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Elena Landau: Perigo real e imediato

Se algo positivo pode sair dessa crise é o fim da carreira desse protótipo de ditador 

Este governo nunca expressou empatia por ninguém. À essa indiferença se juntou a falta de noção. Não chega a ser uma surpresa: o obscurantismo sempre foi a sua marca. Bolsonaro tratou tudo com desdém: “histeria, se eu estiver infectado o problema é meu, vamos manter cultos e missas, sobrevivi a uma facada, não é uma gripezinha que vai me pegar”. Afinal, ele tem histórico de atleta. A lista de despautérios é imensa. É todo dia um.

Seu pronunciamento foi o ápice dessa marcha da insensatez. Ele tem um padrão que parece errático, mas é bem pensado. Faz e desfaz, e vai testando os limites. Começou a semana dando sinais de que tinha entendido a gravidade da crise. Também se reuniu com governadores, a quem havia chamado de lunáticos. Tudo parecia caminhar para um mínimo de normalidade.

Seus cinco minutos em rede nacional mostraram que não passava de uma farsa. O desatinado se revelou em toda sua mesquinharia, fez piadas com Drauzio Varella, atacou a mídia, jogou por terra todos os esforços que a equipe do Ministério da Saúde vinha fazendo para manter o distanciamento social e provocar o achatamento da curva da epidemia. E ainda criou uma crise institucional com os governadores. Ele acha que está num jogo ganha-ganha; se o isolamento for mantido por eles, e funcionar, vai manter a tese da gripezinha.

Nada é feito sem pensar. Empresários ligados a ele coordenaram uma campanha nas redes sociais defendendo a estratégia de isolamento vertical. Era um teste. Gostou da repercussão e partiu para o confronto com governadores e infectologistas. Nosso presidente já era considerado o pior líder mundial na condução do combate ao vírus. Agora, virou hors-concours.

Muitos votaram nele esperando que o “capitão”, que nem sequer carreira militar conseguiu seguir, fosse comandar o país na “guerra contra o comunismo”. Se mostrou despreparado para liderar qualquer coisa, a não ser sua própria família, composta de outros incompetentes. A incapacidade intelectual para conduzir o país era esperada, a ela se juntou a psicológica e, mesmo, ética. Bolsonaro embrulhou seu discurso contra o isolamento com a necessidade de preservar empregos. Populismo puro. Ele não está preocupado com a vida de seus cidadãos, nem com o sustento de famílias vulneráveis ou com os milhões de brasileiros que veem sua renda ser interrompida da noite para o dia. O foco dele é 2022, bem revelado no bate boca com Doria.

O Tesouro e o Banco Central atuaram para garantir recursos para saúde e injetar liquidez na economia. Mas não é suficiente. As iniciativas têm se concentrado no mercado de trabalho privado e formal, enquanto nada tem sido proposto para o setor público, onde estão os 20% mais ricos da população, e com estabilidade de emprego. O governo segue a reboque das iniciativas do Legislativo, sugestões da sociedade civil e especialistas fora do governo. Mas sem a urgência necessária. Nem mesmo os míseros 200 reais foram viabilizados. Governo só se mexeu quando a Câmara assumiu o projeto e ampliou o valor.

A epidemia revelou os males de um país terrivelmente desigual. Como lavar as mãos onde falta saneamento e sabão é item de luxo? Como fazer distanciamento social para famílias que dividem um único cômodo? A solidariedade vem suprindo a ausência de poder público nas comunidades. A falta de proteção social a esse enorme contingente da população nas medidas anunciadas escancara a desumanidade do governo.

Na ausência de uma rede de proteção social, é natural que bata um desespero e as pessoas prefiram trabalhar a ficar em casa. A resposta à angústia não é colocar vidas em risco. Só que na economia, o piloto sumiu. A calibragem entre medidas econômicas e o controle da epidemia precisa de um coordenador com credibilidade. Guedes continua obcecado com as reformas, quando estamos em meio a uma guerra. Elas sempre foram necessárias, mas governo jogou um ano fora.

Bolsonaro só está preocupado com os efeitos da recessão sobre a avaliação de seu governo. Em mais um de seus sincericídios, afirmou que se a economia desanda, o governo perde apoio, e lá se vai a campanha de reeleição para o brejo.

Se algo de positivo pode sair desta crise é o fim da carreira política deste protótipo de ditador. Ele busca o confronto com o Legislativo, parecendo querer testar sua popularidade com uma tentativa de impeachment frustrada, que dê a ele o que sempre quis: governar sozinho, sem a chateação dos outros poderes e da imprensa.

Que em 2022, não seja a polarização a comandar os votos. E que a competência e experiência, que foram ignorados no primeiro turno de 2018, sejam fatores determinantes na escolha de um líder capaz de conduzir o país numa crise.

O negacionismo científico do presidente, especialmente na educação e no meio ambiente, já estava comprometendo gerações futuras, mas agora é mais grave; está colocando em risco vidas, milhares delas. O perigo é real e imediato. Bolsonaro quer colocar a conta da recessão nos governadores e prefeitos. Com quem ficará a conta dos mortos?


Elena Landau: Sem rumo, sem laços

Bolsonaro vive em outra dimensão; não indica estar preocupado com a crise

Ken Loach fez um filme forte. Para mim, mais perturbador que Parasita ou Coringa, muito bons e grandes vedetes do ano. Mas nesses me senti distante daquelas realidades, apesar da relevância da discussão sobre desigualdade de renda, pobreza e violência retratados. Em Você Não Estava Aqui, a experiência foi oposta. A direção é seca, com atores excepcionais, sem trilha sonora ou glamourização na atuação e na cenografia. A vida como ela é.

Cansado de pular de emprego, dos patrões e da falta de oportunidades compatíveis com sua experiência, Ricky resolve se arriscar e virar autônomo. Vai ser entregador de encomendas. É avisado na partida de todos os riscos que estava correndo, tanto pelo contratante de seus serviços quanto pela própria mulher. Mas se joga. Não vê alternativas. A realidade, no entanto, se revela muito pior que imaginava.

O filme é visto como uma denúncia sobre a precarização das relações trabalhistas. É mais que isso. Há questões importantes ali levantadas, como a queda do padrão de vida após a recessão de 2008, os adolescentes que perdem interesse no ensino tradicional e a terrível realidade da falta de emprego para a meia-idade. Todos temos por perto alguém vivendo a mesma situação de desesperança. É o retrato de uma família que poderia ser a nossa. Um soco no estômago.

É passado no Reino Unido, mas faz pensar sobre Brasil. O impacto da nova revolução tecnológica sobre mercado de trabalho ou a necessidade de adaptação do currículo escolar, que evite a evasão de jovens, são temas comuns. A grande diferença está na rede de proteção social, que aqui não existe. Lá, serviços públicos ajudam a família a lidar com a situação por eles inesperada. Transporte que permite à mulher, mesmo que com muito sacrifício, manter seu emprego como cuidadora; acesso à rede de saúde, e uma escola que mantém um acompanhamento rigoroso da frequência e desempenho dos filhos.

