Fernando Exman

Fernando Exman: Estados cobram novo auxílio emergencial

Plano de vacinação dá horizonte para fim da ajuda social

Mesmo que sob risco de tornar-se ainda mais minoritária na reforma ministerial prevista para depois de fevereiro, a ala fiscalista do governo submergiu. Seria prudente que pelo menos se recolocasse no debate sobre a necessidade de implementação de uma nova fase do auxílio emergencial. A ala política do Executivo está deixando rolar a discussão, que tem permeado os contatos entre os governadores e os candidatos a presidente da Câmara e do Senado. E pode sair fortalecida do recesso do Congresso.

A equipe econômica, por sua vez, corre o risco de chegar à mesa de negociação já com o prato feito e sendo servido. Neste caso, teria pouco a dizer, além de reiterar a premissa de que a conta precisa respeitar o teto de gastos.

A situação no Amazonas, que vive uma segunda onda de covid-19 com consequências tenebrosas, aumentou a preocupação de diversos governadores. O episódio evidenciou a necessidade de o Estado assegurar os meios para se combater o coronavírus e também os efeitos da crise, com a preservação de empregos e da renda do cidadão mais pobre.

“Vamos ter um crescimento do desemprego e da miséria muito grande. É preciso o auxílio direto e também a prorrogação do programa que reduz a jornada e o salário”, ponderou um governador, citando a iniciativa formulada pelo Ministério da Economia que, segundo a pasta, já promoveu a celebração de acordos entre 1,5 milhão de empresas e 9,8 milhões de trabalhadores.

Isso não é pouco. Todas as partes envolvidas fizeram sacrifícios e certamente estariam em piores condições, se a medida não tivesse sido implementada. Outras iniciativas da área econômica foram positivas, mas os governadores querem mais.

“O Brasil gastou muito durante a pandemia, mas o estrago poderia ser muito maior”, resume outra liderança, também influente no Parlamento e entre seus colegas governadores. Para essa fonte, o risco de recrudescimento da crise tem nome e sobrenome: caos social.

Aliás, autoridades do governo federal também citavam esse perigo no início da pandemia, mas a expressão foi caindo em desuso na Esplanada dos Ministérios e no Planalto.

Um outro chefe de Executivo estadual argumenta que parcelas adicionais do auxílio emergencial seriam essenciais para dar tranquilidade até uma retomada mais perceptível da atividade econômica, o que agora se torna mais factível em razão do início da vacinação contra a covid-19. “É fundamental que se restabeleça o auxílio. A vacina é o início do fim, mas é o início. Não é o fim. O governo federal precisa avaliar isso até para que continuemos a preservar a economia, enquanto salvamos vidas.”

O tema está presente nas reuniões de governadores com os candidatos a cargos nas mesas diretoras do Legislativo. Alguns dos postulantes, inclusive, já levantaram a bandeira e prometem colocar em votação proposta de recriação de um novo auxílio financeiro emergencial, de R$ 300 mensais, já a partir de fevereiro.

A portas fechadas, até mesmo os candidatos governistas dizem estar sensíveis aos apelos de que o Parlamento tome a dianteira. Eles sinalizam fidelidade ao presidente Jair Bolsonaro, e não ao ministro da Economia, Paulo Guedes, pois é o presidente da República quem está colocando em jogo seu prestígio político ao entrar na campanha para fazer os sucessores de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na presidência da Câmara e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Até por isso a equipe econômica deveria estar mais ativa nas negociações, as quais não tiraram férias.

Nesta equação, o início da vacinação se tornou um novo fator a ser considerado. Governadores passaram a argumentar que, como o programa de imunização já começou para valer, uma possível saída seria manter o auxílio até a conclusão da vacinação do grupo prioritário, o que ocorreria em abril. Agora existe, pelo menos, um horizonte.

Eles têm algumas contas na ponta do lápis. Até abril, 25% da população seria vacinada, abrindo espaço para a reabertura de diversas atividades econômicas. Além disso, mais parcelas da população poderiam ser vacinadas rapidamente, se o país tiver todos os insumos necessários e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberar a distribuição dos imunizantes fabricados dentro do país. Isso porque, de saída, a produção nacional de vacinas contra covid-19 poderia chegar a 80 milhões de doses por mês. A conta leva em consideração uma capacidade de produção do Instituto Butantan de 30 milhões de doses por mês, outras 30 milhões de doses pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ainda 20 milhões de unidades da Sputnik pela União Química.

Enquanto isso, a definição da pauta de votações permanece sendo objeto das negociações. O ano legislativo nem começou para valer e o Palácio do Planalto já sinalizou aos seus aliados no Congresso que não apoiará nenhuma medida que possa prejudicar a camada mais pobre da população. Mesmo que seja alguma iniciativa defendida pela área econômica.

A queda da popularidade do presidente serviu de alerta e tende a fortalecer os argumentos da ala política do governo. Se o atual presidente do Senado tornar-se mesmo ministro depois de emplacar Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como seu sucessor, este grupo dentro do Executivo ficará ainda mais forte. Principalmente se o ministro Rogério Marinho, atualmente na pasta do Desenvolvimento Regional, assumir algum cargo de primeiro escalão dentro do Palácio do Planalto.

Quando um país do porte do Brasil precisa pedir socorro a um governo aliado para poder transportar oxigênio a uma unidade da federação, é preciso refletir sobre a eficácia dos esforços de integração nacional e também sobre a falta de aeronaves capazes de executar missões desse tipo. O que ocorreu no Amazonas reforça os argumentos do Ministério da Defesa de que todo corte no orçamento de projetos estratégicos das Forças Armadas envolve riscos à segurança nacional.


Fernando Exman: Covid renova debate sobre política industrial

Falta de diálogo reforça críticas à extinção do Mdic

Ano novo, vida nova. Nem sempre para melhor. Os primeiros dias de 2021 já impõem desafios ao governo, uma administração que vai criando o hábito de terceirizar responsabilidades e adiar a tomada de decisões que podem evitar o agravamento da crise.

As taxas de contaminação e óbitos por covid-19 crescem, lamentavelmente, a uma velocidade alarmante. Acelerado também é o crescimento da imprevisibilidade quanto ao início do plano nacional de imunização, assim como do receio de que o anúncio da Ford seja apenas o prenúncio de um movimento maior daqueles que não consideram mais o Brasil um bom destino para investir.

Sem vacinação, estima o Ministério da Saúde, o país precisaria manter medidas de isolamento social por até dois anos, para só então conseguir interromper a transmissão da enfermidade sem o colapso do sistema de saúde. Não existe possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro apoiar ideia como essa, a qual também não parece atrair a cúpula da pasta.

A postura do ministro Eduardo Pazuello aumenta os argumentos daqueles que apostam que ele deixará a farda para entrar na política e disputar algum cargo eletivo no próximo pleito. Estes dizem ser prudente acompanhar suas movimentações na região Norte.

Silêncio no Ministério da Economia. A pasta amarrou-se ao desfecho das disputas na Câmara e no Senado, deixando-se levar pela correnteza do debate sobre os efeitos danosos na economia da demora da vacinação e sobre a situação dos milhões de brasileiros que ficarão sem o auxílio emergencial. No Congresso e no setor privado, há também o sentimento de que falta uma ação coordenada do governo no sentido de se assegurar a produção dos equipamentos utilizados no enfrentamento da covid-19 e evitar que mais investidores deixem o país. Se o Parlamento não estivesse em recesso, até mesmo integrantes da base pediriam a palavra para discursar contra a passividade do Executivo ao ver a Ford abandonar o país.

Corre-se o risco de que a disputa política novamente deixe em segundo plano um debate essencial para o desenvolvimento do país.

Desta vez, a discussão sobre os efeitos da crise em relação à indústria nacional e se há alguma lição a ser tirada durante a pandemia para assegurar a saúde de um setor estratégico para qualquer país.

O tema já havia se comprovado relevante quando o Brasil ficou sem respiradores nas unidades de terapia intensiva de diversos hospitais dos mais variados Estados. Ganhou novo impulso com os alertas sobre a possibilidade de faltar agulhas e seringas para a imunização de toda a população contra covid-19 e, ao mesmo tempo, manter os programas de vacinação voltados ao combate de outras doenças.

A notícia envolvendo a Ford acabou dando novamente voz àqueles que dizem sentir saudade da expressão “política industrial” e gostariam de vê-la voltar a ser pronunciada no governo. Atualmente, está praticamente banida nos gabinetes da pasta da Economia.

