Fernando Exman

Teste para o instituto da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo

Grupo articula formas de melhorar ambiente de negócios

Fernando Exman / Valor Econômico

A criação da Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo, uma ideia promissora lançada no fim do primeiro semestre, será testada tão logo o Poder Legislativo retorne das férias de meio de ano.

Vá lá: o recesso é uma previsão legal. Está no artigo 57 da Constituição que a sessão legislativa será realizada de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1o de agosto a 22 de dezembro. Só não há paralisação em julho quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deixa de ser aprovada a tempo, o que foi evitado, às pressas, por deputados e senadores na primeira quinzena do mês.

Foi por pouco. Ficou no ar o questionamento se o Congresso deveria parar de trabalhar em meio à pandemia e aos graves efeitos da crise sobre a economia. Deputados mais ousados chegaram a usar uma expressão da moda, “direito adquirido”. Alguns ponderaram que a pausa poderia arrefecer a crise, cenário que não se transformará em realidade.

Outros permanecem trabalhando, mesmo longe de Brasília. É o caso do deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP), presidente da frente, cujo primeiro desafio é diferenciar esta das outras cerca de 350 que estão em funcionamento.

Banalizou-se o instituto da frente parlamentar, antes visto como um meio legítimo - e muitas vezes eficaz - na defesa de interesses no Legislativo e perante outros Poderes.

Até o presidente Jair Bolsonaro achou, no início do mandato, que poderia governar o país estabelecendo contato direto com elas e driblando as cúpulas partidárias. Vê-se que não deu certo: precisou formalizar o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), na Casa Civil.

A proliferação de frentes parlamentares acabou gerando dúvidas em relação à real efetividade desse instrumento e até mesmo quanto à legitimidade de determinadas ações por elas advogadas.

Mas a Frente Parlamentar Mista Pelo Brasil Competitivo tem algumas especificidades. Deputado de primeiro mandato, Alexis Fonteyne conta que a ideia de criá-la surgiu no fim do ano passado, quando muitas entidades setoriais o procuraram por ser um representante da classe produtiva, principalmente industrial. Elas queixavam-se que o governo não estava renovando medidas de antidumping ou outros benefícios voltados a segmentos específicos.

É o tipo de pressão que se vê com frequência no Legislativo. E raramente o que está em discussão é o bem do consumidor ou o interesse nacional.

Essas entidades haviam se esquecido da orientação ideológica do deputado. “Ninguém falando em melhorar o ambiente interno de competitividade. Todo mundo reclamando de novo que as proteções estavam caindo, e aí entrava num conflito de interesses comigo. Falei que não vou por esse caminho, não vou defender proteção”, lembra, acrescentando que, por outro lado, nenhuma associação se comprometia para valer a apoiar as reformas trabalhista ou tributária, por exemplo.

Olhando para fora do Congresso, percebeu que no Ministério da Economia duas instâncias convergiam com o que o grupo de parlamentares poderia ajudar a construir: a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade e a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho. Na sociedade civil, o Movimento Brasil Competitivo (MBC), presidido por Jorge Gerdau, já seguia a mesma trilha. “Mas não tinha o braço legislativo”, diz. “E ele é fundamental para este movimento, pois somos nós que vamos aprovar lei, propor leis, cobrar do Executivo.”

A frente parlamentar teve o diferencial de contar já em seu nascituro com o apoio técnico do MBC e da Confederação Nacional da Indústria (CNI), argumenta. A bancada do agronegócio, uma das mais fortes no Congresso e caso de sucesso neste ramo de atuação, tem apoio semelhante do setor que representa. A propósito: o MBC possui um mapa dos principais custos que pesam sobre as costas dos empresários e deve lançar um índice periódico para medir sua evolução.

Decidiu-se, também, que o grupo trataria de temas estruturantes e horizontais. A ideia é evitar que o interesse específico de um setor esbarre nas sensibilidades de outros segmentos da economia. “Esta frente fala de competitividade, custo Brasil. Não há setor que vai ser contra. É uma frente parlamentar que vai ter uma visão zero corporativa de proteção ao mercado. Vamos ter a missão mais árdua, de fazer a tarefa de casa. Temos que mexer naquilo que atrapalha a nossa competitividade global.”

A escalação do time teve método. O primeiro vice-presidente é o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Alexis Fonteyne explica que o colega, outro que estreou no Congresso após carreira no meio empresarial, é um exemplo de sucesso da abertura de mercado no setor de informática. “A Positivo foi fruto dessa abertura de mercado.” O segundo vice-presidente é o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), ex-ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - o Mdic sempre foi um ponto de interlocução entre o empresariado e o governo federal, mas foi colocado sob o guarda-chuva da Economia na atual administração.

Há ainda coordenações setoriais. Cada uma delas é encabeçada por um deputado que se dedica a esses temas no dia a dia. Ou seja, são bandeiras que esses parlamentares já defendem e deverão manter nas próximas campanhas e mandatos. “Tudo isso é emprego. Brasil competitivo é emprego, que é a preocupação número 2 do brasileiro, depois da covid.”

O grupo definirá sua agenda legislativa em agosto, a qual conterá, por exemplo, a reforma tributária (consumo e renda), os marcos legais dos setores elétrico e ferroviário, as debêntures de infraestrutura e as novas regras para o licenciamento ambiental. São pautas que enfrentarão longo debate.

Na relação com o Executivo, a minirreforma ministerial gera incertezas. Há discussões em andamento com as áreas técnicas do Ministério da Economia que seguirão para a nova pasta do Trabalho a respeito das normas regulamentadoras sobre segurança do trabalhador (NRs). Reduzir a complexidade do eSocial é outra preocupação. Ainda resta tempo antes do início das campanhas eleitorais.


Fernando Exman: Primeiro tinha a farda e depois veio o fardo

Sempre instigante observar quando aqueles que chegam ao poder maldizendo o “sistema” – e depois dele tentam se servir com o objetivo de permanecerem no topo da cadeia alimentar – são colocados frente a frente com as estruturas tradicionais da política. O desfecho costuma ser o mesmo: a liturgia lhes é imposta, por bem ou por mal, e as instituições se sobressaem. A CPI da Covid já apresenta cenas desse filme, ao qual o eleitor assiste desde 2018.

Apenas parte do roteiro é conhecido, como os trechos em que o presidente Jair Bolsonaro ganha a eleição com um discurso lastreado no sentimento de aversão à política de grande parte da população e depois precisa reestruturar seu posicionamento. Abandonou uma bandeira, mas manteve o barco governista flutuando.

Parlamentares e governadores também enfrentaram a dura realidade vivida fora das redes sociais. Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, durou pouco tempo no cargo. Foi expelido temporariamente da vida pública pelas instituições que tanto desdenhou. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés foi mais habilidoso e sobreviveu ao impeachment.

Entre os parlamentares, o caso mais atual é o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por protagonizar ataques à Corte. Preso em flagrante, ele agora responde a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética e precisará contar com o corporativismo de uma Casa que não quer ver outros de seus integrantes irem para a cadeia.

A “avant-première” na CPI foi o depoimento de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República.

Seu cartão de visitas de empresário que deixou a iniciativa privada para promover o bem não colou. Wajngarten achou que poderia dobrar parlamentares experientes, alvos prioritários dos ataques bolsonaristas à chamada política tradicional, e acabou tendo seu comportamento considerado inadequado. Por pouco não recebeu voz de prisão e visitou as dependências da Polícia Legislativa. Sua atuação nas negociações para a aquisição da vacina será investigada.

Já o ex-chanceler Ernesto Araújo levou uma descompostura. Faltou diplomacia em sua fala inicial à CPI, quando afirmou que em governos passados “praticamente todos os atores econômicos dependiam de conexões políticas” e recursos da nação eram alocados seguindo uma lógica político-partidária “que gerou estagnação, atraso e imensas oportunidades para a corrupção”.

Entrou em cena Otto Alencar (PSD-BA), que recordou recente declaração do ex-ministro segundo a qual, se não fosse “combatida a essência do sistema”, reformas e privatizações seriam “gato pardo” – referência à obra do escritor italiano Tomasi di Lampedusa.

“Tem uma frase famosa no romance que diz que é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”, explicou Araújo. Mas a legenda veio logo com o senador baiano, que relembrou o mantra de governistas de que a articulação política era uma prática inadequada e só a pressão popular pode mudar o Brasil.

Araújo não deve ser o último da fila. O assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, será testado. Sua última presença no Senado foi marcada por acusações de que teria feito gestos racistas ou ofensivos aos parlamentares, o que ele nega. Há requerimentos para convocá-lo.

