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Raphael Di Cunto: Os riscos da aposta de Bolsonaro na Câmara

Independentes” serão decisivos para votações pós-eleição

O presidente Jair Bolsonaro tem apostado alto ao mobilizar o governo para eleger o líder do PP, Arthur Lira (AL), presidente da Câmara. Há promessa - e entrega- de verbas orçamentárias, cargos e até ministérios para quem apoiar seu candidato. Não são poucos os aliados dele que alertam que tal aposta pode dificultar a governabilidade nos dois anos finais de seu mandato e esgarçar a relação com os deputados.

Como toda aposta de risco, o retorno, é claro, pode ser muito grande. Um aliado no comando da Câmara fará andar a agenda conservadora de costumes que o elegeu e com a qual ele pretende sustentar sua reeleição. Ao presidente interessa que o debate tome conta da sociedade, colocando em segundo plano a pandemia, a morte de milhares de pessoas e a economia capenga.

O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), barrou parte dessas propostas, mas menos do que seu contundente discurso para agradar os partidos de esquerda faz parecer. É verdade que ele segurou a reação à flexibilização do aborto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), impediu o debate sobre o Escola Sem Partido e o ensino doméstico, defendeu a ciência e a vacina e segurou parte da agenda armamentista, mas, quando estava em busca de aproximação com Bolsonaro, Maia levou direto ao plenário o projeto que flexibiliza a lei de trânsito e o porte de arma na propriedade rural.

O acordo de Lira com Bolsonaro, segundo parlamentares ouviram do próprio presidente, é colocar para debate todos os projetos do governo e não deixar as medidas provisórias (MP) perderem a validade por falta de votação. Não significa necessariamente aprová-los, mas instalar as comissões especiais necessárias para que a discussão ocorra na Casa. Ao bolsonarismo, interessa mais o bate-boca na sociedade do que a aprovação de algumas pautas.

A proposta de emenda constitucional (PEC) do “voto impresso”, por exemplo, é uma dessas em que o debate renderá mais frutos ao presidente do que a implantação, já que a checagem comprovaria que, de fato, não existe a tão alardeada fraude no sistema de votação. O discurso bolsonarista em 2022 terá mais apelo se a PEC fracassar, com os partidos de oposição votando contra. Caberá a Lira dar vazão a esse e a outros debates, ao instalar as comissões especiais e pautar as propostas no plenário.

Essa é a visão otimista para os bolsonaristas, que viram na aliança de Maia com a esquerda a deixa que permitiu que perdessem a vergonha de assumir o voto em Lira, até então um dos mais claros representantes da “velha política” que Bolsonaro dizia combater. Mas, como toda aposta, há um risco embutido, e que nesse caso não é pequeno.

Primeiro, é óbvio, o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP), pode vencer. Ele está à frente de um dos partidos mais governistas da Câmara, seus correligionários acumulam cargos no governo e seu perfil não é, até hoje, o de partir para o embate. Mas Baleia faz um discurso externo de independência, com o objetivo de reposicionar o MDB, e deverá sua vitória muito aos partidos de oposição, que terão voz ativa nas decisões.

O outro risco é que MDB, DEM, PSDB, PSL, PV e Cidadania votam a favor dos projetos do governo relacionados à economia e estão se sentindo desprestigiados na distribuição de cargos e verbas. São cerca de 130 deputados (já descontando os “bolsonaristas raiz” do PSL) sem os quais será impossível aprovar PECs como as reformas administrativa e tributária e a PEC Emergencial.

Será difícil que esses partidos consigam se posicionar contra projetos que já defendiam antes da eleição, mas há temas muito polêmicos dentro dessas propostas com os quais eles ainda não se comprometeram (como o fim da estabilidade no serviço público) e não se trata de derrotar a agenda toda, mas se unir à oposição em pontos fundamentais para imprimir derrotas a Bolsonaro.

Foi o que ocorreu com a exclusão das escolas filantrópicas da distribuição de verbas do Fundeb e na proibição de que o governo possa exigir um termo de consentimento para quem tomar a vacina contra a covid-19, para dar dois exemplos da última semana de votações da Câmara. A própria ampliação do Fundeb, em agosto, ainda bem longe da eleição no Congresso, já foi um indicativo de como essa aliança funcionará. Podem também oferecer as 40 assinaturas que faltam à oposição para comissões parlamentares de inquérito (CPI), por exemplo.

A estratégia de condicionar cargos no governo e a liberação de verbas em troca do apoio a Lira tem resistências entre parte dos aliados do presidente e é vista com muitas ressalvas por articuladores políticos mais experientes. A fatura não acabará na eleição da Câmara e será preciso negociar nos projetos mais importantes.

Não vai dar para desprezar os que ficaram ao lado de Baleia e é fácil imaginar a reação dos “aliados de primeira hora” se o governo atender só os preteridos agora com novas verbas ou cargos quando for preciso votar projetos mais importantes. Um aliado do presidente também destaca que faz pouco sentido oferecer dinheiro numa eleição que é secreta. Pode-se até desconfiar da traição, mas quem pula a cerca não sai por aí anunciando.

Lira é um político experiente. Em dez anos na Câmara, liderou seu partido em seis e presidiu as duas comissões mais importantes, a de Constituição e Justiça (CCJ) e a de Orçamento (CMO). Tem uma grande capacidade de articulação política e poderá driblar essas resistências para construir maiorias a favor do governo e dos projetos que achar relevantes. Mas não é o que ele tem prometido em público, ao refutar o papel de líder do governo, e, mesmo assim, não será algo fácil.

Rodrigo Maia venceu o “Centrão” liderado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa da presidência da Câmara em 2016 e reaglutinou o grupo em torno do si meses depois para viabilizar sua reeleição, mas demorou para quebrar resistências. A eleição de 2022 batendo as portas e afetando fortemente a agenda da Câmara e do governo no segundo semestre dificultará mais esse realinhamento.


Correio Braziliense: Eleição na Câmara vai ditar o rumo de projetos no Congresso

Disputa entre Baleia Rossi e Arthur Lira para a Presidência da Casa Legislativa definirá se o parlamento continuará com o esforço reformista, que marcou a gestão de Rodrigo Maia, ou abrirá espaço para a pauta de costumes, valorizada pelo Planalto

Sarah Teófilo e Renato Souza, Correio Braziliense

A depender de quem ocupar as cadeiras de presidente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, uma mudança de rumos poderá ser vista no Congresso a partir de fevereiro de 2021. Depois de um 2020 trágico, o Legislativo decidirá quem comandará as Casas pelos próximos dois anos, em meio a um cenário delicado nos âmbitos sanitário, econômico, político e social.

Dois caminhos mostram-se traçados, em especial na Câmara: de um lado, a manutenção de uma pauta reformista e liberal, e do outro, o surgimento, com mais força, de matérias da chamada “pauta de costume”, até o momento contida, muitas vezes, pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é quem pauta as matérias para análise. Depois de ter sido impossibilitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de concorrer à reeleição, assim como o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), as movimentações têm sido intensas para viabilizar uma sucessão.

Na quarta-feira, Maia e 11 partidos definiram o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) como o candidato que representará o grupo que pretende ser independente do governo e vai rivalizar com Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão e preferido do Planalto para comandar a Casa Legislativa em 2021. A aliança em torno de Baleia Rossi tem respaldo até de partidos de esquerda, como o PCdoB e PT, e do PSL. Essa duas últimas legendas compõem as maiores bancadas da Casa.

Arthur Lira também busca viabilizar uma vitória. Apesar do esforço de mostrar que não levará adiante as pautas de costume, um aceno importante de Bolsonaro ao seu eleitorado, Lira deve ceder para agradar o Palácio do Planalto se for o próximo presidente da Câmara. No âmbito econômico, analistas afirmam que Lira não tem o mesmo perfil reformista e liberal de Rodrigo Maia, embora valorize as pautas ligadas a esses temas.

Em relação às pautas de interesse do Planalto, Rossi e Lira sinalizam para caminhos opostos. Em caso de uma vitória do emedebista, a tendência seria manter uma agenda reformista e independente do governo. Se a Presidência estiver nas mãos do pepista, o alinhamento será grande com o Planalto, que terá maior facilidade de emplacar matérias de interesse, em especial temas controversos da “pauta de costumes”. Em qualquer cenário, vale frisar, os analistas acreditam que as pautas relativas à pandemia terão prioridade.

Sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César afirma que se o bloco alinhado com o atual presidente da Câmara vencer, deve-se esperar uma continuidade no esforço de aprovar reformas estruturantes. “A tributária pode ter chance; a administrativa, também. Tem, ainda, a PEC emergencial e outras matérias, como a de autonomia do Banco Central, e a Lei do Gás”, pontua. Segundo o analista, as pautas reformistas continuarão sendo debatidas com o roteiro já traçado.

No caso de vitória de Lira, César acredita que também haverá o discurso de reformas, mas essa iniciativa chegará atrasada, pois o roteiro já foi traçado. É possível que Lira queira reorganizar a ordem de prioridades estabelecida ao longo de 2020. A expectativa maior será em relação à “pauta de costumes”, componente ao qual o Planalto tem muito apreço. Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro sinalizou seus interesses no Congresso, ao dizer que uma possível mudança na Casa Legislativa, alinhada com o governo, permitiria aprovar o excludente de ilicitude, espécie de salvo conduto para policiais militares que matarem durante operações de segurança. “(Com a vitória de Lira), haverá reforço nesta agenda que o Maia, de certa forma, conseguiu segurar”, diz André César.