Isso não quer dizer que a agenda liberal do ministro Paulo Guedes deva ser deixada de lado. Ela tem legitimidade. Saiu vencedora das eleições e, embora seja alvo de críticas até mesmo dentro do governo, está neste momento sendo utilizada por aqueles que antes a desprezavam para justificar a decisão da Ford. Segundo esse discurso, a montadora teria ido para a Argentina por que não obteve aqui os incentivos que outros países estão dispostos a conceder.

Ocorre que política industrial não se faz só com benefícios fiscais e a pandemia mostrou que o processo de desindustrialização não está ocorrendo em todos os lugares do mundo. Há países que, por questões de segurança nacional, mantêm programas de substituições de importações. Mas, não é disso que o Brasil precisa.

Uma das lições que deve ficar deste período é que o país deve possuir determinadas competências para conseguir acelerar o desenvolvimento de sua capacidade produtiva em setores que já domina e, ainda, ter como se aventurar em outros segmentos de forma rápida e eficiente quando for necessário. Isso que se viu, por exemplo, quando algumas empresas fizeram conversões de seus parques produtivos e, em vez de fabricarem vestidos de boneca ou peças de lingerie, passaram a produzir máscaras. Para tanto, é preciso ter equipamento e mão de obra qualificada.

O mesmo se viu em relação à manutenção ou produção de respiradores. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) fizeram uma iniciativa conjunta com as montadoras de automóveis, entre elas a Ford. Isso ocorreu, também, por haver demanda garantida para esses equipamentos.

Espera-se que haja, a partir de agora, uma maior coordenação e interlocução entre o governo e o setor privado para que o Estado use o seu poder de compra, facilite procedimentos regulatórios e sinalize qual é o tipo de insumo estratégico que não pretende ver em falta.

O instrumento de “encomenda tecnológica”, mecanismo moderno e que demanda compreensão dos órgãos de controle sobre os riscos envolvidos em sua adoção, está sendo utilizado durante a pandemia e deve ser incentivado em situações semelhantes. Isso nada ter a ver, necessariamente, com a retomada de políticas que se demonstraram equivocadas no passado, a proteção de fabricantes nacionais ineficientes ou a criação de obstáculos à abertura da economia.

O desafio que se impõe é, ao menos, permitir-se debater como o Brasil pode manter uma indústria forte e diversificada, capaz de reagir em momentos como os atuais, assegurando que ela seja também competitiva e com alta produtividade. Se faltar agulhas e seringas, o tema voltará à mesa. Talvez de forma ainda mais forte, o que dará novo impulso àqueles que criticam a decisão de Bolsonaro de ter extinto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Isso pode ocorrer num momento em que o Executivo analisa a possibilidade de realizar uma reforma ministerial.


Fernando Exman: Sombra de Bolsonaro na eleição da Câmara

Campanha vai recomeçar em janeiro sem favorito

Em 2 de fevereiro de 2017, Jair Bolsonaro dirigiu-se à tribuna sabendo que não teria a menor chance de se eleger presidente da Câmara dos Deputados. Não demonstrava desânimo, tampouco desconforto com protestos da esquerda. Afinal, não era a primeira vez que se candidatava ao posto e o então deputado pelo PSC fluminense não mirava mesmo a principal cadeira da Casa. Estava lá, isso sim, para executar mais um movimento de sua campanha antecipada à Presidência da República.

Bolsonaro fez questão de marcar posição em relação à mesma agenda legislativa que hoje o leva a tentar influenciar a sucessão do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Naquele dia, era Bolsonaro quem tentava ostentar o discurso de resgate da credibilidade da Câmara. “Todos sabem muito bem que vivemos uma crise nos três Poderes nunca sentida em nosso país”, declarou, talvez menosprezando a capacidade do país de boicotar o próprio futuro. “Sabemos que o Executivo sempre interferiu nos trabalhos desta Casa, em especial por ocasião das eleições. Hoje temos uma Câmara que não cria leis, que não fiscaliza e que não representa os anseios do povo. O Poder Legislativo se apresenta subserviente ao Executivo e submisso ao Judiciário”, prosseguiu, também talvez sem de fato acreditar que anos à frente estaria do outro lado da Praça dos Três Poderes.

O então deputado criticou o que considerava a usurpação das prerrogativas do Legislativo por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que discutiam a legalização das drogas. “O fato é que o Supremo vem legislando constantemente. E ele quer legislar não só sobre essa questão: legislou também sobre a questão ao aborto.” Para ele, a Câmara precisava de um presidente que batesse à porta do chefe do Poder Judiciário para buscar alternativas e dar fim a esse movimento. Ainda hoje aliados de Bolsonaro reclamam do que consideram ativismo judicial, e acreditam que o Congresso pode ajudar a reduzi-lo.

Ao pedir o apoio da bancada da segurança pública, que mais tarde lhe daria suporte na eleição presidencial, Bolsonaro questionou a regulamentação da audiência de custódia pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a discussão, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), do que pode ou não ser considerado crime de desacato. Não faltaram, claro, falas em defesa do projeto de lei que visa revogar o estatuto do desarmamento.

À bancada ruralista, sinalizou com um “ponto final na indústria de demarcação das terras indígenas”. “Não temos que ter um presidente para ficar apenas chancelando e buscando aprovar o que o Executivo quer. A bancada ruralista tem que ter um presidente que tenha esse compromisso com ela”, destacou. “Temos que ter um presidente, na Câmara dos Deputados, que tenha autoridade, posição e altivez, e não que precise ficar de joelhos para esse ou aquele Poder por causa de interesses pessoais.”

Proclamado o resultado, anunciou-se que Bolsonaro conquistara quatro votos. Quatro, ante os 293 de Rodrigo Maia. Porém, por mais paradoxal que possa parecer, os objetivos de Bolsonaro foram atingidos conforme o planejado.

Os dois voltam agora a se enfrentar, quando a pauta de costumes também retorna ao centro das atenções. A agenda econômica corre o risco de ficar definitivamente em segundo plano a partir de 2021. Também por isso Maia vem conseguindo atrair partidos da oposição para o seu campo, embora ainda não tenha conseguido definir quem será o seu candidato.

O atual presidente da Câmara passou os últimos dias conversando com aliados, medindo quem dos pré-candidatos de sua ala tem mais capacidade de reunir votos e evitar defecções. O voto secreto exige cautela, mas o tempo vai passando e dando espaço para que a candidatura do grupo sofra ataques especulativos ou questionamentos das cúpulas partidárias.

Independentemente do nome escolhido, a estratégia já está desenhada: tentar mostrar que de um lado estará o governo e toda as suas exigências em relação à pauta da Câmara, enquanto do outro ficarão os demais partidos que ainda defendem a independência do Poder Legislativo. Esse tipo de campanha é até capaz de garantir uma vitória moral ao grupo que se diz autônomo, seja qual for o resultado da eleição de fevereiro do ano que vem, mas a mensagem ainda precisa se mostrar forte o suficiente para assegurar uma vitória eleitoral ao grupo.

Essa demora também deu espaço para que líderes do Senado tentassem vincular as eleições das duas Casas do Congresso, o que está cada vez mais difícil de ser concretizado. Em primeiro lugar, porque o quadro de fragmentação partidária e o voto secreto dificultam acordos desse tipo. Além disso, diferentemente do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que insistiu na tese de que poderia concorrer à reeleição, Maia trabalhou na ampliação de seu grupo para fazer um sucessor e teria dificuldades políticas para desmobilizá-lo de uma hora para outra.

Por outro lado, sabe-se também que o deputado Arthur Lira (PP-AL), mesmo sendo o preferido do Palácio do Planalto, não deve ter uma postura de alinhamento absoluto em relação ao Executivo.

Como líder do Centrão, ele sinaliza com governabilidade e previsibilidade, mas sua campanha é baseada, por exemplo, no discurso de que a atual gestão da Câmara mantém controle total da pauta e, portanto, é preciso democratizá-la. Outra promessa do pepista é não interferir nos pareceres que chegarem ao plenário.

Quatro anos depois, Bolsonaro opera com muito mais força a partir do Planalto. Tornou-se onipresente nas discussões sobre a sucessão da Câmara e certamente conseguirá reunir mais do que quatro votos. Mesmo assim, ainda não tem certeza de que desta vez seus objetivos serão alcançados. Quanto mais o presidente aparecer na disputa, melhor será para seus adversários.


