desinformação

Ação do PL contra urnas dá fôlego a protestos e fortalece fake news

Daniela Santos e Raphael Veleda*, Metrópoles

Quase um mês após as eleições, a desinformação continua a circular nas redes sociais e alimenta a atmosfera golpista de manifestantes que ocupam rodovias e portas dos quartéis das Forças Armadas. O relatório do PL, sigla do presidente Jair Bolsonaro, que contesta a confiabilidade de milhares de urnas eletrônicas virou combustível para a máquina de fake news e mantém viva a chama dos protestos.

Para o futuro, especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam que o combate ao quadro de desinformação que preponderou nas eleições deste ano impõe um grande desafio à democracia brasileira.

A iniciativa recente da sigla de Bolsonaro – de ir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontar supostos problemas na apuração do segundo turno – serviu para manter a mobilização de apoiadores que não aceitam o resultado da eleição e se reúnem nas ruas ou em grupos de aplicativos de mensagens.

A ação encabeçada pelo PL chegou aos bolsonaristas em um momento crítico, no qual as lideranças – e o próprio Bolsonaro – temiam que o início da Copa do Mundo desmobilizasse os atos de contestação da eleição.

Desde que a nova tática teve início, a produção de conteúdo nas redes sociais foi sustentada pelo assunto. Até com mais intensidade que a ação em si, a resposta dura do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, foi o que mais acendeu a chama dos bolsonaristas que não aceitam a derrota.

A multa de R$ 22,9 milhões, estipulada em resposta à ação, e a acusação de que houve “litigância de má-fé” por parte da coligação de Bolsonaro revoltaram a militância. Assim, os manifestantes passaram a madrugada de quarta (23/11) para quinta-feira (24/11) amaldiçoando Moraes; nesta data, eles também esperavam por uma reação do presidente ou das Forças Armadas.

Na manhã de quinta, a reunião fora da agenda do atual mandatário com os chefes das Forças Armadas ajudou a reforçar a esperança dos militantes e também a produzir muitas novas notícias falsas sobre intervenção militar.

Fluxo de desinformação

A situação atual mantém um fluxo ativo antes e depois das eleições. Um exemplo disso aconteceu no último domingo (20/11), quando bolsonaristas bombardearam as redes sociais com vídeos de urnas sendo retiradas do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP). A narrativa era que a Justiça Eleitoral estaria “escondendo provas”. No entanto, o órgão informou que os equipamentos nem sequer foram usados no pleito.

O problema mostra que a praga da desinformação, que tomou conta das eleições de 2018 e se repetiu neste ano, não apresenta sinais de trégua para o futuro. Entre junho e outubro deste ano, o TSE encaminhou 22.667 alertas às plataformas digitais para que providências fossem tomadas. O número representa uma média de 170 publicações por dia.

Guerra informacional

O problema escalonou durante o segundo turno, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) travaram uma guerra que envolveu desinformação sobre fechamento de igrejas, maçonaria e até canibalismo. Ao mesmo tempo, os presidenciáveis tentavam, na Justiça, estancar o estrago causado pelas fake news.

Na reta final da eleição, o TSE ampliou o próprio poder de polícia para combater a circulação de informações prejudiciais ao processo eleitoral. Com a medida, a Corte passou a ter mais autonomia para agir e, entre outras determinações, obrigou as plataformas a removerem imediatamente as URLs, URIs ou URNs consideradas irregulares, sob pena de R$ 100 mil por hora.

Para os especialistas ouvidos pelo Metrópoles, as eleições deste ano sinalizam a consolidação da desinformação como uma estratégia, o que deve se manter nos próximos pleitos.

A pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getulio Vargas Clara Almeida aponta que, embora haja avanços nos mecanismos de combate, o problema ainda é mais grave. Como parte dessas ferramentas, a especialista cita a Resolução TSE nº 23.671/2021, que incluiu a veiculação de notícias falsas ou descontextualizadas como conduta ilícita na campanha eleitoral, e o acordo com as plataformas. No entanto, o impacto dessas iniciativas ainda é incerto.

“É difícil a gente sentir o quanto essas medidas trouxeram de benefício, porque a desinformação continua ocorrendo em todas as plataformas. O TikTok, por exemplo, fez uma parceria com o TSE, mas, se você pesquisar ‘fraude’ no aplicativo, o primeiro resultado é sobre fraude nas urnas. Então, eu não acredito que a gente tenha tido um resultado muito positivo”, pontua a pesquisadora.

Otávio Catelano, cientista político e pesquisador da Unicamp, destaca que, em 2022, uma das principais novidades no campo da desinformação foi a entrada de grupos de esquerda nesse tipo de estratégia, que é dominada pela extrema direita.

“A gente teve algumas figuras da esquerda, do centro, ou mesmo da direita que chegaram a apoiar a candidatura do Lula e tentaram fazer campanhas coordenadas. Não necessariamente com base em notícias falsas, mas com coisas que deixavam aquela pulga atrás da orelha do eleitor do Bolsonaro”, explica. Como exemplo, ele menciona o vídeo de Bolsonaro em uma loja maçônica; a gravação viralizou e tinha o objetivo de desgastar a imagem do então candidato à reeleição com o público evangélico.

“Eles conseguiram atingir a campanha do Bolsonaro de maneira que ele precisou precisou fazer toda uma organização para superar essa barreira dentro da eleição. Diferentemente do que aconteceu em 2018, quando Bolsonaro atacou o tempo todo e com notícias obviamente falsas: a madeira erótica foi o grande símbolo da eleição de 2018. Agora tentaram emplacar o banheiro unissex, mas também passaram mais tempo tentando recuperar a imagem do que tentando desgastar oponente.”

“Foi uma forma que os candidatos de esquerda tiveram para tentar, digamos, ‘jogar de igual para igual’ com o adversário”, avalia a pesquisadora da FGV Clara Almeida. “O que eu, particularmente, não acho nem um pouco benéfico ao sistema democrático” completa.

Catelano corrobora a tese: “A esquerda desenvolveu uma forma de não perder tão feio nas redes sociais”.

Futuro

Os especialistas apontam que a desinformação continua sendo um desafio a ser enfrentado nas próximas eleições. O professor da Unicamp ressalta que, por mais que a Justiça Eleitoral tenha buscado respostas para o problema, é preciso um esforço maior das plataformas. Além disso, a questão também abrange a forma como as pessoas consomem conteúdo nas redes sociais.

“As pessoas não acreditam nem mudam de opinião a partir de uma notícia descaradamente falsa. Elas tendem a acreditar em notícias que reforçam suas posições políticas anteriores”, esclarece.

“O TSE fez o que estava ao seu alcance durante o período eleitoral, mas isso não compete à Corte, compete à informação, à educação digital. É algo que está fora do alcance. Isso pode fazer com que, nessas tentativas de combater, o TSE desgaste ainda mais sua imagem”, avalia.

A pesquisadora da FGV sustenta que um caminho possível é a regulação das plataformas para impedir os algoritmos de recomendar conteúdos prejudiciais. “Enquanto a gente não tiver uma regulação que alinhe esses incentivos das plataformas com o interesse público, com o sistema democrático, isso vai continuar acontecendo”, afirma.

Ao mesmo tempo, Catelano acredita que a mudança nas plataformas deve vir acompanhada de um processo educativo da população. “O esforço mais possível e necessário é a educação e o letramento digital. A população deve aprender como a gente pode usar a internet de forma consciente e menos pautada pelo ódio”, defende.

*Texto publicado originalmente no site Metrópoles


Foto: reprodução

Fake news: entenda como funciona a fábrica de desinformação política no Brasil

Marina Pinhoni,* g1

Você sabe como as notícias falsas de política são criadas e qual caminho elas percorrem até viralizar nas redes sociais?