Pandemia
Ainda que haja diferenças importantes entre Rossi e Lira na Presidência da Câmara, em qualquer cenário, a pauta relativa à pandemia deve receber prioridade. É como avaliam André César e a professora de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart. Ela frisa, também, que o governo federal, em termos de agenda econômica e políticas públicas, tende a querer gastar pouco, ao mesmo tempo em que pretende mobilizar a pauta de costumes. Segundo ela, o debate moral segue uma estratégia política. “Porque gasta pouco, entrega pouco e não tensiona com o mercado”, explica.

De acordo Mayra Goulart, falta interesse ao governo tensionar por qualquer agenda — seja econômica, seja de costumes. Na avaliação da professora, quando o presidente fala, por exemplo, de excludente de ilicitude, trata-se de uma “bravata”. “É o tipo de coisa que já foi apresentada antes, e caiu sem muita briga por parte do governo. É mais bravata, é fácil de falar. Você agrada as suas bases conservadores, mas, ao final, não aprova nada, não acontece nada”, afirma.

O analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis acredita, por sua vez, que a pauta econômica será prioridade, independentemente da vitória de Rossi ou Lira. “Maior do que a vontade de cada grupo, todos nós estaremos submetidos a uma grande pressão — a pandemia. Por mais que ele (Bolsonaro) seja separado da realidade, a realidade vai bater à porta”, argumenta. No caso de vitória do bloco de Maia, Dinis acredita que o processo de contenção do governo federal continuará. Já em caso de vitória de Lira, a quem ele chama de “gestor de conveniências”, haverá sinal verde para movimentar a pauta de costumes.

Professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), Paulo Calmon ressalta por que essas eleições do Congresso são fundamentais para o Planalto. De acordo com ele, Bolsonaro enviou diversas propostas ao Congresso que foram ignoradas. “Com a eleição de um aliado na Presidência da Câmara, essas propostas poderiam ganhar novo fôlego, assim como outras que estão praticamente prontas, mas, ainda, não foram encaminhadas pelo Palácio do Planalto porque se julgava que teriam pouca chance de aprovação em uma Câmara sob a liderança de Rodrigo Maia”, pontua.

O cientista político reitera que, com Lira, o governo deve enviar propostas que integram a “pauta de costumes”, assim como reformas do sistema político/eleitoral e do sistema penal/judiciário. Calmon acredita que o Planalto também deve aproveitar para enviar reformas nas relações federativas, “alterando o atual equilíbrio e restringindo a autonomia dos estados e municípios”. “E reformas econômicas, especialmente aquelas voltadas para redução do tamanho do Estado e imposição de austeridade fiscal”, diz.

No caso de uma vitória da aliança constituída por Maia, Calmon aposta no avanço das reformas econômicas, principalmente a tributária. “Por outro lado, (Maia) questionaria as pautas mais conservadoras, obstacularizando o avanço da agenda de reformas propostas pelo presidente”, avalia.

Senado discreto
No Senado, a disputa talvez fique centralizada entre Davi Alcolumbre e o MDB, que tem alguns nomes no páreo e é favorito na disputa. Os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE), e no Congresso, Eduardo Gomes (TO), que integram o partido, são possíveis candidatos. O líder da bancada do partido, Eduardo Braga (AM), também tem o nome lembrado, e a senadora Simone Tebet (MS), que se colocou à disposição e diz que o MDB não será oposição ao governo.

Paralelamente aos movimentos do MDB, Alcolumbre tenta viabilizar Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O nome de Antonio Anastasia (PSD-MG), vice-presidente da Casa, também foi citado. Entra na disputa o Muda Senado, grupo composto por 18 senadores de diferentes partidos que, se não lançar candidatura própria, deve apoiar um nome para tirar Alcolumbre de campo.

Para o cientista político André César, o Senado vive uma realidade distinta da Câmara. Não há uma dicotomia clara na disputa entre um nome alinhado ao governo e outro mais independente. Além disso, a tendência é de que se busque um nome mais consensual. Para ele, o grupo Muda Senado deve fazer barulho, mas sem peso, enquanto o governo busca viabilizar uma sequência à gestão Alcolumbre.

“Alcolumbre foi um líder que ajudou na agenda governista, contribuiu para minimizar ruídos, por exemplo o caso do Flávio (Bolsonaro), com as rachadinhas e tudo mais. O que o governo teme é que entre alguém do MDB menos alinhado, como o Eduardo Braga”, afirma. Ainda assim, segundo César, pensando em Braga e Simone Tebet, por exemplo, o cenário ao Planalto é mais propício com Braga que, para o analista, tem um perfil que possibilita uma negociação com o Planalto melhor do que seria no caso da senadora.

O cientista político Melillo Dinis afirma não enxergar mudança substancial no cenário, independentemente do nome que chegará à mesa do Senado. “O Senado não terá protagonismo algum; ficará na esteira do que a Câmara impuser ou do que o Planalto provocar. O Senado gostou desse ‘local’ de reivindicação de governadores. Virou uma Casa de repercussão. Alcolumbre e parte do Senado estavam atrás de construir temas locais, virou um clube de vereadores”, afirma.

O professor Paulo Calmon, da UnB, avalia que o Senado continuará muito influenciado pela sua atuação como Casa revisora. “Ou seja, revendo e corrigindo eventuais excessos ou equívocos ocorridos nas decisões da Câmara e do Palácio do Planalto”, afirma. De acordo com o professor, o Senado “continuará sendo avesso às propostas que geram efeitos importantes no equilíbrio federativo”.

Para ele, o Senado tem um equilíbrio de forças diferente daquele que prevalece na Câmara, e a ascensão de Alcolumbre “decorreu de um movimento de renovação, impulsionado pelo clima da eleição presidencial, e de enfrentamento de um grupo mais experiente de senadores que vinha liderando o Senado ao longo de muitos anos”.

“O momento, agora, é outro e muitos senadores simpáticos a essa ampla renovação mudaram de opinião. Ainda não está claro qual será o desfecho desse novo processo de realinhamento”, opina.

De olho em 2022
O mandato nas presidências do Senado e da Câmara é de dois anos — mais um motivo pelo qual a disputa é tão importante ao presidente Jair Bolsonaro. Os próximos chefes do Parlamento estarão nos cargos nas eleições de 2022, quando Bolsonaro deve disputar a reeleição.

Para o analista político Melillo Dinis, a vitória de Arthur Lira significaria um “salto” mais liso e agradável ao presidente. Ao mesmo tempo, o chefe do Executivo terá que trabalhar, porque não poderá culpar a Câmara por eventuais problemas ou falta de avanço na pauta do Planalto. Já a vitória do outro bloco significa mais dificuldade a Bolsonaro, mas ele continuará culpando a Casa. “O que é uma prática que ele faz com muita qualidade. O presidente é campeão em culpar os outros por seus atos”, afirma.

A professora da UFRJ Mayra Goulart afirma que uma vitória de Lira certamente deve ajudar Bolsonaro, no sentido de evitar o tensionamento e a manter as pautas de costume, que são promessas de campanha do presidente que ele ainda não conseguiu cumprir.


O Estado de S. Paulo: Baleia Rossi estreou na política aos 20 anos, seguindo passos do pai

Filho do ex-deputado Wagner Rossi, parlamentar vai disputar a presidência da Câmara com Arthur Lira

Jussara Soares, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Escolhido pelo grupo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ)para disputar o comando da Casa, o deputado Baleia Rossi, eleito presidente do MDB no ano passado, estreou na política aos 20 anos ao se eleger vereador de Ribeirão Preto (SP), em 1992. Na campanha para o Legislativo municipal, o jovem teve o apoio do então deputado Ulysses Guimarães, símbolo do MDB que presidiu da Assembleia Constituinte.

O registro do encontro, que ocorreu meses antes de Ulysses morrer em uma queda de helicóptero em outubro daquele ano, em Angra dos Reis, é a foto de perfil do WhatsApp de Baleia, que foi apontado como o nome mais viável para o confronto com o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), candidato do presidente Jair Bolsonaro.

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Na semana passada, antes da definição do nome de Baleia, Maia, ao lançar o bloco de 11 partidos em uma ofensiva contra o Palácio do Planalto, também recorreu ao símbolo do MBD para respaldar o grupo. “Certamente, Ulysses Guimarães estaria deste lado aqui e talvez repetiria em alto e bom som: eu tenho ódio e nojo das ditaduras”, disse o presidente da Câmara.

O apoio de Ulysses no início da vida política do candidato à sucessão de Maia se deu graças ao pai, o ex-deputado Wagner Rossi, filiado ao MBD desde 1981. Anos depois, Rossi se tornaria ministro da Agricultura dos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), entre 2010 e 2011. Pressionado, não durou muito: pediu demissão diante de denúncias de irregularidades na pasta.

Batizado Luís Felipe Tenuto Rossi, Baleia recorreu ao apelido dado pelos irmãos para concorrer à vaga de vereador, em uma ironia por ele ser, à época, muito magro. Em princípio, não gostava, mas foi convencido pelo avô a adotar a alcunha. Assim nasceu Baleia Rossi, eleito outras duas vezes vereador em Ribeirão Preto.