Fernando Exman: Ano se arrasta e já avança sobre 2021

Bolsonaro simplesmente não fará campanha em 2020 onde sua palavra não virar lei

Dois mil e vinte, o ano que insiste em não acabar, é perseverante e espaçoso. Já avança sobre o calendário de 2021, sem cerimônia. O Ano Novo começará com jeito de velho, com pouco dinheiro nos bolsos, sem saúde para dar e muito menos vender. Bastante do que poderia ter sido feito há meses ficou para a última hora, uma tradição da política nacional que poderia ter sido deixada de lado desta vez por causa da pandemia.

Bastaria bom senso da maioria das autoridades dos diversos Poderes. No entanto, em Brasília ainda se discute se a maior emergência sanitária dos últimos tempos é ou não uma justificativa plausível para a prorrogação dos trabalhos durante o recesso. Sem uma convocação, diversas tarefas urgentes serão redistribuídas entre as folhinhas de fevereiro, março e até abril. Pouco tempo depois, só se falará nas próximas eleições gerais.

Neste melancólico fim de ano legislativo, tudo indica que a disputa política e a desorganização do governo devem seguir travando a agenda de 2021. Está difícil de se prever, infelizmente, um grande esforço nacional voltado à construção de um plano de saída da crise.

O Orçamento, por exemplo, ganha forma num ritmo muito lento. Se no Brasil a peça orçamentária já era considerada uma obra de ficção, desprovida de previsibilidade a respeito de suas premissas e execução, o Orçamento de 2021 ainda não passa de um esboço de roteiro. Dificilmente será reestruturado antes das eleições para as presidências das mesas diretoras do Congresso, até porque o comando da Comissão Mista de Orçamento, objeto de disputa feroz entre os grupos que brigam pelo controle da Câmara, está em negociação. Diversos partidos querem ter o poder de conduzir o colegiado onde se debaterá o Orçamento do período pré-eleitoral.

Esperada para esta semana, a votação do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias também depende de um melhor ambiente político. Isso porque a LDO é vista como um instrumento fundamental por quem deseja o mínimo de segurança jurídica para ordenar despesas e investimentos nos primeiros meses do próximo ano. Sua possível não aprovação, por outro lado, já começa a ser considerada no Legislativo como a oportunidade que a ala desenvolvimentista do Executivo tanto esperava para conseguir gastar mais. Mesmo que isso represente um risco ao governo e precise ser discutido depois, para evitar punições ou problemas com os órgãos de controle.

No Congresso, cresce a preocupação de que a inexistência da LDO, ou seja, a ausência de diretrizes e regras mínimas para o Orçamento de 2021, poderia até artificialmente criar uma brecha para a prorrogação do auxílio emergencial a partir de janeiro, quando está previsto o fim da ajuda do governo federal à parcela mais pobre da população.

É indiscutível o papel desempenhado pelo auxílio emergencial na manutenção da popularidade do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. Parece ter colado o seu discurso de que o governo federal não pode ser responsabilizado pelo número de vítimas, que, inclusive, não para de crescer.

No fim de ano sempre há espaço para arrependimentos. Entre parlamentares independentes e da oposição, o incômodo se dá com a sensação de que o Legislativo poderia ter adotado ações mais objetivas para tentar responsabilizar o presidente, a despeito da falta de um clamor pela abertura de um processo de impeachment.

Bolsonaro continua relativamente popular e tem chances de ampliar esses níveis de aprovação, dependendo do desempenho da economia, o que lhe garantiria um lugar privilegiado na campanha à reeleição.

Dados coletados pelo governo sobre as insatisfações da população durante a pandemia também não geram preocupação entre auxiliares de Bolsonaro. Segundo um desses levantamentos, por exemplo, existe um número considerável de reclamações e denúncias relativas à concessão do auxílio emergencial, além de queixas sobre a adoção da medida que permitiu a redução de jornadas e salários no setor privado e acerca do tratamento dos passageiros das companhias aéreas.

Chegam à Controladoria-Geral da União (CGU) reclamações da atuação do Estado como um todo e em relação à suspensão das aulas presenciais. O governo recebe críticas sobre a demora na vacinação e o desrespeito às recomendações de distanciamento social, mas são poucas as denúncias de supostos desvios ou corrupção. Além disso, estas englobam os diversos entes da federação. O fato é que, até agora, a administração federal tem conseguido preservar sua imagem, enquanto a cada semana uma nova operação policial envolvendo a aplicação dos recursos para combater a covid-19 é realizada nos Estados.

Isso impõe à oposição e a parlamentares independentes uma estratégia que mescla uma postura defensiva com alternativas de ataque.

Na parte defensiva, a ideia é impedir que medidas heterodoxas prorroguem algum tipo de ajuda emergencial à margem das normas fiscais. Já o ataque se daria com a possível instalação, no ano que vem, de pelo menos uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apontar responsabilidades no atraso na implementação do programa nacional de imunização, por exemplo. A ideia seria pelo menos desgastar o presidente.

A iniciativa ainda não tem muito apoio entre os governadores. Eles preferem que se gaste tempo e energia na discussão de propostas que busquem aumentar a capacidade de investimento, a oferta de crédito e impulsionem parcerias público-privadas (PPPs). Eles reclamam que falta diálogo com o Ministério da Economia e querem retomar o mais rápido possível as reuniões convocadas para tratar de temas positivos. Preferem que o Congresso não crie obstáculos para a reorganização da economia. Isso depende também, claro, do governo e de sua base. Caso contrário, 2021 ficará com a cara de 2020 durante muitos meses.


Fernando Exman: Sem base organizada não há pauta positiva

MP do Casa Verde e Amarela é objetivo de curto prazo

A decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de retomar o sistema de bandeiras tarifárias turvou os planos do governo de criar uma agenda positiva imediatamente após o segundo turno das eleições municipais. Não que o efeito da decisão seja dos mais desastrosos, mas não ajuda a estratégia desenhada no Executivo para tentar garantir um reposicionamento rápido e efetivo do presidente Jair Bolsonaro depois do retumbante fracasso da maioria dos seus aliados na disputa que se encerrou no domingo.

Prefeitos de cidades importantes que enfrentaram o discurso negacionista emanado do terceiro andar do Palácio do Planalto se deram bem nas urnas. O presidente está com claras dificuldades para manter o auxílio emergencial em R$ 300 a partir de janeiro ou criar um novo programa social e, agora, vê-se obrigado a responder ao eleitor de classe média por que as contas de luz podem voltar a subir.

Os danos gerados pelo apagão ocorrido no Amapá ao grupo do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM), relembraram às autoridades os potenciais prejuízos eleitorais que problemas de gestão no setor elétrico podem causar. A notícia positiva, por outro lado, é que a área técnica de um setor sensibilíssimo da administração federal teve autonomia suficiente para responder da forma que achou mais adequada à constatação de que os níveis dos reservatórios de usinas hidrelétricas estão chegando a níveis baixos demais.

No entanto, sabe-se no governo que esse tipo de sinal de reaquecimento do consumo não construirá sozinho um ambiente favorável aos negócios, se o Executivo não conseguir uma maior organização da base para destravar a agenda legislativa.

Na oposição, é crescente a visão de que o Congresso facilitou demais a vida do presidente quando deu a Bolsonaro a chance de ter a palavra final em relação ao valor do auxílio emergencial, que acabou ficando em R$ 600 na etapa mais aguda da crise. Dificilmente ela deixará caminho livre para se preservar o instrumento, agora em R$ 300 ou futuramente um pouco menos, que foi fundamental para a sustentação da popularidade do presidente, mesmo em tempos de crise.

Pouco avançaram as negociações da equipe econômica com o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento e da PEC Emergencial, cuja caneta pode viabilizar a criação do novo programa social que traria a assinatura de Bolsonaro. Resta ao governo neste momento, portanto, impedir que caduquem as medidas provisórias deixadas até agora de lado tanto pela cúpula do Congresso quanto pelos partidos aliados.

O objetivo de curtíssimo prazo passou a ser a aprovação da MP que viabiliza a criação do Programa Casa Verde e Amarela, que além de ser um mecanismo capaz de gerar investimentos e empregos, pode melhorar a relação do governo federal com os novos prefeitos. O programa foi criado para atacar um déficit habitacional que acumula um passivo de 6,5 milhões de moradias. Nas contas do Executivo, se projetado o crescimento da população até 2030, a expectativa é que o desafio de produção de unidades habitacionais seja de mais 1,23 milhão de casas por ano.

