elena landau

Elena Landau: Deixem o liberalismo fora disso

Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal. Seu governo também não

Por mais absurdo que pareça, a polarização que marcou as eleições do ano passado fez de Bolsonaro símbolo da candidatura liberal em oposição a Fernando Haddad, que reafirmava o modelo estatizante. Era a opção para encerrar o ciclo PT.

Muitos, em total autoengano, optaram por ignorar seu passado intervencionista e embarcaram nessa fantasia. Os 200 dias de governo não trouxeram nenhuma surpresa. Bolsonaro tem sido fiel aos seus princípios. A toda hora desdenha dos que sofreram na ditadura, como revelam os comentários sobre a jornalista Miriam Leitão e agora em relação ao pai do presidente da OAB. Seu apreço por torturadores e ditadores é notório. É um governo marcado pela intolerância. A tentativa de deslegitimar dados do Inpe sobre desmatamento reflete a dominância do achismo sobre a ciência, que, infelizmente, rege boa parte das ações públicas dele e de seus mais próximos colaboradores.

A insistência em nomear o filho, sem nenhuma capacitação para o cargo, embaixador nos EUA é mais uma mostra do viés autoritário. Ele nem enrubesceu ao dizer: “Quero beneficiar meu filho”. Ameaçou “privatizar” a Ancine, uma agência reguladora, porque ela não impede a produção de filmes, segundo ele, impróprios. É o início de uma política cultural de Estado, típica de ditaduras. A negação de evidências empíricas na formulação de políticas públicas, que interferem desde a segurança no trânsito até a preservação ambiental, revela um retrocesso assustador e um Estado que parece pré-iluminista. Isso nada tem que ver com uma postura conservadora, é só obscurantismo mesmo.

Não adianta apelar para a agenda econômica para descobrir um presidente liberal, como queriam alguns eleitores, que ainda hoje se agarram nessa esperança para manter seu apoio a este governo. Bolsonaro sempre votou contra reformas que buscavam diminuir o peso do Estado, do Plano Real à privatização. O confronto com o Congresso e a intervenção de última hora a favor dos policiais puseram a reforma da Previdência em risco. Foram necessárias a habilidade e a persistência de Rodrigo Maia para salvar o governo de si próprio.

A frustração na economia é grande. Na campanha era como se existissem dois candidatos. Bolsonaro nunca teve aptidão nem gosto pelas questões econômicas. Delegou o assunto a Paulo Guedes. O apelido Posto Ipiranga não vingou por acaso. Hoje as previsíveis dificuldades de levar adiante mudanças profundas sem o envolvimento direto do presidente da República são evidentes. Além da interferência atrapalhada na reforma da Previdência, Bolsonaro desidratou o programa de privatização, que se resume à venda de subsidiárias e ao avanço no campo das concessões. Nenhuma grande estatal está na agenda, além da Eletrobrás.

Há uma promessa de que após a aprovação em segundo turno da reforma na seguridade, um amplo programa econômico seja anunciado. Mas por enquanto só se anunciaram a volta da CPMF e os incentivos para a atividade econômica no curto prazo, com a liberação do FGTS, que não configuram um plano de reformas modernizantes. O fim do monopólio da Petrobrás, imposto pelo Cade, é uma excelente notícia, mas seus efeitos para a atividade econômica não serão percebidos no curto prazo.

Esse quadro não significa que o liberalismo fracassou, já que ele nem sequer foi tentado. No governo FHC foi implementada uma agenda econômica liberal para dar sustentabilidade ao Real. Não havia preocupação com a classificação ideológica, como hoje. A oposição apelidou o grupo de economistas de “neoliberais”, de forma depreciativa, para caracterizar as mudanças expressivas que ocorreram na economia: nova contabilidade fiscal, amplo programa de privatização, abertura comercial, tripé macroeconômico, inovação nas políticas assistenciais e financiamento da educação – medidas que permitiram a comemoração de 25 anos de estabilidade monetária em 1.º de julho.

O ciclo do PT no governo provocou uma guinada no modelo econômico, com grande viés estatizante. O sucesso do partido em experiências sociais, como o Bolsa Família, criou um discurso de que os partidos de esquerda são progressistas e os de direita, liberais na economia, separando a pauta de direitos da pauta econômica. O liberalismo não é nem um nem outro, mas os dois. A definição de Vargas Llosa é primorosa: “O liberalismo não é uma receita econômica, mas uma atitude fundada na tolerância, na vontade de coexistir com o outro e numa firme defesa da liberdade”.

Natural que diante do fracasso do modelo intervencionista, e da herança negativa deixada se enfatize a importância do funcionamento livre do mercado. Mas a saída para o Estado obeso e ineficiente não é a sua negação.

Num país onde metade da população não tem acesso ao saneamento e crianças saem da escola sem aprender o básico de Português e Matemática, a agenda da liberdade precisa ser mais abrangente do que o mantra “o mercado resolve tudo”. É fundamental incorporar iniciativas que criem igualdade de oportunidades e ajudem a mobilidade social.

Acredito que a indignação da maior parte da sociedade com os retrocessos da agenda Bolsonaro – a negação da ciência, o conservadorismo absurdo nos costumes, o obscurantismo das ideias de seus auxiliares mais próximos, o desrespeito ao meio ambiente e a tendência a querer governar por decretos inconstitucionais – esteja abrindo os olhos dos brasileiros para a importância das ideias liberais.

Neste século, o liberalismo é o contraponto perfeito à tendência mundial de crescimento do populismo nacionalista. Esta nova forma de autoritarismo se reflete na tentativa de imposição de ideias homogêneas, sem abertura para debate e controvérsias. Mas a intolerância é o avesso do liberalismo. Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal. Seu governo também não. Melhor deixar o liberalismo fora disso.

*Economista e advogada


Elena Landau: Sob ataque

Os políticos jamais aceitaram a autonomia das agências reguladoras

Foram precisos 16 anos de tramitação no Congresso para aprovação da Lei Geral para agências reguladoras e apenas um punhado de dias para o governo desmoralizá-la. Bolsonaro e Osmar Terra ameaçaram fechar a Ancine e a Anvisa por discordar de suas decisões.

Na realidade, os políticos jamais aceitaram a autonomia dessas autarquias e a população não entende bem para que servem. Muitas foram criadas no fim dos anos 90 para acompanhar a mudança no papel do Estado, decorrente da privatização, e surgiram para regular os serviços públicos. São as que atuam nos segmentos de energia, transporte e telecomunicações, por exemplo. Até a desestatização, esses serviços eram oferecidos sem fiscalização e sem regulação. Havia o pressuposto que o Estado estava dando o melhor de si. Ao consumidor só restava aceitar, porque não havia nem sequer a quem reclamar. A agência reguladora de energia – Aneel – foi a primeira a ser criada e substituiu o DNAEE, um departamento vinculado ao ministério setorial, que funcionava basicamente repassando aumentos tarifários. Não havia foco na qualidade, na saúde financeira das empresas nem em investimentos.