Aqui, o País está despreparado e, pior, parece despreocupado para enfrentar a revolução tecnológica disruptiva dos dias atuais. Muitas profissões estão deixando de existir. O assunto é sério, por isso, é injustificável a indiferença com a requalificação, ou mesmo a qualificação, do trabalhador brasileiro. O abandono da área de Educação, a mais importante porta para igualar oportunidades, hoje comandada por um incapaz, é mais que chocante. É criminosa.

A indiferença social deste governo está por toda a parte. O desmonte do Bolsa Família, as filas no INSS e a desumanidade na prova de vida convivem com a proteção à indústria e o gigantismo do Estado. Pequenos arroubos liberais não atingem a elite empresarial ou as fortes corporações. Não há privatização, abertura comercial ou eliminação de isenções e créditos tributários. A competitividade e a produtividade seguem baixas, e não geram emprego nem em quantidade nem com qualidade necessárias. O governo é liberal na pregação, mas capenga na prática.

E agora temos uma crise recessiva e humanitária com o coronavírus para aprofundar os problemas que já temos, que vai exigir respostas mais efetivas. Frustrados com o fraco desempenho da economia, muitos vaticinam: “o modelo liberal não deu certo”. A verdade é que ele nem sequer foi testado. Faltaram políticas públicas que gerem igualdade de oportunidades, mobilidade social e assistenciais, que terão que ser ampliadas em tempos de covid-19. Nesse ambiente, a pressão pelo abandono do controle de gastos aumentou e o apelo ao retorno ao que já deu errado cresce.

A única resposta para uma sociedade atônita foi a insistência de Guedes nas reformas. A lista de “prioridades” do ministro de Economia é longa e confusa. Traz 19 projetos e 48 propostas. A falta de empatia dos governantes com a população assusta.

As reformas são importantes, claro, mas já o eram no 1.º dia de mandato. A Previdência foi aprovada na Câmara em junho do ano passado. Nada mais aconteceu nesses nove meses. O governo não se empenhou sequer na votação da PEC, que traz “emergência” no nome. A desarticulação e o despreparo são reflexo de um governo que tem desprezo pela política e pela democracia.

Indiferente, o presidente mantém sua briga pessoal contra os Poderes Legislativo e Judiciário. Nada indica que esteja preocupado com a grave crise nacional e internacional. Vive em outra dimensão. Não há uma resposta para a crise. Um retrato do liberalismo sem alma e sem direção deste governo.

O filme de Ken Loach termina com um pedido: “Quero voltar ao que tínhamos antes”. Impossível. Não tem volta.

* Economista e advogada


Elena Landau: A Desumanização

Este governo teima em separar, desunir e antagonizar

A Desumanização é o título de um lindo livro de Valter Hugo Mãe. Em tempos de discussão sobre gravidez precoce, sua leitura é imperdível. Mostra numa escrita quase poética as consequências cruéis da falta de acolhimento familiar nesses casos. Roubei para usar aqui no seu sentido literal. Cai como uma luva para ilustrar a falta de humanidade deste governo, intolerante aos diferentes dele.

Presidente, filhos, ministros e colaboradores perderam a censura e com ela a cortesia. Pode ser bom que revelem o que realmente pensam, sem disfarces. Mas choca porque estão no comando de políticas públicas para todos os brasileiros, e não apenas seus eleitores. Políticas que deveriam ser desenhadas para integrar, unir, gerar oportunidades a quem não tem.

Essa é a essência do liberalismo. Mas este governo teima em separar, desunir e antagonizar.
Cada vez parecem se sentir mais à vontade para suas impropriedades, e vão subindo o tom. Não é só o conteúdo que ofende, mas a forma, que amplifica a ofensa. Gestos impróprios na porta do Palácio, # com palavrões, xingamentos a seguidores nas redes sociais. A agressividade dos seus apoiadores é estimulada pelo exemplo de cima, transformando a internet em uma praça de guerra.

Não deveria ser surpresa. Afinal, Bolsonaro começou sua campanha na votação do impeachment homenageando Ustra. Nada mais desumano e covarde que a tortura.

Todo dia é um 7 a 1. Compartilham ataque covarde e sexista a uma jornalista. Outra foi mandada de volta para o Japão. Debocham das aparências das mulheres. Aplaudem vídeos nos quais o homossexualismo é apresentado como origem de perversidades e dizem que portadores de HIV pesam no orçamento. Se divertem quando jornalista do “círculo do poder” faz chacota de brasileiro em palestra.

O Goebbels tupiniquim só foi demitido, a contragosto do chefe, porque se sentiu tão à vontade que saiu do armário. Na Fundação Palmares está alguém que acha que a escravidão foi uma bênção para os negros. Um ministro, que nos remete ao personagem Justo Veríssimo, acha que pobre não sabe poupar, destrói o meio ambiente e não pode ir a Miami. Vivem numa bolha. E partilham das mesmas ideias.

Tudo isso é condenável, não porque atrapalha andamento das reformas ou nos faz passar vergonha em fóruns internacionais. A falta de empatia, combinada com uma tendência autoritária, é perigosa.

Os exemplos desses despautérios são muitos. Vou me concentrar na questão da Aids, porque revela não só preconceito, mas total falta de preparo para analisar e implementar políticas públicas

O programa brasileiro de prevenção e tratamento da Aids é reconhecido mundialmente pela sua excelência. Iniciado em meados dos anos 90, permitiu reverter as projeções mais pessimistas do início daquela década.

O plano se baseia em distribuição gratuita de medicamentos e camisinha; testes gratuitos; profilaxia para a pré-exposição de pessoas que se relacionam com infectados. Há muito preconceito nessa área. A testagem é importante para reduzir o risco de transmissão e fundamental para melhorar a qualidade e expectativa de vida do portador. Exames para diabetes e colesterol são feitos com naturalidade, já HIV não faz parte da rotina, mas deveria. A prevenção é a chave.

Quando o coquetel foi descoberto, em 1995, o Brasil e a África do Sul tinham a mesma porcentagem de sua população infectada pelo HIV. Os dois países seguiram estratégias diferentes. Hoje são 10% de sul-africanos, maiores de 15 anos, portadores. Porcentual que aplicado ao Brasil equivaleria a 17 milhões, em lugar dos 800 mil brasileiros infectados hoje. É resultado da distribuição gratuita de medicamentos, que reduzem a carga viral e a transmissão. São milhões de vidas poupadas.

A distribuição de medicamentos custa aos cofres públicos apenas R$ 1,8 bilhão ao ano. Seria importante registrar também as despesas evitadas para tratamento da doença no SUS. A quebra de patentes e o uso de genéricos permitiu a redução sistemática do custo dos medicamentos antirretrovirais, que significa hoje menos de 0,06% dos gastos públicos anuais.

Apesar disso, o presidente Bolsonaro declarou em entrevista que “pessoa com HIV é despesa para todo o Brasil”. Faz dobradinha com o ataque ao jornalista com “cara de homossexual terrível”.

Todo tratamento, de qualquer doença, é despesa, seja pressão alta, diabetes ou sarampo. Com sua forma peculiar de fazer política pública, a declaração foi baseada no relato de uma obstetra amiga. Palpite caseiro. Ao ser cobrado pela imprensa, deu uma banana para os jornalistas. Por todo conjunto de sua obra, parece evidente que o problema do presidente com o HIV não é o custo do tratamento.