Um estudo realizado pelo NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que a campanha de desinformação no país está cada vez mais complexa e sofisticada, e conta com uma estrutura permanente de produção de conteúdo que é anterior ao período eleitoral.

"O que a gente está vendo em 2022 é bem diferente do que a gente viu em 2018, em termos de complexidade e de estratégia. É lógico que a desinformação sempre foi comum em qualquer eleição, mas com as plataformas, com as redes sociais, isso tem outra escala. Uma capacidade de segmentação", diz a coordenadora do estudo, Marie Santini.

Os pesquisadores apontam que, antes de ser disseminada para um número maior de pessoas, as fakes são testadas em grupos fechados e de nicho. A repetição da narrativa também é capaz de atingir as pessoas além das "bolhas" das redes sociais.

"A desinformação hoje funciona através de uma campanha permanente, onde você vai reduzindo a resistência das pessoas a determinadas narrativas e aumentando a resistência à checagem. A pessoa começa a ser bombardeada por diferentes fontes. Uma narrativa repetida muitas vezes tem o efeito de começar a gerar dúvida em outro público que não seria o segmento principal de uma estratégia de desinformação.”

Veja como funciona a fábrica de fake news:

Caminho das Fake News — Foto: Wagner Magalhães/g1
  1. Produção da narrativa: Os primeiros conteúdos geralmente são divulgados nos chamados sites de conteúdo duvidoso, chamados "junk news", e em vídeos do YouTube de canais com poucos seguidores.
  2. Teste de receptividade: A próxima etapa consiste em testar a aderência do discurso em grupos fechados de WhatsApp e Telegram.
  3. Bolhas e segmentos: O passo seguinte é distribuir o conteúdo em nichos por meio de grupos do Facebook e anúncios segmentados. Uma fake pode ser enviada para um grupo só de religiosos, por exemplo, e outra diferente para um grupo só com mulheres.
  4. Desinformação audiovisual: Na sequência, a informação falsa é transformada em uma peça audiovisual um pouco mais elaborada. Pode ser um vídeo curto ou mais longo, que será divulgado no InstagramTikTok e canais médios e grandes do YouTube.
  5. Campanha "Firehose": Depois que o conteúdo foi testado em diferentes contextos, começa a campanha massiva de distribuição multiplataforma. Ela é caracterizada pelo grande volume, rapidez, continuidade e repetição.

Texto publicado originalmente no portal do g1.


Deepfake com o presidente Jair Bolsonaro (PL) usa cena do filme 'Esqueceram de Mim'/ Imagem: Reprodução

Deepfakes: A nova face das fake news e os riscos para as eleições de 2022

Juliana Arreguy*, UOL

De short vermelho, descalço e sem camisa, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em uma cozinha dançando o funk "Vai dar PT", sucesso de MC Rahell, em vídeo com 5,2 milhões de visualizações no Instagram. O rosto é o do presidente, mas não é ele a pessoa do vídeo: trata-se de uma deepfake, onde a face de Bolsonaro foi inserida, por meio de IA (Inteligência Artificial), no corpo de outra pessoa.

A tecnologia não é nova e já era utilizada no cinema, mas nos últimos anos se popularizou a ponto de ser possível baixar aplicativos gratuitos para criar deepfakes. O receio de que as pessoas sejam enganadas tem sido o principal alerta do jornalista Bruno Sartori, o mesmo que criou e divulgou o vídeo de Bolsonaro dançando na cozinha.

"Lula de 10 dedos. Bolsonaro sem facada. Fiquem espertos com as deepfakes esse ano, pessoal", escreve Sartori na postagem. É nesta legenda que ele aponta um detalhe importante: não há nenhuma cicatriz na barriga do homem das imagens. O presidente foi vítima de uma facada em 2018, tornando possível identificar que quem aparece dançando não é Bolsonaro.

No dia em que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foi preso, o pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) divulgou uma deepfake que mostra Bolsonaro como um dos vilões do filme "Esqueceram de Mim". Nas imagens, o rosto do presidente aparece recebendo um jato de fogo na cabeça, enquanto a legenda questiona: "Não foi Bolsonaro que disse que colocava a cara no fogo pelo Milton Ribeiro?".

Apesar do uso majoritário das deepfakes em tom de humor nas redes, especialistas se preocupam que elas assumam protagonismo nas eleições de 2022, elevando a dificuldade do combate às fake news.

Da diversão para a desinformação

O uso de deepfakes permitiu que uma propaganda de streaming revivesse o personagem Chaves e que o rapper Kendrick Luamar se transformasse em Will Smith em um clipe. Mas a tecnologia também serviu para que golpistas se fizessem passar por Elon Musk e que, em outro caso, divulgassem um vídeo em que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declara rendição à Rússia.

Em artigo para o MIT Technology Review, a cientista da computação Nina Da Hora discorre sobre os impactos das deepfakes na sociedade, sobretudo pelo amplo acesso à tecnologia e a sofisticação cada vez maior da ferramenta.

Ao UOL, ela explica que as primeiras deepfakes utilizaram informações a partir de filtros em redes como Snapchat, onde os usuários simulavam seus rostos rejuvenescidos ou envelhecidos e brincavam com a possibilidade de dublar músicas.

"Hoje, com a facilidade de criação de deepfakes e seu compartilhamento nas redes sociais, que atualmente são os principais meios de compartilhamento de notícias, é perigoso que campanhas políticas as utilizem para deslegitimar as eleições e os candidatos", diz Nina.

No âmbito político, já circulou uma deepfake de Donald Trump explicando como os algoritmos o ajudaram a ser eleito presidente dos Estados Unidos. A manipulação de imagens não é nova no meio: há trechos de vídeos retirados de contexto e casos em que a velocidade da fala foi adulterada para fazer parecer que a pessoa estava bêbada — a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Nancy Pelosi e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já foram alvos deste tipo de desinformação.

Algumas plataformas adotaram medidas para mitigar os riscos das deepfakes nas eleições americanas de 2020. A Microsoft lançou um software que ajudava a detectar a tecnologia. Já o TikTok baniu temporariamente as deepfakes no país.

Coordenador de jornalismo da Agência Lupa, voltada para a checagem de notícias, Chico Marés alerta para o fato de que há casos em que não há certeza se o conteúdo divulgado é uma deepfake: "Acontece também de as pessoas alegarem deepfakes".

Como exemplo, ele cita o caso de um vídeo íntimo atribuído ao ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) durante a campanha de 2018. Doria afirma ter sido vítima de manipulação digital. Em março deste ano, um laudo da Polícia Federal afirma que não há sinais de adulteração no vídeo.

Marés observa que as deepfakes atualmente utilizam vídeos que já existem, o que facilita aos checadores encontrar o conteúdo original. "O medo maior é lidar com aquilo que não sabemos de onde vem, como os audiofakes".

Audiofakes

Os audiofakes são áudios criados também por programas eletrônicos. São diferentes de imitações feitas por comediantes, já que utilizam gravações para reconstruir a fala de outra pessoa.

"Audiofake é uma forma de criar áudios no formato digital usando algoritmos de inteligência artificial", explica Nina da Hora. "A IA aprende os movimentos da voz e como combiná-los com os sons, resultando em uma mídia falsa. Em alguns detalhes é possível perceber a robotização, enquanto uma imitação é puramente algo sensorial e humano, parte de habilidades da fala e de gestos".

Em uma série de posts, Sartori mostra como construiu audiofakes de Bolsonaro, Dilma Rousseff (PT) e Sergio Moro (União Brasil) cantando "Beijinho no Ombro", da funkeira Valeska Popozuda.

Para Chico Marés, os audiofakes ainda não têm sido utilizados para propagar desinformação no Brasil. Os conteúdos mais veiculados ainda são imitações de figuras públicas, como Lula e Bolsonaro, chamados de "cheapfakes" (do inglês "cheap", que significa barato).