A privatização mudou esse cenário e as agências foram criadas para, de forma imparcial entre investidores e consumidores, regular a prestação de serviços, garantindo e exigindo direitos e deveres definidos nos contratos de concessão assinados pelos novos controladores. Foi uma mudança cultural grande e, por isso mesmo, é natural que se leve tempo para entender suas reais funções. Às vezes, são vistas como uma espécie de Procon, criadas para defender o usuário do serviço. No entanto, quando elas homologam reajustes de tarifas ou mensalidades, com base nos contratos assinados, viram o “governo” malvado que aumenta tudo.

Fica ainda mais difícil para a sociedade entender seu papel porque há diferentes tipos de agências. Há as que também são de fomento, como Ancine, que atua no mercado audiovisual e tem a função de promover ganhos intangíveis, ampliando e democratizando o acesso à cultura e à informação. Suas decisões devem obedecer a princípios como: liberdade de expressão e promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação. Há as de regulação de produto, como a Anvisa, que tem entre suas obrigações normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde.

Independentemente de seu papel, todas elas são agora regidas pela Lei Geral, recém-promulgada, que reafirmou no texto legal a garantia de sua autonomia, como bem definida no Art. 3.º: “A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos”. O presidente vetou alguns artigos da nova lei, mas manteve o texto que garante a independência decisória. Não deve ter lido o que assinou e, se leu, não entendeu, e se entendeu, não deu bola. Afinal, o Estado é ele.

Nesses 20 anos de existência, a independência das agências foi fragilizada pela indicação política de seus diretores, pelo contingenciamento de recursos e por cooptação pelo ministério a que estão subordinadas. Um regulador que participa de cerimônias de lançamento de políticas ao lado do governo perde a isenção para analisar os impactos de tais políticas sobre a sociedade, aceitando de livre e espontânea vontade a subordinação hierárquica que a lei veda.

O ataque frontal que este governo vem fazendo às agências é muito grave, indo além das formas de captura tradicionais. Presidente e ministros resolveram atropelar a lei.

Osmar Terra sugeriu que fecharia a Anvisa por discordar da aprovação do uso medicinal da maconha – ao que ele se opõe só por crença e sem ciência. Só que a lei não permite. Bem fez seu diretor em reafirmar a continuidade dos estudos nessa direção, mostrando a separação entre governo e agência de forma clara.

A Ancine foi fortemente criticada pelo presidente, que tem dificuldade para entender o significado de “liberdade de expressão” e “diversidade cultural”. Quer ele mesmo decidir que filmes são “próprios” e que “heróis” devem ser homenageados pelo cinema brasileiro. Mostra também ignorância sobre as fontes de recursos ao ameaçar transferi-los para Secretaria de Comunicação diretamente ligada a ele. Mas, ao contrário da Anvisa, o presidente da agência não se manifestou, e o setor de audiovisual vive momento de paralisia e incerteza. A ignorância de Bolsonaro sobre como funcionam as agências é tão grande que ele ameaçou “privatizar” a Ancine, contribuindo para o trágico Febeapá em que se transformou seu governo.

* É ECONOMISTA E ADVOGADA


Elena Landau: MP 579, nunca mais

Mudanças são importantes. Cabe à sociedade exigir que as leis sejam cumpridas

Depois de 16 anos tramitando, foi promulgada a nova Lei das Agências Reguladoras. Oportunidade para um recomeço. Surgiram em meados dos anos 90 para acompanhar o programa de desestatização. Com a privatização da energia elétrica e das telecomunicações foram criadas a Aneel e Anatel.

Esses serviços eram prestados por estatais, muitas vezes na forma de monopólio, sem preocupação com fiscalização, regulação ou competição. As agências são autarquias com autonomia técnica, operacional e decisória. Suas decisões devem preservar os compromissos definidos nos contratos de concessão, assinados por ocasião da privatização. Não devem atuar nem como órgão de defesa do consumidor, nem como implementador de interesses do governo, devendo evitar a sua captura pelas empresas reguladas.

Depois de um início promissor, sua independência passou a ser questionada. Lula logo que assumiu reclamou de não ter sido consultado a respeito de reajustes tarifários para energia homologados pela Aneel. Bolsonaro reagiu ao método de escolha de diretores. O mundo político nunca se conformou com a ideia de autonomia. Hoje, as agências sofrem críticas até de libertários, que enxergam a regulação como uma forma de intervenção do Estado. Esquecem que até mesmo o austríaco Hayek defende a necessidade de arcabouços legais em casos de falhas de mercado.

O grande desafio para o regulador é desenhar as regras sem afetar a competição onde ela é possível e necessária. Nesse sentido, uma das mais importantes exigências trazidas pela nova lei é a Análise de Impacto Regulatório (AIR), com consultas e audiências públicas.

A implementação do novo modelo para o gás será um teste importantíssimo. Enfim a busca de competição, com o fim do monopólio da Petrobrás, chega a esse setor. As linhas gerais desse modelo foram definidas pelo CNPE. O anúncio oficial trouxe questões importantes a serem discutidas. Na ocasião, Guedes projetou uma meta de queda no preço do gás de 40% em dois anos, revelando um flerte do liberalismo com o populismo.

O desastre decorrente da MP 579 no setor elétrico mostra que se deve evitar a todo custo promessas como essas. Em tempo, o ministro Bento de Albuquerque lembrou que os preços serão definidos pelo mercado. O papel dos vários participantes dessa atividade vai mudar, gerando conflitos naturais que deverão ser arbitrados em favor de um maior benefício para a sociedade. Os preços devem se tornar mais competitivos não só para a indústria, que é o foco da nova regulamentação, mas para todos os consumidores, incluindo os cativos.

Há muita expectativa com a privatização das distribuidoras, sendo monopólio natural, exigem uma regulação confiável, respeitando-se os contratos existentes no caso de empresas já privatizadas. Caberá à ANP, Agência Nacional do Petróleo, o papel fundamental na definição das novas regras, como já teve a Anatel na privatização das teles. A nova lei exige a AIR para formalização e publicidade das decisões e a agência deverá justificar o caminho regulatório escolhido. Há outros avanços importantes. A temida captura ocorreu, não pela indústria, mas de forma intensa e explícita pela política, com diretores indicados para defender interesses de grupos políticos e do próprio governo.

A lei busca recuperar a credibilidade perdida, ao despolitizar as indicações com as restrições que já existem na Lei das Estatais. Exige competência técnica comprovada. Ao introduzir mandatos não coincidentes e restringir os casos de demissões de diretores à renúncia e condenação judicial ou administrativa, dificulta ainda mais a captura política. É um importante mea culpa do Congresso, que não cumpriu com rigor suas atribuições no processo de aprovação de diretores. Outra novidade relevante foi a limitação da ingerência do TCU, mantendo suas atribuições de controle externo, sem interferir na atividade fim das agências, o que ajudará a superar a paralisia decisória.