Já é lugar comum apontar as impropriedades ditas por este governo. Às vezes, voltam atrás, mas, na maioria dos casos, colocam a responsabilidade na imprensa. As falas são sempre retiradas do contexto. A culpa é sempre dos outros.

Mas as palavras ficam.

* Economista e advogada


Elena Landau: Contabilidade criativa

O Estado está presente onde não se justifica e é ausente onde ele é necessário

A Constituição, no seu artigo 173, definiu que a presença do Estado na atividade produtiva é exceção e não regra. Privatizar, além de seguir o princípio constitucional, reduz o déficit público e permite que o Tesouro use os recursos para fins socialmente justificados. Um bom programa de privatização deve também estimular a concorrência e trazer ganhos de produtividade e eficiência.

O programa do governo atual conta qualquer operação de venda como privatização: venda de subsidiárias, de posições acionárias, de projetos de infraestrutura, leilões de óleo e vendas de campos da Petrobrás – tanto faz. A nova contabilidade criativa disfarça a timidez e lentidão da desestatização do governo Bolsonaro. A frustração é grande. O R$ 1 trilhão virou piada, e mesmo sabendo-se que Bolsonaro é contra a privatização, a expectativa era que Guedes conduzisse um programa ousado para cumprir a promessa de redução dramática da dívida pública com recursos das vendas das estatais.

Mas o processo, hoje, se resume ao desinvestimento em participações minoritárias e de subsidiárias das estatais- mãe. Não se discute que o enxugamento de ativos e o uso do desinvestimento para reduzir o endividamento e dispersão de atividades das estatais é uma estratégia positiva. “Melhor do que nada”, diriam alguns. Mas é pouco perto do que precisamos.

Essa estratégia não contribui para a redução da dívida, nem para reforma do Estado. Os recursos obtidos ficam à disposição dos dirigentes das empresas- mãe. É só na eventualidade de pagamento de dividendos, para a União e minoritários, que chegam aos cofres públicos.

O Estado continua onipresente e limitando a liberdade do mercado. Petrobrás mantém seu monopólio no gás; Banco do Brasil, a exclusividade no crédito agrícola; e a poupança dos trabalhadores continua compulsoriamente administrada pela Caixa.

Na agenda verdadeiramente liberal não cabe o apelo a “setores estratégicos”, conceito que varia ao sabor da tendência política de cada governante. Como já escrevi várias vezes neste espaço, o art. 173 deveria ser a regra do jogo, o norte do programa, mas vem sendo ignorado por completo. Nem mesmo estatais “do PT” estão no horizonte de privatização deste governo.

A venda de ativos vem de decisões da administração das empresas que não passam pelo Conselho do Programa Prioritário de Investimentos (PPI), nem estão incluídas no PND. Não seguem uma orientação do Ministério de Economia que, aliás, não tem comando sobre o processo, como revela a ausência gritante da Valec, EPL, Infraero e EBC na lista do PND.

A redução da presença do setor público, que se obtém vendendo subsidiárias ou participações minoritárias, pode se revelar temporária. É provável que uma estatal fortalecida financeiramente venha a reinvestir e expandir de novo seus negócios. Afinal, não há governança que não possa mudar ao sabor da política e da pressão dos “aliados”. Nada mais revelador do que a recriação da Telebrás no governo Lula.

E por falar em governança de estatais: como justificar que o governo suspenda peças de propaganda, cancele palestras de seus críticos, deixe no ar a ameaça de intervir nos preços dos combustíveis e indique diretores, apesar da lei das estatais? Só a venda definitiva garante uma redução permanente da presença do Estado na economia.

No Fla-Flu das redes sociais, o que vale é quantidade. A qualidade do programa pouco importa. E o governo aproveita para surfar nesta onda. Prometeu arrecadar R$ 150 bilhões, sem, no entanto, revelar a origem dessa estimativa. A julgar pela contabilidade do ano passado, vale tudo. Até mesmo a venda de participações minoritárias em sociedades privadas, o governo conta como privatização. Difícil privatizar o que já é privado.

Com essa contabilidade criativa, tenta convencer a opinião pública de que há um amplo programa de privatização em curso. E não há.

A cada manifestação, a meta anunciada pelo secretário de desestatização muda de apelido: 300 empresas, 300 negócios, 300 ativos ou 300 companhias. Não são a mesma coisa. A narrativa oficial coloca qualquer desinvestimento de estatais como privatização. Não é.

A lentidão do processo é atribuída à burocracia no PND e à má vontade do Congresso. Toda privatização, pequena ou grande, sofre resistência política. Foi sempre assim. Não paralisou Eduardo Leite, que aprovou até uma PEC, nem impediu que Temer enviasse ao Congresso um projeto para liberar a venda da Eletrobrás que, aliás, é a única iniciativa enviada ao Legislativo até o momento e que conta com apoio de Maia. Este governo poderia seguir o exemplo e enviar um PL para bancos públicos e Petrobrás. Só assim se saberá de fato o que pensa o Congresso, que ainda não foi testado. Mas se o próprio governo é contra, fica difícil.

O Estado está presente onde não se justifica e é ausente onde ele é necessário: Enem, Sisu, INSS e Bolsa Família. Governo federal poderia seguir o exemplo do governador do Rio Grande do Sul.

*ECONOMISTA E ADVOGADA


Elena Landau: Coalas

A receita da Austrália é simples: rigor fiscal, câmbio flexível e economia aberta

Coalas e jornalistas são espécies ameaçadas de extinção, uma pelos trágicos incêndios que atingiram a costa leste da Austrália, outra apenas por um mórbido desejo de um presidente que não convive bem com críticas.

Os ataques à mídia vêm escalando, dos boicotes via propaganda e exclusão de licitação ao desejo de extinguir a classe. É mais uma ameaça desse governo aos pilares da democracia liberal. Essas investidas têm consequências: dão base para os intolerantes saírem do armário nas redes sociais, cometerem atentado terrorista e tomarem decisões judiciais absurdas, como a censura imposta ao episódio de Natal do Porta dos Fundos. A reação da sociedade, em defesa da democracia e liberdade de expressão, ajuda a dar limites ao presidente.

O Congresso teve importante papel ano passado, ao dar andamento a uma agenda econômica relevante, mas também ao recusar iniciativas da Presidência de viés populista ou autoritário. O STF é mais errático, deu suporte inicial à fragilização do Coaf, mas se posicionou claramente contra os rompantes de Bolsonaro. Por enquanto, os pesos e contrapesos da democracia vão funcionando.

Os coalas têm menos sorte. Um verão excepcionalmente quente e seco tem tornado os incêndios, normais nesta época do ano, incontroláveis. Lá, como cá, os governantes não dão muita bola para o meio ambiente e ignoram os perigos do aquecimento global. O fogo consumiu áreas equivalentes nos dois países. Mas as semelhanças param aí: a Amazônia não pega fogo sozinha. Piadinhas com Macron e ONGs mostram o nível de irresponsabilidade de nosso governo. As queimadas em 2019 foram 30% maiores que no ano anterior, por obra de homens, que se sentiram encorajados pelo discurso do próprio presidente. O Dia do Fogo é um exemplo.