Riscos e redes

Sartori, que se identifica como "deepfaker" (ou seja, alguém que faz deepfakes) nas redes sociais, sinaliza em todos os vídeos que não são verdadeiros e compartilha o passo a passo da linha de produção de alguns deles.

Nina da Hora explica que, nos EUA, desde 2018 há um projeto de lei que busca criminalizar a criação e distribuição de deepfakes de forma ilegal. Em junho de 2019, o país adotou uma Ação de Responsabilidade que exige a inserção de marcas d'água e explicações em conteúdos que utilizam a tecnologia.

Para Nina, a melhor forma de se precaver do risco de desinformação por meio da tecnologia é adotando uma legislação específica sobre o assunto.

"As deepfakes atingem diretamente um dos direitos fundamentais que é a privacidade, deslegitimando pessoas e discursos em prol de algum ganho financeiro ou com o objetivo de manipular narrativas, tudo isso a partir do uso de dados sensíveis e sem autorização."

O UOL procurou algumas das principais redes sociais utilizadas pelos brasileiros para saber quais as medidas adotadas diante da possibilidade de informação por meio de deepfakes:

  • Twitter

"O Twitter conta, desde 2020, com a Política de Mídia Sintética e Manipulada (SAMM) para endereçar alterações em mídias, como as deep fakes, quando há intenção de enganar ou confundir as pessoas. Violações à política estão sujeitas às medidas cabíveis, e todos os usuários são igualmente submetidos a elas."

  • TikTok

A plataforma afirma proibir "falsificações digitais (mídia sintética ou manipulada) que possam enganar os usuários, distorcendo a veracidade dos eventos e causando danos à pessoa que aparece no vídeo, a outras pessoas ou a sociedade."

São permitidas contas de paródia, desde que sinalizem aos usuários o seu propósito. "Caso um usuário passe por outra pessoa ou entidade de maneira enganosa, ele será removido por violar nossa política de falsificação de identidade."

  • Facebook e Instagram

As redes não penalizam conteúdos que sejam identificados como paródias e sátiras. "Vídeos, áudios ou fotos — sejam eles deepfakes ou não —, serão removidos das plataformas da Meta se violarem nossas políticas com conteúdos, por exemplo, de nudez, violência gráfica, supressão de votos e discurso de ódio."

  • WhatsApp

A plataforma afirma não ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas entre os usuários, mas pede que condutas inapropriadas sejam denunciadas pelo próprio aplicativo.

"Como informado nos Termos de Serviço e na Política de Privacidade do aplicativo, o WhatsApp não permite o uso do seu serviço para fins ilícitos ou que instigue ou encoraje condutas que sejam ilícitas ou inadequadas. Nos casos de violação destes termos, o WhatsApp toma medidas em relação às contas como desativá-las ou suspendê-las."

  • Telegram

Não respondeu à reportagem.

*Texto publicado originalmente no UOL


“Em defesa da democracia, contra a desinformação”

Fundações esclarecem, em nota, que a mobilização política, manifestações, comícios ou marchas cívicas são tarefas próprias dos partidos políticos organizados

Vinculadas a partidos do campo democrático, nove fundações divulgaram nota conjunta, neste sábado (18) para esclarecer reportagem do jornal O Estado de São Paulo, publicada no dia 15 de setembro de 2021, sob o título “Partidos acertam nova agenda de protestos e vão financiar campanha pelo impeachment”. O texto afirma que “fundações de formação política mantidas por nove partidos de oposição vão financiar a criação de publicações e materiais para difundir a campanha pelo impeachment do Presidente Jair Bolsonaro”. A nota, intitulada “Em defesa da democracia, contra a desinformação”, esclarece que a mobilização política, a organização de manifestações, comícios ou marchas cívicas escapam às finalidades das fundações, constituindo tarefas próprias dos partidos políticos organizados.

Confira a íntegra do texto:

  • (Para aumentar ou diminuir a visualização do pdf, clique na ferramenta zoom: símbolos + e )


Democratas liberais, em quem votar em 2022?

Augusto de Franco / Democracia Política e novo Reformismo

Democratas liberais não esperam que as mudanças sejam feitas de cima para baixo a partir de um líder escolhido para chefiar o governo. A democracia liberal não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo a partir da auto-organização da sociedade.

Por isso, o que nós - os democratas liberais - desejamos é um chefe de governo que assegure um ambiente democrático para que a sociedade, diretamente e por meio de seus representantes eleitos, introduza inovações políticas que, salvaguardada a democracia que temos, permita a continuidade do processo de democratização para que alcancemos as democracias que queremos.

Dito isto, fica claro que a opção dos democratas para chefiar o governo não pode ser manter ou recolocar na presidência um populista, seja um populista-autoritário de extrema-direita (como Bolsonaro), seja um neopopulista de esquerda (como Lula). Líderes populistas, pela sua alta gravitatem, são espécies de buracos negros que introduzem perturbações no campo social, engolindo as energias da sociedade.

Pela sua própria natureza, caudilhos e condutores de rebanhos populistas, desarmam continuamente a sociedade democrática para que ela não possa cumprir o seu papel de controlar o governo e de realizar mudanças moleculares que permitam a continuidade do processo de democratização. Sua busca constante por hegemonia se contrapõe aos legítimos desejos de autonomia de pessoas e comunidades.

Também fica claro, por razões semelhantes, que não se pode entregar a chefia do governo a qualquer líder antipolítico, que pretenda implantar cruzadas de limpeza (como Moro). Nenhuma cruzada de limpeza - seja étnica, ética, religiosa ou nacional - resultou em mais democracia. Pelo contrário, essas iniciativas, em geral moralistas e punitivistas, em qualquer lugar do mundo ou época da história em que foram tentadas, constituíram-se como antessalas de governos mais autoritários.

Via de regra toda antipolítica de limpeza - como o restauracionismo robespierriano - exige a terra arrasada para começar de novo, separando os bons dos maus e com isso sacrificando as liberdades em nome da pureza ou da segurança.

Afastada essas três tentações messiânicas, qualquer candidato que não seja populista ou punitivista - que se comprometa a manter a democracia realmente existente, sem tentar enfrear a continuidade do processo de democratização - é bem-vindo.

Não é necessário que tal candidato seja um democrata radical (quer dizer, liberal - no sentido democrático original do termo). Pode ser um democrata eleitoral ou liberal formal que não queira dar um golpe de Estado (rápido, com tanques nas ruas, ou lento, por erosão da democracia).

Pode ser qualquer um que não queira transformar nossa democracia eleitoral em uma autocracia eleitoral ou mesmo paralisar o processo de democratização para que nossa democracia eleitoral não chegue a ser uma democracia liberal.

Pode ser qualquer um que não queira usar seu cargo para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado por um partido ou por algum movimento para se delongar no governo.

Pode ser qualquer um que não queira, a partir do Estado, educar a sociedade.

O melhor é que não seja alguém muito carismático, que ocupe excessivamente a cena pública com seu protagonismo, sufocando os demais atores e suas iniciativas.

O ideal é que seja alguém discreto, que cumpra suas funções constitucionais e que seja como aquele juiz que pouco aparece numa partida. Governos existem para servir a sociedade e não para tomar o seu lugar.

Sendo assim, não estaríamos mal-servidos com (em ordem alfabética) Amoedo, Doria, Eduardo Jorge, Huck, Leite, Maia, Mandetta, Marina, Meirelles, Roberto Freire, Rossi, Tasso, Tebet - entre outros. Ou até, como última alternativa, com Ciro (ainda que isso possa significar ter que assinar um contrato temporário com o século 20).