Para dificultar a situação dos articuladores do governo, Bolsonaro tornou-se alvo preferencial dos prefeitos que já começam a sinalizar novas medidas de contenção do coronavírus.

Avalia-se, na oposição e em partidos de centro-direita, que muitos dos candidatos que adotaram uma postura mais restritiva em relação à pandemia conquistaram a confiança do eleitor e apostarão nessa estratégia durante os próximos meses. Não se sabe ainda como isso irá reverberar no Parlamento.

Os prefeitos reeleitos de São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas (PSDB) e Alexandre Kalil (PSD), são dois exemplos. No PT, é simbólico o caso do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva, reeleito para a Prefeitura de Araraquara, no interior paulista.

Edinho fez parte da cúpula de um partido que segue sofrendo rejeição de parcela considerável dos eleitores. Também integrou o núcleo central de uma administração que enfrentou grave crise política e um processo de impeachment. Não pode se apresentar como representante da nova política ou antissistema. Teria tudo para ser levado pela onda antipetista, mas aproveitou a maré favorável aos gestores que conseguiram, a despeito da resistência bolsonarista a medidas restritivas, reduzir os danos provocados pelo vírus em suas cidades.

Araraquara tem um baixo nível de letalidade por covid-19 entre os grandes municípios de São Paulo. Mas, mesmo assim, a prefeitura local foi criticada algumas vezes pelo próprio Bolsonaro, em razão da detenção de uma mulher que teria desobedecido as determinações da guarda para que se retirasse de uma praça e a desacatado.

Esses prefeitos não tendem a abrir mão da autonomia que lhes foi garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para regulamentar as medidas de isolamento social. Já possuem, por outro lado, uma ampla lista de demandas a ser endereçada ao Palácio do Planalto e o primeiro item dela é a manutenção das transferências financeiras da União para os entes subnacionais. A pressão dos gestores municipais na tramitação da reforma tributária, que nem mesmo tem ainda um parecer oficial apresentado pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não deve ser menosprezada.

A sorte de Bolsonaro, por ironia, é que a pandemia impedirá a realização da tradicional grande marcha de prefeitos eleitos neste fim de ano. Os gestores municipais muito provavelmente tampouco conseguirão falar em bloco com parlamentares, ministros e autoridades do Palácio no início de 2021. Nada de aglomerações no Congresso Nacional, na Esplanada ou na Praça dos Três Poderes, o que não reduz a urgência para que o governo enfim reorganize uma base que defenda seus interesses.


Fernando Exman: A dura vida da equipe econômica na Câmara

Seja qual for o futuro presidente, cenário será desafiador

Segue indefinida a disputa pela presidência da Câmara, corrida encabeçada pelo blocão do líder do PP, Arthur Lira (AL), nome preferido do Palácio do Planalto, e o grupo do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os próprios envolvidos no duelo alertam: quem se arriscar a cravar um prognóstico do resultado da eleição está mal informado ou deliberadamente mal-intencionado, querendo passar uma visão distorcida da realidade para influenciar o jogo. Já se pode projetar sem medo de errar, contudo, que o cenário será desafiador para a equipe econômica, seja qual for o vencedor.

Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem aproveitado eventos públicos para reiterar seu plano de voo. Enquanto tenta abrir espaço na agenda legislativa para a tramitação das reformas, trabalha para dar um impulso definitivo à votação de propostas que visam melhorar o ambiente de negócios, como o projeto que garante autonomia ao Banco Central, marcos regulatórios setoriais capazes de atrair investimentos e a nova Lei de Falências. Dia sim outro também, insiste em destravar as privatizações de Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA, a estatal que representa a União nos contratos de partilha do setor de petróleo - uma pauta louvável consagrada nas urnas em 2018, mas que até agora não emocionou os congressistas.

Para conseguir abrir espaço abaixo do teto de gastos, integrantes da equipe econômica reforçam a necessidade de se implementar a tal agenda “3D”, composta por iniciativas que desobrigam, desvinculam e desindexam o Orçamento. São ações que já estão sob a análise do senador Márcio Bittar (MDB-AC) e podem até prosperar no Senado, mas enfrentam resistências de autoridades do próprio Executivo, na oposição e entre parlamentares da base aliada na Câmara. Bolsonaro em pessoa já as descredenciou num passado não tão remoto. O presidente ameaçou dar um cartão vermelho para quem defendesse não assegurar a reposição da inflação para a Previdência e o salário mínimo, mas acabou guardando-o no bolso depois que o assunto deixou as manchetes dos jornais.

A ideia, no entanto, nunca foi abandonada totalmente. Na percepção de integrantes do Centrão, Bittar está disposto a enfrentar os debates mais impopulares e até mesmo incluir em seu relatório medidas que podem causar preocupações no mercado, como fez quando defendeu usar recursos dos precatórios para ajudar o governo a erguer um programa social que substitua o Bolsa Família.

O relator do Orçamento e da chamada PEC do Teto de Gastos também estaria disposto, de acordo com interlocutores, a defender a tributação de lucros e dividendos ou prever o fim de isenções tributárias. Em outras palavras, aceita resolver os problemas do governo tanto do lado das receitas quanto no das despesas, desde que tenha respaldo dos partidos aliados, do Ministério da Economia e, principalmente, do Planalto. Com razão, temeria ser abandonado no plenário. A articulação entre os líderes governistas tem um histórico de desencontros.

Isso vem ganhando corpo no Senado, porém na Câmara Guedes ainda não tem total apoio do Centrão para adotar medidas impopulares. Ele mesmo sabe disso, embora espere e torça para que o bloco abrace sua pauta, até como suposta estratégia para limpar a imagem de fisiologismo. Um influente parlamentar do grupo, no entanto, mostra que esse sonho não será fácil e já alerta que muitas das articulações mais fiscalistas conduzidas pelo ministro com Maia não reverberam entre os deputados governistas.

Inspirada pela frase de Bolsonaro segundo a qual sua administração não vai tirar nada do pobre para dar ao paupérrimo, a própria base aliada não quer aprovar qualquer iniciativa que acarrete perdas aos que estiverem da classe média para baixo na pirâmide sócio-econômica. “Em tempo algum”, sublinha um influente líder.

Não se trata, portanto, apenas de um problema de “timing” da política, como o ministro da Economia costuma falar, ou uma preocupação pontual dos parlamentares com as eleições municipais.

O problema de Guedes é que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro resiste a algumas das suas ideias. Assim, um presidente da Câmara eleito com um empurrão do Planalto não iria assumir uma postura contrária à defendida pelo chefe do Poder Executivo, em favor do ministro. Ele certamente estaria disposto, inclusive, a tentar provar ao mercado que pode garantir estabilidade e previsibilidade aos agentes econômicos, mesmo sem atender todas as demandas da equipe econômica.

Do outro lado, o presidente Rodrigo Maia tem sido cada vez mais pressionado a decidir quem será seu candidato na disputa. Dependendo do nome escolhido, Guedes terá mais ou menos espaço para conversar, por exemplo, a respeito da criação de um novo imposto sobre transações financeiras ou de medidas que contrariam interesses setoriais e são consideradas fundamentais pela ala liberal do governo. Baleia Rossi (MDB-SP) já se mostrou aberto a tratar de uma nova CPMF, diferentemente de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Ex-ministro do Desenvolvimento, Marcos Pereira (Republicanos-SP) é interlocutor frequente do setor produtivo e sensível às queixas do empresariado.

O grupo político de Maia também tem negociado com a oposição, que possui cerca de 130 votos na Câmara e pode influenciar a eleição - sobretudo se votar unida. Isso quer dizer que um candidato deste campo pode ter que acolher algumas das bandeiras da esquerda, o que tem gerado na equipe econômica o receio de que as privatizações podem continuar empacadas.

A campanha ganha corpo e tudo o que Bolsonaro não quer é ver Maia fazendo seu sucessor. A sinalização do presidente de que pode se filiar a algum partido em março, caso não consiga mesmo viabilizar a criação do Aliança pelo Brasil, deve entrar nessa equação e acabar desequilibrando o jogo. Isso pode favorecer um candidato governista, mas está claro que não é garantia de que Guedes terá uma vida mais fácil a partir de fevereiro.


Fernando Exman: Um ponto central para analisar no domingo

Fim das coligações proporcionais é esperado desde 2017

Muitos sucumbirão à tentação. Já na noite de domingo, antes mesmo de uma análise mais fria dos resultados das eleições municipais, irão comemorar a eficiência do sistema político-eleitoral brasileiro e uma suposta pujança da democracia local. Farão comparações do desempenho das urnas eletrônicas com o que se viu recentemente nos Estados Unidos, onde a apuração demorou dias para ter um desfecho e ainda enfrenta questionamentos do lado derrotado. Mas, recomenda-se cautela.