Acabo de voltar da Austrália, longe dos incêndios. Estava mais ao norte, nas praias de areias brancas e água transparente, com corais maravilhosos e peixes coloridos. Parece loucura viajar para o outro lado do mundo para ir à praia, se tenho o privilégio de ter o Arpoador logo ali e tantos lugares lindos pelo Rio e Brasil.

Me dei conta nessa viagem que férias para o carioca é achar um lugar para relaxar do estresse permanente que significa viver nesta cidade. A abertura oficial do carnaval mostrou cenas lamentáveis, arrastão e destruição. Difícil encontrar um grupo, de qualquer classe social ou região, que não tenha um parente ou amigo morto num assalto. Só contando com a sorte. Injusto colocar essa pecha só no Rio. Quando fui para uma praia paradisíaca na Bahia, passei a noite de Natal sob a mira de uma espingarda. E só estou aqui para contar porque não havia armas na casa e nenhum cidadão de bem reagiu.

Não falo só da violência, mas também da incivilidade e desrespeito que transformaram o Zé Carioca em um povo mal-humorado e descortês. São os estacionamentos em fila dupla; os cruzamentos fechados; o dirigir pelo acostamento; a mulher grávida e o idoso em pé nos transportes públicos; a bicicleta na calçada e/ou na contramão e o altinho na beira d’água. Sair dessa rotina é férias. Tanto faz se vou apenas à praia. Só não ter uma caixinha JBL batendo estaca aos berros é férias. Beber água limpa é férias.

Não por acaso, em 2018, o Brasil atraiu menos estrangeiros que o Irã e a Ucrânia, e arrecadou apenas R$ 6 bilhões com turismo, um terço do pequeno Portugal. Ano passado ainda registrou queda de 5% por conta da violência e da péssima imagem do País no exterior. Em boa hora Bolsonaro cancelou sua ida a Davos. Iria ser confrontado sobre política ambiental e a estapafúrdia condução do Itamaraty. Um constrangimento a menos.

Por onde andei na Austrália vi o oposto daqui: civilidade e cordialidade. Cidades onde nem sequer há sinais de trânsito. A população se preocupa com meio ambiente e cuida. Estava em um lugar deserto e procurei uma lata de lixo. Não tinha. Só uma placa: “O que você trouxe, você leva”. Simples assim. Educação e cultura têm esses efeitos.

Os economistas gostam de comparar os indicadores de produtividade do Brasil com os da Coreia do Sul e mostrar como perdemos o trem da história. Talvez a Austrália seja melhor referência, já que depende também das commodities e vem registrando déficits em conta corrente por muitos anos.

Como as nossas contas externas voltaram ao noticiário, o interesse no modelo “aussie” aumentou. A receita é simples: rigor fiscal, taxa de câmbio flexível e economia aberta. Já avançamos nas duas primeiras, mas continuamos uma das economias mais fechadas do mundo. É difícil entender como um governo que se diz liberal na economia não tem uma política de abertura comercial no radar. Sem ela e sem reforma ampla do Estado – administrativa e desestatização –, não conseguiremos um salto de produtividade.

Bolsonaro até andou falando de privatização e a venda dos Correios subiu no telhado. Mas isso é assunto para a próxima coluna.

* Economista e advogada


Elena Landau: Exterminadores do futuro

Que futuro pode ter um país sem educação e cultura; sem história; sem imprensa?

Fui contra o impeachment da Dilma. Pensava que seria pedagógico deixar o ciclo da equivocada política econômica, iniciada ainda no governo Lula, se encerrar. O fracasso da Nova Matriz Econômica nos livraria das tentações populistas, se não para sempre, por muito tempo. Não estava de todo errada, porque há muitos que, ignorando a recessão e o desemprego gerados, ainda advogam por um aumento dos gastos. Mas Temer assumiu e com ele uma equipe econômica de primeira, que colocou a economia nos trilhos.

Impossível ignorar a importância do interregno do governo Temer, que iniciou o – longo – processo de recuperação cíclica da economia brasileira. Imagine onde estaríamos com a passagem direta de um país quebrado para um governo sem nenhuma experiência em políticas públicas?

A continuidade dos ajustes nas contas públicas e a aprovação da reforma da Previdência mudaram o humor da economia e, se não nos prometem um futuro brilhante, mostram uma luz no fim do túnel. Resta torcer para o País crescer de forma sustentada, acima do normal da economia brasileira, para que empregos sejam gerados e pobreza e desigualdade reduzidas.

Como só de economia não se faz um país, não podemos fechar os olhos para o retrocesso civilizatório deste governo. O reformismo econômico, que se pretende liberal, não compensa a destruição que se vê em importantes pilares da democracia liberal.

A ousadia destrutiva de Bolsonaro surpreende até os mais pessimistas. Juntou em torno de si um grupo de exterminadores do futuro. Que futuro pode ter um país sem educação e cultura; sem história; sem imprensa; com meio ambiente em risco; sem liberdade de expressão; que elogia torturadores e ditadores, que ataca nas redes uma senhora de 90 anos, que dedicou sua vida a este País através de sua arte?

Governos totalitários começam por desmontar a cultura e a liberdade de expressão. Não querem cidadãos críticos, que pensem, que perguntem, que duvidem. As fake news devem ser recebidas sem questionamentos. ONGs que se dedicam à defesa do meio ambiente derramam óleo de seus navios e tocam fogo na Amazônia financiadas por um ator de Hollywood. O rock é a porta do satanismo e do aborto, brasileiros são ladrões de mantas em aviões. Caetano e suas letras estimulam o analfabetismo. As universidades federais são grandes plantações de maconha e seus laboratórios produzem drogas químicas.

Ao mesmo tempo, há fatos que, se fossem falsas notícias, seriam ótimos: filmes brasileiros têm seus cartazes retirados do site da agência de fomento do cinema e no comando da fundação que atua contra o racismo, um racista. Uma ministra vai a eventos esperando ver mulheres com crucifixos na vagina, outro trata com naturalidade a possibilidade de um novo AI-5, e até o general Franco é homenageado com citações a seu lema predileto. Na cultura, o “tal do Alvim” foi premiado pela agressão que fez à Fernanda Montenegro e se cercou de um bando de lunáticos. Poderia ser motivo de chacota, não fosse um movimento racional e planejado para desmontar a cultura neste País. Não está nada engraçado.

O presidente ri. E seus seguidores tomam essas loucuras como verdade, reproduzindo os despautérios e mentiras. É uma caça as bruxas, típica do pré-Iluminismo. Uma alma religiosa e complacente diria: “Perdoai-os Senhor, eles não sabem o que dizem”. O grave é que sabem e, usando o santo nome em vão, destilam um ódio e preconceito em nada compatível com qualquer ensinamento cristão. Está faltando mais papa Francisco, e sobrando o mago de Virgínia, na vida desses fiéis. Infelizmente, a lista de absurdos é longa e nada indica que vai parar de crescer.

O extermínio não é exclusividade do governo federal. O Rio de Janeiro está se desmontando por um misto de má administração e desamor pela cidade. Crivella é, sem dúvida, o pior prefeito da história, e olha que a concorrência é grande. Sobre Witzel, deixo o drible que levou de Gabigol falar por si. Não sei como, no futuro, vou conseguir explicar ao meu neto que do Rio saíram Crivella, Witzel e Bolsonaro.