*Consultor, palestrante e escritor


O terrível cenário revelado pela CPI

Míriam Leitão / O Globo

A CPI encontrou rastros de movimentação financeira atípica no montante de R$ 50 milhões ao analisar os documentos resultantes das quebras de sigilo. São, segundo o senador Alessandro Vieira, transações entre empresas do empresário Francisco Maximiano, da Precisa, e com pessoas físicas. Segundo o senador, são “movimentações sem lastro na realidade, compatíveis com processos de lavagem de dinheiro”.

Vieira acha que não há como fugir da convocação do ministro Braga Netto. “Ele fazia parte da cadeia de comando”. O relatório final da Comissão pode ser enviado ao Tribunal Penal Internacional.

Eu entrevistei o senador Alessandro Vieira, membro suplente da CPI, e que está em vários grupos temáticos que têm trabalhado durante o recesso. A entrevista foi ao ar na Globonews, no meu programa de segunda, às 23h30. perguntei a ele sobre Airton Cascavel, o personagem cuja história foi contada no programa Conexão Globonews.

Airton Cascavel é uma figura meio estranha. Negociava com governadores de estado a compra de equipamento, liberava dinheiro público do combate à Covid, reuniu-se com parlamentares, trabalhou durante dois meses sendo apresentado como o principal assessor pelo próprio ministro Pazuello e nunca fez parte dos quadros do Ministério da Saúde. O senador admite que a CPI tem limitações e precisa evitar perder-se no cipoal que sempre se forma nos casos de corrupção.

— É um risco. A CPI não pode fazer busca e apreensão, interceptação telefônica ou negociar delação premiada. Isso tudo dificulta investigação de maior complexidade. Por outro lado, o foco da comissão é investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Os erros e as protelações na compra de vacinas e insumos, e a falta de uma campanha de comunicação provocaram centenas de milhares de mortes e isso está provado e documentado. Quando a gente investiga a corrupção é para saber as motivações para os erros. Dois grupos, um de militares da reserva e outro vinculado ao centrão, brigaram nas entranhas do Ministério da Saúde buscando vantagens financeiras. É nessa etapa que a CPI se encontra, mas ela não pode perder o foco, que são as vidas que nós perdemos.

A CPI formou um grupo de juristas que vai preparar um estudo para “dar um encaixe dos fatos e a tipificação penal”, segundo o senador. O professor Miguel Reali chefia o grupo de juristas. Perguntei ao senador o que será feito com o relatório quando ficar pronto:

— Os crimes de responsabilidade devem ser encaminhados à Câmara, os crimes comuns à Procuradoria Geral da República e, eventualmente, os fatos podem ser levados ao Tribunal Penal Internacional, para avaliar o cometimento de crime contra a humanidade. É muito grave o que aconteceu no Brasil e o que ainda acontece, nessa gestão totalmente descolada daquilo que a Constituição exige, que é o respeito à vida.

O senador lembrou que existe uma cadeia de comando clara, que vai do ex-secretário executivo do Ministério da Saúde coronel Élcio Franco, o general Pazuello, e ministros Braga Netto e Ramos e o próprio presidente da República.

— Não dá para fugir (na hora da responsabilização) da cadeia de comando. Alguns temem fazer a convocação do ministro Braga Netto por conta da posição que ele ocupa agora como ministro da Defesa. Mas ele fazia parte da coordenação da resposta brasileira à pandemia e o resultado foi desastroso. A gente precisa ouvir essas pessoas e, se for o caso, responsabilizá-las sem nenhum tipo de preocupação com a questão de farda. No Brasil, ainda se tem muito medo dos generais, mas quando ele ocupa um cargo civil eu não posso dar um tratamento diferenciado.

Sobre o presidente, o senador disse que ele “testa os limites da democracia”, e o país não pode esperar “até outubro de 2022 para saber se vai ter golpe ou não”. Por isso ele entrou com uma interpelação judicial de Bolsonaro junto ao Supremo para que ele diga que provas tem de fraude eleitoral.

— O ataque diário é preparação para um auto golpe. Ele mente com foco, com organização. Usa a mentira como método. E tem objetivos. O principal é atacar a democracia. Não dá para tolerar dois anos de mentiras e ataques ao sistema de eleição.

Segundo Alessandro Vieira, a CPI revelou que no Ministério da Saúde atuavam o centrão e o “centrão de fardas”.


Lula joga parado e Bolsonaro erra o passe

Enquanto petista administra placar, presidente faz faltas em si mesmo

Andrea Jubé, do Valor Econômico

No futebol, “o craque é decisivo”, escreveu Nelson Rodrigues. O time é indispensável, mas o que leva público ao estádio e faz bilheteria é o craque. “No time de Pelé, só ele existe, o resto é paisagem”, sentenciou.

Parafraseando o cronista, na política nacional, até agora, dois políticos dominam a bola: os veteranos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro.

Faltam 15 meses para as eleições, a política é como nuvem e tudo pode mudar. Mas na partida de hoje, a terceira via é paisagem.

A frase de Nelson Rodrigues sobre a importância do craque aparece em uma crônica de 1966, na célebre coluna “À sombra das chuteiras imortais”, na qual ele repercutiu uma entrevista do técnico alvinegro Admildo Chirol, crítico das “estrelas solitárias do futebol”. Para Chirol, o “personalismo” era inconcebível no futebol, que deveria ser marcado pelo “coletivismo”.

Rebatendo Chirol, o cronista ponderou que, historicamente, o coletivo não empolga as multidões. “Ninguém admite uma fé sem Cristo, ou Buda, ou Alá, ou Maomé. Ou uma devoção sem o santo respectivo. Ou um exército sem napoleões... No futebol, a própria bola parece reconhecer Pelé ou Garrincha e só falta lamber-lhes os pés”, argumentou Nelson Rodrigues. Para o autor, o torcedor - e quiçá, o eleitor - exige o “mistério das grandes individualidades”.

A premissa rodriguiana vale para a política nacional, historicamente marcada pelo culto a personalidades, como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, que nem chegou a tomar posse, mas entrou para o imaginário afetivo do eleitor. Lula e Bolsonaro despontam como os craques contemporâneos da política nacional, já que, segundo vários institutos de pesquisas, detêm a maioria expressiva das intenções de votos para a disputa presidencial.

Ainda na esteira da tese da individualidade dos craques, é sintomático que o presidente da República, que quer a reeleição, nem esteja filiado a um partido há meses, desde o rompimento com o PSL. Seu partido é o “bolsonarismo”, que se contrapõe ao “lulismo”.

Desde que a pré-campanha esquentou, com Lula em ascensão nas pesquisas e a terceira via ainda fazendo água, petistas e aliados se dividem sobre a estratégia de jogo. A leitura predominante é de que Lula está jogando parado, enquanto Bolsonaro comete faltas em si mesmo.

O presidente persiste no erro na condução da pandemia, ao insistir no negacionismo das máscaras e na recomendação de medicamentos sem eficácia contra a covid-19. Bolsonaro chuta as próprias canelas ao proferir ataques quase diários a autoridades dos demais Poderes e às instituições, como a Justiça Eleitoral e o Supremo Tribunal Federal.

Há cerca de 15 dias, Lula ouviu de um interlocutor que para chegar à eleição na liderança das pesquisas, deveria simplesmente fazer o que já está fazendo: jogar parado.

“Eu disse a ele: o cavalinho está se aproximando arreado, devagarinho, e vai passar na sua porta, pronto para o senhor montar”, relatou à coluna este interlocutor de Lula. “Não faça nada”, recomendou.

A exemplo de um meio-de-campo experiente, Lula administra a vantagem de até 20 pontos, em alguns cenários de segundo turno, sobre Bolsonaro. Cadencia o jogo. Não aceita provocações dos adversários, evita as bolas divididas e não parte desesperado para o ataque, para não sofrer um contra-ataque fatal aos 45 do segundo tempo.

É um estilo de jogo que nem sempre enche os olhos da torcida, mas que tem se mostrado eficiente para prolongar o placar elástico sobre Bolsonaro. Lula joga parado, como se dissesse, fiel à velha máxima futebolística: “quem corre é a bola” (ou os adversários, no caso).