É distinta, contudo, a situação de Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde é general da ativa. Três estrelas.

O que o diferencia dos ex-colegas de governo é que em sua história sempre fez parte do atual ordenamento institucional. Não é à toa que nos últimos dias circularam diversas versões especulando se ele adentrará à sala da comissão fardado ou vestido como o civil que, a despeito da contestação de seus pares, aceitou uma delicada missão do presidente.

Ex-companheiros de governo já estão tentando responsabilizá-lo pela catastrófica gestão da crise sanitária, mas o general não será abandonado pelos colegas de caserna. Entre os militares, a expectativa é que Pazuello seja tratado com respeito. Isso consta, inclusive, do despacho em que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, concedeu-lhe o habeas corpus.

Mais do que sua experiência em logística, argumenta-se entre oficiais, Pazuello foi nomeado por ter a confiança do núcleo mais próximo a Bolsonaro – inclusive por ser paraquedista, grupo com forte espírito de corpo.

Ao aceitar o convite para assumir a Saúde, estaria, portanto, embarcando numa missão pessoal incapaz de lhe garantir frutos na carreira. Até porque, por ser da Intendência, não poderia receber a quarta estrela. Esta patente é inalcançável para médicos, engenheiros militares e oficiais do Serviço de Intendência.

Comentou-se que a esperança do general era ser recompensado com uma mudança das regras que disciplinam as promoções. No entanto, mesmo que Bolsonaro rompesse a tradição, nada garantiria que Pazuello estivesse entre os escolhidos. As promoções são definidas por voto nas reuniões do Alto Comando.

Isso não quer dizer que o Exército o auxiliará em sua defesa. A Força não o indicou para o cargo, não se envolveu nas discussões internas do Ministério da Saúde nem teve acesso a documentos e contratos assinados. Cabe a Pazuello responder por isso com auxílio da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, um eventual abuso por parte dos senadores será pessimamente recebido nos quartéis. Não há intenção de deixá-lo ferido pelo caminho.

Pazuello pode reduzir o desconforto de seus companheiros de armas evitando se comportar como se num quartel estivesse. Os senadores tampouco estão dispostos a encarar um depoente desaforado. Neste caso, será instigante ver a interação entre general e integrantes da CPI, sobretudo quando ele for perguntado sobre a que se referia quando disse, em sua despedida, que não atendeu a demandas de lideranças políticas e havia pedidos de “pixulé” no fim do ano passado.

Fonte:

Valor Econômico

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Fernando Exman: Centro entra na briga pelo “agro-eleitor”

Fevereiro de 2015. Cerca de nove meses antes do início do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, estavam mais do que dados os sinais da polarização em gestação e que há anos trava o jogo político. Aquele evento no Rio de Janeiro, agendado para ser um ato em defesa da administração petista e a gestão do partido à frente da Petrobras, seria lembrado até hoje por produtores rurais que justificam a decisão de aderir ao projeto político do presidente Jair Bolsonaro e já entraram no radar das siglas de centro.

Havia tensão no ar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegara ao local depois que militantes petistas e oposicionistas já haviam trocado sopapos. A polícia precisou ser acionada.

“Em vez de ficarmos chorando, vamos defender o que é nosso. Defender a Petrobras é defender a democracia e defender a democracia é defender a continuidade do desenvolvimento social neste país”, discursou Lula, convocando os aliados a saírem pelas ruas. Aplausos na plateia.

Entre os presentes, pouco importava a proposital confusão entre a defesa de uma empresa estatal que sofrera um verdadeiro saque e o desagravo a um governo em derrocada. Sabia-se que Dilma não chegaria ao último dia de mandato. Mas, para Lula e seus aliados, era necessário, antes de tudo, manter a militância vigilante.

Ao concluir sua fala, o petista deu a senha para aqueles que precisavam de um motivo para radicalizar do outro lado: “Quero paz e democracia. Mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também. Sobretudo quando o João Pedro Stédile colocar o exército dele do nosso lado”.

Era uma óbvia referência ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à sua capacidade de mobilização no campo ou na cidade. O MST sempre esteve onde o PT ou outros movimentos sociais precisaram de uma forcinha para aumentar o número de participantes em manifestações.

Àquela altura, não estava claro até onde iria chegar o esgarçamento das relações partidárias, quem emergiria para vencer o pleito de 2018 e de que lado se posicionariam os atores políticos dali em diante. Ficou patente, contudo, que o agronegócio teria que procurar alternativas, embora Lula tenha colocado em seu próprio ministério Roberto Rodrigues, uma unanimidade no setor.

Decidiu-se, então, adubar a campanha do deputado Jair Bolsonaro. Os dois grupos passaram a caminhar lado a lado. Só deixarão de marchar juntos novamente em 2022, se uma força de centro conseguir atrair o setor agropecuário para fortalecer uma terceira via.

Depois de eleito, o presidente até achou que poderia governar se aproveitando dessa proximidade. Sua ideia era driblar os partidos e falar diretamente com as bancadas temáticas do Parlamento, entre as quais se destaca justamente a frente parlamentar do agronegócio. Não conseguiu, para a satisfação do Centrão, mas mesmo assim nunca deixou de patrocinar as pautas de interesse do segmento.

Neste mês, por exemplo, duas propostas defendidas pela bancada ruralista passaram a tramitar de forma mais rápida. A Câmara dos Deputados deve aprovar em breve um novo marco regulatório para o licenciamento ambiental. Outro projeto em discussão versa sobre regularização fundiária, bandeira comum entre produtores rurais e autoridades do governo que citam essa medida como panaceia para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia.

Além dos programas conduzidos pelo Ministério da Agricultura, com o Ministério da Infraestrutura Bolsonaro tem buscado dar um empurrão em diversas obras voltadas ao escoamento da produção. Ao Ministério do Desenvolvimento Regional, cabe acelerar a entrega dos empreendimentos relacionados à irrigação.

A Caixa Econômica Federal deve passar a atuar com mais intensidade no setor, onde o Banco do Brasil já é uma referência. Uma das apostas do governo é assegurar oferta de crédito para a construção de silos. Essa medida daria um conveniente apoio ao produtor de menor porte.

Também se tenta destravar os debates internos sobre o próximo Plano Safra, o qual tende a ter seu desenho concluído ainda neste mês. Restrições orçamentárias devem limitar o seu alcance.

A política de flexibilização do acesso a armas e munições também atende ao homem do campo, mas nada se compara ao que se observa em relação à atual debilidade do MST. A escassez de notícias de novas invasões realizadas pelo movimento se tornou um grande trunfo de Bolsonaro. O presidente já incorporou esse fato ao seu discurso. Isso inevitavelmente estará presente na campanha à reeleição.

A redução desse tipo de ocorrência e a alta do preço das commodities estreitam a cada dia a relação dos produtores rurais com o atual ocupante do Palácio do Planalto. Essa conjunção de fatores parece fazê-los esquecer que em praticamente toda semana algum representante do governo federal, se não o próprio presidente da República, protagoniza algum desaforo em direção à China, principal cliente do setor.

Um ato nacional está sendo preparado para o dia 15 e basta percorrer de carro o país para se ter outras evidências dessa parceria. São muitas as placas publicitárias instaladas às margens das estradas por associações rurais locais. Todas em apoio ao presidente.

Se o Ministério Público não tomar alguma atitude para retirar esses anúncios em razão da proximidade do período eleitoral, dificilmente alguma legenda formalizará pedido na Justiça para que a prática seja considerada campanha antecipada. Restaria aos partidos uma saída que buscasse criar conexões diretas com essa parcela da população, como a escolha de um vice originário do agronegócio para a composição de uma chapa alternativa às que serão encabeçadas por Lula e Bolsonaro. É isso o que lideranças políticas de Brasília pensam quando falam de um vice ideal para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se o mineiro decidir mesmo deixar o DEM e filiar-se ao PSD para concorrer a Presidência da República

Fonte:

Valor Econômico

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Fernando Exman: A CPI entre o eleitor na ponta e o poder central

Disse certa vez um experiente parlamentar a seu herdeiro político: “Brasília é um perigo porque é uma bolha. É um equívoco as pessoas acharem que Brasília é real. Em Brasília, nós estamos sempre de passagem. A pessoa não pode achar que é senador e Brasília é eterna. Ela tem que passar aqui três ou quatro dias e voltar para o mundo real toda semana, porque é de lá que a vida real a alimenta. A bolha acaba te retratando uma realidade que difere do que acontece na ponta”.