A sensação de impotência é grande. Muitos se perguntam como barrar o avanço do autoritarismo e do obscurantismo. A Justiça impediu a posse de Sérgio Camargo na Fundação Palmares. É um caso excepcional porque suas declarações sobre escravidão e racismo são incompatíveis com a missão da Fundação, diz a sentença, confirmada na segunda instância. Muitos viram a decisão como uma intervenção indevida do Judiciário no direito da administração pública de escolher seus executivos. Só o despreparo não é motivo para impedir a posse de um administrador público. Se essa moda pega, vamos brincar de resta um.

O voto continua sendo nossa única arma para evitar que o futuro seja colocado em risco. Três anos parecem uma eternidade, mas as eleições municipais podem ser o começo da mudança. Hasta la vista, baby.

Feliz Natal!

* Economista e advogada


Elena Landau: Chama o Chacrinha

Para ganhar apoio da sociedade, importância de PECs deve ficar bem clara

O governo enviou, recentemente, três propostas de emendas constitucionais visando reorganizar as finanças públicas e recuperar os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal, que foram sendo abandonados pelo caminho com aval dos Tribunais de Contas dos Estados, e mesmo do STF.

As emendas são bastante complexas, mas mesmo que apresentadas em separado, elas estão conectadas. A lógica do processo não é de fácil entendimento, ficando circunscrita aos especialistas em contas públicas. Para ganhar apoio da sociedade, é fundamental que fique clara a importância de cada uma das medidas propostas, como se articulam, qual o objetivo final e por que o saldo das mudanças é positivo, ainda que imponha perdas para alguns grupos. Foi assim que a reforma da Previdência conseguiu ser aprovada este ano, após dois anos de debates, campanhas de esclarecimento e negociação política.

Complementando essas três PECs, o governo anunciou outra para a simplificação tributária, que deve ocorrer em etapas, ao longo de 2020. A prometida reforma administrativa subiu no telhado, deve ser desidratada, mas não foi ainda abandonada. Tudo isso aprovado, no conjunto, começa a dar um novo desenho ao Estado brasileiro. Mas refundar o Estado ainda vai exigir muitas outras medidas e mais radicais, lembrando que a privatização continua muito tímida. Que o governo não pare por aqui.

Temos uma carga tributária elevada, empresas estatais que não se justificam, número excessivo de funcionários públicos, baixa produtividade e serviços públicos de péssima qualidade. Não deveria, portanto, haver dúvidas sobre a importância das medidas. Mas em uma sociedade patrimonial, acostumada a depender do Estado para tudo, o programa proposto é mais que um pacote econômico, é um choque cultural. Começa agora a fase mais difícil dos trabalhos, que é o convencimento da sociedade e de seus representantes no Legislativo. Ela envolve todo o governo, não só a equipe econômica.

A ausência de uma boa estratégia de comunicação pode ser fatal. Os exemplos da inabilidade deste governo nesse quesito são muitos e, por isso, não surpreende o número de iniciativas de Bolsonaro derrubadas pelo Congresso. Essas PECs são importantes demais para que deslizes na comunicação coloquem tudo a perder. Não são vendetas pessoais, nem fazem parte de uma guerra ideológica.

Fora o contexto geral de grande complexidade, há detalhes em cada uma das emendas que vieram à tona conforme as propostas foram sendo destrinchadas. E neles mora o diabo. Duas propostas causaram reação imediata: o fim dos municípios sem autonomia financeira e a desobrigação do governo em construir escolas públicas em locais carentes de vagas, utilizando bolsas para inscrição em escolas privadas, os vouchers.

A ideia de reduzir número de municípios pode ser boa, se o objetivo é a redução de gastos públicos. Mas não estão claros os critérios, nem como será feita a transição. Os habitantes de lugares isolados reagiram imediatamente. Temem o esquecimento. Lembrando que esse assunto será votado em plenas eleições municipais, tornando o desafio da comunicação ainda maior.

A questão das escolas públicas é bem mais complicada. Nem mesmo entre os especialistas há consenso sobre a ideia dos vouchers. O ideal é fazer um experimento estatisticamente controlado antes de partir para uma mudança constitucional. E se o governo acha a ideia tão boa, com base no fato de o custo por aluno em escolas privadas ser menor, não deveria limitá-la a locais com carência em vagas nas escolas públicas. Não deveria haver restrições. Educação é um tema que exige bem mais reflexão.

A objetividade e simplicidade de uma PEC ajuda imensamente na sua compreensão. Esses jabutis colocados pelo próprio governo em nada contribuem para sua aprovação. Dizem que são bodes na sala, não me parece o caso. E podem contaminar a apreciação de todo o resto.

A coerência também é fundamental para a persuasão. A ideia de submeter os Tribunais de Conta Estaduais ao TCU vai na contramão do compromisso “Mais Brasil, menos Brasília”. E ainda deve sofrer questionamento sobre sua constitucionalidade. Da mesma forma, a política de desoneração para estimular o 1.º emprego é contraditória, com a redução de subsídios e incentivos prevista na PEC do pacto federativo. Mas se o governo abriu exceção para Zona Franca de Manaus, por que não para o jovem desempregado? E por que deixar o idoso de fora? Conter outras demandas será mais uma árdua tarefa política.

Vem sendo exibido em escolas e centros acadêmicos um documentário sobre os 25 anos do real, produzido pelo Livres. Talvez a melhor lição que se tira das entrevistas com os autores do plano é a importância da boa comunicação. Esclarecer, dialogar e convencer foi o segredo. Quem não se comunica, se estrumbica.

*Economista e advogada


Elena Landau: Agora vai

A perda de momentum no Senado no segundo semestre não abalou a fé dos investidores

Mesmo que o resultado do megaleilão tenha jogado água no chope, esta foi uma boa semana para economia. O Relatório Focus aponta inflação baixa, redução da taxa básica de juros e melhora nas projeções para o crescimento de 2020. Sempre é preciso cautela com essas estimativas. Vamos lembrar que o ano começou com expectativa de 2,8% para o PIB e vai terminar perto de 1%. Claro que a crise da Argentina e a tragédia de Brumadinho atrapalharam. Mas não se pode desprezar o erro estratégico do governo de colocar todas as fichas na reforma da Previdência, gerando uma paralisia dos investimentos no 1o semestre.

A perda de momentum no Senado no segundo semestre não abalou a fé dos investidores. Sem esses fatores negativos, a retomada cíclica aponta para um crescimento de, pelo menos, o dobro para ano que vem. Ainda medíocre. Se nada atrapalhar os bons ventos, pode-se pensar em algo próximo de 3%, segundo algumas das projeções do mercado. Oxalá.

Para ajudar no bom humor, Paulo Guedes, enfim, anuncia seu projeto para a economia. Mas o papel do ministro não se encerra com o envio do pacote ao Congresso. São inúmeras PECs a serem discutidas ao longo de 2020 e que afetam privilégios de grupos específicos. O lobby dos descontentes vai tentar convencer que o ajuste é ruim para todo mundo. O mesmo filme que se viu na Previdência.