O estilo cauteloso vai se repetir na viagem ao Nordeste, remarcada para a primeira quinzena de agosto. Lula visitará seis Estados: Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Fará poucas agendas, fechadas, ou restritas a um público pequeno, no protocolo da pandemia. Além de se reunir com lideranças locais, estão previstos compromissos pontuais, como visitas a escolas, ou alguma obra relevante, que seja cartão-postal do governador aliado.

Há no PT, entretanto, quem discorde desse modelo de jogo e cobre mais movimentos de Lula. “Quem joga parado, no futebol, precisa distribuir o jogo. Ou seja, colocar o time em movimento para chegar ao gol”, argumenta um decano do PT.

Para este petista, “é tempo de organizar a equipe, definir as posições de cada um e partir para o ataque”. Alerta para o risco de se restringirem à “visão romântica do diálogo”, prática de eleições passadas, num cenário de vale-tudo eleitoral.

Este petista acredita que o momento urge porque “o adversário, temporariamente enfraquecido, tenta reorganizar-se e alterar a tática”. De fato, Bolsonaro num momento de derretimento nas pesquisas, reorganizou o time e deve colocar o seu camisa 10, o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), na Casa Civil.

O vice-presidente nacional do PT e um dos organizadores da viagem de Lula ao Nordeste, deputado José Guimarães (CE), reclamou dos “intérpretes do pensamento alheio” dentro do partido e afirmou à coluna que o ritmo de Lula nessa etapa de pré-campanha está calibrado.

“Lula não está discutindo eleição, está preocupado com os problemas do país”, afirmou o dirigente petista. Segundo Guimarães, nas reuniões que fará durante a viagem pelos seis Estados nordestinos, Lula quer retomar a agenda de desenvolvimento regional, discutir a fome que voltou a se alastrar e denunciar a escassez de vacinas contra a covid-19, cujo estoque esgotou-se em várias capitais.

Para Guimarães, a metáfora que se aplica ao jogo eleitoral não é futebolística, é musical. “O ritmo do Lula é a pisadinha democrática, com diálogo e mantendo a liderança da frente ampla contra Bolsonaro”.

“Pisadinha” é o novo forró, o ritmo mais popular, que arrebatou o nordestino nos últimos tempos. Dança ou futebol, a verdade é que a metáfora não importa. Porque jogador que é bom de drible, faz o rival dançar em campo.


O governo abre a porta para quem quiser surfar na onda do Centrão

Cargos, dinheiro para obras em redutos eleitorais e outras vantagens inconfessáveis. É pegar ou largar

Blog do Noblat / Metrópoles

Quer só ter uma ideia do que será a ocupação do governo pelo Centrão desde que o presidente Jair Bolsonaro decidiu entregar a chefia da Casa Civil ao senador Ciro Nogueira (PP-PI)?

Só no recriado Ministério do Trabalho, agora com o nome de Ministério do Emprego e Previdência, o ministro Onyx Lorenzoni (DEM-RS) terá 202 cargos a preencher com indicações políticas.

Indicação política é aquela feita em nome de um partido que apoia o governo. Ou feita por um deputado, senador ou governador que apoia o governo ou que mediante isso se propõe a apoiar.

Há indicações cruzadas. O atual ministro da Cidadania, João Roma, é do PL, mas foi ACM Neto, presidente do DEM, quem o indicou. ACM nega que apoie o governo.

O DEM tem seus próprios ministros no governo, como Teresa Cristina na Agricultura, mas quando cobrado, responde que foram escolhas pessoais de Bolsonaro. Assim procedem outros partidos.

Fábio Faria, ministro das Comunicações, é do PSD, presidido por Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo. O PSD terá candidato próprio à sucessão de Bolsonaro ou então apoiará Lula.

O MDB já teve um ministro. Parte de sua bancada na Câmara quer aproveitar a chegada de Nogueira (foto em destaque) ao governo para indicar outro. A direção nacional ameaça expulsar quem aceite o convite.

Ide a Bolsonaro, o Messias, todos que precisem de acolhimento e de ter seus desejos saciados. O orçamento secreto serve para isso.


Cerco a Conrado Hübner Mendes

A truculência é coordenada e tem o propósito de intimidação e censura

Cristina Serra, Folha de S. Paulo

Às vésperas da Páscoa, o vírus se espalhava com fúria entre nós. Março havia fechado com 320 mil brasileiros mortos, quase 4.000 por dia. E o que fez o ministro do Supremo Tribunal Federal Kássio Nunes Marques? No Sábado de Aleluia, atendeu pedido de uma associação de juristas evangélicos e liberou a presença dos fieis em templos. Dias depois, o plenário derrubou a liminar.

Na época, a decisão do ministro foi criticada em artigo de Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) e colunista desta Folha. Hübner Mendes tem sido observador atento de desvios e falhas do Judiciário, em especial do STF, prestando serviço inestimável aos leitores, ajudando-nos a entender o funcionamento do mais opaco dos Poderes.

Sabe-se agora que Sua Excelência não gostou do texto e pediu investigação criminal ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que já persegue Hübner Mendes por contrariedade com outras publicações do colunista, inclusive postagens em rede social. Aras entrou com uma ação na Justiça Federal e com representação no Conselho de Ética da USP. A truculência é coordenada e tem o propósito de intimidação e censura.

Autoridades deveriam entender que a submissão ao escrutínio público é inseparável do exercício do poder. Não é o caso, obviamente, do ministro e do procurador-geral, que agem como instrumentos do bolsonarismo. Ambos desconhecem —ou fingem desconhecer— que a liberdade de expressão é direito consagrado na Constituição e reafirmado pelo Supremo.

O cerco a Conrado Hübner Mendes fere também a autonomia universitária. A representação contra ele está parada no âmbito da Reitoria da USP. Investidas autoritárias têm que ser enfrentadas sem medo e hesitação. O corpo docente precisa ter a certeza de que a universidade está do seu lado contra qualquer tentativa de silenciamento.


Governo militar do Centrão

Carlos Andreazza, O Globo

Braga Netto, ministro da Defesa (e um dos grandes salários de Brasília), mandou avisar que, sem o “voto eletrônico auditável”, não haverá eleições em 2022. O recado destinara-se ao presidente da Câmara. Assim informou o Estadão; que também descreveu a forma como Arthur Lira recebera a mensagem: movimento grave, em função do qual procurou Bolsonaro para lhe dizer que iria até o fim com o presidente, mesmo que para perder a eleição, mas que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.

A leitura do episódio propõe fotografia fácil: o presidente da Câmara impondo limites ao general golpista. (Voltaremos a isso.)

As reações à publicação da notícia a confirmaram. Lira, que em off negava a ameaça, publicamente ensaboava-se de nem-nem para declarar que, independentemente de qualquer intimidação, votaremos no ano que vem — um velho expediente de quem não quer ser desmentido. A foto estava boa para o deputado. A nota de Braga Netto a nos comunicar que ele, assumindo-se como agente político, move-se de maneira ainda mais ostensiva, que não precisa de intermediários para falar a outros Poderes e que é isto mesmo, asseverado por escrito: à vontade para disparar manifestos políticos e fazer carga sobre o Parlamento, com o peso de quem controla o paiol, por uma pauta — do populismo autoritário bolsonarista — que atribui ao governo federal e que, não havendo mais fronteiras entre Planalto e instituições impessoais de Estado, estende às Forças Armadas. Uma demonstração de musculatura. Estava bom para o general.

Braga Netto é o panfleto circunstancial a defender uma compreensão viciada que circula desde o tuíte em que o general Villas Bôas advertiu o Supremo (à véspera de o tribunal deliberar sobre habeas corpus de Lula, em 2018), que contaminou o Exército e que avança por Aeronáutica e Marinha: que as Armas, autorizadas por leitura doente da Constituição, comporiam espécie enviesada de poder moderador — a serviço de Bolsonaro para tutelar Legislativo e Judiciário.