A expectativa é que a lei aumente a transparência das decisões e aprimore o planejamento das atividades. Tudo isso deverá reduzir a insegurança jurídica no setor de infraestrutura.

As mudanças são importantes. Cabe à sociedade exigir o cumprimento do que a lei determina. Quando Dilma tentou impor artificialmente energia barata no Brasil, a Aneel foi conivente. Deu no que deu. Fica a lição: MP 579, nunca mais.

*Economista e advogada


Elena Landau: A Terra é azul

O desprezo pela cultura, incrivelmente, encontra eco na sociedade brasileira

Acabo de voltar de viagem à Europa, onde fui para participar de um seminário organizado por estudantes brasileiros. Vivi alguns dias em outra realidade e voltei mais leve. O fuso horário ajuda muito a ficar distante da polarização nas redes daqui. O tempo de sobra foi dedicado à cultura, especialmente em longas visitas a museus. A arte, em qualquer forma, aguça a curiosidade e desperta atitude crítica frente ao mundo. Conta a história da humanidade, as inquietações dos artistas frente à realidade vivida. Não vi censura ideológica pelos lugares que passei. Vi diversidade, controvérsia e inconformismo.

Fiz uma promessa: não deixar a amargura com os descaminhos do nosso País me dominar novamente. Cansada de escrever sobre os disparates deste governo, tinha intenção de me deixar levar por essa leveza e escrever uma coluna diletante. Mas foi só aterrissar que o peso e o pessimismo voltaram.

O noticiário local reflete o desprezo pela ciência, cultura, educação e meio ambiente. A bem da verdade, essas duas semanas com pé fora me mostraram que o terraplanismo não é uma jabuticaba. Mas isso não serve de consolo.

O premiê da Hungria, um dos países que nosso chanceler tanto admira, pretende extinguir as instituições de pesquisa que integram a Academia de Ciências do país, retirando sua autonomia. Orbán escolherá os temas considerados relevantes a serem pesquisados.

Quem decide o que a ciência pode vir a descobrir são esses novos Luís XIVs, que surgem com o populismo de direita. Movimento que, como qualquer forma de autoritarismo, busca uma sociedade homogênea, incompatível com a democracia e a diversidade.

Li, recentemente, uma entrevista de Vargas Llosa, uma das vozes liberais mais importantes do momento. É mais um pessimista com o ressurgimento do nacionalismo, que vê como uma nova forma de autoritarismo. O escritor nos lembra que uma sociedade impregnada de arte forma indivíduos críticos e, por isso, mais difíceis de serem manipulados pelos grandes poderes. Diria eu, então, que estamos menos preparados por aqui para enfrentar a tentativa de pasteurização de ideias.

Claro que o desprezo pela cultura e pela ciência não começou por aqui agora. O incêndio do Museu Nacional é a prova eloquente. Não foi obra do acaso. Foram anos de abandono, gambiarras elétricas e paredes improvisadas por compensados. Mas não se pode negar que este governo abraçou o retrocesso cultural e científico como plataforma política. Não é apenas descaso. Nenhuma manifestação aos prêmios internacionais, como Camões para Chico Buarque, e os de Cannes para o cinema brasileiro.

Chega a ser constrangedora nossa posição sobre meio ambiente. À semelhança do ídolo Trump, nega-se o aquecimento global. Afinal, ainda neva no mundo. Seria mais produtivo olhar a experiência americana com a legalização do consumo da maconha, mesmo para recreação, para se pensar numa alternativa à fracassada política local de combate às drogas.

Mas nosso ministro Osmar Terra, que também acumula a pasta da Cultura, é um dos principais representantes do obscurantismo. Impediu a divulgação de uma pesquisa sobre drogas por não confirmar o que os seus olhos viram pelas ruas de Copacabana. Espelho, espelho meu. Pesquisas, estudos, debates? Para quê? O Estado sou eu. Por que não deixar a controvérsia vigorar mais tempo antes de se tomar medidas radicais, com base em um achismo pessoal? Uma coisa é certa, não será um governador, dando tiros a esmo, do alto de um helicóptero, que vai resolver. É a cara do autoritarismo. Quer resolver tudo à sua imagem e à bala.

Este governo é reflexo de uma sociedade dividida, com cada lado cheio de certezas. Ninguém tem dúvidas. Tudo está predeterminado. O desprezo pela cultura e o deboche aos cursos de filosofia, incrivelmente, encontra eco na sociedade brasileira. Um astrólogo terraplanista é a essência deste retrocesso. Parece inacreditável que isso possa estar ocorrendo no ano em que se comemora 500 anos da morte de Leonardo da Vinci! 500 anos!

Ao longo da viagem, em todos museus que visitei, vi crianças curiosas ouvindo de seus professores histórias dos quadros de Picasso, Goya, Turner, Velásquez ou Rafael. A diversidade estava lá, presente nas obras, no entusiasmo dos professores e nos olhares infantis. Essas crianças estão sendo criadas para que tenham uma visão crítica do mundo. Educação e cultura andando juntas. Mas aqui, às nossas crianças, e a nós adultos, a curiosidade está restrita, a oferta é cada vez mais rara e rasa. Por enquanto, ao menos, a Terra segue redonda, azul e girando em torno do Sol.

*Economista e advogada


Elena Landau: É a lama, é a lama

Ampliar o acesso ao saneamento básico é questão de justiça social

Esta semana o relatório do senador Tasso Jereissati para a MP 868 foi aprovado na Comissão Especial. É um assunto urgente. No Brasil, quase 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e quase metade da população não tem serviço de coleta de esgoto. Espero que esse quadro vergonhoso sensibilize os nossos parlamentares, porque a votação nas duas Casas tem de ocorrer até dia 3 de junho para que a medida provisória não caduque.

É espantoso como um projeto de lei de tamanha importância possa enfrentar dificuldades para sua aprovação. A resistência maior vem dos ditos “partidos progressistas”. A ampliação do acesso ao saneamento básico é uma questão de justiça social. Vivendo no esgoto não há igualdade de oportunidades possível. Hoje ainda convivemos com dois Brasis: no Sudeste, o índice de abastecimento de água é 91,2% e o de coleta de esgoto 78%; no Norte é 55,4% e 10,5%. Numa ponta, o Amapá tem a pior estatística do País, com investimento per capita de R$ 30, na outra, São Paulo com dez vezes mais.