O chefe da PGR foi rápido e já se manifestou contra a “injusta” redução de seu período de 60 dias de férias. A reforma da seguridade também atravessou uma guerra de narrativas durante dois anos e chegou este ano ao Congresso madura para discussão. Ainda assim, sua aprovação se arrastou meses - deu até tempo da aprovação da PEC Paralela em 1º turno pelos senadores. O presidente interrompeu o ritmo das discussões no Senado ao impor a indicação de um filho para uma embaixada. Prioridades.

O conjunto de mudanças não trouxe surpresas, é uma proposta de ampla reforma fiscal na linha já esperada. A verdadeira batalha será organizar prioridades e a sequência de votações, já que foram abertas muitas frentes ao mesmo tempo. Todo cuidado é pouco, toda a habilidade será necessária. Inexplicavelmente a Zona Franca de Manaus mantém seus benefícios e algumas carreiras, como militares, juízes e procuradores, ficaram de fora do aperto. Começou errado. A contribuição tem que ser de todos os segmentos. Se outras exceções forem concedidas – não faltará pressão –, podemos terminar com corte de gastos abaixo do projetado, no contexto de um novo pacto federativo que prevê a transferência de recursos para estados e municípios.

Depois dos desacertos na insistência com capitalização e CPMF, que nos fez perder um tempo precioso, Guedes entendeu que sem articulação política não se faz uma PEC, muito menos quatro. Maia e Alcolumbre já parecem estar comprometidos no esforço de aprovação.

Da mesma forma, o STF precisa estar ciente de que regras para funcionalismo e vinculações orçamentárias devem mudar para diminuir despesas obrigatórias e abrir espaço para investimentos públicos. Mas, acima tudo, a sociedade deve estar convencida de que, se algumas categorias perdem, no conjunto, o país sairá melhor.

O governo também acena com um novo rito para as privatizações, seguindo um procedimento que propus em minha coluna passada, que é inverter o ônus da prova: a existência de uma estatal deve ser justificada, e não a sua desestatização. A proposta oficial não é tão ousada ao não incluir todas as empresas no projeto de uma vez, como eu sugiro. Petrobras, por exemplo, fica de fora. Mas parece que as privatizações vão finalmente começar a andar. Com muitos meses de atraso, o PL para a venda da Eletrobras saiu muito semelhante à proposta de Temer.

A boa novidade foi a retirada da golden share, já que não há nada de estratégico na operação da empresa, e afetaria negativamente o preço de venda. A União deverá manter ainda entre 30% a 40% de participação, exigindo um bom desenho de governança para blindar qualquer influência estatal na empresa e deixá-la imune a mudanças de governo.

Notícias boas na economia em tempos estranhos na política. Bolsonaro e seus filhos podem atrapalhar muito o andamento das reformas se continuarem na mesma toada dos últimos dias. De uma tacada, destruíram sua frágil base parlamentar; atacaram a imprensa, parceira no convencimento sobre Previdência; o Congresso, que deve aprovar as mudanças nas contas públicas, e o STF, que vai julgar sua constitucionalidade.

Os arroubos autoritários da família vão num crescendo, chegando à ameaça de um novo AI-5. Bolsonaro finge que repreende os filhos e a vida segue. Não são apenas ações de um homem que não liga para o politicamente correto. São ataques à democracia liberal por parte do presidente da República. O propósito em gerar uma crise institucional é cada vez mais evidente. Pode ser uma cortina de fumaça. Se Ustra é o herói, Chávez pode ser o modelo.

*Economista e advogada


Elena Landau: Enxugando gelo

Privatizar demanda esforços, vai além da articulação política no Congresso

Relatório recente divulgado pelo Ministério da Economia traz em números o que já desconfiávamos: o Estado brasileiro tem o dom da ubiquidade. São 637 participações diretas ou indiretas da União, em todo tipo de atividade econômica.

Os números oficiais divulgados anteriormente não incluíam participações minoritárias da União, nem de suas empresas e, por isso, davam a impressão que havia “apenas” 134 estatais no País. Pela fotografia exposta nesse relatório, é possível avaliar o tamanho do desafio para reduzir radicalmente a presença do Estado na economia. Chega a ser desanimador. Mas há solução.

Já escrevi neste espaço, e em antigas colunas, que a presença do Estado na atividade econômica deve seguir estritamente o que diz a Constituição em seu artigo 173: só se justifica em casos imperativos à segurança nacional ou de relevante interesse coletivo. Podemos contar nos dedos as estatais que cumprem essas exigências. Minha sugestão é incluir todas empresas no programa de desestatização, o PPI, de uma vez só, invertendo o ônus da prova – o Legislativo deve justificar a necessidade de uma estatal existir, de forma bem definida em lei, em lugar do Executivo ter que explicar, caso a caso, a razão da desestatização.

Muito se reclama das rígidas normas do PPI, mas se não houver o empenho do governo em privatizar, não adianta nem discutir novos procedimentos. O secretário de desestatização diz que nunca antes na história deste país tivemos um presidente absolutamente a favor das privatizações como o atual. Se o presidente Jair Bolsonaro fosse de fato privatizante, já teria enviado ao Congresso o pedido de autorização para a venda da Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) já poderia ter terceirizado a operação de desinvestimentos do BNDESPar. Somando a já anunciada capitalização da Eletrobrás teríamos, de uma só vez, 504 empresas – 85% do total – na lista do que o governo teria intenção de vender. Nada disso precisa de emenda constitucional, basta um projeto de lei. E não há justificativa para a ausência no PPI de dezenas de empresas que sequer dependem autorização legislativa para serem vendidas ou liquidadas.

O que falta é a decisão do Executivo. A aprovação no Congresso é um segundo passo. Reformas e privatizações são sempre difíceis de passar porque afetam interesses de grupos muito bem articulados, entre eles os próprios parlamentares. A dificuldade faz parte. O fato é que são só 17 empresas listadas para venda e, boa parte delas, desde o governo Temer. Isso depois de 10 meses de poder de um governo que prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatização. Fala-se demais e pouco se faz.

Privatizar demanda esforços de todo governo. Vai além da articulação política no Congresso. Deve haver o envolvimento das empresas e funcionários, assim como boas práticas de governança. Por divergências dentro do próprio BNDES nem uma simples operação de venda do excedente de ações do Banco do Brasil foi concluída. E pior, na sequência, Montezano, o presidente do banco, anunciou uma redução no ritmo de desinvestimentos.

Em setembro foi criada por lei uma nova estatal, a NAV Brasil, supostamente necessária para a reestruturação e futura privatização da Infraero, que sequer está na lista dos ativos a serem vendidos. É mais provável que fiquem as duas na mão do Estado. O relator da matéria foi Flávio Bolsonaro. Só acredita no fervor privatizante do presidente quem não tem outra escolha.

A sociedade precisa saber o objetivo da privatização e o destino dos recursos. O discurso oficial é que vão reduzir a dívida pública. O total arrecadado é de R$ 96 bilhões, incluindo concessões e campos de petróleo. Um terço veio da venda da TAG, indo direto para o caixa da Petrobrás, e apenas R$ 6 bilhões chegaram no Tesouro. A venda de subsidiárias não é a melhor opção do ponto de vista fiscal. É parte da reestruturação de uma empresa, e não uma reforma do Estado. Amanhã podem ser recriadas. O exemplo da Telebrás mostra que é bom cortar o mal pela raiz. Ressuscitada no governo Lula, voltou para a lista de privatização depois de dar prejuízos bilionários.