Esse ensinamento de pai para filho ocorreu num passado longínquo – bem antes de o novo coronavírus surgir, espalhar-se pelo mundo, provocar uma tragédia humanitária e o Senado instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar responsabilidades pela péssima condução do enfrentamento da pandemia no Brasil. E vale ponderar que a capital federal mudou desde então: o aumento da pobreza é perceptível para aqueles que se propõem a observar o que vem ocorrendo nas ruas, mesmo que através dos vidros fumês dos carros oficiais. O Distrito Federal também enfrenta desafios para vacinar seus habitantes.

Mas, o conselho permanece atual. Explica, em parte, a postura de governadores e de seus aliados no Senado Federal. Está evidente a divisão entre os senadores que foram escalados na CPI para defender o poder central, aqueles que pretendem atacar seus adversários locais e os que de alguma forma dão suporte político, a partir de Brasília, às administrações que atuam na ponta.

Muitos senadores e governadores, estes se convocados, demonstrarão mais preocupação com as mensagens que chegarão à tal “ponta”. É lá que o cidadão vive, morre, passa fome, vê seus familiares e amigos sofrerem. Foi onde faltaram leitos de UTI, oxigênio, equipamentos individuais de proteção. Na ponta, as doses de vacina ainda demoram a chegar.

Segundo o Ministério da Saúde, aliás, o impacto esperado das ações de vacinação só tem início após cerca de 30 dias da distribuição das doses. A estimativa considera o tempo da operação logística e o período necessário para o desenvolvimento da resposta imune da população.

Do ponto de vista político, o que se tem certeza é que o calendário eleitoral de 2022 aguarda a todos e será devidamente observado – com ou sem pandemia. E é por isso que, se convocados, governadores prestarão depoimentos olhando mais para seus Estados. Buscarão os ouvidos dos eleitores.

Para alguns deles, as pautas que determinarão o resultado das eleições do ano que vem são as iniciativas voltadas à atenção à saúde e as medidas de apoio econômico que cada um tiver adotado durante a crise. Muitos Estados lançaram seus próprios pacotes de socorro e auxílios emergenciais, uniram-se a fim de comprar equipamentos e, agora, tentam adquirir vacinas.

“A sociedade espera de quem foi eleito encontrar solução e não ficar buscando culpados ou adversários. Fomos eleitos para buscar soluções”, diz um governador. “O cidadão que está sofrendo em casa espera do seu líder uma mensagem de solução e de esperança. É isso que temos que garantir para a sociedade. Isso não é empurrar com a barriga. Por isso nós fomos buscar a vacina.”

Um outro governador reclama da demora na chegada de novas levas de imunizantes e alerta que a falta de informações atualizadas e detalhadas sobre a população, em razão de dificuldades orçamentárias para a realização do censo, é algo que preocupa. Pode haver dificuldades na execução de políticas públicas na área da saúde, inclusive durante o processo de vacinação.

Fica também claro o roteiro defendido pelos porta-vozes do Executivo. De acordo com eles, deve-se ter alternância entre as testemunhas. A ideia é poder gerar pelo menos alguns constrangimentos a governadores e prefeitos.

Elaborada a partir do Palácio do Planalto, essa estratégia pretende destrinchar as denúncias de eventuais desvios de recursos transferidos para Estados e municípios, possíveis fraudes em licitações, irregularidades em contratos, superfaturamentos e assinaturas de contratos com empresas fictícias. Ou seja, depurar como se deu o uso das verbas pelos entes federados.

Não se trata de pouco dinheiro. Um dos requerimentos apresentados pelos governistas aponta que até o fim do ano passado a Polícia Federal realizou mais de 60 operações. Investiga-se a compra de equipamentos individuais de proteção, como máscaras e aventais, a aquisição de respiradores artificiais e a assinatura de contratos para a construção de hospitais de campanha. Negócios que teriam movimentado cerca de R$ 2 bilhões, segundo o requerimento.

Essas operações policiais ganharam destaque no noticiário e foram incorporadas no discurso do presidente e de ministros. É um tema com apelo entre os eleitores de Bolsonaro, mas que, se aprofundado pela CPI, pode até acabar ajudando na reação dos gestores estaduais. Aliados dos governadores sempre questionaram se a Polícia Federal pode ter sido instrumentalizada para satisfazer interesses políticos do grupo que hoje ocupa o poder central.

“Há de se avaliar quais foram as iniciativas e o porquê dessas iniciativas, para que nós possamos ter a conclusão do que foi feito com transparência e principalmente levando em consideração as circunstâncias do momento”, afirma um governador, ponderando que não se deve falar em superfaturamento quando as condições de mercado estão distorcidas, com o crescimento da demanda mundial e redução da oferta de equipamentos e insumos relacionados à pandemia.

Pelo que se viu até agora em função da correlação de forças dentro do colegiado, dificilmente a CPI deve esmiuçar o que ocorreu nos Estados. O que deve ficar patente, porém, é que no mínimo Bolsonaro abdicou da missão de liderar a nação na luta contra o vírus. Governadores querem que ao menos a comissão produza um registro histórico, responsabilize quem faltou com a população e nomeie aqueles que tentaram buscar soluções.

Fonte:

Valor Econômico

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Fernando Exman: O receituário do diversionismo

Agenda positiva visa proteger imagem de um governo acossado

Acossado por uma comissão parlamentar de inquérito, em tensão permanente com os outros Poderes e em meio a dificuldades para combater tanto a pandemia quanto seus efeitos econômicos, o governo fará de tudo para lançar, dia após dia, notícias que busquem desviar a atenção dos problemas que acometem o país.

O programa de governo deu lugar a um plano de sobrevivência política. Este, por sua vez, permanece a reboque das turbulências que a própria administração Jair Bolsonaro cria.

Começaram a usar a receita do bolo mais servido na capital federal em tempos de crise: quando há algo errado, coloca-se a culpa na comunicação. Em seguida, é retirada do bolso do paletó uma lista com medidas concretas ou propostas genéricas, muitas das quais com poucas chances de prosperar sem o uso de fermento. Pouco importa. A finalidade é agradar o paladar do investidor ou melhorar a imagem do Brasil na vitrine.

Arremata-se culpando inimigos imaginários ou terceirizando responsabilidades. E isso é feito sem pudor, mesmo que riscos tenham sido identificados previamente e soluções, sugeridas.

Já foi recuperada da geladeira a reforma tributária. É tarefa inglória encontrar algum governador que vislumbre um debate sereno da proposta ou até mesmo a sua aprovação no curto prazo.

Outras ideias começam a ser colocadas em prática. Bolsonaro assinou, enfim, a medida provisória que reinstitui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Não eram poucas as críticas, entre empresários, à demora na reedição do pacote. Ao promover uma reunião extraordinária do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), colegiado responsável pela implementação de medidas de desestatização, o Executivo tenta também iluminar novamente a agenda liberal, que vem perdendo sua luz própria.

O mesmo esforço se vê na área ambiental, onde o governo Jair Bolsonaro esboça uma inflexão. Mas precisa correr contra o tempo, se de fato estiver decidido a calibrar as políticas públicas voltadas ao setor.

A cúpula organizada pelos Estados Unidos acabou por mostrar ao governo o que já era evidente para a iniciativa privada. Sem ter acesso direto ao colega americano, o presidente Jair Bolsonaro precisou registrar por escrito a nova abordagem que pretende dar ao tema. Acabou tendo uma passagem apenas protocolar pelo encontro, onde fez uma série de promessas que passarão a ser objeto de monitoramento.

No entanto, além de lidar com suas próprias idiossincrasias, o governo brasileiro vai precisar se apressar para implementar novas ações e torná-las perceptíveis ao público. Isso porque não demorará a chegar o período do ano em que ocorrem as queimadas na Amazônia e em biomas como o Cerrado ou o Pantanal. Existe ainda a preocupação com a possibilidade de haver alguma descontinuidade das ações das Forças Armadas na Amazônia.

A Operação Verde Brasil 2, voltada a combater ilícitos ambientais e focos de incêndio, expira na sexta-feira. Setores do governo defendem a edição de um decreto instituindo uma nova operação de garantia da lei e da ordem, com o intuito de assegurar que o Estado permaneça presente na região. Até ontem, esse ato insistia em ficar de fora das páginas do “Diário Oficial da União”.

O que já se sabe é que pelo menos será feita uma transição baseada no “Plano Amazônia 2021/2022”, documento aprovado depois de discussão no Conselho Nacional da Amazônia Legal.

Quem comanda o colegiado é o vice-presidente Hamilton Mourão, que deu maior peso institucional às discussões e reforçou, por exemplo, a percepção sobre a necessidade de se proporcionar maior protagonismo à Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Essa é uma ideia defendida há tempos tanto por diplomatas como por militares, a despeito das diferenças políticas existentes entre os governantes dos oito países que integram a instituição - Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela.