Só depois de uma avaliação pormenorizada da configuração das novas câmaras de vereadores será possível dizer se a proibição das coligações nas disputas proporcionais de fato ajudará a depurar o sistema político. Espera-se há anos pela aplicação dessa regra, instituída por meio de uma proposta de emenda constitucional em 2017, e finalmente seus efeitos serão conhecidos. Talvez o principal deles seja a diminuição no número de partidos existentes no país.

Será a primeira vez que os candidatos a vereador só poderão disputar o cargo por meio de chapa única dentro dos seus próprios partidos. Se não houver nenhum desvio de rota, a regra será mantida nas próximas eleições e isso pode fazer toda a diferença na conformação do Congresso que será eleito em 2022 e conviverá com o próximo presidente da República. Seja ele qual for.

No sistema proporcional, por meio do qual são escolhidos deputados e vereadores, o voto dado é primeiro considerado para o partido ao qual o candidato é filiado. O total de votos de uma sigla define quantas cadeiras ela terá no Legislativo e, definida a quantidade de vagas, os candidatos mais votados desse partido são chamados a ocupá-las.

No entanto, até agora a coligação funcionava como um partido único: ao votar em um candidato a vereador ou deputado, o eleitor dava seu voto para toda a coligação. O resultado é conhecido. São muitas as disfunções do sistema, que hoje conta com 33 partidos registrados na Justiça Eleitoral. Muitos deles viraram siglas de aluguel ou legendas criadas como empreendimentos voltados à captação de recursos públicos.

São diversos os exemplos de partidos de campos ideológicos antagônicos que fecharam alianças táticas, para eleger representantes e se manterem a salvo da cláusula de barreira. O sistema sempre incentivou a formação de coligações com finalidades meramente eleitorais. Pragmáticas, muitas siglas foram sobrevivendo - preservaram fatias nos fundos públicos e tempo de propaganda em rádio e TV.

Por outro lado, essas mesmas estruturas partidárias foram contribuindo com o processo de enfraquecimento de um sistema marcado por escândalos de corrupção e pelo descrédito dos agentes políticos.

O modelo até então vigente nunca facilitou a formação de maiorias congressuais ou primou pela estabilidade. Passadas as posses, essas mesmas legendas voltavam a atuar em lados opostos. Com o princípio da proporcionalidade distorcido, restava aos governantes a busca incessante pela formação de bases aliadas, muitas vezes por caminhos heterodoxos mais conhecidos pelos peritos da polícia do que pelos analistas políticos.

Mesmo assim, poucas iniciativas conseguiram avançar no Congresso no âmbito da reforma política, a exemplo das discussões sobre o voto distrital e distrital misto. O fim das coligações nas eleições proporcionais foi uma exceção e, embora inicialmente tenha sido concebido para já valer nas eleições de 2018, acabou sendo adiado para o pleito municipal deste ano.

Alguns efeitos da medida já foram percebidos. A estratégia de grande parte dos partidos foi lançar candidaturas majoritárias no maior número possível de municípios. São elas, muitas vezes, que acabam impulsionando a eleição de vereadores. Ao todo, o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 557.383 candidaturas neste pleito, ante 496.927 em 2016. No período, houve um aumento tanto no número de candidaturas a prefeito (19.345 contra 16.568) como a vereador (518.321 ante 463.405).

Outros efeitos ainda deverão ser notados com o passar do tempo. Uma tendência é os partidos que não tiverem bom desempenho serem compelidos a enfrentar processos de fusão. Isso pode ocorrer, por exemplo, na esquerda. Outras siglas, como Novo e Rede, podem acabar tentando sobreviver com candidaturas de nicho nas disputas majoritárias, mesmo que fadadas a ficarem com modesta representatividade no Poder Legislativo.

Não é de surpreender, portanto, que a regra já seja alvo de críticas no Congresso. Existem algumas propostas em tramitação tentando mudá-la. E mesmo os maiores partidos, em tese os principais beneficiários, já fizeram chegar algumas queixas ao TSE.

Uma reclamação é que, agora, cada partido passou a ser obrigado a preencher 30% das candidaturas reservadas às mulheres individualmente. Antes, o cumprimento da chamada cota de gênero se aplicava à coligação como um todo. O mesmo tipo de reclamação se dá em relação a supostas dificuldades em respeitar a regra de divisão proporcional de verbas públicas de campanha entre homens, mulheres, negros e brancos.

Outra crítica ao formato final da regra se dá em relação ao rateio das vagas remanescentes nos legislativos. Elas serão distribuídas entre todos os partidos que participarem do pleito, independentemente de terem atingido ou não o quociente eleitoral. Isso pode acabar reduzindo a margem de redução do número de siglas no curto prazo.

Mesmo assim, seria positivo se ter um diagnóstico completo dos efeitos da nova regra, antes de recolocá-la em discussão apenas para atender interesses específicos de um ou outro partido. Não se deve, também, esperar alguma liderança do presidente da República nesse processo de otimização do sistema eleitoral. Além de colocar sob suspeição as urnas eletrônicas, sua batalha mais recente neste campo, a de criar um novo partido, diverge do espírito da PEC aprovada depois de muita discussão no Parlamento.


Fernando Exman: Uma ideia que pode ser mais palatável

Projeto pode garantir verbas na ponta sem assustar o mercado

Brasília é uma ilha, costumam dizer os seus críticos quando identificam uma desconexão do que é discutido no centro do poder com o que ocorre no restante do país. E aqui vale o alerta: afirmar isso a um brasiliense mais fervoroso pode provocar discussão séria, briga mesmo. O incauto interlocutor logo é acusado de ser mais um paulista arrogante ou defender o retorno da administração federal para o Rio de Janeiro, onde se podia ir ao Parlamento e à praia no mesmo dia. Mas, feito o protesto, o próprio brasiliense há de reconhecer que a assertiva tem um fundo de verdade, o qual, inclusive, voltou a ficar em evidência na pandemia.

Durante muito tempo, uma caminhada pelo Plano Piloto, área nobre e central, de fato pouco dizia sobre a situação do Brasil e do brasileiro, as mazelas vividas nos rincões ou os desafios enfrentados nos grandes centros urbanos. Infelizmente, a crise acabou aproximando Brasília da realidade observada já há muitos anos em outras capitais e regiões metropolitanas.

O aumento da pobreza é concreto. Pilotis transformaram-se em abrigos precários para um número crescente de moradores de rua. Trabalhadores informais, que nunca foram “invisíveis” para os mais preocupados com os problemas sociais do país, hoje estão presentes em praticamente todos os semáforos ou estacionamentos. Buscam formas de ganhar a vida, sem saber que a poucos quilômetros de distância autoridades negociam o futuro do auxílio emergencial.

Talvez esse até seria o assunto nas mesas do Piantella hoje à noite, mas o tradicional restaurante fechou as portas logo no início da crise. Jornalistas também não poderão mais discutir as conjunturas política e econômica no Moisés - estabelecimento bem mais acessível, mas não menos tradicional. O bar não fez jus ao seu nome bíblico e sucumbiu à praga. Não atravessará a pandemia.

Casos semelhantes são vistos por todo país, porém em Brasília cenas aparentemente corriqueiras podem dar pista de algo errado que esteja ocorrendo ou alguma má alocação de recursos públicos em curso. A circulação de parlamentares e dirigentes partidários por uma determinada agência do Banco Rural passou despercebida por muito tempo, por exemplo, até que surgiu o escândalo do mensalão no governo Lula.

Há poucos dias, observou-se a curiosa movimentação de uma servidora do governo local num conhecido centro comercial especializado em móveis. Sem maiores preocupações com quem a ouvia, ela cotava os preços de diversos modelos de cadeira de escritório e alertava a vendedora: estava com pressa, pois tinha que concluir a compra do mobiliário antes do fim do decreto de calamidade. A partir de janeiro, acrescentava, o orçamento seria mais curto. O controle no uso dos recursos? Mais rígido.

Escancarou-se, em poucos minutos e num episódio pontual do cotidiano brasiliense, uma das motivações da possível prorrogação do estado de calamidade pública.