As etapas da desestatização são complexas, e independem do tamanho ou relevância da estatal. É mais um motivo para vender a empresa mãe. Juntas, dezenas de empresas subsidiárias, coligadas e participações seriam privatizadas numa única operação. Parece politicamente mais difícil e exigiria esforço concentrado do governo. Assim foram vendidas no passado. A operação no varejo pode parecer mais simples à primeira vista, mas a resistência política existe sempre e se revela em cada venda. O fato de nem Valec, nem EBC estarem na lista do PPI é revelador.

Se nada mudar, o governo vai continuar enxugando gelo.

*Economista e advogada


Elena Landau: Cabeça, corpo e alma

Estudar e pensar é vital para uma mulher romper um quadro de dependência

A todo tempo são noticiados números assustadores de feminicídio no País, que tem a desonrosa quinta colocação no ranking mundial.

O assassinato é o último elo de uma cadeia de violência. Abuso verbal, agressões, estupro vão sendo cometidos ao longo de anos até que se chegue à letalidade.

Recentemente, o bispo Edir Macedo gravou um vídeo falando do lugar das mulheres na sociedade. Usou como exemplo a educação que deu às filhas. Com a religião como escudo, revelou toda sua misoginia. As filhas só teriam a missão de servir a Deus. Um curso superior as desviaria do caminho. Se estudassem, correriam o risco de ficar solteiras ou, se casadas, serem justificadamente traídas por seus maridos e disse mais: “Quero que minhas filhas se casem com um macho”.

É um retrocesso nos, ainda lentos, avanços em busca do tratamento igualitário entre gêneros. Sua fala nos remete ao tempo em que mulheres não podiam votar ou dependiam de autorização do marido para trabalhar. Hoje, lutam para aumentar sua representação no Parlamento, sem serem usadas como laranjas pelos seus partidos. Lutam por salários iguais aos dos homens nas mesmas funções, por participação na alta administração e nos conselhos. Buscam igualdade de oportunidades, procurando mudar regras que, criadas com boas intenções, as discriminam, como aposentadorias precoces e licenças maternidades. Perderam a oportunidade de igualar a idade entre gêneros nesta reforma da Previdência. A licença parental é ainda uma discussão incipiente, mas muito relevante. Vamos caminhando, devagarinho.

O vídeo traz uma outra mensagem muito perigosa: para o casamento funcionar, a mulher não pode ter cabeça. É apenas um corpo. A fala do bispo Macedo nos lembra os tempos em que um companheiro traído tinha direito de matar em legítima defesa da honra ou que marido não podia ser denunciado por estupro pela esposa, afinal, era seu dever matrimonial ter relações sexuais. Essa terrível desvalorização da mulher está na base de uma cultura patriarcal, que leva a abusos de toda a sorte.

Nesta semana, viralizou um episódio de 2016 em que Silvio Santos pergunta a uma criança se ela prefere sexo, poder ou dinheiro. Não é por coincidência que Silvio e Edir foram convidados especiais de Bolsonaro na parada de 7 de Setembro. O presidente que afirmou que o ECA deveria ser jogado na latrina e censurou cartilhas de educação sexual nas escolas. Educação que permitiria a essa criança saber que esse tratamento é inadmissível e esconde um desejo doentio do adulto.

Em 2006, foi promulgada a Lei Maria da Penha, ela própria vítima de duas tentativas de assassinato e símbolo na luta contra a violência doméstica. A nova legislação não procurou apenas agravar a pena, mas dar condições de acolhimento e segurança para as vítimas de violência doméstica e diminuir a impunidade. As estatísticas revelam que 89% das agressões partem de companheiros ou ex-companheiros. O perigo maior está dentro de casa. Muitas são convencidas de que fizeram por merecer, andaram pensando por conta própria. Outras não têm acesso às informações das medidas protetivas. É obrigação de todos ajudá-las na busca por proteção, afastando a vítima de seu agressor. Sem julgamentos.

Crianças que, como as mães, são vítimas de abusos verbais, físicos e estupro podem perpetuar um ciclo vicioso de violência. O ambiente disfuncional afeta negativamente seu aprendizado e desenvolvimento. As políticas públicas de acolhimento são fundamentais para permitir que a vítima saia da situação de risco. Muitas mães não têm independência financeira para cuidar de si e de seus filhos. Treze anos após a Lei Maria da Penha, apenas 2,4% dos municípios têm casas-abrigo, mas todos têm Conselhos Tutelares. Seus membros são remunerados e a proximidade com escolas lhes permite perceber os indícios de violação de direitos da criança. Se bem treinados, em vez de impor ideologias ou buscar o trampolim político, poderiam ser um importante braço de prevenção de maus-tratos.

Estudar e pensar é fundamental para uma mulher romper um quadro de dependência que pode afetar sua vida de muitas maneiras. É assustador ter na ministra responsável pela proteção de seus direitos uma defensora da ideia da submissão da mulher ao marido. Preocupa, e muito, a normalização de um tratamento abusivo contra crianças e mulheres.

Na briga de marido e mulher, muitas vezes, é preciso meter a colher.

*Economista e advogada


Elena Landau: Lá como cá

Bolsonaro confirmou na ONU desacertos das suas políticas internas e externas

Em seu discurso na ONU, Bolsonaro foi ele mesmo. Em tom quase belicoso confirmou, com orgulho, os desacertos das suas políticas internas e externas. Mais um constrangimento que se junta à lista que marca sua presidência. A lista é longa e ampla nos temas, do desrespeito aos direitos humanos à negação da ciência, o festival é assustador. A começar pelo pouco apreço à vida dos seus “inimigos” – dos esquerdistas aos presos comuns –, refletido nas suas homenagens a ditadores e torturadores, e o aplauso à degola em presídios.

Bolsonaro transforma em inimigos todos que divergem de suas convicções. Há limitação à liberdade de expressão, abandono do compromisso com um estado laico e demonização da mídia, nacional e internacional. Revela enorme preconceito com sua obsessão com homossexualidade e questões de gênero. Na cultura, ele ignora artistas reconhecidos, como fez com o prêmio Camões dado a Chico Buarque, ou na indiferença com a morte de João Gilberto. Como o exemplo vem de cima, o diretor da Funarte se sentiu à vontade para ofender Fernanda Montenegro. Na sua visão, os comunistas estão por todos os lados, crescendo de forma inversamente proporcional à piora da avaliação do governo.

O presidente vai radicalizando no discurso autoritário, se recolhendo ao grupo que, quase religiosamente, ainda o apoia. Aos amigos, tudo. Cargos são distribuídos sem critério além da fidelidade absoluta, gerando o que se vê na condução dos Ministérios da Educação, Relações Exteriores e Meio Ambiente. Para a família não há limites. A ocupação do governo com pautas pessoais é evidente. A intervenção nos órgãos de fiscalização, como Coaf, Receita e PGR, ou a tentativa de afastar o diretor-geral da Polícia Federal, foram feitas quando tais instituições chegaram próximas dos seus. Não enrubesceu ao indicar o filho como embaixador, apesar do seu despreparo, confirmado pelas rotineiras postagens nas redes sociais.