A MP desenha um novo marco regulatório. É um passo gigante para a superação do fosso entre cidadãos brasileiros. Traz soluções para os problemas que afastam as empresas privadas. Elas atuam em apenas 6% do setor, mas respondem por 20% do investimento total. Ou seja, proporcionalmente, aplicam bem mais que o setor público. A consequência são indicadores de qualidade, em média, melhores do que as estatais.

Os que se opõe ao projeto são, em sua maioria, simplesmente contra a possibilidade de privatização. Ignoram que a insegurança regulatória afeta investimentos tanto públicos quanto privados, que juntos não somam a metade dos gastos necessários para a universalização. Esquecem também da absoluta falta de recursos públicos que não tem solução a curto prazo, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. Deixam em segundo plano a péssima qualidade de vida de milhões de brasileiros para defender velhos interesses corporativos.

A privatização é crucial para reverter essa tragédia nacional. A meta para universalização prevista para 2033 não será alcançada. O investimento anual é menos da metade do necessário. Não é por acaso que, segundo a OMS, estamos em 123.º lugar no ranking do saneamento.

O projeto traz mais segurança jurídica ao setor. Ataca dois pontos relevantes: a multiplicidade de regras e os entraves decorrentes da titularidade municipal. Hoje, cada município pode estipular as próprias condições para a operação, ainda que não tenham competências para fiscalização. O relatório aprovado contorna esses problemas propondo a harmonização das regras e ampliação da atuação da Agência Nacional de Águas (ANA), que deverá definir normas de referência nacional, ajudando a simplificar todo o sistema regulatório. Ao criar o conceito de prestação regionalizada, permite a reunião de diferentes municípios numa única operação, sem eliminar a possibilidade de prestação de interesse local. E ainda garante que os municípios com menor atratividade façam parte dos blocos mais disputados.

Outros fatores importantes para a atração de investidores são a solução de conflitos por mediação e o reembolso de investimentos não amortizados.

Em 2016, 18 Estados procuraram o BNDES para apoio na venda de suas empresas de saneamento. Pouco se avançou até o momento por conta de um marco regulatório confuso. A nova lei é necessária para destravar essas operações de venda.

Em meados dos anos 90, vários governadores venderam ativos, na grande maioria, empresas distribuidoras de energia, porque necessitavam de recursos para novos investimentos. Com exceção de poucas distribuidoras que permaneceram estatais, os indicadores de qualidade melhoraram significativamente no setor elétrico. Lucraram os contribuintes e usuários desse serviço que, a exemplo da telefonia, é hoje universal.

Duas décadas depois, o quadro se repete: restrição fiscal e ativos estatais que necessitam de vultosos investimentos. Novamente, a privatização das empresas estaduais é parte da solução. O mesmo choque de qualidade pode acontecer com saneamento.

Não dá para deixar essa oportunidade passar quando em pleno 2019 quase metade dos brasileiros vive na lama.

*Economista e advogada


Elena Landau: O Santo Guerreiro contra o Dragão da Maldade

Este governo escolheu o confronto: nós os virtuosos, contra eles, os corruptos

Uma briga que começou sem ninguém entender bem o porquê escalou para uma grave crise entre Executivo e Congresso. Antes disso a expectativa era de aprovação da reforma da Previdência ainda este semestre e a Bolsa chegou aos 100 mil pontos refletindo o otimismo.

Nem mesmo a pesquisa Ibope quebrou o clima do mercado. Mas deve ter mexido com o núcleo próximo ao presidente. Só a tentativa de reverter os baixos índices de aprovação, radicalizando na pauta que o elegeu, poderia explicar a operação política que se seguiu.

Bolsonaro elegeu Maia como inimigo público número 1, o representante da velha política, e se negou a fazer uma articulação política para a aprovação da reforma. Sua missão teria se encerrado com a ida ao Parlamento para a entrega da PEC 06/2019. De fato, esse gesto do presidente foi simbólico e importante. O erro é imaginar que seu papel acaba ali. Formar uma base parlamentar é parte do jogo democrático, não há governo possível sem o Congresso, na velha ou na nova política. A forma de se obter essa base, e apoio para suas reformas, pode, e deve, ser diferente do presidencialismo de cooptação. O resultado das urnas já havia revelado o esgotamento das práticas do passado com forte votação contra os partidos que governaram o País desde a redemocratização.

Este governo escolheu o confronto: nós os virtuosos, contra eles, os corruptos. Já vimos isso antes, nada de novo na Nova Política. Bolsonaro não tem o monopólio da virtude como ele quer fazer crer. Tem também seus telhados de vidro; em casa e no ministério.

O Olavo, o guru, e seguidores fanáticos contribuíram para acirrar os ânimos, partindo para a defesa de uma democracia direta. Esquecem que, por aqui, quem tentou governar sem o Congresso não terminou o mandato.

Com um contorcionismo narrativo, os bolsonaristas tentam dar racionalidade a essa trajetória desastrosa. Alegam que é uma legítima estratégia para acabar com o toma lá dá cá que, segundo o presidente, é a única forma de negociação que o Congresso aceita fazer.

Seus anos na Câmara provavelmente dão suporte a essa visão. Mas assim como deve ter visto muitas dessas transações, sem denunciá-las, com certeza presenciou articulações políticas legítimas para aprovação de projetos essenciais para o País, como aconteceu no Plano Real 25 anos atrás. O economista Edmar Bacha, até ganhou o apelido de senador de tanto frequentar o Congresso atendendo a pedidos de esclarecimentos dos parlamentares sobre a transição para a nova moeda. Governar numa democracia dá trabalho mesmo.

O confronto não é a resposta aos equívocos do passado. Ao ignorar a grande renovação ocorrida no Congresso, tratando todos como chantagistas, Bolsonaro apenas reafirma seu desprezo pela política. Nem seu partido recebe alguma consideração. Nem mesmo os jovens que chegam merecem o benefício da dúvida. São todos mal-intencionados.

O astrólogo, sem cargo no governo, tem mais influência que o Parlamento. Sobrou até para os militares, que surpreendentemente dão o tom de ponderação. Nem sequer a convocação para a celebração do dia 31 de março, quando o golpe completa 55 anos, encontrou apoio entre eles. Alguma coisa está fora de ordem. O tiro saiu pela culatra e a sociedade reagiu revivendo tenebrosas histórias de tortura e provocando atos de repúdio. A inabilidade lembra muito a chamada de Collor para que a população saísse às ruas de verde e amarelo. A pá de cal de seu governo. Por que Bolsonaro resolveu reviver um tema tão sensível só ele sabe. Mas não surpreende vindo de alguém que faz elogios a Stroessner e Pinochet.

O currículo de Bolsonaro sugere que não se trata de algo calculado, mas que é despreparo mesmo. Foram 27 anos de apagada vida parlamentar, cujos destaques foram homenagens ao torturador Brilhante Ustra e a briguinha pessoal com Jean Wyllis. O Messias liberou um grito conservador da sociedade e se qualificou para a corrida presidencial. Ninguém estava interessado em sua pauta econômica, nem ele. Bolsonaro nunca prometeu nada diferente do que está fazendo hoje. Não há razão para perplexidade com seu governo.