O governo federal e a base aliada até demonstram sincera preocupação com a situação das famílias mais vulneráveis. Como era de se esperar, o desembarque do coronavírus no Brasil levou Executivo e Legislativo a chegarem a um entendimento em relação à ampliação dos gastos na área social. Os dois Poderes também decidiram calibrar o valor do auxílio até o fim do ano, mas até agora não conseguiram encontrar espaço no Orçamento para dar lastro ao novo programa assistencial que o governo pretende manter a partir de janeiro.

A despeito do impasse, o presidente Jair Bolsonaro insiste num instrumento capaz de continuar alavancando sua popularidade. E essa sinalização tem fomentado discussões, no Congresso e em segmentos desenvolvimentistas do governo, sobre a necessidade de se prorrogar o estado de calamidade e os mecanismos de flexibilização das regras fiscais para além do dia 31 de dezembro.

Gestores estaduais e municipais acompanham com grande interesse. A medida possivelmente ampliaria também o fôlego financeiro dos prefeitos no início de mandato. Sem a prorrogação, os gestores tendem a correr para gastar o máximo possível, como demonstrou a jovem servidora do GDF.

Segundo publicou o Valor nesta semana, os municípios podem chegar ao fim de 2020 sem usar grande parte dos recursos que têm em caixa carimbados para combater a covid-19. Isso representa, mais especificamente, cerca de metade dos R$ 42,2 bilhões em repasses extraordinários feitos pela União às prefeituras neste ano, montante que pode ter que retornar ao governo federal.

As articulações sobre o Renda Brasil, a PEC do pacto federativo e o Orçamento estão, portanto, perigosamente se mesclando com os interesses e as necessidades de curto prazo dos entes subnacionais. Em outras palavras, dos cabos eleitorais dos deputados e senadores em 2022.

Para contornar esse risco, está em curso uma articulação no Congresso em favor da tramitação de um projeto de lei de autoria da senadora Simone Tebet (MDB-MS) que autoriza o uso, até o fim de 2021, dos recursos transferidos para Estados e municípios durante a pandemia e que não foram ainda executados.

O PL já foi aprovado no Senado e pode ganhar regime de urgência na Câmara dos Deputados, se essa amarração for bem-sucedida. Seu texto original estendia o prazo para recursos vinculados diretamente apenas à saúde e à assistência social, mas agora eles poderiam ser usados para qualquer finalidade.

Essa seria uma saída para se dar efetiva destinação a verbas que já entraram no radar do mercado e na contabilização da equipe econômica, sem representar um atentado ao teto de gastos. Na visão dos responsáveis pela iniciativa, os valores “estão precificados”.

Pela sua viabilidade política, a ideia despertou a atenção de representantes dos prefeitos. Esse é um exemplo de como a ilha pode se conectar ao restante do país com mais responsabilidade.


Fernando Exman: Bolsonaro vai ter que escolher lado da briga

Cisão de pasta deixaria Guedes em situação delicada

As inconfundíveis orelhinhas inchadas sempre foram um indicativo da presença de praticantes de jiu-jitsu. Durante muito tempo, até serviram de alerta visual aos demais presentes: “Melhor manter distância ou se preparar para correr, pois haverá briga”.

Preconceito, claro. O jiu-jitsu ficou estigmatizado por causa do comportamento inadequado de parte de seus adeptos. Hoje, essa situação parece controlada. Mesmo os entusiastas que não ostentam as tais orelhas aplicam com naturalidade os princípios da arte marcial em suas tarefas cotidianas, tanto no trabalho quanto em atividades pessoais, sem medo de eventuais danos à imagem que essa correlação poderia gerar num passado recente. Em Brasília, inclusive.

Provavelmente o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, seja hoje, no centro do poder, o mais famoso praticante da arte marcial desenvolvida pela família Gracie no Brasil e que ganhou o mundo. Fux é bom de briga. Sabe defender seus pontos de vista com os instrumentos e as técnicas que estiverem à disposição, como se tem visto em seus primeiros dias à frente do STF. Entretanto, essa é outra história.

O que poucos sabem é que o jiu-jitsu também passou a inspirar a equipe econômica. E isso explica a mudança adotada pelo Ministério da Economia na sua estratégia de relacionamento com o Legislativo, desde que a pandemia avançou sobre o território brasileiro.

No início, as autoridades da área acharam que conseguiriam emplacar uma agenda dando uma “prensa” no Congresso. Foi o que o ministro Paulo Guedes chegou a defender em novembro de 2018, poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro ganhar a eleição, evidenciando como seriam conflituosas as relações entre os dois Poderes.

Acreditava-se, no grupo mais próximo a Bolsonaro, que o resultado das urnas daria força suficiente para o Executivo impor seu programa de forma praticamente irrestrita. Esses auxiliares do presidente haviam esquecido, obviamente, que deputados e senadores saíam da campanha eleitoral com a mesma legitimidade e estariam dispostos a medir forças.

O resultado é conhecido. O governo precisou ceder já na reforma da Previdência. Vieram outros embates com o Congresso, muitos dos quais ruidosos, mas Guedes procurou manter seu plano original de derrubar a trajetória futura dos gastos públicos mais descontrolados: Previdência Social, juros e despesas com o funcionalismo.

Realizada a reforma da Previdência, a qual deve impedir que os gastos da área cresçam mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos, foi a vez de o governo se preocupar com os juros. Na visão de autoridades do Executivo, o governo estava conseguindo melhorar o balanço da União, desalavancar os bancos públicos e reduzir a relação dívida/PIB.

A expectativa, inclusive verbalizada pelo próprio presidente de forma questionável poucos dias antes de uma reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), era que a Selic continuasse caindo. E isso até poderia ocorrer, se não houvesse uma mudança de percepção no mercado em relação ao compromisso do governo com o teto de gastos.

Enquanto isso, a equipe econômica trabalhava, sem sucesso, com o objetivo de controlar as despesas com o funcionalismo. Este era, afinal, o terceiro pilar da estratégia que ainda está em execução e agora deve se concentrar em ampliar o horizonte de investimentos, principalmente privados.

A primeira tentativa naquele sentido se deu quando o ministério encaminhou ao Planalto uma proposta de reforma administrativa com mecanismos que visavam estancar o crescimento dos salários dos servidores. A ala política, contudo, brecou a iniciativa.

Bolsonaro foi convencido de que emendar uma reforma à outra, ou seja, a previdenciária à administrativa, era politicamente arriscado demais. Sua popularidade seria prejudicada e o governo não demoraria a enfrentar manifestações de rua, argumentavam seus auxiliares do núcleo palaciano.

A segunda tentativa de Guedes foi durante a discussão da Proposta de Emenda Constitucional do Pacto Federativo, a qual também acabou não avançando no Congresso.

Foi então que a pandemia chegou e, com ela, nas palavras de autoridades da própria pasta, a equipe econômica decidiu se inspirar nos princípios do jiu-jitsu.

Esta é uma arte marcial que utiliza golpes de alavancas, torções e pressões. Aproveita a força e os movimentos dos adversários para - de forma silenciosa - estrangulá-los ou imobilizá-los, independentemente de seu estilo de luta ou porte físico.

Em outras palavras, o Ministério da Economia conseguiu aproveitar a crescente demanda de Estados e municípios por recursos para fazer valer sua própria vontade. Buscou sujeitar o envio de verbas ao compromisso de que o dinheiro não seria usado para aumentar salários. Gastos pontuais e emergenciais não seriam transformados em despesas permanentes e, além disso, os vencimentos do funcionalismo seriam congelados até o fim de 2021.

A ideia enfrentou resistência do Congresso, mas Bolsonaro ficou ao lado de Guedes. Porém, ao fim do segundo ano do governo, agora a equipe econômica se vê envolvida em algo que se assemelha a uma briga de rua.

Enquanto se esforçava para imobilizar os adversários que considerava mais perigosos, ela começou a apanhar por outros lados e, na confusão, pode acabar perdendo alguns pertences - parte do superministério concebido por Guedes, instrumentos de condução da política econômica, cargos e orçamento.

Os críticos da atual estrutura da pasta sugerem desmembrá-la supostamente por questões administrativas ou para abrigar aliados. Mas eles sabem que, se a ideia for levada adiante, a situação da atual equipe pode ficar insustentável. Com ela fragilizada ou até mesmo reformulada, poderia enfim ser criada a oportunidade que muitos esperam para ultrapassar de vez o teto de gastos. Caberá a Bolsonaro mostrar de que lado está da briga.