Em 1995, ele lançou o “Programa do Baleia”, transmitido por emissoras locais para todas as cidades do interior de São Paulo. Na televisão, Baleia apresentava quadros como o que proporcionava uma transformação visual e outro em que levava flores e lia cartas enviadas pelo público a outra pessoa. O programa durou até 2006.

A popularidade na TV o ajudou a ser conhecido em boa parte do Estado e a aumentar a projeção política. Em 2002, ele se elegeu pela primeira vez deputado estadual. Em 2014, se tornou deputado federal. Em 2015, votou a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Esse fato e a proximidade com o ex-presidente Michel Temer - muito amigo de seu pai - foram apontados como motivo para a resistência da oposição a seu nome.

Em maio de 2016, o deputado virou líder do MDB na Câmara e se aproximou de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se elegeu pela primeira vez presidente da Casa dois meses depois, em julho. No mesmo ano, foi apontado como recebedor de propinas em um esquema de fraudes em merenda em Campinas e em Ribeirão Preto. Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), arquivou o caso por falta de provas.

Baleia ganhou mais destaque ao apresentar, a pedido de Maia, o projeto da reforma tributária (PEC 45). O relator do texto é o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que até a reta final disputou com ele a indicação de Maia.

Interlocutores de Baleia atribuem sua escolha a um jogo de paciência no qual ele articulou boa parte do tempo parado ou sem grandes movimentos. Aos 48 anos e muito discreto com a vida pessoal, o deputado é apontado por integrantes do MDB como um político sensato e focado em seus objetivos.

Embora inicialmente com melhor aceitação por partidos da oposição, Aguinaldo é do mesmo partido de Arthur Lira e, portanto, não tem a legenda na mão. Enquanto Maia tentava encontrar um nome de consenso contra o candidato do Planalto, Baleia passou a conversar, nos últimos dias, com nomes do PT para quebrar resistências. Nas conversas, sempre disse que, se eleito para o comando da Câmara, dará espaço e se manterá independente do Planalto.


Ricardo Noblat: Baleia Rossi será o candidato de Maia a presidente da Câmara

Falta o PT decidir se o apoiará desde já ou só mais adiante

Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, ou apenas Baleia Rossi como prefere que o chamem, 48 anos de idade, deputado federal no seu segundo mandato, ex-deputado estadual e ex-vereador de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, atual presidente nacional do MDB, será anunciado amanhã como o candidato do grupo montado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) para disputar a presidência da Câmara.

O grupo é formado por 11 partidos – PT, PSL, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PC do B e Rede. Juntos, eles somam 269 votos de um total de 513. Para eleger o presidente em primeiro turno são necessários 257 votos. Ao grupo ainda poderão se juntar o NOVO (8 deputados) e o PSOL (10 deputados). A disputa será contra o candidato de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL)

Lira conta com o apoio do PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota que, juntos, somam 204 votos. Ou seja: 65 votos a menos do que tem hoje o grupo de Maia, o atual presidente da Câmara. O Podemos (10 deputados) deverá aderir a Lira. A eleição será realizada em 1º de fevereiro e, como o voto é secreto, haverá traições nos dois lados.

O PT decidirá hoje se apresentará um pré-candidato à presidência da Câmara só para marcar posição ou se declarará desde já apoio a Rossi. Já foi maior a resistência ao nome de Rossi dentro do PT. Em carta enviada, ontem, aos seus colegas de bancada, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) defendeu o apoio do partido ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro.

No último sábado, por mais de duas horas, Maia e Rossi conversaram em São Paulo sobre a sucessão na Câmara com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Até aquele momento, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ainda era uma opção ao nome de Rossi. Deixou de ser porque seu partido, por larga maioria de votos, apoiará Lira. A conversa de Maia com Temer sacramentou a escolha de Rossi.

Levou-se em conta também a pretensão do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) de ser candidato à presidência da Câmara. Ramalho já foi vice-presidente, é famoso pelos magníficos almoços e jantares que oferece no seu apartamento em Brasília, e calcula-se que possa atrair de 50 a 60 votos caso concorra. Mas dificilmente concorrerá contra o presidente do seu próprio partido.

A candidatura de Rossi reduzirá as chances de que seja lançado um nome do MDB para presidente do Senado. Dois nomes despontavam até então: Fernando Bezerra Coelho (PE), líder do governo no Senado, o que agradaria Bolsonaro, e Eduardo Braga (AM). Rara é a vez, como acontece agora no caso do DEM, de um partido presidir ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.


Paulo Fábio Dantas Neto: Congresso Nacional 2021 - Manter sempre teso o arco da promessa

A notícia da incorporação, ontem, dia 18.12, de cinco partidos de esquerda (PT, PDT, PSB, REDE, PCdoB) à frente, já anteriormente formada pelo chamado “Centro Democrático” (DEM, MDB, PSDB, Cidadania, PSL, PV), que o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, articula para disputar sua sucessão, marca uma aliança política de grande significado. Independente dessa aliança levar ou não a uma candidatura única, importa que se torna bem mais robusto um movimento de amplas dimensões pela independência daquela casa legislativa e de reação à tentativa do Poder Executivo de instrumentalizar o seu comando. Nesse momento o deputado Artur Lira, candidato apoiado pelo Planalto, passa, em tese, à condição de candidato minoritário, se somados como seus adversários os deputados integrantes das bancadas daqueles onze partidos.

Vários tópicos entram em pauta para se analisar as implicações desse fato político. Dentre eles é possível citar o grau de correspondência efetiva que haverá entre as decisões das direções partidárias e o comportamento das bancadas, as repercussões, nas bancadas dos partidos do bloco “centro democrático”, especialmente o PSL e o DEM, dessa aliança com a esquerda, PT incluído e a nova relação que se poderá estabelecer entre as eleições na Câmara e no Senado, por vezes vistas como partes de uma “operação casada”.  Cedo para compreender tudo isso. Mais produtivo analisar o contexto mais geral dos processos sucessórios nas duas casas do Congresso, ao qual o fato de ontem se incorpora.  Parto da premissa de que o referido processo teve sua dinâmica afetada pelo timing de uma decisão judicial provocada por adversários do movimento unitário que se robustece na Câmara.

Judicialização como refração de um processo político

Como sabido e já bastante comentado, as urnas de 2020 trouxeram más notícias aos bolsonarismo e ao lavajatismo, os grandes vencedores de 2018. É menos evidente, devendo ser salientado, que essas duas faces da direita negativa não metabolizaram a nova disposição do eleitorado, que valorizou a eficácia da política na gestão de municípios e deu sinal verde a políticas de frente democrática de um centro moderado. Poucos dias após a apuração dos votos, juntaram-se para tentar armar a mão do STF contra esse impulso agregador. Tiverem êxito, ainda que por apertada maioria. O tribunal interceptou o processo político que se esboçava nas duas casas do Congresso para a renovação de suas mesas diretoras. Processo que mal começara a entrar em sua fase mais importante, a fixação de candidaturas expressivas de um realinhamento de forças no Legislativo, que só poderia mesmo avançar a partir do resultado eleitoral, como se requer numa democracia.

É bom lembrar que o STF foi formalmente provocado à judicialização preventiva do processo pelo PTB, partido da base governista, que assim fez o primeiro movimento de revide ao veredicto das urnas. Na sequência, uma bem articulada ameaça de “cancelamento” via redes sociais recorreu a palavras chave do dicionário político das eleições de 2016 e 2018 para emparedar o tribunal. Embora usando outro palavreado, não foi diferente a posição da mídia tradicional. Armou-se o raciocínio de que o STF prevaricaria se permitisse a continuidade do jogo político no Legislativo. Conforme esse raciocínio, “os políticos”, fatalmente, rasgariam a Constituição. Logo, caberia ao tribunal antecipar-se, mesmo na ausência de fato concreto, para pôr ordem na “bagunça”.  Preconceito antipolítico travestido de prevenção, pois, se é verdade que havia sinais de que um ator importante, o presidente do Senado, movia-se em direção a uma transgressão, sinais opostos partiam de articulações do Presidente da Câmara. E, para além disso, o processo envolvia um conjunto de partidos e lideranças que, por dever de oficio e instinto de sobrevivência política, tenderiam a ser afetados pelo espirito das urnas. Tinha horizonte, ao menos na Câmara, a articulação de uma ampla candidatura comprometida a conservar a independência da Casa frente ao Executivo e o padrão de decisões colegiadas que ali se verificaram nos últimos anos.  E se, no caso no Senado, seu presidente passasse da intenção ao gesto para viabilizar sua reeleição, com aparente cobertura de um plano B do Governo aí, sim, o STF seria chamado a se pronunciar perante um fato concreto.