Na visão deles, depois da implosão da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e do Conselho de Defesa Sul-Americano, a OTCA poderia servir de plataforma institucional para coordenar as políticas regionais, inclusive quanto a iniciativas de segurança, controle fronteiriço e combate a ilícitos transnacionais.

Curiosamente, a organização é sediada em Brasília, mas o país vinha desdenhando de sua potencialidade. Se aproveitada na plenitude, a OTCA pode recolocar o Brasil no debate ambiental, fortalecendo sua posição na região e dando eco ao discurso nacional nos organismos multilaterais.

A instituição vem mantendo contato direto com a União Europeia, instituições financeiras e agências das Nações Unidas. Pretende ainda atuar como entidade observadora na Assembleia-Geral da ONU. Ou seja, a ideia é promover o posicionamento conjunto dos países amazônicos nos ambientes multilaterais, inclusive defendendo bandeiras caras ao Brasil, como o aumento das contribuições financeiras de países desenvolvidos.

Enquanto isso, ela já tem agido, no limite de suas capacidades, na promoção do desenvolvimento sustentável. Desenvolve projetos voltados à água, ao saneamento básico, à proteção das florestas e ao combate a incêndios, mas precisa de um impulso político ainda maior para ampliar seus horizonte de atuação.

Isso consta do mapa estratégico produzido sob a coordenação de Mourão, que acabou sem os instrumentos executivos necessários para assegurar a implementação dessas e de outras diretrizes definidas no âmbito do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Seu papel nunca agradou alguns ministros, mas agora isso pode até ser útil para Bolsonaro. Não será surpresa se o vice for injustamente responsabilizado pelos problemas que possam surgir, até porque o destino eleitoral de Mourão já está excluído dos planos do presidente.


Fernando Exman: Bolsonaro tenta refundar o governo

Executivo tem responsabilidade no aumento da miséria

O Supremo Tribunal Federal (STF) eclipsou os planos do presidente Jair Bolsonaro de refundar o governo a partir da recente reforma ministerial.

Acreditava-se, dentro do Executivo, que depois de mudanças na cúpula da Saúde essa nova configuração no primeiro escalão pudesse dar tempo suficiente ao governo para promover um rearranjo na base e construir os alicerces de uma aliança voltada à reeleição. Melhorariam também as relações com militares e com a comunidade internacional, ao passo que se tentaria dar novo impulso à coordenação entre as pastas com a troca na Casa Civil.

Problemas mais urgentes seriam também atacados. Uma preocupação dentro do governo é, por exemplo, com uma possível escalada da violência decorrente do crescimento da miséria, embora o próprio combate à fome tenha sido negligenciado.

Surgiram, então, as duas recentes decisões disparadas do STF. A primeira foi de autoria do ministro Luís Roberto Barroso, que instou o Senado a criar a CPI da pandemia. Dificilmente o governo não sairá alvejado da comissão parlamentar de inquérito, mesmo que ela amplie o seu escopo para investigar eventuais irregularidades ocorridas nos Estados e municípios que receberam recursos federais.

São amplos os instrumentos que os parlamentares terão para abespinhar Bolsonaro. Afinal, CPIs podem quebrar sigilos fiscais, telefônicos e bancários. Na história recente, muitas comissões foram instaladas e em nada resultaram. Mas tantas outras buscavam informações sobre determinados assuntos e, ao obterem dados sigilosos, tropeçaram em revelações mais preciosas.

Cabe também aos estrategistas do Planalto avaliarem o custo-benefício - além dos riscos - de se adiar a instalação da CPI da pandemia para o fim do ano. Esse é um movimento capaz de levar à sobreposição do plano de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito ao calendário eleitoral.

O segundo petardo levou a assinatura da ministra Rosa Weber. Na segunda-feira, a poucas horas de os decretos presidenciais que ampliam o acesso a armas e munições começarem a valer, ela sustou trechos da nova regulamentação tão aguardada pela ala armamentista que apoia o governo.

Os decretos dividem a base eleitoral do presidente. Enquanto atiradores, caçadores e colecionadores esperavam uma postura até mais agressiva de Bolsonaro na flexibilização da regulação do setor, evangélicos se mantém contra qualquer investida nesta seara. É um tema delicado, mas do qual o chefe do Executivo demonstra que não abrirá mão.

Nesse caso, será interessante ver como o advogado-geral da União, André Mendonça, tentará se equilibrar entre a missão de defender os pontos de vistas do chefe e ainda sim ter o apoio das igrejas para ser o indicado “terrivelmente evangélico” à próxima vaga do STF. O caminho mais fácil que ele terá para percorrer acabará sendo a fundamentação segundo a qual a maioria da população já se manifestou em 2005 contra a proibição da comercialização de armas e munições e ainda hoje mantém majoritariamente essa posição.

Mendonça já precisou advogar sobre esse tema quando comandou a AGU pela primeira vez, antes de ser nomeado ministro da Justiça. Sua recolocação na posição original foi, inclusive, um dos lances centrais da estratégia de refundação executada no fim do mês passado.

O substituto, Anderson Torres, foi alçado do posto de secretário do Distrito Federal justamente em meio ao temor no governo de que a crise sanitária, depois de se tornar uma crise socioeconômica, possa ganhar os contornos de uma crise de segurança pública.

Torres é delegado da Polícia Federal e possui experiência na área, além de bom trânsito no meio político. Em seu discurso de posse, destacou que a Justiça e a Segurança Pública são a espinha dorsal da paz e da tranquilidade da nação, principalmente em meio a uma crise sanitária mundial com impactos na economia e na qualidade de vida dos cidadãos. Ele sublinhou que se deve garantir o “ir e vir sereno e pacífico”, para então emendar: “A Segurança Pública foi uma das principais bandeiras da sua eleição e ela voltará a tremular alta e imponente”. Foi um discurso direcionado ao setor, mas também para os agentes políticos.

Já a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) pode ter o condão de manter Bolsonaro próximo do próprio PL e do PP, de onde o presidente pode tirar seu candidato a vice e garantir mais tempo de televisão para a campanha.

Bolsonaro gosta de dizer que foi eleito sem dinheiro e tempo de propaganda em 2018. Mesmo assim, até seus aliados concordam com a tese de que sua eleição resultou de uma conjunção de fatores de difícil reedição. O campo adversário busca se fortalecer nas redes sociais. E o presidente pode precisar se expor em debates e ter mais tempo de TV para defender as realizações de seu governo.

Até agora, porém, a reforma ministerial ainda não conseguiu acabar com a desarticulação crônica da administração federal, origem de grande parte dos desgastes sofridos pelo Executivo. O impasse relacionado ao Orçamento deste ano, por exemplo, é uma dessas turbulências gestadas dentro do próprio Executivo.

A preocupação de Bolsonaro com a possibilidade de o aumento da miséria provocar distúrbios sociais também se remete, em parte, a essas divergências internas.

É preciso pontuar que o governo demorou muito para editar uma medida provisória e estabelecer o novo benefício emergencial. Milhões de brasileiros receberão um auxílio emergencial menor e muito mais tarde do que suas famílias podem suportar. Os saques em dinheiro só terão início em maio. Quem nasceu em dezembro só poderá colocar as mãos no dinheiro em junho, e as últimas parcelas estão previstas para setembro. Isso não tem nada a ver com o que o STF decidiu sobre a autonomia dos entes subnacionais para combater a pandemia nem com as medidas de isolamento adotadas por governadores ou prefeitos. Os demais Poderes não podem ser culpados pela morosidade e desarticulação do Executivo.


Fernando Exman: Fachin catalisa a eleição presidencial

Decisão do ministro coloca Lula no jogo e antecipa campanha

Edson Fachin, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que recolocou Luiz Inácio Lula da Silva na lista de presidenciáveis com uma canetada, agiu olhando para o legado da Lava-Jato, mas as consequências de seu ato já se percebem no presente. Em relação ao futuro, será necessário aguardar para ver o quão determinante terá sido para o resultado das eleições a sua decisão de cancelar as condenações do ex-presidente.

Fachin provocou uma catálise no processo de rearranjo político-partidário previsto para o início do segundo semestre. A campanha presidencial de 2022, que já vinha sendo caracterizada como uma das mais precoces da história contemporânea, tende a antecipar-se ainda mais.

O episódio dá dinamismo à pré-campanha. Mesmo sem um pré-candidato em campo, o PT já formulava um programa antagônico à agenda liberal da equipe econômica e ensaiava palavra de ordem capaz de contrapor o slogan do governo Jair Bolsonaro: “A vacina acima de tudo.” Lula deixará a função de titereiro para dominar o palco.

