de Janeiro.

E quem teria ido a esse encontro? O coronel Braga, o advogado Victor e, sempre segundo o que eles me contaram, a Val [Meliga], da confiança do Flávio e irmã de dois milicianos que foram presos [na Operação Quatro Elementos].

Eles foram para a porta da Polícia Federal. O delegado tinha dito [ao coronel Braga]: ‘Você vai ver. Quando chegarem, me liga que eu vou sair de dentro do prédio da Polícia Federal’.

O delegado saiu de dentro da superintendência. Na calçada —eu estou contando o que eles me relataram—, o delegado falou: ‘Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio [o filho do presidente era deputado estadual na época]. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz [Nathalia], que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro [que ainda era deputado federal] em Brasília’.

O delegado então disse, segundo eles: ‘Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Jair Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição [presidencial]’.
Foram embora, agradeceram. Estou contando o que [Flávio Bolsonaro] me falou.

E o que aconteceu depois? Ele [Flávio] comunicou ao pai [Jair Bolsonaro] o episódio e o pai pediu que demitisse o Queiroz naquele mesmo dia e a filha do Queiroz também. E assim foi feito.

[Fabrício Queiroz foi exonerado no dia 15 de outubro de 2018 do cargo de assessor parlamentar 3 que exercia no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. A filha dele, Nathalia Melo de Queiroz, foi exonerada no mesmo dia 15 do cargo em comissão de secretário parlamentar no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro].

Vida que segue. O capitão ganha a eleição [no dia 28 de outubro]. Maravilhoso. No dia 8 de novembro é detonada a Operação Furna da Onça, com toda a pompa e circunstância. Começa o episódio Queiroz.

Flávio contou essa história no dia 13 de dezembro de 2018. Como o senhor e o advogado Christiano Fragoso reagiram? Eu falei [para Flávio]: ‘Está aqui o advogado Christiano Fragoso, recomendado pelo Pitombo, que vai te orientar. Até porque você está com a sua consciência tranquila e não tem o que temer. O que houve foi quebra de confiança do Queiroz em relação a você’.

O Christiano virou-se para o Flávio e disse: ‘Quem precisa de um advogado é o Queiroz’.

E Flávio tinha contato com o Queiroz? O Flávio disse: ‘Eu não estou mais falando com o Queiroz. Não o atendo mais até para que amanhã ninguém me acuse de que estou orientando o Queiroz nos depoimentos. Quem está falando com o Queiroz é o Victor [advogado amigo da família e que estava na reunião com Paulo Marinho]’. [Na época, a família Bolsonaro dizia não ter contato com Queiroz.]

O Christiano disse: ‘Precisamos arrumar um advogado que sirva ao Queiroz. Não posso ser esse advogado. Até porque sou de uma banca, nós somos top, o Queiroz não teria condições [de contratá-lo], né?’. E ele indicou o advogado Ralph Hage Vianna, que até então eu não conhecia, para representar o Queiroz.

Na mesma quinta-feira, o Queiroz vai ao encontro desse advogado indicado pelo Christiano. E vai acompanhado pelo Victor [o advogado do gabinete de Flávio]. E eu viajei para São Paulo.

O presidente foi informado dessa reunião? Quando ela terminou, eu liguei para o Gustavo Bebianno e relatei tudo o que ouvi. Ele estava em Brasília, no escritório da transição de governo. Eu disse que era melhor ele contar tudo o que estava acontecendo para o presidente. E assim foi feito.

E o que aconteceu depois? Eu vou para São Paulo. Como o Antônio Pitombo estava em SP, eu disse: ‘Pitombo, é importante a gente ter uma outra reunião para tratar desse assunto, entender o que está acontecendo e não deixar o negócio desandar’.

Chamei para São Paulo o Victor, advogado do Flávio, que estava tendo contato com o Queiroz, o Ralph Hage Vianna, que se reuniu com o Queiroz, e o Gustavo Bebianno.

Eu estava hospedado no hotel Emiliano e reservei uma sala de reunião. Às 14h30 do dia 14, uma sexta-feira, estavam lá o Victor, o Ralph, o Pitombo, eu e o Gustavo Bebianno.

Os advogados conversaram o tempo todo sobre como foi a conversa do advogado Ralph com o Queiroz, as estratégias, as preocupações.

Na terça-feira seguinte, 18, ocorreu a cerimônia da nossa diplomação —Flávio como senador, e eu suplente dele. Sentamos lado a lado. E ele me disse que precisava conversar.

Eu ia almoçar no restaurante Esplanada Grill, em Ipanema. Combinamos de ele passar lá. Às 13h30, ele apareceu no restaurante e disse: ‘Paulo, eu conversei com o meu pai e ele decidiu que nós vamos montar um outro esquema jurídico, que será comandado por um outro advogado”.

Eu respondi: ‘Flávio, não tem problema, eu desarticulo tudo o que estava articulado. Desejo boa sorte. Se precisar de mim, estou à disposição, como sempre estive’. Um abraço e vida que segue.

Desde então, só fui rever o Flávio no dia em que depus na CPMI das Fake News [em dezembro]. Fui ao plenário do Senado e ele estava lá. Eu o cumprimentei cordialmente, e ele a mim. Nunca mais estive com ele. E isso é tudo.