Para não raciocinar sobre hipóteses, o STF poderia ter simplesmente desconhecido a ADIN do PTB.  Aliás, se não fosse o preconceito que ali também há contra a lógica do Parlamento, essa poderia ter sido a posição preliminar do presidente do tribunal. Feito relator, o ministro Gilmar Mendes também poderia, como Pilatos, ter ido nessa direção. Não o fez, mas também não foi na linha da interferência no jogo político. Ao contrário, apontou que era assunto do Legislativo, o que lhe rendeu críticas. Se houvesse lavado as mãos seria criticado do mesmo modo, por não ter interferido a tempo para impedir a "bandalheira".  Por outro lado, o fechamento prévio da porta à estratégia de Rodrigo Maia (que acabou ocorrendo, contra o voto de Gilmar) pode ter aberto a porta da Câmara dos Deputados a Bolsonaro. O tamanho desse perigo só sabia quem tinha informação sobre a correlação de forças real. Deve ter sido o caso de Mendes, dotando seu voto de razões próprias de um cálculo político. Um pecado? Quem disso escapa, na posição em que ele está? Gilmar foi minimalista e propôs deixar à liderança do outro Poder a decisão sobre os custos políticos comparativos da derrota de um candidato de continuidade que não fosse o próprio Maia e os das implicações de marcar um gol em impedimento. Gol que no fim das contas não valeria, já que habemus STF. Logo, o voto minimalista foi condicional e não rasgou a Carta. Na contra mão de um senso comum que acha realista prejulgar políticos, penso que faria mais bem à saúde das instituições brasileiras se a maioria do STF tivesse seguido o voto de Gilmar Mendes e dado a Rodrigo Maia o benefício da dúvida, mantendo a condicional.

Por que não o fez? Difícil aceitar a hipótese de que tenha sido por razões doutrinárias. Como observou um aluno perspicaz, é curioso que a letra da Carta tenha sido defendida pelos partidários do “direito criativo” e o “jeitinho”, proposto pelos garantistas.  Do paradoxo só escapou o ministro Marco Aurélio. Afora ele, parece que gregos e troianos votaram com a lógica da política. O voto de Gilmar tem afinidades eletivas com a política dos políticos. Já a posição da maioria expressa quanto o impacto da ética faxineira da Lava Jato ainda afeta a conduta de parte da cúpula do Judiciário. Alguém me dirá que depois da desmoralização de Moro, essa hipótese é enxergar vida no velhinho que morreu ontem.

Sergio Moro e sua turma entraram em decomposição. O lavajatismo, penso que não. É força latente, atuante na subjetividade de larga faixa da sociedade, mesmo que momentaneamente esteja na penumbra, pela prioridade objetiva da pandemia sobre a corrupção. Vejo-o como um sentimento público em busca de novo intérprete após o fracasso político de Moro. João Dória é um óbvio candidato a esse legado, daí sua dificuldade e sua indisponibilidade para interagir com tudo que cheire a esquerda. Mas Bolsonaro não renunciará ao mesmo legado, daí a guerra sem quartel entre ambos. Bolsonaro, ou a política palaciana, já trabalha para reconectar o legado lavajatista ao seu eclético repertório eleitoral, usando o aparato da segurança pública, sua influência em áreas do MP e as brechas que vai abrindo no Judiciário, prisma sob o qual se deve analisar, a meu ver, a coalizão de veto que aconteceu no STF no julgamento da ADIN do PTB.

Efeitos politicamente regressivos da judicialização

Salta aos olhos que uma frente ampla contra a bolsonarização da Câmara até a npte de ontem ainda não pudera passar de palavra a ato. O jogo político exige harmonização de discursos e de interesses complexos. É preciso gerenciar compromissos político-partidários, distribuir recursos e espaços políticos entre os aliados, no Congresso e fora dele e sintonizar as alianças nesse episódio particular com as que têm 2022 no horizonte e com as ainda mais gerais e permanentes, que importam na defesa das instituições. O encurtamento do prazo para fazer tudo isso teve graves implicações. Admito não ter tido, prospectivamente, no momento em que o STF julgava, a clareza que penso ter disso hoje, após o leite derramado.  O candidato fisiológico passou a operar na Câmara com desembaraço bem maior. E mesmo que não seja bem sucedido, que perca a eleição ou mesmo desista dela, a solução alternativa vencedora deverá estar mais distante de ter um perfil político contraposto ao dele. Bolsonaro pode não ganhar a Câmara do jeito que quer, nem controlar o Senado.  Mas tampouco será fácil isolá-lo, a não ser que ele deseje.

Por outro lado, foi um teste e tanto para a possibilidade de uma frente política futura que tenha no DEM um eixo de articulação. As tensões no partido acentuaram-se na razão direta da redução do espaço de manobra de Rodrigo Maia. A costura nos bastidores do nome da ministra Teresa Cristina para a cadeira que hoje ele ocupa é um recado claro de que o partido já age para enquadrar o seu personagem até aqui mais destacado. E não é realista esperar que partidos aliados ajudem a dissipar essas tensões. O MDB enxerga a possibilidade de retomar o controle do Congresso. Tucanos, sempre no limiar do discurso hegemônico, têm essa tendência reforçada pelo comando de João Dória. Quanto à esquerda, notou-se, após o julgamento do STF, movimentos erráticos que vão desde alimentar candidatura própria a negociar no varejo turvo de Artur Lira. O gesto político de ontem sinaliza a reversão do segundo tipo de movimento, mas a ideia de candidatura de esquerda à presidência da Câmara não se afastou da boca da presidente nacional do PT.

Existe a possibilidade do passo agregador dessa sexta-feira reverter um perigo que se insinuava no centro político da Câmara dos Deputados e em suas conexões à esquerda, aquele pathos centrífugo que acometeu, a partir de 2017, a coalizão que sustentara o impeachment de Dilma Rousseff e levara Michel Temer à Presidência. A centrifugação da amplíssima articulação do presidente começou quando Rodrigo Janot produziu um artefato midiático com o caso Joesley Batista. A centrifugação do arco de Rodrigo Maia tornou-se possível desde que o STF, também diante de um artefato de apelo midiático, aceitou fazer da sucessão das mesas do Congresso um parto prematuro. 

Tirado de tempo, Maia tentou a autoconvocação do Congresso, que suspenderia o recesso parlamentar para não deixar o governo agir solto no breu das tocas. A PEC emergencial não foi pauta capaz de fazer os partidos de centro se moverem e fez a esquerda roer a corda com receio das reformas.  Pela enésima vez não confiou no caminho da negociação política, preferindo a comodidade do status quo. O relator governista da PEC não apresentou, é claro, seu relatório e assim sepultou a ideia da convocação extraordinária, cuja serventia iria além da PEC e se estenderia a dois problemas cruciais para o País, no momento, para cuja solução se requer unidade e moderação, logo, vigilância do Congresso. Além das sucessões no próprio Congresso, o da vacinação, interesse público número um, de que tratarei na próxima semana pois não se pode tratá-lo a não ser como foco central.

Com tempo ruim todo mundo também dá bom dia

Em meio a tantos percalços e com o Congresso fechado em janeiro, o campo estará, em tese, livre para o governo operar nas sombras e tentar impor seus candidatos. Mas quem der como certo que o Parlamento foi neutralizado e que aceitará ser humilhado pela leviandade contumaz do Presidente da República pode ter surpresas.  Situação oposta ficou patente, também nessa sexta-feira, 18, na tribuna da Câmara dos Deputados. O presidente da Casa reagiu de modo contundente a uma acusação de Bolsonaro ao Legislativo, qualificando-a de mentirosa e tendo sua narrativa dos fatos, pela qual restabeleceu a verdade, confirmada pelo próprio líder do governo. Fora do plenário, no manifesto que anunciou a ampliação do “Centro Democrático” lê-se que “Os radicalismos se retroalimentam e são fundamentais para explicar a nossa união. Enquanto alguns buscam corroer nossas instituições, nós aqui lutamos para valorizá-las”.

Esses sinais de contraponto à ingerência espúria de outro Poder nas decisões do Legislativo animam, mas não devem iludir quanto a dificuldades de um processo em que a assimetria de recursos de cooptação e de chantagem joga contra a autonomia da instituição e cujo desfecho se dará numa votação secreta. Mas um discurso político forte pela independência da Câmara tem apelo pragmático também. Deputados e senadores, de um modo geral, têm noção do poder de barganha que perdem se elegerem presidentes que se dobrem a um Executivo comandado por um candidato a ditador. Tendem a preferir alguém com moderação no trato com o governo, mas firmeza na defesa do Poder e que cumpra acordos internos. Esse foi o roteiro de construção da liderança de Rodrigo Maia. 

Nomes assim não podem ser encontrados se o roteiro para tratar desse problema for o confronto personalizado com Bolsonaro.  A resiliência de sua popularidade seduz os mais pragmáticos, porém, seu efeito mais corrosivo é irritar os adversários impacientes, fomentando a dispersão e jogadas para a plateia. Santos guerreiros são ineptos para lidar com o tipo de maldade que o presidente encarna. Provam-no os sucessivos momentos em que foi desafiado nesses termos e, das urnas ou pesquisas, emergiram efeitos perversos. Foi assim no segundo turno de 2018, com o “elle Não!” puxado por um lulo-petismo ferido; foi assim em maio desse ano, quando o mito começou a ressurgir, ainda antes do auxilio emergencial, logo após Sergio Moro supor que o foguetório de artificio de seu rompimento seria um tiro de misericórdia sobre um presidente até então isolado por se opor à política pública do moderado ministro Mandetta; está sendo assim agora quando, uma semana depois de fortes embates com o governador de São Paulo em torno da vacina, pesquisa Datafolha informa que Bolsonaro é bem avaliado por 37% dos entrevistados e que para 52% ele não tem nenhuma culpa pelo total de mortos pela covid no Brasil.