O subserviente Braga Netto expressa o comando golpista do presidente. Bolsonaro não manda recado por terceiros e está diariamente dizendo, a quem quiser ouvir, que, sem a contagem de votos como deseja, não haverá eleições. (Como é intelectualmente desonesto e depende do conspiracionismo para existir, o bolsonarismo acusará fraude de qualquer maneira, com ou sem voto impresso.) Nada pode ser mais grave; o general sendo somente mais um estafeta muito bem aquinhoado para dispor as Forças Armadas aos interesses autoritários do mito.

Voltemos a Arthur Lira. Saiu bem na fotografia do episódio. Como democrata, garantidor da República contra a ameaça de golpe. Contra a ameaça de um golpe que é a mais perfeita impossibilidade. Lira reagindo a um golpismo do século XX, com tanques na rua para desfechar a tal ruptura — o que, por absoluta falta de meios, não haverá. Lira reagindo, pois, a um inimigo artificial, a um espantalho, fantasia que talvez ele próprio tenha criado, enquanto se cala — mui bem acolhido pelo golpista — ante os modos do verdadeiro ataque de Bolsonaro, aquele executado progressivamente, num investimento constante para minar, por dentro, o equilíbrio institucional, para esgarçar o tecido social, para destroçar a guarda constitucional, para enfraquecer a confiança no sistema eleitoral, para dilapidar, carcomendo os fundamentos, a democracia representativa e, mais amplamente, a democracia liberal; para o que colabora o presidente da Câmara, passador agressivo de boiada, atropelador dos instrumentos de defesa regimental das minorias legislativas.

Golpe, aquele (impossível) com ruptura institucional modelo 1964, é ruim para os negócios. Lira não aceita. Mas não só compõe com o populismo autoritário, esse (real) que golpeia por desgaste, sem tirar-lhe a fartura das tetas do Estado, como é sócio do governo militar de Bolsonaro. Não apenas alguém que mama, mas que controla o destino e o ritmo da ordenha. Governo militar do Centrão. Ou, como preferiria o professor Wilson Gomes, já que Centrão seria figura amorfa que não se poderá punir nas urnas: governo militar do Progressistas, com Ciro Nogueira, com general Heleno, com tudo. Sócios.

Prudência, portanto, antes de olhar para arranjo eventual do governo e logo supor que os militares perdem espaço para Lira e turma. São sócios. E só reforçam a sociedade. O governo é militar; e são os militares, os generais ramos e outros com teto duplex para remuneração, os primeiros a compreender a importância do orçamento secreto e da necessidade objetiva de ter a operação de um profissional tocada desde o Planalto. Os generais investiram as próprias Forças Armadas no sucesso do governo. Precisam da reeleição em 2022.

Nada mais representativo deste momento decisivo do que o presidente falando — ocorrência raríssima — a verdade. Sim, o capitão é — sempre foi — do Centrão. Um militar condicionado pela cultura do Progressistas. Mas não da gema do Centrão. Bolsonaro é das bordas, catador de migalhas, de rachadinhas. Um marginal do Centrão. Do Centrão ressentido. Assentado — imaginemos uma daquelas pizzas gordurosas que levam recheio na borda — dentro da casca, aboletado no catupiry da extremidade, condição ideal para que constituísse bem-sucedida empresa familiar. Nunca esteve sozinho.

Se gritar “pega Centrão”, Ricardo Barros corre com Pazuello (e Elcio Franco) no colo.


Radiografia das ‘lives’ e discursos de Bolsonaro mostra escalada de autoritarismo e desinformação

Análise do vocabulário do presidente feita pela Lagom Data para o EL PAÍS expõe aumento de falas contra o sistema eleitoral, maior simbiose com Exército e informações erradas sobre vacinas. YouTube retirou do ar vídeos do presidente com dados médicos incorretos

Marcelo Soares, El País

No primeiro semestre de 2021 Jair Bolsonaro subiu o tom de suas falas, intensificando a frequência a referências autoritárias. A 14 meses das eleições presidenciais, reforçou a campanha de desconfiança sobre o sistema eleitoral brasileiro. Passou também a usar com mais frequência em suas lives no YouTube expressões como “meu Exército” e “minhas Forças Armadas”, em que evoca simbiose com os militares e se apropria para uso pessoal da atribuição constitucional de que foi incumbido. E se finalmente o Governo Bolsonaro abraçou a campanha de vacinação contra a covid-19, nas transmissões nas redes sociais o presidente seguiu difundindo informações errôneas sobre a doença. É o que aponta uma análise dos padrões de falas e discursos do presidente, feita com exclusividade para o EL PAÍS pelo estúdio de inteligência de dados Lagom Data. É esse discurso que molda as decisões políticas e sanitárias do Governo, ainda que as ideias afrontem a democracia e a ciência.

Vários dos vídeos em que Bolsonaro espalha desinformação sobre a covid-19 foram tirados do ar pelo YouTube na última quarta (21), numa decisão inédita. “Nossas regras não permitem conteúdo que afirma que hidroxicloroquina e/ou ivermectina são eficazes para tratar ou prevenir a covid-19, garante que há uma cura para a doença; ou assegura que as máscaras não funcionam para evitar a propagação do vírus”, explicou o canal. O vocabulário desses vídeos entrou na análise antes que ela saísse do ar. As regras do YouTube batem em cheio sobre o conteúdo produzido pelo presidente, arma poderosa para amalgamar o apoio de seus eleitores, que multiplicam quase instantaneamente as informações divulgadas por Bolsonaro.


MAIS INFORMAÇÕES


Para a análise, o Lagom Data coletou a íntegra do texto dos 406 discursos de Bolsonaro disponíveis no site oficial do Planalto, além das legendas automáticas de 89 das 110 lives do presidente, entre sua vitória eleitoral, em 2018, e o final do primeiro semestre de 2021. Destas, ao menos 10 lives parecem ter sido removidas pelo YouTube, em uma nova análise feita nesta quarta pelo estúdio de inteligência de dados. Ao todo, 14 vídeos ao vivo foram retirados do canal do presidente.

“Se eu levantar minha caneta Bic e falar ‘Shazam’, eu vou ser ditador. Vou ficar sozinho nessa briga? O meu exército que tenho falado o tempo todo é o povo. Sempre digo que eu devo lealdade absoluta ao povo brasileiro, e esse povo está em toda sociedade, inclusive o Exército fardado”, disse na transmissão ao vivo do YouTube em 11 de março de 2021. Em 20 de maio, o presidente utilizou a expressão novamente para criticar as medidas de isolamento impostas pelos Governos locais por conta da pandemia. “Eu já falei várias vezes que o meu exército jamais irá às ruas para manter o povo dentro de casa, como as forças policiais de alguns governadores”.

Quando menciona a caserna, Bolsonaro gosta de fazer reminiscências do seu passado militar (ele foi capitão do Exército), afirmações grandiloquentes sobre sacrificar a própria vida e soberania do povo e elocubrar sobre “o inimigo”, uma referência velada ao combate ao “comunismo” muitas vezes tratado como sinônimo de esquerdismo ou petismo. Presidente que mais empregou militares na administração pública desde o fim da ditadura, Bolsonaro, desde a posse, já falou em 31 formaturas de academias militares e policiais ―23 das Forças Armadas, 8 de polícias militares, uma frequência de participação que não era comum a outros presidentes.



“Quando estava no Exército, Bolsonaro era um estorvo que foi afastado por motivos políticos em 1988. Em 2014, 2015, ele foi transformado num mito. No poder, virou um cavalo de troia, para que esse grupo ocupasse os espaços de poder. Cabeça, tronco, membros, entranhas e alma do Governo”, afirmou ao repórter Afonso Beniteso coronel da reserva do Exército Marcelo Pimentel, que enxerga no comando do país um “Partido Militar”.