A resposta da Câmara também não foi boa. A irresponsabilidade em recuperar pautas que podem agravar ainda mais a crise fiscal, acaba reforçando o discurso do presidente. Enquanto isso, a sociedade fica espremida no meio da luta do rochedo contra o mar. Sem reformas, a conta vai sobrar para todos nós.

Em tempo: quando terminei a coluna ontem, os bombeiros haviam entrado em campo, mas com esse governo nunca se sabe o dia de amanhã. Não se trata de uma crise conjuntural.

*Economista e advogada


Elena Landau: Obsessões

Há esperança de que depois da reforma da Previdência, um novo governo começará

Difícil a tarefa de escrever uma coluna quinzenal neste momento. Todo dia uma novidade, nem sempre, ou quase nunca, positiva. O ativismo deste governo nas redes, não só do presidente, mas de seu entorno, família e gurus, é excessivo e desconcertante. Como se houvesse um obscuro desejo de autossabotagem.

Mesmo não tendo votado em Bolsonaro, entendo que é hora de deixar a campanha de lado e ter alguma boa vontade com o novo governo. Para isso, ajudaria se o presidente também entendesse que as eleições acabaram. Nada indica. Continua jogando para a mesma plateia já convertida. E os antigos cabos eleitorais que, hoje assustados com esse início de mandato, passaram a criticar o governo e agora são vistos como representantes da esquerda, cujo único objetivo é a desestabilização do governo. Narciso acha feio o que não é espelho.

Nem o mais ferrenho opositor de Bolsonaro poderia imaginar a quantidade de despautérios a serem declarados em tão pouco tempo. É para deixar qualquer um horrorizado.

Normal que o presidente procure cumprir suas promessas de campanhas, mas não deve fazer isso em detrimento dos interesses do País. O trio Araújo, Vélez e Damares reforça o clima de pessimismo. A postura dos três revela um retrocesso cultural e institucional assustador.

Há um fio condutor nas entrevistas desse grupo e nas postagens da família Bolsonaro: a repulsa ao sexo. Seja o horror ao carnaval, revelado no vídeo veiculado pelo presidente, a suposta erotização nas escolas ou a obsessão com masturbação infantil, tudo serve para tornar o sexo feio, sujo e proibido. Mais um pouco são capazes de adotar a cura gay como orientação nas escolas.

O presidente chegou a recomendar aos pais que rasguem a cartilha de vacinação de adolescentes porque contém uma – fundamental – orientação sobre sexo seguro. Pelo jeito os conservadores preferem ver seus filhos correndo riscos à saúde.

Há quem já duvide que Bolsonaro termine seu mandato se continuar nesse ritmo. Acho um exagero. Afinal, segundo o próprio presidente, só há democracia se os militares quiserem. E eles parecem querer. Enquanto o general Heleno passa panos quentes nos arroubos da família, o general Mourão, o mesmo que pregava a intervenção militar no governo Dilma, se tornou a voz da lucidez.

Tento jogar minhas esperanças na pauta econômica, ainda assim com muita cautela.

Para tentar virar o clima de descrença, o presidente resolveu dar apoio explícito à reforma da Previdência nas suas redes sociais, mas que não têm, infelizmente, a mesma repercussão que seus comentários mais genuínos e pessoais.

Na mesma linha, o ministro de Economia concedeu entrevista a este jornal. Como Pelé, ele afirmou “o presidente ganhou a eleição dizendo Brasil acima de tudo, Deus acima de todos e o Paulo Guedes dizendo que vai privatizar”. Mas na realidade, o presidente é quem dá as cartas. Nada de venda de controle de empresas, optando-se pelo desinvestimento através de venda de subsidiárias. Bem diferente e bem mais tímido que o programa de privatização dos anos 90.

A agenda liberal não encontra eco no coração de Bolsonaro. A abertura comercial está sem pai, nem mãe. Parece ter esbarrado na proteção aos produtores de leite e na proibição da importação de bananas. Nosso chanceler está mais preocupado em difundir valores morais e desprezar as relações comerciais com Brics e União Europeia. Afinal, obscurantismo combina com isolacionismo.

Guedes continua obcecado com a social democracia, ao ponto de cunhar o termo “desalckmizar”, esquecendo que até Itamar foi mais liberal do que Bolsonaro jamais será. Além disso, ficou claro que muitas promessas feitas na entrevista são pura ilusão, como a queda de 50% nas tarifas de energia. Da liberal democracia ao populismo liberal.

O impacto da entrevista durou pouco. Bolsonaro voltou às redes para atacar jornalista com fake news. Seu guru, sem cargo algum e sem mandato, conseguiu gerar uma crise no Ministério de Educação, pasta onde se discute tudo menos educação. Já caíram sete membros da equipe e mais um pouco cai o próprio Vélez, o que não seria de todo ruim. Mas esperemos o barítono.

Há uma esperança no ar de que depois da reforma da Previdência, tudo será diferente e um novo governo começará. Oxalá, porque o País precisa muito mais que a mudança na seguridade.

*É economista e advogada


Elena Landau: Boletos de janeiro

O que mais me tira do sério é o boleto do Conselho Regional de Economia

Dizem os poetas que abril é o mês mais cruel e as águas são de março. E eu acrescento: janeiro é o mês dos boletos. É nessa época do ano que as contas resolvem chegar todas de uma vez. Não sou daquelas que acham que imposto é roubo, nem que a sonegação se justifica porque o Estado falha na prestação de serviços. Mas não consigo evitar a irritação ao pagar IPTU e IPVA. Como contribuinte só me resta pagar e exigir uma melhor atuação do poder público.

Não vejo nenhum sinal de contrapartida desses impostos, pelo menos não na cidade onde moro – a Maravilhosa. A cidade do Rio nunca esteve tão abandonada, suja e insegura. Da língua negra na praia de Ipanema ao esgoto a céu aberto na periferia, o retrato é de abandono. Como diria o saudoso Bussunda, “se na zona sul está assim, imagina na Jamaica”.

A vida dos donos de veículos não é fácil. As ruas esburacadas e mal sinalizadas são um perigo constante para os motoristas, pedestres e para os carros, que às vezes são engolidos pelas crateras no meio das pistas de Cordovil. O número de consertos de buracos caiu pela metade desde 2015, enquanto as reclamações em aberto triplicaram.

O caso da taxa do Detran, cobrada com o IPVA, é surreal. O governador Witzel acabou com a exigência de vistorias anuais, mas manteve a cobrança. Óbvio que iria parar na Justiça.