Bolsonaro, o maior interessado em reeditar o clima da disputa de 2018, ainda observa os eventuais desdobramentos da decisão do magistrado. Precisará equilibrar-se na tênue linha que divide o que seus apoiadores esperam ouvir e o que pode dizer o chefe do Executivo sem criar atritos com outro Poder.

O episódio também coloca sob pressão aqueles que esperam personificar uma terceira via. Entre eles, Ciro Gomes (PDT), que tem se mantido aquecido neste período de pré-campanha.

Meses atrás, esse espaço até poderia ser disputado pelo ex-ministro Sergio Moro, mas o ex-juiz da Lava-Jato é justamente o principal derrotado, do ponto de vista eleitoral, da decisão de Fachin. Sobra, portanto, cada vez menos tempo para que o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), ou o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM) se posicionem no jogo. Os tucanos, para não ficarem a reboque, marcaram prévias para outubro.

Sob a condição de não ter seu nome revelado, um especialista que sabe das coisas assegurou: a decisão de Fachin não muda o pano de fundo que vinha sendo construído e a eleição de 2022 será um embate de “imaginários negativos”, ou seja, o antibolsonaro contra o antipetismo. Nesse contexto, ponderou o experiente consultor, Bolsonaro sai perdendo, pois quem vem agora para o embate é um Lula que o atual presidente da República não gostaria de enfrentar.

“Lula está renovado e cheio de gás”, explicou. “É outro Lula perante o Bolsonaro, mas não é outro Lula perante o Brasil”, acrescentou, referindo-se à grande popularidade do petista e à aprovação de suas administrações por parcela considerável da população.

Deve-se lembrar, também, que ele poderá dizer aos quatro cantos que, mesmo perseguido, não é mais um condenado. Seus adversários rebaterão afirmando que erros procedimentais do processo ou a conduta das partes não anulam o fato de que os governos do PT abrigaram diversos esquemas de corrupção. Com razão. O problema de Bolsonaro, porém, é que sua campanha terá dificuldades de sustentar o discurso anticorrupção de 2018.

“A mansão adquirida pelo seu filho é uma casa de horror, um bolo de chocolate para quem faz campanha política”, comentou essa fonte. “A questão ética não vai ser decisiva como foi na última eleição. Misturou tudo.”

Então, quem pode se beneficiar nessa conjuntura? Aquele que conseguir extrair o pior dos dois oponentes e surfar na onda antibolsonaro e antipetista. O momento do país também exige que os candidatos apresentem soluções para a crise. “Quem oferecer uma saída pode se deslocar. Isso quer dizer uma campanha positiva, um plano de governo e propostas para o país”, destacou. “É uma eleição de forças negativas, como foi a de 2018. Normalmente, quando isso acontece o natural é que se demonize a política. Agora, no entanto, é o contrário.”

Segundo essa visão, o momento exige uma liderança capaz de aglutinar forças, combater a pandemia e os efeitos da crise. Um cenário que pode ser desafiador para alguém de fora da política tradicional.

Precipitada a entrada de Lula na disputa, um dos principais desafios de Bolsonaro será acelerar a consolidação de sua imagem no Nordeste. Um fator que poderá dificultar essa entrada é a relação conflituosa que vem mantendo com governadores. Por outro lado, o presidente tenta capturar bandeiras da oposição, com a reformulação do Bolsa Família, inaugurações de obras da transposição do rio São Francisco ou a ampliação do acesso à água.

Na opinião desse especialista, sem novas ideias, dinheiro e boa gestão, resta ao presidente aproximar-se das marcas de outros governos. “Ele provoca danos cognitivos fortes não só no seu eleitorado, mas no público médio” com o vai e vem de seu discurso e essa confusão narrativa, apontou a fonte. “Ele faz uma subversão da linguagem e dos significados”, completou, citando como exemplo o fato de se cogitar a entrada do presidente no Partido da Mulher Brasileira (PMB). Em 2018, ele foi alvo de ampla campanha negativa do público feminino, que levantou a "hashtag" #elenão. Sua filiação à sigla poderia lhe garantir uma espécie de vacina contra estratégia semelhante.

Outra notícia negativa para Bolsonaro é a capacidade de mobilização de Lula, num momento em que o presidente corre o risco de ver crescer os panelaços ou até mesmo movimentos de rua.

Ele pode insistir no discurso de que existe o risco de o Brasil virar uma Argentina ou uma Venezuela, se a esquerda voltar ao poder. No entanto, o exemplo de outro vizinho deveria gerar maiores preocupações, neste momento, no Palácio do Planalto: o presidente do Paraguai, aliado de Bolsonaro, tenta conter protestos e escapar de um processo de impeachment por suposta negligência no combate à covid-19. “O que existe não é um sentimento de letargia. É um acúmulo depressivo que vai ser vomitado uma hora”, concluiu o especialista. O acirramento do ambiente não ajudará o país a solucionar os seus problemas.


Fernando Exman: Agenda da retomada deixada para depois

Relação federativa enfrenta novas dificuldades

Na primeira quinzena de 2021, talvez ainda comovidos com as festividades de fim de ano e o novo ciclo que se iniciava, alguns governadores demonstravam relativo otimismo em relação ao primeiro semestre.

O programa nacional de imunização contra a covid-19 acabava de ser apresentado pelo Ministério da Saúde, após pressão do Judiciário e intensos embates entre o Executivo, governadores e prefeitos. Havia a esperança de que seria realizada, a curto prazo, uma reunião com o presidente Jair Bolsonaro e seus auxiliares para a discussão não só de como rapidamente imunizar a população, mas do reaquecimento da economia.

Embora hoje essa ideia pareça tão distante quanto a imunização total da população brasileira, à época a expectativa era até justificável. Ainda se acreditava na possibilidade de confirmação da tal recuperação em formato de “V”, tão prometida pelas autoridades federais e que depois foi sendo substituído no discurso oficial para algo como “o símbolo da Nike”. Ou seja, uma retomada menos vigorosa, após o fundo do poço ter sido atingido. Ainda se aguarda a concretização desse rebote.

A rápida recriação do auxílio emergencial era vista, pelos governadores, como um pressuposto para que melhores perspectivas surgissem no horizonte. Isso sem contar o fato de que a economia local e a arrecadação de Estados e municípios também dependeriam da manutenção do poder de compra da população. Os governadores estavam confiantes que não haveria muitas dificuldades para o repasse de novas parcelas de R$ 300 para as contas das famílias mais miseráveis do país.

Na sequência, seria natural que governo federal, governadores e prefeitos debatessem em conjunto formas de melhor direcionar o investimento público. Não só as verbas discricionárias dos ministérios, mas também os recursos sob os cuidados dos Estados e municípios, de modo a otimizar esforços, gerar empregos e rapidamente melhorar a imagem do Brasil entre os investidores estrangeiros. Constaria da pauta, ainda, formas de destravar concessões e parcerias-público-privadas (PPPs) - iniciativas que não representariam riscos ao teto de gastos e, ao mesmo tempo, colocariam novamente as engrenagens da economia para se mover nas mais diversas regiões do país.

Era o plano. E o gatilho que gerava esse sentimento entre os governadores era justamente a apresentação do aguardado programa nacional de imunização. Não é de surpreender, portanto, que esse planejamento inicial não se confirmou.

O conflito entre o presidente da República e os governadores voltou à pauta extrapolando os limites antes delineados por Bolsonaro. Seus ataques não se direcionam mais apenas aos governadores que poderiam lhe representar algum risco direto nas eleições de 2022, como João Doria ou Wilson Witzel. Passaram a ser horizontalizados. Colocaram todos os governadores, de partidos aliados inclusive, na linha de tiro.

Primeiro o presidente enviou ao Legislativo um projeto de lei complementar propondo mudanças no cálculo do ICMS sobre combustíveis, uma das fontes de arrecadação dos Estados. O objetivo é dar mais estabilidade aos preços, facilitando principalmente a vida dos caminhoneiros, categoria alinhada a Bolsonaro.

A equipe econômica argumenta que o projeto não gera necessariamente perdas aos Estados e ao Distrito Federal, pois estes manteriam autonomia para fixar alíquotas e garantir os atuais patamares de arrecadação. Por outro lado, o simples ato de apresentar a proposição já gerou um ônus político aos governadores, que irão se ver obrigados a explicar aos eleitores por que o governo federal estaria sozinho na busca para reduzir os preços dos combustíveis. O projeto tenta ressuscitar uma ideia que já foi bombardeada duas vezes no Congresso e acabou não prosperando, mas para o presidente o que interesse mesmo é um álibi a apresentar durante a campanha à reeleição.