Caos nas eleições e vacinas
Em março de 2020, um ano e cinco meses após ser declarado vencedor da eleição presidencial, Bolsonaro prometeu em Miami apresentar supostas evidências de que, devido a uma fraude, não conseguiu vencer no primeiro turno as eleições de 2018. Desde então, tem se esquivado de apresentar essas tais provas às autoridades competentes, o que não o impede de voltar a fazer as mesmas acusações.

A análise do seu vocabulário mostra que as eleições de 2022 têm presença constante no seu discurso desde os primeiros meses do seu mandato. Essas menções vêm se avolumando desde outubro de 2020, e cresceram no primeiro semestre de 2021. Desde janeiro, as expressões “voto impresso” e “voto auditável” também aparecem com mais frequência na fala do presidente. Nas lives, elas já apareceram 27 vezes. Em discursos, 16.

Na live de 25 de junho, o alvo foi a campanha contra o sistema eleitoral: “Ministro [Edson] Fachin, o mesmo que proibiu policiais militares do Rio de Janeiro de entrar na comunidade atrás de vagabundo, o mesmo que proibiu que helicópteros façam operações dentro de comunidades, agora disse que quem luta pelo voto auditável comete um ato de violência contra a Constituição. Dá para entender? Dando palpite. Palpiteiro!”, disse Bolsonaro.



Se nos discursos, geralmente em ocasiões solenes, o presidente usa um vocabulário mais comedido e muitos cumprimentos, é nas lives, destinadas a sua base mais fiel e radicalizadaque ele afrouxa a gravata e faz a maior parte das menções distópicas. Em média, Bolsonaro fala durante 49 minutos em suas transmissões ao vivo semanais. Seus discursos, por sua vez, tendem a ser mais curtos. A live mais longa, de 1º de julho deste ano, teve quase uma hora e cinco minutos. Com isso, o conjunto completo de falas analisadas forma uma massa de vocabulário mais extensa do que a Bíblia: são 871.412 palavras ―sites religiosos estimam que o texto completo da Bíblia tenha até 810.000 palavras, dependendo da tradução.

Essas diferenças entre discurso formal e o feito sob medida para mobilizar para seus seguidores também fica claro no manejo discursivo da pandemia de covid-19. No segundo semestre de 2020, a bala de prata favorita de Bolsonaro para enfrentar a covid-19 era a cloroquina, ou hidroxicloroquina, remédios prescritos para malária que o Governo transformou em política de Estado pela qual agora nenhum ministério se responsabiliza, como mostrou o EL PAÍS.

As menções ao fármaco se reduziram a quase nada no final do ano, quando a busca pelas vacinas se tornou o principal assunto do Brasil. As citações ao remédio voltaram, agora de maneira defensiva, após a abertura da CPI da Pandemia, no final de abril. Neste mês, o órgão técnico que assessora o Ministério da Saúde finalmente enviou documento à CPI no qual afirma que os remédios do chamado “kit covid” promovido pelo Planalto, mas também por clínicas privadas, não têm qualquer efeito para mitigar a covid-19. E e o YouTube tomou sua primeira reação oficial contra esses vídeos, o que pode culminar com a suspensão do próprio canal pessoal do presidente.

As falas de Bolsonaro sobre a vacina neste ano flertam com contradições o tempo inteiro: numa mesma live, ele pode questionar a eficácia e a segurança das vacinas num momento para, minutos depois, afirmar que por virtude sua o Brasil é um dos países que mais vacinam no mundo. Na live de 24 de dezembro, por exemplo, ele disse que a eficácia da Coronavac ―de tecnologia chinesa e fabricada ao Brasil pelo Instituto Butantan por iniciativa do Governo de São Paulo― seria “lá embaixo”.

Mesmo depois de fazer um discurso em cadeia de rádio e TV em março defendendo a imunização, Bolsonaro segue sabotando a campanha pela vacina com informações equivocadas, como a de quem já teve covid-19 não precisa se vacinar: “Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina porque você pegou o vírus para valer. Então, quem contraiu o vírus, não se discute, esse está imunizado”, afirmou Bolsonaro em live em 17 de junho.



Antes da iniciativa desta semana do YouTube, outras dez lives já haviam sido retiradas do ar, especialmente quando afirmações feitas por Bolsonaro tiveram consequências jurídicas. É o caso do vídeo de 14 de janeiro, dia em que faltou oxigênio em Manaus ―mais de 30 pessoas morreram na capital amazonense em dois dias de falta de oxigênio. Ao lado do então ministro Eduardo Pazuello, foram feitas oito afirmações checadas pela Agência Lupa. O presidente louvou, mais uma vez, os medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença e o ex-ministro disse não saber se o distanciamento social funciona. Também desapareceu a live de 26 de março de 2020, logo no início da pandemia, quando ele dizia que a covid-19 não seria problema porque brasileiro mergulha no esgoto e não acontece nada.

Limitação de dados e transparência
Além dos vídeos retirados do ar, há uma limitação importante nos dados das lives, o que remete a mais uma questão de falta de transparência do Governo Bolsonaro. Se os discursos oficiais são transcritos rotineiramente pelo cerimonial da Presidência e publicados no site oficial do Planalto desde o Governo Fernando Henrique Cardoso, as transmissões em rede social, embora contem com infraestrutura oficial, são tidas iniciativa pessoal do presidente. Algumas chegaram a ter meio milhão de espectadores. De todo modo, como estão publicadas no YouTube, foi possível extrair a transcrição automática da maioria delas.

Para análise, essas transcrições foram mantidas como vieram, sem revisão. O algoritmo de reconhecimento de voz depende da clareza da dicção, o que não é uma marca constante das falas de Bolsonaro. Com isso, é possível que algumas menções a palavras de interesse possam ter ficado para trás porque o presidente gaguejou ou embaralhou sílabas. Palavras pouco comuns também podem ser transcritas com erro. É o caso do ministro Edson Fachin, do STF, cujo sobrenome a transcrição automática do YouTube compreende como “Faquinha”. Também não é possível automaticamente separar o que Bolsonaro diz do que seus convidados falam ―por isso, não foram analisadas palavras como “presidente”, que podem indicar uma saudação do interlocutor.

Outras transmissões ao vivo estão sem a legenda gerada pelo computador. Todas as lives de dezembro de 2020 estão nessa situação. Uma consulta ao noticiário sobre as lives do período mostra que foram nessas transmissões que Bolsonaro mais fez senões às vacinas contra a covid-19. O período coletado tampouco abrange as revelações que surgiram em julho na CPI da Pandemia sobre os negócios suspeitos que teriam sido endossados por autoridades do Ministério da Saúde para comprar vacinas tendo empresas improvisadas como atravessadoras.

“Parte da imprensa”
É nas lives, de longe, que Bolsonaro faz a maior parte dos seus ataques à imprensa. Menções genéricas às palavras “imprensa” e “mídia” se avolumam ao sabor das críticas recebidas pelo presidente, e tiveram seu ápice em junho de 2020. Foi naquele mês, logo após a entrada de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, que o Governo tomou medidas para tentar ocultar dados de mortes causadas pela covid-19.



Desde meados de maio, a divulgação dos dados atrasava um pouco mais a cada dia, até que, questionado por jornalistas, Bolsonaro estourou: “Acabou matéria do Jornal Nacional”. Os dados eram propositalmente atrasados para que não fossem mostrados em horário nobre. Naquele dia, o Jornal Nacional entrou com boletim urgente na TV assim que os dados foram anunciados. Na semana seguinte,numa decisão que teve a participação do empresário Carlos Wizard, aliado de Bolsonaro e agora alvo da CPI da Pandemia, o Ministério da Saúde deixou temporariamente de publicar os dados diários sobre a covid-19 até que o Supremo Tribunal Federal ordenou que voltasse a publicá-los.