O terraplanismo domina ações públicas implementadas com base em achismos. Bolsonaro acaba, numa canetada, com anos de experiência acumulada em diversas áreas, como o uso da cadeirinha para crianças nos carros e os ataques ao Inpe. E o Brasil vai virando piada, isolado e retirado dos debates mais relevantes na economia mundial, do acordo UE-Mercosul à Cúpula do Clima na ONU. Seu discurso reforçou esse caminho.

O obscurantismo das ideias do presidente poderia ser apenas tema de paródias, se ele fosse uma rainha da Inglaterra. O tratamento dispensado a quem dele discorda é grave. Ameaças explícitas ou veladas levam à autocensura em diversas instituições, consequência do um instinto de preservação, ou covardia, de alguns funcionários públicos. Ninguém escapa, nem mesmo o alto escalão ministerial, como mostra a passividade dos ministros Moro e Guedes às intervenções nas suas áreas. Essa censura silenciosa que afeta a Receita Federal ou a cultura, em tão pouco tempo de governo, é um retrocesso democrático claro. Calar a divergência, a crítica, o debate é o caminho para o autoritarismo.

Há quem ainda argumente que uma suposta agenda econômica liberal compense tudo isso. Esse discurso não faz sentido algum. A economia vai mal, com crescimento medíocre e desemprego elevado. O Executivo está confuso e inoperante. A reforma da Previdência só andou porque a Câmara assumiu o protagonismo, como vem fazendo com a reforma tributária.

A abertura comercial não veio e se resume a concessões de ex-tarifários, regime em que a redução de tarifas se aplica a bens sem produção nacional, e é continuidade de uma política que até Dilma praticava. A privatização não existe para além do anúncio de uma lista tímida de empresas. A reforma do Estado até o momento é um conjunto de ideias colocadas de forma desorganizada na mídia. O novo pacto federativo é um mistério a ser desvendado.

Tendo entregue bem menos do que prometeu, nem mesmo Guedes está protegido dos humores de Bolsonaro, que anda impaciente com a falta de recursos para investir. Foi obrigado a demitir Marcos Cintra por conta da CPMF, tributo de seu gosto e que, aliás, continua defendendo. As promessas já não encontram o mesmo eco na sociedade. Como o menino pastor que gritava lobo, a credibilidade vai sendo perdida.

Ainda que a economia estivesse indo de vento em popa, e uma agenda verdadeiramente liberal estivesse em curso, nada justifica ignorar os arroubos autoritários de Bolsonaro. Sem democracia não há liberalismo, que é muito mais que uma receita econômica. Não existe a separação entre economia e o resto. O chamado milagre econômico dos anos militares, que terminou com hiperinflação e a pior distribuição de renda do mundo, não apaga as monstruosidades cometidas, nem justifica o AI-5, como querem alguns.

*Economista e advogada


Elena Landau: Para começo de conversa

Só com oportunidades iguais, podemos ter um País mais justo e mais livre

Em 2013, a convite da Fundação Cecília Vidigal, tive a oportunidade de frequentar o curso Liderança Executiva em Desenvolvimento da Infância. Outras instituições parceiras são a Universidade de Harvard e o Insper, responsáveis pelos módulos de ensino, e o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), que este ano recebe o 7.º Simpósio Internacional sobre o tema.

É uma área muito distante da minha atuação profissional, tanto como economista quanto como advogada. Mas a intenção dos organizadores era exatamente conscientizar diferentes setores da sociedade para a relevância da questão. O grupo era eclético: parlamentares, profissionais da área da saúde, educadores e uns tantos avulsos, como eu. Tínhamos ideia da importância desse período de vida para a formação da pessoa. O curso nos apresentou pesquisas, experimentos e palestras que ampliaram nossos conhecimentos de forma mais científica.

A primeira infância é um período de vida crucial para a construção de habilidades futuras. Há no noticiário muita ênfase, e com razão, nas estatísticas sobre mortalidade infantil decorrente da precariedade do ambiente social e econômico em que vivem nossas crianças. Sobreviver, para boa parte dos bebês deste País, é o maior desafio, mas não o único. Ao ultrapassar essa etapa, deverão enfrentar os obstáculos que os impedem de atingir seu pleno potencial e quebrar o círculo vicioso ao qual parecem condenados.

Além da sobrevivência, deve haver ênfase no seu desenvolvimento cognitivo, e esse não acontece apenas nos lugares de educação formal. A aprendizagem nesse período é influenciada pelo meio onde crescem. Negligência, desamparo ou violência, por parte dos pais ou daqueles que interagem com elas, são uma ameaça à evolução plena nessa fase. As estatísticas do impacto de um entorno violento sobre o vocabulário são terríveis, com gigantes diferenças entre crianças cercadas de afeto e atenção. O vínculo, o olhar, a interação são cruciais.

As políticas públicas direcionadas à 1.ª infância devem incorporar não só melhorias ao acesso à saúde e à educação, mas oferta de saneamento básico, alimentos saudáveis e redução da violência. É necessário não só combinar essas políticas, mas monitorar.

Não adianta olhar apenas para o número de creches oferecidas, mas a qualidade de seus profissionais e do ambiente oferecido. A creche não é apenas o lugar onde os pais deixam o filho para poder trabalhar. Além de permitir maior igualdade para mulher no mercado de trabalho, devem contribuir para essa abordagem integrada na formação da criança. Lá estão profissionais que têm papel ativo na evolução infantil. Muito se fala em qualificação de professores no debate sobre educação no Brasil, pois o mesmo vale para os profissionais que atuam nas creches.

Um dos experimentos mais comoventes a que assisti no curso foi um vídeo sobre uma mãe adolescente que não tinha carinho pelo seu bebê. Não havia afeto, toque físico, nem mesmo um olhar. A ideia de que uma mãe ou um pai pudessem rejeitar o próprio filho era distante para mim. Ao ver a imagem dos dois na mesma sala sem nenhuma forma de contato, sem qualquer empatia, percebi que o buraco era muito mais embaixo. As imagens eram tão fortes que me tiraram da zona de conforto.

Com a ajuda de profissionais especializados, ao fim de algumas semanas, o vínculo maternal daquela jovem com seu filho foi se estabelecendo. Ela o pegou no colo, olhou para ele e o pôs carinhosamente para dormir. Em casos assim, não adianta creche. Não basta escola. Antes de tudo é preciso cuidar da mãe e, por sua vez, do ambiente familiar e da vizinhança onde cresceu. A questão não era apenas de gravidez não planejada, mas indesejada de verdade. Isso tudo parece óbvio dito assim a distância, mas ainda é difícil encontrar um lugar nas políticas públicas com essa visão.

Meu neto tem 2 anos. Todos os dias ele me surpreende com suas descobertas, suas histórias e novas palavras, sempre usadas no contexto correto. Ele tem acesso a tudo que falta para muitas crianças da mesma idade. Carinho, vínculo afetivo, educação, saúde, alimentação. Já saiu na frente de muitos de sua geração. A distância socioeconômica está dada na partida. A preocupação com a qualidade da formação na 1.ª infância não deve ser só aumento da produtividade deste País, resultado da melhoria do capital humano.

É direito da criança a garantia de que todos possam atingir seu pleno potencial. Só com igualdade de oportunidades podemos ter um País mais justo, mais livre.

*Economista e advogada