Fernando Exman: Guedes continua sob ataque especulativo

Modelo de superministérios é alvo de críticas

Brasília enfrenta por estes dias aquela época do ano marcada pela extenuante transição entre a seca e o início da temporada de chuvas. A estiagem chega ao seu ápice, pelo menos do ponto de vista de quem habita a capital federal construída no meio do cerrado, com taxas de umidade relativa do ar que se aproximam dos 10%. A torcida geral é para que qualquer chuvisco seja o prenúncio de um período mais fértil, mas o tempo é traiçoeiro e pode decepcionar os mais ansiosos. Neste clima insistentemente árido se desenrolou o jantar de segunda-feira promovido para reaproximar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o ministro Paulo Guedes, da Economia.

Para quem desejava ter notícias positivas, até que chuviscou. Gestos públicos foram feitos: o presidente da Câmara desculpou-se por chamar o chefe da equipe econômica de “desequilibrado”. Guedes, por sua vez, reconheceu os trabalhos prestados por Maia desde fevereiro do ano passado para assegurar a aprovação de itens da agenda econômica e outros projetos de interesse do governo.

Poucas horas depois do encontro, não se fala em vencedor ou derrotado. O jantar serviu a ambos, que buscavam um reposicionamento no jogo e podem ter percebido que, juntos, têm mais a ganhar neste momento.

Maia andava afastado da cena por causa da covid-19, enquanto Guedes precisava dar um novo lustre à imagem do governo e se reapresentar como interlocutor privilegiado do Executivo com a cúpula da Câmara. O MDB aproveitou a oportunidade para lançar uma boia em direção ao ministro da Economia, antes que Guedes seja arrastado pela correnteza para o alto mar, ao mesmo tempo em que se mostrou um parceiro estratégico de Maia nesta reta final de gestão à frente da Casa.

A mensagem geral foi a defesa do teto de gastos, hoje a preocupação central dos agentes do mercado e dos políticos que passaram a vincular o respeito a esta regra às perspectivas de permanência do ministro da Economia no governo.

O ambiente era propício. O anfitrião era o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU). Junto com Maia, o dono da casa desempenhou um papel central na confecção da proposta de emenda constitucional do Orçamento de guerra, instrumento que flexibilizou as regras fiscais deste ano para viabilizar, por parte do governo, o combate aos efeitos da crise decorrente da pandemia tanto na economia quanto na vida de milhões de famílias.

Dantas é o relator natural dos assuntos relativos à área econômica no TCU, o que lhe confere ainda maior legitimidade para tratar desses temas em contatos reservados ou pronunciamentos públicos. E ele tem se mostrado um defensor do teto de gastos na Corte de Contas, a despeito do assédio de integrantes do governo favoráveis à flexibilização do dispositivo constitucional que se tornou a principal âncora fiscal do país.

Os demais convivas eram principalmente do MDB, o partido que esteve à frente das articulações para a implementação do teto durante o governo Michel Temer. A sigla relata o Orçamento de 2021, a PEC do Pacto Federativo e não hesitará em ocupar os espaços políticos que a conjuntura lhe oferecer.

Ainda é cedo, contudo, para se ter uma nova previsão do tempo de Brasília.

A permanência do ministro da Economia segue sob ataque especulativo - por parte de alas do próprio governo, segmentos do Congresso e setores do mercado. Seu rigor fiscalista é questionado pela ala desenvolvimentista do Executivo, que escorou o presidente Jair Bolsonaro em seu pior momento e o ajudou a estancar as turbulências institucionais entre os Poderes que poderiam se converter num processo de impeachment.

Cessaram as ameaças ao mandato do presidente e, agora, esses setores insistem na ampliação de seus orçamentos e dos investimentos públicos.

No Congresso, a trégua esboçada durante o jantar só será realmente testada quando o ministro e Maia precisarem se sentar à mesa para discutir os temas que os levaram ao rompimento.

Um deles é a reforma tributária e a intenção do Executivo de instituir um novo imposto sobre transações financeiras. Maia sempre foi contra a recriação de uma contribuição nos moldes da antiga CPMF, mas, conforme revelou o Valor, tinha sido procurado por articuladores que tentavam convencê-lo a retirar os obstáculos à discussão do tema. Em contrapartida, o governo concordaria em levar adiante a proposta de reforma tributária por ele defendida.

Então veio o rompimento, quando o governo decidiu adiar as discussões sobre a reforma tributária para depois das eleições municipais. A estratégia interditou não só os trabalhos da comissão mista que trata do assunto, mas também atrapalhou os planos de Maia para a etapa final de seu mandato à frente da Câmara.

De forma inadvertida ou não, Guedes também acabou se intrometendo na disputa pela sucessão de Maia, ao levantar a suspeita de que o deputado teria fechado um acordo com os partidos da esquerda para se reeleger na última disputa. Em troca dos votos, diz o rumor que é rechaçado pelo grupo de Maia e aliados, haveria o compromisso de bloquear a agenda de privatizações do governo.

Quem ficou ofendido pode contra-argumentar que no início de julho Guedes estabeleceu um prazo de até 90 dias para fazer quatro grandes privatizações, mas depois não voltou mais ao assunto.

O ministro e seus auxiliares precisarão enfrentar as críticas que apontam para a pasta da Economia quando se fala do imobilismo do governo nas últimas semanas. Argumenta-se que ficou explícita a falta de contrapontos dentro da equipe econômica, algo que seria fundamental para uma melhor tomada de decisão do chefe do Executivo.

Esses críticos apontam, também, que a saída de Sergio Moro da Justiça e Segurança Pública teria demonstrado a Bolsonaro que a exoneração de superministros gera problemas pontuais absolutamente contornáveis, diante da popularidade pessoal do presidente. O ministro da Economia terá ainda mais problemas, se começar a pregar no deserto.


Fernando Exman: A reeleição acima de tudo e de todos

Base aguarda início das nomeações para o primeiro escalão

É perceptível, inclusive para quem vê de fora, quando começa a haver intimidade em um relacionamento. E isso se dá mesmo que a aproximação inicial entre as partes tenha sido conturbada, induzida por costumes ou necessidades momentâneas, e não como um meio de construir uma parceria de longo prazo fundamentada em princípios.

A convivência dá a oportunidade de um lado melhor conhecer as ideias do outro, a forma de agir, os planos. Em público, nem sempre as formalidades são deixadas para trás. Mas, no privado, pretensões individuais abrem espaço para a discussão de projetos comuns, que podem ou não se confirmar no transcorrer do tempo. Eventuais sinais de que o relacionamento se tornará abusivo não tardam a aparecer, para os mais atentos.

O governo Jair Bolsonaro e os partidos aliados vivem um momento assim. Depois de muito desprezar a política, o chefe do Poder Executivo sucumbiu. Percebeu que não teria mais como caminhar sozinho. Ao mesmo tempo, parece querer alguém ao seu lado que aceite se desgastar perante a sociedade em nome de algo maior, o seu governo, assumindo em público responsabilidades naturais do arrimo da família.

O problema do presidente é que a base está acostumada a flertar, lidar com crises e, com frequência, impor sua vontade. Sabe jogar e o vê como mais um político tradicional igual aos seus antecessores. Alguém que também só pensa em sua própria reeleição.

Líderes das siglas aliadas saem das reuniões com o presidente da República e com o ministro da Economia, Paulo Guedes, convencidos de que o governo trabalha neste momento primordialmente para permanecer no poder. Age em função do próximo pleito.

Não da eleição municipal. Em relação a esta, os presidentes e dirigentes das siglas aliadas não nutrem mais expectativas de que poderão contar com uma ampla ajuda de Bolsonaro. Concluíram que ele não irá se arriscar e vincular sua imagem a candidatos que, depois de eleitos, fatalmente enfrentarão severas dificuldades financeiras e operacionais.

Diante da tragédia provocada pela pandemia, as atuais administrações municipais tiveram uma série de dificuldades para combater o novo coronavírus e prover o atendimento aos infectados. A covid-19 se disseminou pelo Brasil e em muitas cidades os serviços de saúde foram testados ao limite.

Por outro lado, os municípios receberam um volume considerável de recursos do governo central. O auxílio emergencial garantiu a manutenção de diversos negócios locais e ampliou a arrecadação dos entes federados.

Isso não deve se repetir, ao menos nos patamares vistos atualmente, a partir de janeiro de 2021. O futuro dos próximos prefeitos é incerto. Bolsonaro não quer, a princípio, colar sua sorte à deles e depois ser cobrado.