As menções à imprensa também se avolumam ao longo do primeiro semestre deste ano. As palavras Folha e Globo, nomes de duas das maiores empresas de comunicação do Brasil, foram mais citadas neste semestre do que em todo o segundo semestre de 2020. Em 2020, tem destaque o uso da expressão fake news por parte do presidente, tanto para defender a si e a aliados de processos por atos democráticos e desinformação quanto para acusar empresas de comunicação de mentir.

Em diagrama que mostra a estrutura do discurso, chamada de árvores de palavras, é possível ver estatisticamente a frequência com que outras palavras acompanham os termos de interesse na fala de Bolsonaro, em lives e em discursos. É mais fácil ele fazer referências à “grande mídia” e “parte da imprensa” em lives do que em situações formais, por exemplo.


Clara Becker e Gabriela de Almeida: Desinformação sobre processo eleitoral mira base da democracia

Neste ano, grande parte das notícias falsas não foi contra candidatos ou partidos, mas contra a eleição em si. A estratégia, especialmente perigosa, pode mostrar seus danos apenas no longo prazo

Em comparação com 2018, as eleições deste ano apresentaram uma redução na circulação de fake news. Essa foi a avaliação feita pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e que encontrou respaldo na diminuição do volume de desmentidos publicados pelas agências de checagem parceiras do Programa de Enfrentamento a Desinformação nas Eleições 2020, da corte. Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, Cristina Tardáguila, diretora da International Fact-Checking Network, apontou que a aliança de checadores detectou neste ano apenas um terço do total de notícias falsas visto na última eleição presidencial, quando comparados os dois finais de semana que antecederam o primeiro turno dos pleitos.

Mas talvez ainda seja cedo para comemorar. Primeiro porque eleições municipais tendem a polarizar menos o país do que as nacionais. Segundo porque grande parte das notícias falsas não foi contra candidatos ou partidos específicos, mas colocava em dúvida o processo eleitoral em si. A estratégia, especialmente perigosa, pode mostrar seus danos apenas no longo prazo.

Quando se trata de desinformação, é impossível elencar qual é a mais prejudicial. As que difamam e ferem a honra de alguém podem destruir reputações injustamente, as que enganam sobre assuntos relacionados à saúde podem levar à morte ou ajudar a propagar doenças já erradicadas. Mas e quando o conteúdo enganoso coloca em suspeita o sistema eleitoral?

Na superfície parece ser uma atuação sem grandes danos, mas por baixo a democracia vem sendo golpeada. Golpes nada singelos, nem um pouco silenciosos, mas que muitas vezes só apresentarão suas reais marcas —e o tamanho dos estragos— mais à frente.

Não é de agora que sistema eleitoral vem sendo colocado em xeque no Brasil. Nas eleições de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi eleita presidente do país, o candidato derrotado Aécio Neves (PSDB) pediu, via partido, que fosse feita uma auditoria para verificar a “lisura” da eleição. Um dos argumentos do texto protocolado apontou para um questionamento que estaria circulando pelas redes sociais a respeito da infalibilidade da apuração.

Corta para 2020. Seis anos depois, os atores são outros, mas o discurso segue uma lógica muito semelhante.

Um estudo feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV (Fundação Getulio Vargas), em cooperação com o TSE, mapeou e analisou postagens que questionam a integridade do processo eleitoral desde 2014 no Facebook e no YouTube. De acordo com a pesquisa, o recorde de achados ocorreu em 2018, com a soma de 32.586 publicações sobre desconfiança no sistema eleitoral. Em 2020, em apenas nove meses foram encontrados 18.345 posts sobre o assunto, superando todo o ano de 2014.

Em entrevista à Folha, o coordenador digital de combate à desinformação no TSE, Thiago Rondon, chamou atenção para o horizonte que se forma para as eleições de 2022. “Há uma probabilidade altíssima de que o cenário que estamos vendo na eleição americana, de tentativa generalizada de desacreditar o sistema eleitoral, vá se repetir no Brasil em 2022 se não nos prepararmos de forma adequada”, alertou.

Analisando o cenário dos últimos meses, esse futuro de fato não parece tão distante assim. Uma apuração feita por Marianna Spring, repórter especialista em desinformação da BBC, revelou que a estratégia de Donald Trump de alegar uma possível fraude no sistema eleitoral vem acontecendo há meses, com o auxílio de contas influentes no Twitter. E foi na plataforma favorita do presidente americano que foi dada a largada para as primeiras acusações de fraude em abril deste ano.

Desde então, e até as eleições que ocorreram no início de novembro, Trump mencionou “eleições fraudulentas” ou “fraude eleitoral” pelo menos 70 vezes, criando paulatinamente um conflituoso clima de desconfiança no sistema eleitoral. A estratégia agitou os aliados e fez crescer uma onda questionadora que embarcou nas teorias conspiratórias criadas pela equipe do presidente.

A ferramenta de monitoramento da agência de checagem Aos Fatos verificou que entre os dias 15 e 22 de novembro, mensagens criadas com o intuito de questionar a lisura do sistema eleitoral no Brasil foram compartilhadas ao menos 303 vezes em 55 grupos de discussão política no WhatsApp.

Assim como a experiência americana, por aqui esses conteúdos também ganharam força ao serem impulsionados por influenciadores e apoiadores de Jair Bolsonaro, um dos principais questionadores do sistema eleitoral brasileiro e, veja só, também do praticado nos Estados Unidos.

Em live recente em seu perfil no Facebook, Bolsonaro endossou o apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/19, de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL), que exige a impressão de cédulas em papel na votação e na apuração de eleições, plebiscitos e referendos.

De acordo com o texto, essas cédulas poderão ser conferidas pelo eleitor e deverão ser depositadas em urnas indevassáveis de forma automática e sem contato manual, para fins de auditoria, mas críticos temem que a medida possa ser alvo de ações fraudulentas, com o intuito de um retorno da prática massiva de compra de votos.

Para especialistas, as falas públicas de Bolsonaro que colocam em suspeita o sistema eleitoral preparam o terreno para as eleições de 2022, para o caso de um resultado que seja desfavorável para o presidente.

Ao defender as urnas eletrônicas após o fim do segundo turno das eleições municipais, no domingo (29), Luís Roberto Barroso chamou atenção para a impossibilidade de fraude no sistema eleitoral e disse não ter “controle sobre o imaginário das pessoas”. “Há aqueles que acreditam que a terra é plana, tem gente que acha que o homem não chegou na lua e tem gente que acha que o Trump venceu as eleições nos Estados Unidos”, ironizou.

Poucas horas depois, apoiadores do presidente orquestraram uma ação de ataque ao ministro, que chegou aos trending topics do Twitter. Por meio do nome de João de Deus, médium que está preso acusado por mais de 300 mulheres de crimes sexuais, Barroso foi citado em posts que questionavam a fala dele sobre crenças a partir da reprodução de um vídeo antigo em que o ministro falava abertamente sobre o respeito que tinha pelo médium após a cura de um câncer, em um caso clássico de desinformação movida por descontextualização.

Barroso tem razão, não temos controle sobre o imaginário das pessoas.

Mas agentes da desinformação conhecem estratégias eficazes para manipulá-lo. A repetição é uma delas. O cérebro humano tende a confundir aquilo que é familiar com aquilo que é verdadeiro. Por isso, mentiras repetidas muitas vezes acabam se tornando verdades para alguns.

E é por isso também que precisamos agir desde já contra esse tipo de desinformação que não é de hoje que vem envenenando o processo democrático.

Clara Becker e Gabriela de Almeida Pereira integram o Redes Cordiais, uma iniciativa que alia educação midiática no combate às notícias falsas.