Mais deselegante foi a recente postagem de Bolsonaro detalhando repasses federais para cada Estado, entre elas transferências obrigatórias. A publicação incluiu valores para a saúde, a suspensão ou a renegociação de dívidas, até o auxílio emergencial cujo valor foi elevado após pressão dos congressistas. Novamente os governadores ficaram politicamente expostos, mas desta vez o interesse deles se uniu a um movimento já em andamento em Brasília.

Entre a linha de tiro e os alvos do presidente, posicionou-se o Congresso. Bolsonaro ajudou a acelerar as articulações entre os governadores e a nova cúpula do Legislativo, que vem intensificando os esforços para que deputados e senadores tenham cada vez mais poder sobre o manejo das verbas orçamentárias. O que os parlamentares querem acabar é justamente com a personificação das benesses resultantes da execução do Orçamento-Geral da União na figura do chefe do Poder Executivo. Bolsonaro pode acabar facilitando a vida dos defensores da ideia.

Essa aliança tática pode gerar ainda outros constrangimentos a Bolsonaro. Deputados e senadores insistem, por exemplo, no estabelecimento de prazos para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovar as vacinas, na liberação da compra dos imunizantes pela iniciativa privada e podem aliviar a situação dos Estados e dos municípios na PEC emergencial.

O governo precisará de apoio para que o programa nacional de imunização, o plano gerido pelo Ministério da Saúde, seja o único instrumento de imunização da sociedade. As discussões sobre “lockdown”, que Bolsonaro tenta evitar, necessariamente passarão por eles.

Prefeitos e empresários pressionam o Congresso para que isso seja flexibilizado. Laboratórios estão sendo procurados para que importem ou produzam de forma autônoma as vacinas o mais rápido possível, inclusive unidades veterinárias que poderiam rapidamente ser adaptadas. Os gestores estaduais também se preparam para os debates que a pandemia fomentará em 2022 e com certeza cobrarão a falta de resposta à agenda de retomada.


Fernando Exman: A vacina foi a ilusão do Carnaval de 2021

Governo deveria viabilizar produção local do imunizante

Quarta-feira de Cinzas, dia em que as ilusões de Carnaval se tornam menos turvas, a realidade se impõe, nada mais serve de desculpa para adiar novamente a execução do que foi planejado ou ignorado. Ilusões de Carnaval em tempos de pandemia têm lá suas particularidades.

Em Brasília, o devaneio foi do governo local. Acreditou que conseguiria inventar por meio de decreto uma nova modalidade de folia, o Carnaval sentado. Bares e restaurantes foram autorizados a funcionar, desde que não houvesse passistas nos salões ou nas ruas. Impossível controlar. Os próximos balanços do Ministério da Saúde dirão se a estratégia funcionou ou foi apenas para autoridade sanitária ver.

O governo Bolsonaro também vai criando suas histórias de Carnaval. No primeiro ano, a data ficou marcada pelas publicações escatológicas do presidente. Este deve passar a ser conhecido por aquele em que apenas o Centrão e os armamentistas tiveram motivos para jogar confete.

Depois de muito resistir e criticar quem o fez, Bolsonaro acabou cedendo o Ministério da Cidadania a partidos aliados. Outras mudanças no primeiro escalão devem ocorrer durante a Quaresma - para quem crê na Bíblia, um período de penitência e reorientação.

Bolsonaro descumpriu o compromisso feito durante a campanha de manter-se afastado das práticas tradicionais da política, mas, em contrapartida, na sexta-feira editou uma nova leva de decretos para flexibilizar o acesso a armas e munições. Era uma promessa antiga, adiada há tempos. Já havia, inclusive, virado motivo de deboche entre seus apoiadores em razão da demora e de sucessivos adiamentos.

O governo esperou a nova cúpula do Congresso tomar posse e se estabelecer no comando da Câmara e do Senado. Agora é menor o risco de aprovação de um decreto legislativo que suste esses atos normativos do Executivo, tanto que a oposição já decidiu judicializar. Mesmo assim, será interessante ver como o governo vai se equilibrar entre dois de seus pilares de sustentação: a bancada da segurança pública e a bancada evangélica.

Contudo, provavelmente a vacina seja a maior ilusão do brasileiro nesta Quarta-Feira de Cinzas. Estados e municípios registram problemas no fluxo de imunização da população. Crescem as reclamações dos entes federativos quanto aos critérios de divisão das doses e à demora no envio das próximas levas. Governadores que fazem oposição ao governo indagam se haveria algum tipo de desprestígio proposital em relação às suas administrações.

Tem sido lenta, também, a mobilização do setor público no sentido de construir as condições necessárias para o desenvolvimento e a produção em massa de vacinas nacionais.

O registro de novas cepas do coronavírus comprova a necessidade de o Brasil ter como garantir, a longo prazo, uma autonomia nesta frente de batalha contra a covid-19. Isso envolve a estruturação de uma cadeia que assegure o desenvolvimento e a capacidade de produção em massa de imunizantes, testes para a detecção de novas variantes, assim como pressuponha a autossuficiência no abastecimento de insumos farmacológicos ativos (IFAs), substâncias que só ganharam notoriedade do público em geral depois que começaram a faltar.

Não por culpa do setor privado, é ainda tímida a interação entre a indústria e o governo. A indústria farmacêutica depende da inovação, se não quiser vender apenas produtos existes e acabar caindo numa guerra de preços cujo resultado óbvio seria manter no jogo apenas quem tiver muita escala.

O Estado, por sua vez, deve adotar práticas regulatórias mais amigáveis e exercer seu poder de compra - inclusive dividindo os riscos, para que a iniciativa privada consiga avançar no sentido de dominar as tecnologias e processos fundamentais para o cumprimento desta missão. Por isso são tão bem-vindos instrumentos como o da encomenda tecnológica, corretamente utilizada nesta primeira fase do combate à covid-19.

Reginaldo Arcuri, presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, associação da indústria farmacêutica de capital nacional e de pesquisa, conta que a entidade tem mantido contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, BNDES e Ministério da Economia. A ideia é mapear o que é necessário fazer para que se tenha uma vacina brasileira.

O que é preciso para enfrentar esse desafio com sucesso? Arcuri responde: “Clareza do governo do que ele quer. Segundo, coordenação dos órgãos de governo. Não pode começar o processo e lá na frente a Receita Federal ou a Advocacia-Geral da União (AGU) dizer que não pode... Em terceiro, dinheiro. Tem que ter dinheiro. Mas, não é dinheiro para jogar para o alto e ver quem pega”.

Ele cita como exemplo a análise do custo de uma etapa pré-clínica. Nesta fase, argumenta, as empresas devem dizer quanto estão dispostas a desembolsar, mas o governo também precisaria fazê-lo. “Isso é compartilhamento de risco. Está na legislação brasileira e pode ser feito. Não há problema nenhum. E a fundo perdido, não é empréstimo.”

Previsibilidade e segurança jurídica entram na equação. “Tudo leva tempo”, acrescenta o presidente executivo do Grupo FarmaBrasil, segundo quem a indústria nacional demoraria entre um e dois anos para produzir um imunizante local, se todas as condições ideais forem construídas. “Correr risco com dinheiro público não é dar dinheiro para bandido.”

Informações oficiais do governo apontam que algumas vacinas nacionais já estariam em fase de desenvolvimento, inclusive com testes em animais e com a possibilidade de começarem logo a testagem em seres humanos. A velocidade que isso vai se desenrolar ainda é uma incógnita.

Talvez o Carnaval do ano que vem seja marcado por marchinhas e sambas-enredo críticos à atuação do governo. Os foliões não costumam perdoar. Nem mesmo o médico sanitarista Oswaldo Cruz escapou das ironias na época da Revolta da Vacina, mesmo estando do lado certo da história.


Fernando Exman: Maia diante da sina dos antecessores

Desafio será agrupar polo de oposição ao governo Bolsonaro

Rodrigo Maia agora serve o seu próprio café, comprova a fotografia que ilustrou a entrevista do agora ex-presidente da Câmara dos Deputados ao Valor. Não que ele possa ter deixado de fazê-lo quando sozinho, em sua intimidade, na companhia da família ou de amigos mais próximos. Mas, é possível apostar sem chances de errar que poucas vezes precisou servir-se em público desde 2016, quando assumiu um dos cargos mais importantes do país. O poder traz mordomias e estas se vão das vidas daqueles que as usufruem assim que seus mandatos expiram.