É verdade que sem a reforma da Previdência, sobra pouco do Orçamento para investimentos públicos, mas o descuido que se vê pelo Rio vai muito além da falta de recursos. Parece um caso de desamor mesmo.

Agora, o boleto que realmente me tira do sério é o do Conselho Regional de Economia (Corecon). Não há nada que justifique a sua existência quanto mais a dupla contribuição obrigatória: na pessoa física e na pessoa jurídica, mesmo quando os sócios já pagam a taxa.

A Lei 1.411, de 1951, em seu art. 6.º cria o Conselho Federal e os Regionais de Economia e estabelece que eles possuem poder delegado da União para orientar, disciplinar e fiscalizar a profissão de economista. É assinada por Getúlio Vargas, claro.

O seu art. 7.º é inacreditável. Ele traz as atribuições dos conselhos. Dois incisos saltam aos olhos: a) contribuir para a formação de sadia mentalidade econômica através da disseminação da técnica econômica nos diversos setores de economia nacional; e g) promover estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do País.

Parece piada, mas não é. Mentalidade sadia é o que menos se vê no panfleto intitulado Jornal dos Economistas, uma publicação conjunta do Corecon-RJ e Sindecon- RJ, o sindicato de economistas. O número deste mês é dedicado à avaliação da economia sob Bolsonaro. Traz o artigo “Acima de tudo e de todos, a tirania do mercado” e a imperdível avaliação da política econômica de Bolsonaro assinada por Roberto Requião.

É evidente que não se trata de um órgão de fiscalização, mas de divulgação de opiniões muito pouco saudáveis. O Corecon é mais um dos inúmeros cartórios dispensáveis neste País. Casos como a tragédia de Brumadinho, ou o do dr. Bumbum, que andam por aí, justificam a existência de Conselhos de Engenharia ou Medicina, mas um mau economista não põe em risco a vida de ninguém. Pode acontecer de jogar 14 milhões no desemprego e derrubar o PIB em 10%, em apenas dois anos. O jornalzinho do conselho, no entanto, vinha recheado de elogios à irracional política econômica de então.

A proximidade com sindicatos da classe explica porque o Corecon-RJ se recusou a auxiliar economistas que denunciaram a cobrança sindical indevida após a reforma trabalhista. Também explica que em seu site se faça campanha contra a Reforma da Previdência. Eu me recuso a ser disciplinada por um órgão que desconhece os conceitos básicos de economia. Mas fazer o quê? Se eu não pagar a anuidade, talvez fosse impedida pela fiscalização de assinar essa coluna como economista.

Pouca atenção se dá aos muitos cartórios inúteis neste País, tanto no conceito, ou seja, sem razão para existir, como na atuação fiscalizadora. Já acabamos com a contribuição sindical obrigatória e esse governo está reavaliando o Sistema S e seu financiamento, que tal rever, caso a caso, a necessidade de existência desses conselhos de classe também? O de Economia tenho certeza que é totalmente desnecessário, a cobrança de anuidades é apenas um achaque.

Espero que a renovação no Congresso com chegada de um grupo de verdadeiros liberais nos livre de mais está herança getulista.

*Economista e advogada


Política Democrática: Governo Bolsonaro pode enfrentar dificuldades entre aliados, afirma Elena Landau

Em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro, especialista ressalta que país passa por crise

Por Cleomar Almeida

O novo governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pode enfrentar dificuldades entre aliados para o avanço de políticas estruturais que dependem de aprovação do Congresso. A avaliação é da sócia do Escritório Sergio Bermudes e presidente do Conselho Acadêmico do Livres, Elena Landau, em artigo publicado na revista Política Democrática online de dezembro.

» Acesse aqui a revista Política Democrática online de dezembro

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), a revista mostra, no artigo de Elena, que o país passa por uma crise sem precedentes. “Estamos vivendo a maior de todas as crises brasi- leiras dos últimos 100 anos. Do segundo trimestre de 2014 ao fim de 2018, tivemos a mais acentuada e longa perda do PIB desde 1900 no Brasil – Samuel Pessoa fez esse alerta em sua coluna na Folha”, escreveu.

De acordo com a autoria, trata-se de um ciclo eleitoral inteiro de perdas. “Um saldo final dos desastrosos governos do PT. Efeitos de um furacão chamado Dilma Rousseff. Que esses ventos do intervencionismo se dissipem”, acentuou ela no artigo, que tem o título “Ventania liberal”.

Segundo Elena, além da incompetência que já estava plantada na intervenção do setor elétrico, nos campeões nacionais e no descontrole fiscal, a crise foi agravada pela instabilidade das turbulências políticas. “Mesmo depois do impeachment, a excelente equipe econômica montada por Henrique Meirelles viu naufragar a tão necessária reforma da previdência, graças ao esfacelamento ético do governo Temer que inviabilizou qualquer avanço no Congresso”, ponderou.

Havia expectativa, conforme lembra a autora no artigo, de que o processo eleitoral pudesse pacificar o componente

político do cenário de crise com a escolha de um rumo que viesse atrelado ao bônus da legitimidade popular. “Talvez ainda possamos vir a contar com esse efeito, mas o fato é que não houve debate claro com a sociedade sobre os planos econômicos do presidente eleito Jair Bolsonaro”, asseverou ela.

Com a composição dos ministérios, na avaliação de Elena, há risco de que grupos antagônicos dentro do próprio governo dificultem o avanço de políticas estruturais, especialmente aquelas que dependem de aprovação do Congresso. “Nesse sentido, pelo menos quatro grupos diferentes têm ganhado contornos: os economistas liberais, os conservadores de base bolsonarista, os militares e os políticos tradicionais. Esses grupos têm algumas diferenças difíceis de conciliar, e Bolsonaro terá que desempenhar um papel mediador”, escreveu.

De acordo com a especialista, a constatação não é muito animadora. “Mesmo dentro de seu grupo mais próximo, há divergências, como em relação à amplitude do programa de privatização que pode não ser tão grandioso quanto o desejado pela equipe econômica”, ressaltou.

 

Leia mais:

» Tudo pode ser o oposto do que aparenta, diz Martin Cezar Feijó 

» Política Democrática: ‘Bolsonaro foi deputado de inexpressiva atuação em quase 30 anos de mandato’, diz Marina Silva

» Política Democrática: Bolsonaro necessita de ‘núcleo duro’ para governar, diz Marco Aurélio Nogueira

» Ameaça da Belo Monte a índios é destaque da Política Democrática online de dezembro

» “Governo Bolsonaro têm tendência de cometer desastres na área internacional”, diz Rubens Ricupero

» Revista Política Democrática online de dezembro destaca viagem à Volta Grande do Xingu

» Revista Política Democrática online alcança quase 225 mil acessos em duas edições

» Política Democrática online de novembro repercute eleição de Bolsonaro

» FAP lança revista Política Democrática digital


Elena Landau: #FicaTemer

O essencial é o presidente e a equipe econômica falarem a mesma língua

Com o leilão da empresa de Alagoas (Ceal) no dia 28 enfim se completa o ciclo de privatização das distribuidoras da Eletrobrás. Independentemente do seu resultado, a política de desinvestimento da empresa já é um sucesso: cinco empresas mal administradas e cronicamente deficitárias passam a ser geridas sem influência política.