Na esteira dessas lições o discurso político firme e unitário precisará, nesses pouco mais de trinta dias, ser combinado com a abertura de novas frentes de entendimento com áreas próximas à candidatura de Lira na Câmara e com a bancada governista no Senado. Preparar-se para vencer um embate em condições adversas é um empreendimento em que, afinal, um acordo pode também se tornar razoável. E ele também é possível, se o adversário tiver igualmente juízo atento ao preço pago por Dilma Rousseff por imaginar que poderia politizar plebiscitariamente uma eleição no interior do Legislativo.

Num cenário como esse, estará em posição privilegiada quem, a essa altura, ainda puder intermediar, com êxito, uma negociação do centro democrático do Congresso com as bases parlamentares governistas nas duas casas, em torno de possíveis nomes de consenso. A posição discreta que o ex-presidente Temer ocupa na geografia política do país faz dele alguém que poderia obter um “nada a opor” do governo a tal entendimento sem, necessariamente, precisar de um “tá ok” de Bolsonaro. Até porque não se pode escrever o que o ex-capitão diz. As chances de êxito dessa interlocução provem dela poder se dar, simultaneamente, com o centro e o centrão e favorecer um entendimento autônomo, no Legislativo, para manter teso, numa conjuntura social e sanitária crítica, o arco da promessa de governabilidade com preservação da democracia que exerceu em 2019-2020.

Na falta de um horizonte límpido, a experiência de dois anos de labuta com o fator Bolsonaro traz bons conselhos. Olhar para os resultados das eleições e para frentes políticas que se formaram e venceram. Lembrar dos trinta primeiros dias de enfrentamento articulado da pandemia no Brasil; de cooperações entre governos estaduais e municipais adversários; do auxílio emergencial, do auxílio aos Estados, da votação do Fundeb. Nesses momentos Bolsonaro se isolou e perdeu espaço. Ao inverso, recupera-se sempre que se perde o foco nesse processo plural e incremental. Sei que o que estou dizendo não responde a certas urgências e convicções, mas o que responde?

Peço, a quem o desfecho dessa coluna decepcionar, que me conceda o benefício de esperar a da próxima semana. Talvez tratando de outro tema crucial, eu possa argumentar melhor pelo bem público que faria um grande acordo político que evitasse a disputa dilacerante que se anuncia pelo controle das mesas diretoras do Congresso. Daqui a 30 dias o país agradeceria se sobre ambas reinasse, soberano, em vez da sucessão, o tema da vacinação. Sem prejuízo de que a frente democrática que se desenhou hoje na Câmara tenha longa vida e ganhe muita força no parlamento e na sociedade. Aliás, um acordo nacional para vencer a crise com aval do Legislativo é uma promessa que depende da solidez do arco.

* Cientista político e professor da UFBa.


Andrei Meireles: O choque das esquerdas no espelho

O dilema no jogo de poder no Congresso é negociar uma pauta que mantenha conquistas democráticas das últimas décadas ou pegar caraminguás ofertados pela tropa de Bolsonaro

Em circunstâncias diversas, comunistas, socialistas e sociais-democratasconstruíram alguns projetos bem sucedidos das esquerdas no mundo inteiro. Ao longo de mais de um século de conturbados exercícios de poder, geraram grandes esperanças e profundas decepções. Algumas tiveram  momentos de sucesso outras resultaram em verdadeiros genocídios, negação absoluta dos princípios que supostamente as inspiraram. Geram polêmicas até hoje. Só não dá para esconder que, em qualquer lugar do planeta, crime é crime.

No Brasil, as esquerdas também oscilaram nesse vendaval mundial. Foi uma sucessão de rachas desde as revelações dos crimes da mão pesada de Stálin na antiga União Soviética. Depois de uma série de controvertidos episódios, hoje em julgamentos apenas históricos, as esquerdas em seu conjunto apostaram na redemocratização do país. Mesmo com  percalços na Constituinte, quando o PT tentou apenas marcar posição, cumpriram a regra do jogo. Receberam dos eleitores a oportunidade de virar o jogo.Por gosto ou circunstâncias, quando chegou ao poder o PT cumpriu esses compromissos. Cumpriu inclusive, não importa se foi beneficiado por circunstâncias externas, a promessa de combate à pobreza. Mas pisou na bola no quesito da corrupção. E é aí que o PT e seus aliados continuam até hoje na berlinda. Tentam esticar a  corda com uma questão mal resolvida.

O PT não engoliu porque um amplo contingente de eleitores que rejeitavam Bolsonaro não votaram em Fernando Haddad no segundo turno em 2018. Não conseguiram entender porque toda essa gente que votou nulo se recusou a dar um aval à postura do PT de não reconhecer a corrupção que, comprovadamente, bancou e alimentou o projeto de poder do partido. Pagou o preço antes, naquela e nas últimas eleições.Todas essas histórias são passado. Servem de contexto para o sombrio momento político que o país sonha em ultrapassar. O mesmo jogo que o PT, talvez por falta de credibilidade, tentou sem sucesso emplacar no segundo turno em 2018, está agora no tabuleiro.

Pode ou não ajudar Bolsonaro.Com todo o devido respeito a sua história, parte do PT continua vendendo a alma das esquerdas ao diabo. Como ali não se faz autocrítica — método dialético das esquerdas mundo afora–. não há diferença do que rola lá a outras práticas de corrupção no mundo partidário país afora. É inacreditável, por exemplo, que deputados do PT e do PSB apostem em uma disfarçada aliança com Bolsonaro que pode entregar de bandeja à mais atrasada direita todas as pautas que a sociedade brasileira conquistou nas últimas décadas.

O que está em jogo nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado, nas quais Bolsonaro aposta todas as fichas e os recursos da União, não é apenas uma escolha entre figurinhas. É muito mais grave. O que está em jogo é uma anistia a todos políticos investigados, acusados ou condenados por corrupção. Mais: 1) – Atropelar de vez as leis de proteção ao meio ambiente; 2) – Liberar geral a violência policial; 3) – Acabar com as proteções a índios e quilombolas; 4 – Revogar todos os avanços no trato da diversidade no país; 5) – Tornar letras mortas as leis da Ficha Limpa e da Lavagem de Dinheiro, entre outras, que proporcionaram uma verdadeira revolução no combate ao crime de colarinho branco.

Não são avanços na pauta, são retrocessos. A manutenção de todas essas conquistas éticas e democráticas seria uma bela pauta das esquerdas, que deveria ser decisiva nesse jogo de poder. Aqui é ficção. Em qualquer país democrático onde os partidos entregam o que vendem aos eleitores seria jogo jogado. No Brasil, não é só a vacina contra o coronavírus que saiu do esquadro. Tem um monte de deputados do PSB, levados por Arthur Lira ao Palácio do Planalto, para negociar liberação de dinheiro para suas bases eleitorais, o que também seduz caciques do PT.

Washington Quaquá, o pragmático e influente vice-presidente nacional do PT, é explícito: “Não tenho nenhum problema com Arthur Lira, pelo contrário. Para a falar a verdade, acho que ele pode ter mais condições de avançar”. O que o petista Quaquá deixa  explícito em outras declarações é o desejo de aprovação de alguma lei que anule  as condenações de Lula e de todos os outros sentenciados a partir da operação Lava Jato. E foi justamente isso que entrou na barganha com Arthur Lira, que a acatou de bom grado por também ser denunciado por corrupção pela Lava Jato.

Esse jogo esquisito e malandro por parte de alguns setores da esquerda, que se deslumbram com as ilusões brasilienses, pegou muito mal. Algumas cúpulas partidárias, como a do PSB e a do PT, que faziam vistas grossas, foram chamadas à ordem, pela pressão de militantes e da opinião pública. A cobrança é para abandonarem esse voo cego em busca de eventuais vantagens.

A conferir.


O Estado de S. Paulo: ‘Demora da vacina é maior erro político de Bolsonaro’, diz Rodrigo Maia

Em entrevista ao ‘Estadão’, Maia diz que governo tenta comprar votos na Câmara para eleger seu sucessor

Andreza Matais, Felipe Frazão e Tânia Monteiro, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – O presidente da CâmaraRodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o maior erro político cometido pelo governo até agora foi não se preparar para comprar a vacina contra o novo coronavírus. “Isso pode impactar o projeto de reeleição”, afirmou ele, numa referência aos planos do presidente Jair Bolsonaro para 2022. “Esse é o tema que pode gerar o maior dano de imagem. As pessoas estão começando a entrar em pânico, em desespero”.

Prestes a terminar seu mandato como presidente da Câmara, Maia disse ao Estadão que o governo está criando um “balcão” de negócios na Câmara para eleger o seu sucessor. Na sua avaliação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, se engana ao imaginar que Bolsonaro interfere na disputa no Congresso, marcada para fevereiro de 2021, porque quer tocar as reformas. “Bolsonaro quer tocar a agenda ideológica”, observou.

O deputado contou ter ouvido o rival Arthur Lira (Progressistas-AL) chamar Guedes de “vendedor de redes” – alguém que fala muito, mas entrega pouco. Líder do Centrão, Lira é candidato ao comando da Câmara com apoio do Palácio do Planalto. “Uma vitória do candidato do Bolsonaro o recoloca no processo político”, afirmou Maia.

O senhor teve covid-19, pode contar como foi?

Passei alguns dias muito difíceis, com pulmão bastante contaminado, com muito cansaço. Fiz fisioterapia pulmonar todos os dias. Quase fui internado. Para quem tem sintomas, não é uma doença simples. E eu tive o atendimento de hospital privado, talvez da melhor médica do Brasil nessa área. Mas a maioria da população não tem a mesma estrutura. Por isso que todos os procedimentos de máscara, de álcool em gel, de algum isolamento em algum momento é importante para que a gente não tenha a rede pública de saúde sem estrutura.