Outro fator que entra nessa conta é a perspectiva de poder ou a falta dela. Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a faixa para a sucessora, a brincadeira que se fazia em Brasília era que o petista teria que reaprender a abrir e fechar portas. Até por isso foi de certa maneira impactante ver Maia abaixo do batente, após a porta entreabrir-se e a maçaneta girar, para receber os repórteres que foram ouvi-lo falar sobre a derrota que sofrera dias antes na disputa pela mesa diretora do Legislativo, reclamar da conduta de aliados históricos e tratar do seu futuro político.

O deputado fluminense não pode contar mais com o apoio do estafe da residência oficial, a ampla casa às margens do Lago Paranoá que hospeda o presidente da Câmara. O imóvel já tem um novo inquilino. Maia também estará de volta ao chão do plenário. Desta vez, com o intuito de se posicionar em relação aos grandes temas nacionais e desempenhar um papel central no processo de construção de um polo de oposição.

Será difícil imaginar que lhe seja confiada a relatoria de algum projeto importante, fundamental para o combate à pandemia de covid-19 ou garantir os alicerces necessários à retomada da atividade econômica. Isso porque a designação de relatores depende do presidente da Câmara, seu sucessor, com quem indica querer manter uma relação cordial. Não significa que poderá dele esperar algum regalo.

Voltando ao café: a luta de qualquer ex-mandatário é tentar mantê-lo quente, e Maia enfrentava essa batalha diária desde o segundo semestre do ano passado. Uma obstrução impediu por diversas semanas o avanço dos trabalhos da Câmara, por exemplo.

Na reta final do processo sucessório, seus adversários faziam troça do seu ocaso e buscavam de todas as formas evidenciar a redução do seu poder de influência entre os colegas de mesa diretora. Discordavam do sistema de votação, do horário da eleição, discordavam por discordar ou em função de alguma estratégia. A regra era divergir e vencê-lo, numa prévia do que seria o resultado da eleição. E venceram.

Depois do triunfo, lançaram dúvidas sobre a manutenção dos relatores por ele indicados. Observa-se, aqui, uma diferença em relação ao que se passa com Davi Alcolumbre (DEM-AP). O ex-presidente do Senado trabalhou para manter-se em alta, primeiro eventualmente como ministro, mas agora na presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se de fato eleito, além de participar da discussão de todos os projetos importantes que tramitam no Senado, ele pode desempenhar papel fundamental para evitar novas investidas contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Continuaria, assim, sendo um interlocutor dos outros Poderes dentro do Congresso.

No Planalto, aguardavam com ansiedade a conclusão da gestão de Maia. As resistências ao sobrenome no entorno do presidente são anteriores às discussões entre Rodrigo e o presidente Jair Bolsonaro, um antagonismo que perdurou durante parte considerável dos dois últimos ano. Remontam ao pai do ex-presidente da Câmara, o vereador Cesar Maia, que foi membro do Partido Comunista Brasileiro e precisou exilar-se no Chile durante a ditadura militar.

Tudo indica que, pelo menos num primeiro momento, irá lhe restar a tribuna. Seu principal desafio será evitar o que parece ser a sina dos ex-presidentes da Casa: a maioria dos antecessores de Maia caiu no ostracismo ou teve problemas com a Justiça. Alguns conseguiram as duas coisas, uma façanha.

Vale lembrar quem são: Waldir Maranhão, Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Marco Maia, Michel Temer, Arlindo Chinaglia, Aldo Rebelo, Severino Cavalcanti, João Paulo Cunha, Efraim Morais, Aécio Neves, Luís Eduardo Magalhães, Inocêncio de Oliveira, Ibsen Pinheiro, Paes de Andrade e Ulysses Guimarães, para ficar com aqueles do período da redemocratização.

Poucos se lembram de Waldir Maranhão, por exemplo. Foi aquele que assumiu interinamente no lugar de Eduardo Cunha e pegou a todos de surpresa ao, numa canetada, tentar anular a sessão que aprovou a admissibilidade do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Caberá ao próprio Maia, portanto, construir um caminho que o reconduza ao poder. Sua missão primordial será aglutinar um grupo de políticos disposto a ocupar o centro do espectro ideológico, para diferenciar-se da agenda econômica da esquerda e, ao mesmo tempo, fazer oposição a Bolsonaro.

Não será uma tarefa fácil. O deputado está de saída do DEM, ainda não tem destino certo e, por enquanto, não recebeu o apoio público de seus aliados e futuros parceiros de jornada. Alguns deles têm, neste momento, mais a perder com uma eventual exposição. Outros ainda estão buscando assimilar a derrota, ocorrida no primeiro turno e de uma forma que, para muitos, teria abalado o prestígio de Maia e sua imagem de articulador.

No entanto, deve-se levar em consideração a bem sucedida amarração conduzida pelo vencedor. O presidente Arthur Lira (PP-AL) teve o apoio do Palácio do Planalto, mas durante dezenas de meses trabalhou incansavelmente. Ainda é cedo para fazer algum julgamento a respeito do tamanho que Maia sai desse embate.

Por um lado, ele não conseguiu fazer seu sucessor, talvez diminuindo de porte perante os colegas de Parlamento. Por outro, pode ter crescido para fora dos limites do Distrito Federal e do Rio de Janeiro, tendo agora a chance de ocupar um espaço de maior referência na oposição. Ao engajar-se num projeto vitorioso em 2022, inevitavelmente estará credenciado para ocupar pelo menos um ministério de destaque no próximo governo.


Fernando Exman: Crônica de uma vitória anunciada

Depois de Cidadania e Saúde, aliados cobiçam Educação

Há meses não se via um movimento daqueles, em plena segunda-feira pandêmica, na conhecida “rua dos restaurantes” da Asa Sul.

Localizado a dez minutinhos do Congresso - de carro, claro, para enfrentar a precária mobilidade urbana da capital federal -, o endereço tornou-se um destino tradicional de parlamentares na hora do almoço ou depois das votações. Nos últimos meses, contudo, os carros oficiais viraram objeto raro na paisagem.

Uma exceção foi justamente a última segunda-feira. A exigência legal de que as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado fossem realizadas presencialmente deu um alívio não só para os caixas dos restaurantes ali instalados, como ajudou também quem foi atrás de informação.

Motoristas à espera, deputados e dirigentes partidários comendo, confabulando. Preparavam-se para as sessões que dali a algumas horas definiriam a nova cúpula do Legislativo. O maior distanciamento entre as mesas não prejudicava quem tentava aproveitar o descuido de alguma excelência um pouco mais incauta.

À frente, um dirigente partidário falava baixo com seu interlocutor. Nada feito. Ao lado, guarda baixa. E o assunto era um só: a perspectiva de vitória dos candidatos governistas, que se confirmaria em breve.

“Bolsonaro vai fazer barba e cabelo. Só não vai fazer o bigode porque não tem uma terceira Casa. Se tivesse bigode, faria também”, falava em voz alta um deputado do Nordeste aos companheiros de mesa. Ele dizia possuir uma lista dos colegas da bancada estadual que, embora tivessem sinalizado apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), votariam com ele em Arthur Lira (PP-AL). Inclusive de siglas de esquerda. “Este aqui só disse que vai no Baleia para não perder a chance de ser líder do partido dele, para não perder apoio interno.”

Um dos interlocutores creditou a vitória à experiência acumulada pelo presidente Jair Bolsonaro em seus quase 30 anos como deputado federal: alguém que, nas suas palavras, foi do baixo clero, sabe o que a massa de deputados quer e espera receber do governo. Qualquer governo. E de fato Bolsonaro usou as armas que estavam disponíveis no paiol da Secretaria de Governo, distribuição de emendas e cargos, para emplacar dois parlamentares próximos no comando do Congresso.

Mesmo assim, no Executivo existe a consciência de que fidelidade, nesse tipo de relação, sobretudo com partidos do Centrão, vai até certo ponto. Esta foi a dura realidade enfrentada por governos anteriores, mas na ótica de autoridades do atual governo era o preço a ser pago para que o poder da Presidência da República pudesse ser exercido com amplitude. Contou também, claro, a necessidade de reduzir os riscos de um processo de impeachment ser acolhido.

No governo, há um sentimento de relativa frustração com a demora no avanço das pautas defendidas na campanha de 2018, tanto na área econômica como na agenda de costumes ou de flexibilização no acesso a armas e munições, para citar alguns exemplos caros ao presidente e ao seu eleitor mais fervoroso. Passada a disputa pelo comando do Parlamento, portanto, não haveria mais por que esperar para destravar uma série de votações que vinha sendo postergada por causa da disputa política pelo comando da Câmara, pelas eleições municipais e, depois, pelo recesso.