O governo Temer começou com 156 empresas estatais, tendo 43 delas sido criadas durante os governos PT e com elas mais de 100 mil novos empregos foram contratados. Ao final do governo Dilma, o total de empregados chegou ao recorde de 550 mil. As muitas dezenas de empresas acumulavam prejuízos que ultrapassavam R$ 25 bilhões. Com a mudança da administração e um choque de governança, ajudado pela nova Lei das Estatais, o panorama é outro; elas terminarão este ano com lucro acima dos R$ 50 bilhões e 50 mil funcionários a menos.

E mais: 21 estatais estão fora das mãos do governo. Resultado do bom trabalho dos técnicos da SEST. E esse não é um caso isolado. No Ministério da Fazenda reformas microeconômicas, como cadastro positivo e o fim da TJLP, ajudaram a diminuir o custo e a desigualdade no acesso ao crédito. A TLP provocou um rápido e eficiente processo de crowding in, contradizendo o antigo discurso desenvolvimentista. Até mesmo no financiamento à infraestrutura, o mercado de capitais privado superou o desembolso do BNDES. O PSI (Programa de Sustentação do Investimento) do BNDES que oferecia linhas de créditos fortemente subsidiados, iniciado em 2009 e acelerado por Dilma, também foi suspenso. Em boa hora, já que o apoio a esse programa pelo Tesouro custou cerca de R$ 500 bilhões. Uma política que, além de inútil, posto que não gerou nem aumento na produtividade nem na taxa de investimentos, foi injusta ao por alocar dinheiro dos contribuintes para quem menos precisava. Aliás, os empréstimos do Tesouro aos bancos públicos subiram de 0,5% do PIB em 2007 para 9,5% em 2015.

Para se ter uma ideia do que significam essas centenas de bilhões desperdiçados, vale lembrar que o primeiro projeto de reforma da Previdência do Temer pouparia em 10 anos R$ 800 bilhões e o atual R$ 400 bilhões, além de contribuir para reduzir a desigualdade no acesso aos recursos públicos.

Outra boa notícia foi a antecipação do pagamento do empréstimo do BNDES ao Tesouro, ajudando na reorganização das contas públicas. Aliás, hoje graças ao esforço do Secretaria do Tesouro os dados públicos estão acessíveis. A transparência do orçamento e sua execução aumentou. Impossível terminar essa lista de avanços sem mencionar a condução da política monetária pelo Banco Central que levou à redução dos juros.

Tudo isso permitiu que a recessão herdada de Dilma desse lugar a um – modesto – crescimento e controle da inflação. Uma virada importante em poucos anos, apesar da instabilidade política gerada pelas denúncias contra Temer e das crises marcadas por greve dos caminhoneiros, desvalorização cambial, incerteza eleitoral e paralisação das reformas após a divulgação dos áudios JBS.

O trabalho conjunto dos Ministérios da Fazenda e Planejamento e do Banco Central resgatou o Brasil do pouco caso com que os recursos dos contribuintes foram tratados nos governos passados. Recentemente, o ex-ministro Guido Mantega e seu secretário do Tesouro, Arno Augustin, viraram réus por sua responsabilidade, ao lado Dilma, nas pedaladas fiscais que destruíram as contas públicas e a economia brasileira.

Qual o segredo desse sucesso quase invisível do governo mais impopular de nossa história? Simples: Um time de burocratas de primeira grandeza, que contou com apoio do presidente Temer para bancar as reformas que recomendava. Não fosse o timing da divulgação dos áudios da JBS, até a reforma da Previdência teria sido aprovada.

No mês em que o AI-5 completa 50 anos, essa equipe mostrou que não é preciso ato institucional autoritário para consertar a economia. Bom diagnóstico, conhecimento dos instrumentos de política econômica, experiência na execução, transparência e trabalho de equipe são suficientes. O Plano Real já havia nos mostrado isso.

Mas ainda há muito o que fazer. A herança dos que saem e a experiência dos que ficam na equipe com certeza vai ajudar o governo que inicia. O essencial é presidente e equipe econômica falarem a mesma língua. Isso vale para a reforma da Previdência, a principal tarefa do futuro governo. Não há substitutos a ela nem há atalhos possíveis.

Feliz Natal.


Elena Landau: Mind the gap

Parte de nossa sociedade vem demandando a tutela e a censura do Estado

Em curta viagem a Paris e Londres tive a oportunidade de ver lindas exposições: Burne-Jones, Picasso, Basquiat, Miró, Klimt, Bellini e Mantegna. Egon Schielle estava presente nas duas cidades.

Me chamou a atenção o longo período previsto para cada mostra: seis meses para muitas delas, o que não impediu filas imensas por conta de um permanente e grande fluxo de visitantes. Como eu, turistas de todo o mundo, além dos locais, lotavam as salas dos museus. Cultura é business. Cultura é pop.

Bonito de ver foram crianças levadas por seus pais aos museus. Com seus olhares curiosos diante de um Basquiat ou mostrando grande emoção ao ver Miró num filme, ou desenhando com aplicativos no tablet e estudando os folhetos especiais, o público infantil foi um espetáculo à parte. Os pais e avós explicavam aos pequenos detalhes de cada pintura. De geração em geração, comportamento, cultura e história vão sendo transmitidos.

E mesmo nas mostras de Schielle, conhecido por seus nus e desenhos eróticos, as crianças estavam lá. Lembrei imediatamente do boicote ao Queer Museum. Como não refletir sobre o vento conservador que assola o País? Lá, tive uma sensação deliciosa da liberdade que sinto estar perdendo por aqui.

Parte de nossa sociedade vem demandando a tutela e a censura do Estado. Esse vento está soprando também nas escolas, onde nem sequer se garante o domínio da língua portuguesa e as quatro operações, mas as preocupações se concentram em identidade de gênero. A Escola Sem Partido é outro movimento que beira a censura. Retrocesso de um já baixíssimo nível de aprendizado. Fico pensando na minha mãe que estudou em escola pública e tinha orgulho de ter cantado no coro sob regência do professor Villa Lobos.

Não por acaso, andam juntas a onda conservadora e os protestos contra nossa lei de incentivo à cultura, sendo que a maioria dos seus detratores nem conhece seu funcionamento. A revolta com a posição ideológica de artistas vem travestida de um discurso liberal contra qualquer tipo de uso de recursos públicos na forma de incentivos, quase colocando no mesmo patamar o patrimônio cultural e a Zona Franca de Manaus.