O País assiste a uma briga política em torno da vacina e o governo não comprou uma seringa até agora. Como sair disso?

A vacina é o ponto mais crítico do governo, o mais grave até hoje na sua relação com a sociedade. A demora na compra da vacina é o maior erro político de Bolsonaro. Esse é o tema que pode gerar o maior dano de imagem para o presidente. Faz voltar na memória das pessoas todos os erros do governo, desde o início da pandemia. Isso pode impactar o projeto de reeleição. Certamente, ele (Bolsonaro) tem pesquisa. E, se ele tem, está com essa mesma informação. As pessoas estão começando a entrar em pânico, em desespero. E aí ele isenta a importação de armas. Precisa tratar sem paixão, sem ideologia, esquecer o conflito com o governador de São Paulo.

A Câmara pode assumir esse papel, como fez no início da pandemia, com relação aos recursos emergenciais?

Eu disse ao presidente que o Congresso e o governo deveriam construir um caminho sobre a questão da vacina. Não é possível que daqui a pouco vai ter brasileiro viajando ao exterior para tomar a vacina, e a maior parte da população aqui sem vacina, com os leitos lotados, com a taxa de letalidade aumentando por falta de leitos. Precisa de uma solução imediata, que o governo recupere os meses perdidos.

O senhor entende que será necessário algum tipo de lockdown nas festas de fim de ano?

Quando começar a crescer muito o número de internados na UTI, você tem que ter ações por parte dos municípios, estados e da União, para evitar a circulação. Reduzindo o número de pessoas nos hospitais, você pode reabrir. Eu não falo de lockdown, eu falo: se no Rio de Janeiro tem 99% dos leitos ocupados, você tem que ter uma ação do prefeito e do governador de mais restrições.

Mas aí o presidente da República diz que as pessoas são “maricas” porque elas se protegem. Como fazer com esse discurso negacionista da doença?

Você pode ter certeza que o que o Pazuello (o ministro foi contaminado pela covid) passou foi mais grave do que ele deve estar falando. As pessoas vão tendo, as famílias vão pegando, perdendo seus parentes. E ao longo do tempo, as pessoas vão vendo que o presidente tá errado. Tá errado desde o início, quando ele disse era uma gripezinha.

O presidente pode ser processado por crime de responsabilidade por causa das ações na pandemia?

Que ele pode ter influenciado um menor isolamento em momentos importantes, isso pode. Mas é uma questão muito técnica. Alguém vai ter que vincular o discurso dele as pessoas irem às ruas e isso ter gerado mais mortes. Não é uma coisa fácil de pegar.

O senhor deixará mais de quarenta pedidos de impeachment não analisados. Eles são mesmo improcedentes?

De forma nenhuma iria usar o poder do impeachment se não fosse um caso gravíssimo, ainda mais no meio de uma quarentena.

É a pandemia que impede um processo de impeachment?

Eu acho que, com a crise que nós já temos, se a gente fosse entrar pra esse tipo de conflito… E o impeachment é um julgamento político. Não é um julgamento jurídico. Querendo ou não, é a realidade. Ele não pode ser um instrumento para estar na gaveta e ser utilizado em cada conflito do presidente da Câmara com o presidente do governo.

O senhor externou temor de que uma vitória de Arthur Lira signifique uma agenda ideológica no País nos próximos dois anos. Faz parte do jogo político fazer esses alertas?

É muito óbvio que não é a pauta econômica que faz o presidente rasgar o que falou ao longo da campanha: que não iria interferir no outro Poder, que o Brasil foi destruído pelo toma-lá-dá-cá, pela troca de cargos, pelas as emendas, que isso levava à corrupção. Se você olhar os candidatos à presidência da Câmara, todos pelo menos votaram a pauta mais liberal na economia. Se todos dariam conforto ao governo em relação à pauta econômica, por que o presidente da República quer interferir? O governo deixa claro qual é sua prioridade, que não é a pauta econômica. Ele quer a pauta de costumes, do voto impresso, para desqualificar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ele quer essa pauta que foi travada nos últimos dois anos pela minha presidência e pelo apoio que eu tenho.

Como o plenário reagiria se o presidente da Câmara tentasse impor essa agenda?

Sempre há um limite para aquelas agendas que o governo quer e, às vezes, radicaliza no texto. A pauta de armas ele não tem voto, educação ele não tem voto, a regularização fundiária, o texto inicial do governo não passaria. Da forma como Bolsonaro está entrando, com o Palácio recebendo parlamentares, oferecendo emendas, dessa forma muito escrachada, ele vai acabar tendo, no pós-eleição, uma Câmara muito mais dividida do que ele tem hoje. Corre o risco de ter um ambiente muito menos confortável para as pautas que, de fato, são relevantes.

O que leva o senhor a crer que os deputados vão abrir mão de tantas benesses em nome de um discurso de independência?

A maioria dos parlamentares não quer voltar a um jogo do passado, onde a troca prevalecia à pauta. Tenho certeza que a maioria na Câmara entende que a valorização vale muito mais do que achar que parlamentares estão à venda. Porque essa deve ser a intenção. Se eles liberam emendas e acham que com isso o candidato do governo ganha, eles diminuem a importância dos parlamentares. Esse troca-troca tão criticado pelo Bolsonaro é um atraso.

O senhor entende que isso é uma tentativa de compra dos parlamentares?

Do ponto de vista do deputado, tenho certeza que não. Cada deputado tem o direito de ir atrás, de defender seus municípios. Do ponto de vista do governo, dá impressão que eles acham que, criando um balcão, vão conseguir eleger o presidente da Câmara. Se essas práticas prevalecerem – e tenho certeza que não vão prevalecer –, você terá um governo pressionado e chantageado de forma permanente, por trocas.

A eleição da Câmara, apesar de indireta, não é mais um teste da capacidade de união de uma frente da centro-direita à centro-esquerda, para o enfrentamento eleitoral ao Palácio do Planalto, em 2022?

Uma vitória do candidato do Bolsonaro o recoloca no processo político. A principal derrota dele, pra mim, foi a ruptura dessa rede populista nacionalista internacional com a derrota do Trump. Depois, a sinalização, das eleições municipais. E agora tem eleição da Câmara. O resultado vai ter um simbolismo, porque ele está inferindo mais do que a presidente Dilma Rousseff quando tentou eleger o deputado Arlindo (Chinaglia, PT) contra o deputado Eduardo Cunha (em 2015).

O governo entende que quem eleger o presidente da Câmara se fortalece para a eleição presidencial de 2022.

O que vai pesar em 2022 é a pauta do governo nos próximos seis meses. O governo é que vai ditar, porque ele é o incumbente, se quer ser popular ou populista. Faz mais de um ano que o governo anunciou que votaria a PEC Emergencial no Senado, decisiva para a manutenção da política de equilíbrio fiscal. Não é só política do teto de gastos. É isso que vai organizar os adversários do governo.

A sua relação com o ministro Paulo Guedes foi tensa nesses dois anos. O ministro agora aposta no deputado Arthur Lira, candidato do governo para sucedê-lo, para tocar sua agenda econômica. Acredita que será diferente com Lira?

Quem me deu a melhor frase sobre o ministro da Economia foi o próprio Arthur Lira. No início do governo a gente teve uma conversa e o candidato do Bolsonaro disse para mim: “Rodrigo, esquece o Paulo Guedes, o Paulo é um vendedor de redes.” De fato, tem que admitir que o candidato do Bolsonaro tem alguma visão de futuro. Parece que é um vendedor de redes mesmo, né? Nada acontece. O Paulo Guedes está errado. O Paulo Guedes está sendo ingênuo. O governo quer outro presidente da Câmara para interferir na pauta de costumes. Na pauta econômica não precisa interferir de forma nenhuma.

A reforma tributária foi para as calendas?

A pauta está atrasada pelo próprio governo. Tirando a Eletrobrás, que houve um problema grave com a nova proposta de modelagem do governo, as outras três privatizações devem estar no sonho do Paulo Guedes, porque até agora nenhuma delas chegou na Câmara. Ele deve sonhar dizendo que chegou na Câmara, que encaminhou, deve ser um sonho.

A esquerda será decisiva mais uma vez na eleição da Câmara?

A esquerda vai ficar contra o Bolsonaro por causa da pauta de costumes. Vai prevalecer a política.

O senhor pretende continuar no Legislativo ou experimentar o Executivo?

Eu posso participar de um governo em que eu confie e que eu participe do processo de construção, no ministério, numa coordenação, na articulação de alguma área. A Câmara me deu, e eu me dediquei a isso, a capacidade de conhecer muita coisa, muitos temas, muitas realidades. Em um país parlamentarista eu teria uma função muito forte.

Com quem que o senhor poderia se juntar?

Temos que juntar o Doria, o Huck, o Ciro Gomes, o PSB do Paulo Câmara, do Renato Casagrande. Todos os partidos queiram estar aqui nesse campo de centro. Até o PT.

E o senhor seria um bom vice?