Aliados do novo presidente da Câmara dos Deputados reconhecem a importância do Planalto nas articulações que levaram à vitória de Arthur Lira, mas destacam o trabalho feito meses a fio pelo próprio candidato e seu grupo. Entre eles, existe a convicção de que a vitória ocorreu a despeito da imprensa, dos formadores de opinião, e que o mercado financeiro precisaria aceitar o resultado do pleito, qualquer fosse ele, para então necessariamente construir uma boa convivência - e interlocução - com o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Durante a campanha, eles reconheciam que Maia sempre teve um melhor diálogo com os principais agentes do mercado. O agora ex-presidente da Casa fala a mesma língua do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que permitiu, inclusive, que eventuais desentendimentos entre os dois pudessem ser superados em determinados momentos. No entanto, às vésperas da eleição integrantes do grupo de Lira passaram a dizer que consideravam incabível o fato de parte do setor privado ver na candidatura adversária mais previsibilidade para a economia, até porque Baleia Rossi havia formado seu bloco com partidos de esquerda.

No Senado, a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contou com o já conhecido impulso vindo do Palácio do Planalto, mas também foi construída com o apoio de parlamentares que se opõem a algumas das pautas que visam a redução do tamanho do Estado.

Isso não quer dizer que Lira e Pacheco ignorarão o que a equipe econômica disser. Pelo contrário. Ambos pretendem construir saídas conjuntas com Guedes e prometem respeitar o teto de gastos. É provável, entretanto, que ouçam mais a ala política do governo e busquem mais convergências com o próprio presidente.

O ministro Luiz Eduardo Ramos tende a sair fortalecido do processo eleitoral. Depois de ser alvo de insistentes especulações sobre uma eventual exoneração, o chefe da Secretaria de Governo, articulador político do Planalto, pode colocar no currículo sua participação no estado maior dessas duas campanhas vitoriosas.

Onyx Lorenzoni deve mesmo deixar o Ministério da Cidadania para retornar ao núcleo decisório do Planalto. Se conseguir manter a Subchefia para Assuntos Jurídicos sob a Secretaria-Geral, terá controle sobre todo e qualquer ato publicado no “Diário Oficial da União”. A SAJ historicamente foi um braço da Casa Civil, mas foi realocada na atual administração. É um instrumento poderosíssimo e coloca seu detentor muito próximo ao presidente.

A sinalização de Bolsonaro de que não haverá recriação de ministérios já fez com que os interesses da base se voltassem para as pastas da Saúde e da Educação. Agora que ele adotou para valer o presidencialismo de coalizão, será a vez do Centrão fazer barba, cabelo e bigode, até que se defina a pauta que será tocada até o fim de 2022.


Fernando Exman: Obstáculos à proposta de autonomia do BC

Agenda liberal terá novo desafio a partir de fevereiro

A agenda liberal da equipe econômica passará em fevereiro por um novo teste de estresse, para usar um termo familiar aos agentes do mercado e também ao Banco Central - interessado direto no assunto.

Tão logo seja definida a sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara dos Deputados, haverá mais clareza em relação ao futuro do projeto que dá autonomia formal ao BC. Ele é visto como prioridade pela equipe econômica e o próprio presidente Jair Bolsonaro apoiou em público a iniciativa quando seu mandato chegou ao centésimo dia. Na ocasião, inclusive, enviou seu próprio projeto à Câmara. Era um tempo em que a ala liberal do governo tinha mais prestígio.

O problema é que a proposta nunca foi popular na ala desenvolvimentista, que vem dando sinais diários de força, e ela acabará sendo debatida em meio a um cenário de possível alta de juros. Isso coloca um novo ingrediente na discussão, que corre o risco de se tornar mais passional. O ambiente já está acirrado. No Brasil de hoje, enquanto os efeitos devastadores da crise continuam presentes no dia a dia do cidadão, as forças políticas têm preferido usar até seringas e vacinas para inocular o vírus da politização e dividir a população.

Num contexto como este, ganha sempre aquele que prefere interditar o diálogo. A visita de um presidente do BC ao Palácio do Planalto em dia de reunião do Copom pode acabar gerando críticas à autoridade monetária, embora esse tipo de encontro tenha ocorrido em outras gestões da mesmíssima maneira.

A tramitação da proposta se dará ao ritmo da batuta do novo presidente da Casa, o grande responsável pela definição da pauta, mas não terá como avançar se o governo não incentivá-la com assertividade.

Antes mesmo das eleições municipais, dizia-se no Palácio do Planalto que essa deveria ser uma das prioridades da agenda legislativa na Câmara. O projeto era citado na companhia do marco regulatório da cabotagem e do programa Casa Verde e Amarela. Ambos foram aprovados pelos deputados. O projeto de autonomia do BC, no entanto, ficou de fora da pauta.

Um acordo entre a Câmara e o Senado, com apoio do governo, delegou aos senadores a missão de aprová-lo primeiro. E ela foi cumprida em novembro.

Naquele momento, uma obstrução travava os trabalhos da Câmara. A disputa pela presidência da Casa já atrapalhava a produção legislativa. Ademais, Maia defendia que havia outras questões mais urgentes a serem atacadas, como projetos relativos ao combate da pandemia e seus efeitos socioeconômicos e a reforma do sistema tributário nacional.

Justo. Mais do que compreensível. Agora, contudo, o horizonte ficou mais incerto.

Seus aliados, aliás, acreditam que foi cometido um erro tático, o qual pode acabar tirando o país do radar de investidores estrangeiros num momento de liquidez no mercado internacional.

Esta não é a única notícia negativa. O ano começou com o governo interferindo no Banco do Brasil e gerando dúvidas em relação à política de reajuste dos preços dos combustíveis conduzida pela Petrobras. Na sequência, aumentaram os questionamentos quanto ao compromisso do Executivo com o programa de privatizações defendido há mais de dois anos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe.

A mudança do presidente da Eletrobras não traz, até este momento, boas notícias para quem pretendia ver a estatal passando para as mãos da iniciativa privada.

Em relação às privatizações, deve-se levar em conta, ainda, o atual cenário da disputa pelas mesas diretoras do Legislativo. Em recente entrevista ao Valor, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) demonstrou indisposição de abrir caminho, no curto prazo, para medidas que reduzam a presença do Estado em setores considerados estratégicos.

Na Câmara, já havia pressão para que uma eventual desestatização da Eletrobras fosse compensada com investimentos na revitalização do rio São Francisco. É preciso lembrar, neste caso, que o candidato governista, Arthur Lira (PP), é um dos representantes de Alagoas no Parlamento. Ele só não esteve em novembro numa solenidade ao lado de Bolsonaro na cidade histórica de Piranhas, uma das bases para a visitação dos imperdíveis cânions do São Francisco, por estar em isolamento e se recuperando da covid-19.

Isso sem falar da resistência de auxiliares do presidente advindos das Forças Armadas, o mesmo grupo que sempre viu com grandes ressalvas o projeto que formaliza a autonomia do BC. Eles não têm tanto poder para influenciar a tramitação da proposta no Congresso, mas possuem amplo acesso ao presidente e espaço para defender eventuais vetos. A ala desenvolvimentista agradeceria, assim como a política. Afinal, apesar de agradar ao mercado, a sanção total do projeto poderia ser usada contra Bolsonaro na campanha à reeleição. O PT já explorou o tema contra Marina Silva (Rede).

Agora, contudo, as maiores dúvidas em relação às chances de aprovação do projeto residem na própria Câmara, onde a oposição promete fazer de tudo para tentar barrá-lo.

O relator da proposta, deputado Celso Maldaner (MDB-SC), diz que já articula para que seu parecer seja colocado em pauta o mais rápido possível. Segundo descreveu, conversou com o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) sobre o assunto. Sua expectativa é que a votação ocorra de forma célere, no máximo em março, caso seu correligionário vença a eleição. “Isso tem que acontecer antes das reformas tributária e administrativa”, argumenta. “É a grande prioridade para dar segurança jurídica e estabilidade”, acrescentou o parlamentar, segundo quem o governo é a favor da proposta e o Brasil precisa acertar os passos agora para assegurar a retomada do crescimento econômico.

O relatório está pronto. A opção de Maldaner foi manter o texto aprovado no Senado, para que a proposta possa ser remetida diretamente ao Planalto em caso de aprovação. Ele diz ser secundário o risco de uma vitória de Arthur Lira acabar levando à sua substituição no posto de relator. “O importante é colocar em votação.”