Sempre é bom lembrar que a Lei Rouanet foi criada num governo liberal por um liberal. Uma das suas qualidades é usar renúncia fiscal exatamente para impedir o direcionamento ideológico na escolha dos temas e dos artistas, com pouca margem para política cultural de Estado. Poucos se dão conta disso e tratam como se fosse um mercado reservado aos amigos do rei.

Seus críticos são os mesmos que tiram selfies nos museus e em shows no exterior sem perceber que estão curtindo o que pode ser resultado dos incentivos públicos de lá. São os mesmos brasileiros que dizem “Ih, lá vem brasileiro”. Tipo as bilheteiras dos anos 70 que nos alertavam: “Olha que é filme nacional”.

Há poucos anos, Maria Bethânia foi alvo de críticas ao ter um projeto aprovado pela lei por ser uma artista famosa e com público cativo, quando seu sucesso é uma razão para patrociná-la. É preciso ter cuidado para não cair na armadilha de incentivo ao fracasso.

Assim como no mundo inteiro, o Brasil atravessa um período de muita dúvida sobre a relação Estado e liberalismo. Para deixar claro qual o liberalismo que vem por aí, pensadores mais ligados ao futuro governo gostam de se auto denominar liberais conservadores. Eu tenho dificuldades para aceitar a existência de liberdade conservadora. E tenho certeza que sem liberdade a cultura não floresce.

No site do Art Council of England, equivalente à nossa Secretaria de Cultura está definida sua missão: “Patrocinamos, desenvolvemos e investimos em experiências artísticas e culturais que enriquecem a vida das pessoas”. Informam que vão investir 1,45 bilhão de libras entre 2018 e 2022, e mais 860 milhões originados pela loteria nacional, recursos públicos de forma a “levar arte e cultura ao maior número possível de pessoas”.

A cada reforma administrativa, a extinção do Ministério da Cultura é vista como o início do fim, como se sua simples existência pudesse dar um senso de prioridade à área. O debate em torno da Lei Rouanet vem gerando alguns esclarecimentos sobre a política cultural no País. Mas ainda há muito desconhecimento e dúvidas sobre o papel do Estado nesse campo. É um tema relevante e muito difícil, que provoca discussões acaloradas de onde, espero, pode emergir o bom debate. Precisamos falar sobre cultura, e muito, por que sem ela quem somos?

* Elena Landau é economista e advogada


Elena Landau: Obesidade

O governo federal tem de dar o exemplo e ajudar os Estados com sua expertise

Manobra pode abrir estatais para dirigentes partidários. Eletrobrás perde R$ 1,6 bi, mas mantém benefícios. Rio dá R$ 128 bi dos royalties para aposentadorias. Gasto supera arrecadação em 14 Estados e no DF.

Essa pequena amostra das manchetes dos principais jornais do País nos últimos dias mostra o gigantismo do Estado no Brasil. Excesso de pessoal, gastos com aposentadorias, remuneração acima da capacidade de pagamento, falta de planejamento de despesas e ativos mal geridos explicam a crise por que passam todos os governos, federal, estaduais e municipais. Por isso, é urgente uma reforma do Estado em todos os níveis da administração pública.

O futuro ministro da Economia sempre colocou a privatização como prioridade. A criação de uma Secretaria de Privatização ratifica seu discurso. Boa iniciativa. A desestatização, que pode ser feita não só através da venda de empresas, mas também por meio de dissoluções e fusões, sofreu no governo Temer as consequências de uma governança mal definida.

Ainda assim, o excelente trabalho da Secretaria de Empresas Estatais (Sest) permitiu muitos avanços: temos 20 estatais a menos; estatutos foram modificados aprimorando a gestão e transparência; o número de pessoal diminuiu; e lucros reapareceram em algumas delas. Ainda falta muito. São 138 estatais no governo federal e mais de 400 no País todo.

A atuação do Estado na atividade econômica está muito bem delimitada pela Constituição Federal, que em seu art. 173 estabelece que apenas em casos de relevante interesse coletivo, definidos em lei, e imperativos à segurança nacional ela se justifica, além de, obviamente, dos monopólios constitucionais. Não há setores “estratégicos”. A decisão sobre o que deve ser privatizado também não depende dos resultados da gestão. Isso é um mito. Uma boa administração é obrigação do gestor público, nada mais que isso.

Apesar da crise que os Estados atravessam, os governadores ainda não falam em privatização. Mesmo o eleito em Minas Gerais, o mais liberal dentre eles, já avisou que venda da Cemig só no fim do governo, ou seja, em plena campanha pela reeleição. A ver. Há muitos ativos estaduais que podem ser alienados. São empresas de energia, saneamento ou bancos.

A conversa dos Estados com a União começou pelo pedido de mais uma renegociação da dívida e boa parte dos recursos arrecadados com o leilão da cessão onerosa. O Estado do Rio de Janeiro fez um acordo com o governo federal, se comprometendo, como contrapartida, com a venda da Cedae. Mas bastou uma leve sensação de alívio nas contas para que os políticos locais se esquecessem do compromisso. Fica como aprendizado para as inevitáveis negociações que vão ocorrer entre os secretários de Fazenda estaduais e o Tesouro.

Privatizar não é fácil. Demanda firmeza. No imaginário popular uma estatal é patrimônio público, ainda que péssimos serviços sejam prestados, é apenas um dos obstáculos. O pior mesmo é vencer a união de políticos, sindicalistas e fornecedores para sugar o máximo de uma empresa pública.

Mesmo com a Lei das Estatais, indicações políticas ainda são recorrentes. Vivi isso de perto como conselheira de administração da Eletrobrás. Foram cerca de 500 nomes indicados para muitos cargos desnecessários, que numa gestão privada já teriam sido eliminados. Mas as dificuldades das estatais de se protegerem do uso político são comuns a todas. Não é uma exclusividade da Eletrobrás.

Políticos não se conformam facilmente. Manobra recente do Congresso colocou um jabuti em um projeto de lei sobre outro tema revogando dispositivo da lei das estatais que veta nomes com vínculos partidários. Esse mesmo Congresso barrou o projeto que facilitava a venda de uma subsidiária da Eletrobrás, a Amazônia Distribuidora, a pior e mais endividada concessionária de distribuição do País. E mesmo sabendo disso, o senador Eduardo Braga (PSDB/AM) liderou o engavetamento do projeto. Para os usuários do serviço de seu Estado, nada; já para funcionários e fornecedores, tudo.

As declarações de Bolsonaro fazendo restrições à venda da Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa e Petrobrás são preocupantes. O governo federal tem de dar o exemplo e ajudar os Estados com sua expertise e recursos técnicos.

O Estado brasileiro está obeso. Pequenas dietas não adiantam mais. Chegou a um ponto em que só uma operação bariátrica resolve.