Eu poderia coordenar essa articulação. O grande desafio desse campo de centro é o denominador da agenda econômica. Se a gente conseguir construir um denominador, a gente consegue fazer uma candidatura de centro que eu acho que vai mudar o Brasil. Muita gente fala: “Eu sou de centro”. Centro não é um ponto entre o número 10 e o número 1. Não é um ponto entre a esquerda e a direita. É um ambiente diferente, onde você tenta trazer pra política uma nova composição, uma nova realidade, onde segmentos que conversam pouco tenham a capacidade de construir em conjunto esse país que a gente espera.


Merval Pereira: A síndrome de Bolsonaro

A sucessão na Câmara dos Deputados está virando uma briga pessoal entre o deputado Rodrigo Maia e o presidente Bolsonaro, que não quer que Maia continue tendo influência política decisória. Atribui a Maia o fato de ter-se tornado uma espécie de refém dos deputados. Colocando um deputado do Centrão na presidência, com o apoio ao deputado Arthur Lyra, o presidente continuará refém, mas desta vez de um sequestrador escolhido por ele. Uma espécie de síndrome de Estocolmo antecipada.

Rodrigo Maia faz uma jogada inteligente, diz que o presidente quer colocar alguém de sua confiança na presidência da Casa para aprovar as pautas regressivas de costumes e meio ambiente. Pela economia, que é o principal no momento, não haveria problema de um deputado do grupo de Maia ser eleito, pois eles comungam das mesmas teses liberais que teoricamente levaram o ministro Paulo Guedes para o ministério da Economia.

É a maneira que ele tem de estabelecer a divisão entre os que vão apoiar o governo, e os que querem uma Câmara independente. Vale até mesmo para o PT, que está namorando Artur Lyra, candidato oficial do Planalto, pela promessa de acabar com a Ficha Limpa, o que agrada não só ao PT, mas também ao Centrão e a muita gente que está sendo investigada e pode ser condenada, e até ao próprio Bolsonaro, por causa dos filhos.

O PT alega que ter um lugar na Mesa Diretora é importante para guardar um posto institucional para o partido, mas isso Maia daria também. O compromisso contra a Lei da Ficha Limpa também não seria impossível de Maia aceitar, talvez não com tanto despudor. Para Lula, esse é um ponto fundamental na sua estratégia para chegar a disputar a presidência da República em 2022, e Maia e o DEM têm já lado nessa disputa, que pode ser o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo João Dória, ou o ex-governador Ciro Gomes.

O PDT, por sinal, deve fechar com o grupo de Maia, assim como o PC do B. O PSB vai no mesmo caminho do PT, apoiar o candidato do Palácio do Planalto. Mas garante que continuará na oposição, como se houvesse lógica política nessa explicação estapafúrdia. Um governo que começou com o ex-juiz Sergio Moro no ministério da Justiça, como sinal de que apoiava o combate à corrupção, conforme defendeu na campanha que o levou ao Palácio do Planalto, no meio do mandato já aparelhou a Polícia Federal e outros órgãos de controle e investigação, tem um Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que estrangula as forças-tarefas de Curitiba e Rio de Janeiro com mudanças burocráticas que praticamente inviabiliza as investigações, e tem como promessa de seu candidato à presidência da Câmara acabar com a lei da Ficha Limpa. Terá nessa tarefa ajuda até mesmo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Um deles, Gilmar Mendes, já disse que a lei parece ter sido redigida por um bêbado.

Os dois grupos já lançados à campanha pela presidência da Câmara dos Deputados têm mais ou menos a mesma correlação de forças, com cerca de 160 deputados cada um, e a oposição, como era esperado, fica como fiel da balança. Maia tem mais apoios na esquerda, como no PC do B e no PDT.

O PSL, que tem a maior bancada na Câmara ainda em decorrência da eleição de Bolsonaro em 2018, está no grupo de Maia, mas rachado. Há muitos deputados que ainda querem apoiar Bolsonaro e, por conseguinte, votarão em Arthur Lyra. Podemos chegar à situação de o candidato do Planalto ser apoiado pelo PT e pelo PSB, que continuarão dizendo que não fazem parte da base bolsonarista, mas darão ao presidente uma de suas maiores vitórias políticas.

Só não será completa essa vitória porque vencer com o Centrão não é garantia de imunidade. Com a mesma ligeireza com que o grupo político aderiu a mais um governo, também o dispensará caso a economia nos leve a uma crise incontornável.

Com medo de que Rodrigo Maia pudesse retirar da gaveta um dos muito atos pedindo seu impeachment, Bolsonaro pode ter a desdita de ser impedido por uma ação do mesmo Arthur Lyra que está ajudando a chegar à presidência da Câmara. A política brasileira só tem a lógica do interesse pessoal, e não da política programática.


Bernardo Mello Franco: O candidato de Bolsonaro

O candidato de Jair Bolsonaro largou na frente na corrida pela presidência da Câmara. Líder do PP, Arthur Lira se lançou com o apoio do governo e de mais oito partidos. O grupo reúne um número sugestivo de deputados: 171.

Lira tem muito em comum com a família Bolsonaro. Segundo a Procuradoria-Geral da República, ele comandou um esquema de rachadinha na Assembleia Legislativa de Alagoas. As investigações apontaram o desvio de R$ 500 mil por mês para o bolso do parlamentar.

O caso veio à tona na semana passada em reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo”. Numa curiosa coincidência, o juiz Carlos Henrique Pita Duarte absolveu o deputado no mesmo dia em que a notícia foi publicada. O Ministério Público classificou a decisão como um “grave erro judicial” e anunciou que vai recorrer. Lira se diz inocente.

O aliado do Planalto ainda é réu em duas ações no Supremo. Numa delas, é acusado de receber propina para influir na Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Na outra, é apontado como integrante de uma quadrilha que saqueava dinheiro da Petrobras.

Com esse currículo, o parlamentar se cacifou para chefiar o centrão. O grupo foi organizado pelo ex-deputado Eduardo Cunha para arrancar cargos e verbas do governo Dilma Rousseff. Depois rompeu com a petista, apoiou o impeachment e ascendeu ao centro do poder com Michel Temer.

Lira e Bolsonaro viraram amigos de infância em abril, quando o líder do PP começava a articular sua candidatura ao comando da Câmara. A aliança foi selada com um vídeo em que o deputado descreve os filhos como “grandes fãs” do presidente. Agora o governo promete milhões de incentivos para quem votar nele.

Antes de subir a rampa, o capitão não ostentava muito apreço pelo centrão. Na campanha de 2018, ele definiu o grupo como “a nata do que há de pior no Brasil”. O general Augusto Heleno classificou a turma como a “materialização da impunidade”. “Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão”, cantarolou, na convenção do PSL. No samba original, gravado por Bezerra da Silva, o termo “centrão” dá lugar a “ladrão”.


Ascânio Seleme: E agora, Rodrigo?

O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado

Não se pode negar que o deputado Rodrigo Maia teve momentos importantes e positivos no exercício da presidência da Câmara. Foi mérito quase exclusivo seu a reforma da Previdência, no segundo semestre do ano passado, quando chamou para si, tocou e fez aprovar o projeto, enquanto o governo fazia corpo mole. É verdade também que, durante todo o mandato, trabalhou incansavelmente pela sua reeleição. Fez os entendimentos possíveis e engoliu todos os sapos para ficar sempre pronto para ser reconduzido ao cargo, embora soubesse ser inconstitucional. O mais grave foi ter se sentado em cima de pelo menos 30 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

O deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada.

Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, abriu um processo de impeachment contra Donald Trump, mesmo tendo absoluta certeza de que ele não seria aprovado no Senado americano, que tinha maioria republicana. Corajosa, resoluta e politicamente responsável, cumpriu seu dever constitucional dando encaminhamento ao impeachment, que de fato acabou sendo barrado. Rodrigo Maia, não. Tratou de se preservar, talvez imaginando que, ao poupar Bolsonaro, não teria sua oposição quando chegasse a hora da eleição da Mesa da Câmara. Nancy Pelosi não perdeu um grama sequer de seu prestígio. Rodrigo Maia perdeu. Muito.

O deputado passou dois anos tratando de ficar bem com todos, inclusive com o Planalto. Embora vez por outra demonstrasse irritação com os arroubos do presidente e dos seus três zeros, jamais se distanciou de Bolsonaro. Só percebeu que estava tratando com um inimigo perigoso agora, quando o PTB bolsonarista arguiu a constitucionalidade da sua reeleição. Rodrigo ainda acreditou que o tribunal haveria de ver nele uma barreira contra a escalada autoritária de Bolsonaro, autorizando sua recondução. Não viu. E por que veria, se ele nada fez quando efetivamente pôde impedir o presidente?

Bolsonaro livrou-se de Rodrigo Maia. Descartou-o como se descarta uma garrafa vazia. O presidente queria e precisava livrar-se dele porque também só pensa na sua própria reeleição. O deputado seria uma sombra incômoda. Melhor ter um aliado incondicional no cargo, mesmo que seja um corrupto notório. Bolsonaro, que trabalha a favor de um segundo mandato desde que assumiu o governo, poderia ter sido afastado do primeiro, não fosse a inércia de Rodrigo Maia. O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado.

Rodrigo agora desce para a planície, volta ao chão do plenário que não pisa há cinco anos. Será, mesmo assim, um deputado influente, líder de um partido que se reinventou e que fez uma boa eleição municipal. Mas, no futuro, ainda terá de lidar com uma tarefa complicada, de explicar para a história por que não cumpriu a missão que a ele estava reservada.