Mesmo assim, tem seus candidatos e analisa a possibilidade de entrar para valer pelo menos nas campanhas de São Paulo, Santos e Manaus. Acha que terá capacidade de influenciar a vitória de aliados e minar o poder de adversários. Isso sem falar na publicação nas redes sociais de um santinho virtual do seu filho Carlos, embora neste caso seja difícil saber se a postagem é obra do presidente ou do próprio vereador que tenta a reeleição e possui franco acesso às senhas do pai.

Essa opção dúbia em relação à eleição municipal não deve criar maiores problemas com a base. O que chama a atenção dos aliados é a mensagem passada, pelo presidente e por seus principais auxiliares, de que a política definitivamente passou à frente da economia na fila de prioridades.

As discussões sobre a reforma administrativa ficaram em segundo plano. O Executivo enviou-a ao Congresso depois de grande relutância do próprio presidente, em razão justamente da impopularidade da iniciativa, e agora tenta se desincumbir da missão de aglutinar esforços para aprová-la. Sua promulgação seria um compromisso da classe política com a redução do tamanho e a modernização do Estado, mas é algo sequer cogitado para este ano.

O mesmo ocorre com as conversas sobre a reforma tributária. Com os líderes, os representantes do governo preferem concentrar o diálogo na necessidade de instituição de uma nova CPMF e, claro, na criação do Renda Cidadã.

A meta do governo é se aproximar de uma parcela da população que jamais esteve com Bolsonaro, transformando cidadãos até então invisíveis aos olhos de Brasília em eleitores de carne e osso na campanha de 2022. “Com o pobre, é dinheiro na veia”, acostumaram-se a ouvir os congressistas aliados em reuniões na Esplanada dos Ministérios e nos palácios presidenciais.

A princípio, o plano não desagrada quem está no barco. Em relação ao teto de gastos, o discurso oficial continuará a ser que não haverá flexibilização da âncora fiscal, mesmo que o uso de recursos do Fundeb para financiar o Renda Cidadã seja apontado como um subterfúgio.

O governo acabou dando uma bandeira à oposição, acanhada e desarticulada desde o início do mandato, na defesa da educação. Em contrapartida, pode deixar para a oposição a inglória missão de defender sozinha o pleno respeito às regras fiscais, tanto no Congresso quanto no Judiciário. No passado, PT e outros partidos de esquerda apelidaram a proposta de emenda constitucional do teto de gastos de “PEC da Morte”, mas agora dependem dela para evitar a expansão do bolsonarismo.

Já a base aceita discutir a criação de um novo imposto sobre transações financeiras depois do pleito municipal. Quer ser municiada pelo governo com informações que possam ajudar a atenuar as resistências da sociedade, mas também espera receber alguns regalos. É grande a expectativa com o início da abertura de negociações para as indicações políticas ao primeiro escalão do governo. Líderes esperam que isso ocorra depois da disputa municipal ou, no máximo, após as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado.


Fernando Exman: A fórmula bolsonarista em busca da reeleição

Desafio é conseguir manter a bandeira anticorrupção

O governo vai avançando, no discurso e na prática, em seu plano de ampliar o eleitorado disposto a reeleger o presidente Jair Bolsonaro.

A operação se dá em duas frentes e a primeira é voltada a expandir a base, além dos redutos sob a influência de aliados do Palácio do Planalto e da população ao alcance das novas políticas públicas federais. Em segundo lugar, a tarefa é evitar que eventuais desilusões com a atual administração aproximem os chamados “bolsonaristas raiz” de uma candidatura alternativa no campo conservador nos costumes, liberal na economia e identificada com o combate à corrupção.

No círculo mais próximo do presidente está claro que a aversão à política e o desgaste dos partidos com seguidos escândalos de corrupção, principalmente os protagonizados pelo PT, ajudaram-no a subir a rampa do Planalto. O desafio, a partir de agora, é manter a imagem do governo preservada, ao mesmo tempo em que o Executivo tenta se beneficiar da ampliação de sua base no Parlamento por meio de alianças com algumas dessas mesmas siglas.

A aproximação dos partidos do Centrão também pode facilitar, na visão de integrantes do governo, o trânsito de Bolsonaro nos redutos eleitorais nordestinos. Isso tende a beneficiar ambas as partes, uma vez que em 2018 ele se saiu comparativamente bem em praticamente todos os segmentos do eleitorado, mas pode melhorar muito seu desempenho na região.

Para aliados do presidente, o eleitor nordestino não tem, em geral, preferência partidária. Busca em grande parte dos casos estar próximo do poder público por necessidade e conveniência, ou seja, tende a ser receptivo em relação a quem pretende expandir sua atuação política nesses Estados e possui a máquina em mãos.

Por isso o futuro anúncio do Pró-Brasil e o lançamento do Casa Verde e Amarela podem ser vistos como parte de um esforço de refundação que está em curso no governo. A tentativa de construção de novos parâmetros no relacionamento com os outros Poderes também está nesse contexto.

O lançamento do Casa Verde e Amarela garante desde já, ao presidente e a seus aliados, um instrumento poderoso para sustentar o discurso de que as pessoas, sobretudo as mais carentes, passaram novamente ao centro das preocupações do poder central. O programa reduz a taxa de juros do programa habitacional, permite a renegociação de dívidas e promove um grande esforço de regularização de imóveis.

O poder eleitoral de uma escritura não pode ser menosprezado, assim como não passa despercebido que o programa tenha o ano de 2024 como prazo. As regiões Norte e, claro, Nordeste terão um tratamento diferenciado.

O governo fortalece seu discurso sobre o enfrentamento do deficit habitacional e faz um contraponto ao Minha Casa, Minha Vida petista.

Já o Pró-Brasil tende a propiciar ao governo um reposicionamento em outros campos estratégicos, como as discussões sobre o combate ao desemprego, a redução das desigualdades sociais, o uso mais eficiente dos recursos públicos e o tamanho do Estado.

Se por um lado esse pacotão pode conter o programa social que tentará deixar para trás a marca do Bolsa Família, o Renda Brasil, ele também deve contemplar medidas que buscam reduzir os custos de contratação e visam o aquecimento do mercado de trabalho. A recuperação da economia está no centro dos debates sobre o Pró-Brasil.

Num outro braço do pacote, Bolsonaro pode finalmente atender a uma crescente demanda de congressistas aliados e do setor privado para que envie ao Congresso uma reforma administrativa.

Neste caso, como costuma dizer, a bola passaria a estar com o Legislativo. Os ônus políticos seriam divididos e, num cenário extremo, ele até poderia novamente responsabilizar deputados e senadores por não conseguir implementar sua agenda.

É isso o que autoridades do Executivo têm feito para justificar aos bolsonaristas mais fiéis a demora na entrega de algumas promessas de campanha.

O governo pouco apresentou quando se olha para as pautas de costumes e de ampliação do acesso a armas e munições. Por diversas vezes o Planalto viu suas medidas provisórias ou projetos de lei serem retirados de pauta ou nem entrarem em discussão. Um exemplo recente ocorreu no Senado, que adiou a análise das propostas que alteram regras do Código de Trânsito como o prazo de validade da habilitação, a suspensão da carteira e o uso de cadeirinha para crianças.

Agora, o governo quer aproveitar esta nova fase de relacionamento com os presidentes da Câmara e do Senado para tentar convencê-los a pelo menos colocar em votação os projetos de autoria ou interesse do Executivo, mesmo que eles estejam fadados à derrota. Em outras palavras, defendem que a maioria do Parlamento possa impor sua vontade sobre cada tema e não se dependa da vontade dos presidentes das duas Casas do Legislativo.

O governo sabe que a pauta armamentista enfrentaria dificuldades. Mesmo assim, esse seria um jeito de dar satisfação ao eleitor cativo de 2018, que, por outro lado, assiste ainda impassível ao noticiário sobre as movimentações financeiras realizadas pelo ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz para as contas de integrantes da família do presidente.

Este assunto tira o presidente do sério em suas interações com a imprensa, mas é um tema do qual dificilmente conseguirá fugir quando a campanha se intensificar.

Os governistas intensificaram a estratégia de comunicação para mostrar que nos últimos 600 dias não houve um grande escândalo de corrupção. Eles também têm procurado dar visibilidade aos resultados de operações policiais e esperam poder se beneficiar das dificuldades enfrentadas na Justiça pelo ex-ministro Sergio Moro, que deixou o governo criticando a atuação de Bolsonaro na área. Isso tudo pode não ser suficiente para neutralizar o impacto das notícias relacionadas à atuação de Queiroz. A eleição está longe, mas a disputa ganha cada vez mais forma.