Vera Magalhães: Eventual vitória de Bolsonaro é culpa de Maia, não do STF

É falacioso e perigoso o argumento segundo o qual a decisão da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, ao ler a Constituição (não há que se falar de interpretação quando um dispositivo é tão literal quanto a sentença “Ivo viu a uva”) de proibir a reeleição da dupla Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) ajudou Jair Bolsonaro.

Diferentemente da eleição municipal, na qual resolveu colocar todas as suas digitais, até aqui o presidente joga parado na disputa pelo Congresso, que tem muito mais implicações para ele do que a anterior. Sem saber se movimentar no STF, Corte que tem vários assuntos delicados para si pendurados, o presidente não interferiu ali (nem tem interlocutores com abertura para isso neste momento).

A decisão de Gilmar Mendes de retorcer o princípio da reeleição era um arranjo que tinha Rodrigo Maia como beneficiário e um certo arranjo pensado de maneira torta para equilibrar as forças políticas para 2022. Ele contava para isso com uma aliança ocasional com ministros pelos quais tem profundo desprezo, mas que esperava que votassem pelo antibolsonarismo, como Edson Fachin, Roberto Barroso e Luiz Fux. Fazer beicinho e se dizer traído por aqueles que sempre jogou na fogueira chega a ser engraçado.

A culpa por Bolsonaro ter ligeira vantagem na disputa pela Câmara não é de outro senão de Rodrigo Maia, que hesitou em organizar o grupo que está ao redor de si desde a queda de Eduardo Cunha e, ao sinalizar que iria para o tapetão, jogou o Centrão no colo do presidente, lá atrás, e desorganizou a própria sucessão, deixando de ser o protagonista dela.

Ao dar corda para vários postulantes à sua cadeira enquanto havia outro, Arthur Lira (PP-AL), colocado há anos e já com o apoio do Planalto, o deputado do DEM sempre deixou implícito que estava embarcado no plano do correligionário Alcolumbre, ainda que em público dissesse o contrário. Agora larga atrás para montar uma estratégia que mantenha o bloco em torno de si coeso e destaque entre os vários pré-candidatos alguém capaz de vencer a dupla Bolsonaro-Lira.

É impossível? Não é. A economia patina, o governo não tem agenda na Câmara e a hesitação num assunto sensível à base dos deputados, que é a substituição do auxílio emergencial, joga contra o governo. Além disso, Lira é um candidato cheio de rolo, que não conta com a simpatia da opinião pública e que tem a imprensa, o Ministério Público e o STF nos calcanhares.

Se souber, como já soube no passado, catalisar essas deficiências e organizar o jogo, Maia tem chance de eleger um sucessor. Precisará, ainda, fazer com que os partidos que se opõem a Bolsonaro – e aí têm de entrar PT e PSDB, além de parcelas do que se convencionou chamar de Centrão – entendam que dar a ele o comando da Câmara agora é facilitar sobremaneira seu caminho para 2022.

Precisa metabolizar a derrota vexatória que passou neste fim de semana, e à qual se submeteu porque foi excessivamente vaidoso e não soube sair de cena e construir um sucessor, e partir para a ação o mais rápido possível, porque só resta um mês e pouco para colocar uma nova estratégia em prática.


Andrea Jubé: Vai, Rodrigo!, ser “gauche” na vida

PT da Câmara vai se posicionar contra a reeleição na Mesa

A esquerda saiu derrotada das urnas - com ressalva ao desempenho de Guilherme Boulos (PSOL) em São Paulo -, numa disputa em que MDB, PP, PSD, PSDB e DEM elegeram mais de 3 mil prefeitos.

Apesar do revés eleitoral, as bancadas de esquerda retornam ao Congresso nesta semana com os passes valorizados para outra eleição: a sucessão nas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, daqui a 63 dias.

Entusiasta de uma ampla frente “de centro” em 2022 - na qual incluiu Ciro Gomes e o PDT - o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), terá de fazer a curva à esquerda para conquistar os votos necessários para sua eventual reeleição, ou para fazer um sucessor de seu grupo.

Na Câmara, os 138 deputados dos partidos de esquerda cumprirão o papel de fiel da balança no desfecho da acirrada disputa entre Rodrigo Maia e Arthur Lira (PP-AL). Sabe-se que foram os votos da esquerda que viabilizaram a expressiva vitória de Maia no primeiro turno em 2018, com 334 votos.

Ontem durante uma reunião virtual, a bancada do PT - a maior da esquerda, com 57 deputados - estabeleceu pré-requisitos ao candidato que reivindicar os votos petistas. Dois deles inviabilizam, de saída, o endosso do PT ao próprio Maia, e ao relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

Falta a chancela do diretório nacional, mas a bancada do PT na Câmara vai se posicionar contra a reeleição dos atuais presidentes das Casas.

Os deputados não têm ingerência sobre os senadores, mas, ao menos em seu foro decisório, não avalizarão a eventual recondução de Rodrigo Maia, na hipótese de o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar a constitucionalidade da postulação.

Os deputados do PT também só comprometerão os votos da bancada com um candidato apoiado oficialmente pelo seu partido. Essa posição é um complicador para Aguinaldo, na hipótese (remota) de ele lançar a candidatura avulsa pelo grupo de Maia. O presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), já declarou que o partido apoia Lira.

As diretrizes dos votos do PT na Câmara ainda serão submetidas ao diretório nacional, que se reúne na próxima semana para a primeira avaliação oficial do resultado das eleições.

As bancadas da Câmara e do Senado divergem, e o diretório terá de arbitrar o impasse. O líder no Senado, Rogério Carvalho (SE), já declarou publicamente apoio da bancada à recondução do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Maia já tem uma boa parcela dos votos da esquerda, mas terá de se desdobrar pelos votos do PT. O partido tem restrições a vários de seus possíveis candidatos. Rejeita o líder e presidente do MDB, Baleia Rossi (SP), pela proximidade de Michel Temer.

A melhor interface dos petistas entre os postulantes à cadeira de Maia tem sido, até agora, com o vice-presidente Marcos Pereira, e com o próprio Arthur Lira. Ambos, entretanto, são considerados muito próximos do presidente Jair Bolsonaro.

Aguinaldo seria uma solução menos amarga, mas dificilmente embarcará em uma candidatura avulsa. O exemplo mais recente dessa aventura, em 2005, acabou na eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE), morto neste ano. Ele comandou a Casa por sete meses, até renunciar, diante das denúncias do “mensalinho”.

O racha no PT favoreceu a vitória do azarão. O candidato oficial da sigla era o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP), que venceu o primeiro turno. Mas o também petista Virgílio Guimarães (MG), que concorreu como avulso, obteve 117 votos, e empurrou o desfecho para o para o segundo turno.

Em suma, a dois meses da eleição, o cenário é nebuloso, e a disputa tende a ser voto a voto. Se vivo fosse, e acompanhasse a política nacional, Drummond diria a Maia: “Vai ser ‘gauche’ na vida”.

PT e o Acre

A derrota nas 26 capitais pela primeira vez desde 1985 é um dos piores revezes do PT desde a sua fundação, há 40 anos. Mas uma leitura mais detalhada dos números deveria acender mais luzes amarelas na cúpula da legenda.

Um decano do partido questiona, por exemplo, por que o PT não elegeu sequer um vereador em Rio Branco, capital do Acre. Em dimensão eleitoral, parece desimportante, mas esse resultado tem um simbolismo incômodo.

Somados os períodos em que o PT esteve no comando da Prefeitura de Rio de Branco e do governo do Acre, são 38 anos de administrações petista nas esferas municipal e estadual.

Foram 18 anos não consecutivos na prefeitura, e mais 20 anos consecutivos no governo estadual, entre 1999 e 2018, onde se revezaram os irmãos governadores Jorge e Tião Viana, e no intervalo entre eles, Binho Marques.

Pode-se argumentar que o eleitorado do Acre, assim como o da Região Norte, tornou-se majoritariamente bolsonarista. Mas a esquerda elegeu vereadores em Rio Branco. PDT e PSB fizeram seis dos 17 titulares da Câmara Municipal.

Se o Acre não tem expressão eleitoral, o PT pode direcionar a lupa para os quatro Estados do Nordeste, governados por petistas: Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí. Nenhum desses governadores conseguiu levar candidatos do PT à Prefeitura das capitais ao segundo turno.

O caso da Bahia é alarmante: sem lideranças expressivas nos grandes centros (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais), o PT pode perder em 2022 o comando do quarto maior colégio eleitoral do país.

O exemplo de Rio Branco aplica-se à Bahia do ex-governador Jaques Wagner, e de seu sucessor, Rui Costa, que tem 80% de aprovação popular. Após 14 anos no comando do Estado, o PT sai desta eleição com três vezes menos prefeituras do que seus futuros adversários. Dos 417 municípios baianos, o PT governará 32 prefeituras.

O PSD do senador Otto Alencar, pré-candidato à sucessão de Rui Costa, elegeu 108 prefeitos. O DEM do prefeito ACM Neto, também pré-candidato ao governo, fez 37 prefeitos, inclusive Bruno Reis, em Salvador. Se o senador Jaques Wagner não for candidato em 2022, o PT corre o risco de ceder a cabeça de chapa, e ficar sem o comando do Estado que entregou 72% dos votos para Fernando Haddad em 2018.