Raphael Di Cunto: Os riscos da aposta de Bolsonaro na Câmara

“Independentes” serão decisivos para votações pós-eleição.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Independentes” serão decisivos para votações pós-eleição

O presidente Jair Bolsonaro tem apostado alto ao mobilizar o governo para eleger o líder do PP, Arthur Lira (AL), presidente da Câmara. Há promessa – e entrega- de verbas orçamentárias, cargos e até ministérios para quem apoiar seu candidato. Não são poucos os aliados dele que alertam que tal aposta pode dificultar a governabilidade nos dois anos finais de seu mandato e esgarçar a relação com os deputados.

Como toda aposta de risco, o retorno, é claro, pode ser muito grande. Um aliado no comando da Câmara fará andar a agenda conservadora de costumes que o elegeu e com a qual ele pretende sustentar sua reeleição. Ao presidente interessa que o debate tome conta da sociedade, colocando em segundo plano a pandemia, a morte de milhares de pessoas e a economia capenga.

O atual presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), barrou parte dessas propostas, mas menos do que seu contundente discurso para agradar os partidos de esquerda faz parecer. É verdade que ele segurou a reação à flexibilização do aborto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), impediu o debate sobre o Escola Sem Partido e o ensino doméstico, defendeu a ciência e a vacina e segurou parte da agenda armamentista, mas, quando estava em busca de aproximação com Bolsonaro, Maia levou direto ao plenário o projeto que flexibiliza a lei de trânsito e o porte de arma na propriedade rural.

O acordo de Lira com Bolsonaro, segundo parlamentares ouviram do próprio presidente, é colocar para debate todos os projetos do governo e não deixar as medidas provisórias (MP) perderem a validade por falta de votação. Não significa necessariamente aprová-los, mas instalar as comissões especiais necessárias para que a discussão ocorra na Casa. Ao bolsonarismo, interessa mais o bate-boca na sociedade do que a aprovação de algumas pautas.

A proposta de emenda constitucional (PEC) do “voto impresso”, por exemplo, é uma dessas em que o debate renderá mais frutos ao presidente do que a implantação, já que a checagem comprovaria que, de fato, não existe a tão alardeada fraude no sistema de votação. O discurso bolsonarista em 2022 terá mais apelo se a PEC fracassar, com os partidos de oposição votando contra. Caberá a Lira dar vazão a esse e a outros debates, ao instalar as comissões especiais e pautar as propostas no plenário.

Essa é a visão otimista para os bolsonaristas, que viram na aliança de Maia com a esquerda a deixa que permitiu que perdessem a vergonha de assumir o voto em Lira, até então um dos mais claros representantes da “velha política” que Bolsonaro dizia combater. Mas, como toda aposta, há um risco embutido, e que nesse caso não é pequeno.

Primeiro, é óbvio, o presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP), pode vencer. Ele está à frente de um dos partidos mais governistas da Câmara, seus correligionários acumulam cargos no governo e seu perfil não é, até hoje, o de partir para o embate. Mas Baleia faz um discurso externo de independência, com o objetivo de reposicionar o MDB, e deverá sua vitória muito aos partidos de oposição, que terão voz ativa nas decisões.

O outro risco é que MDB, DEM, PSDB, PSL, PV e Cidadania votam a favor dos projetos do governo relacionados à economia e estão se sentindo desprestigiados na distribuição de cargos e verbas. São cerca de 130 deputados (já descontando os “bolsonaristas raiz” do PSL) sem os quais será impossível aprovar PECs como as reformas administrativa e tributária e a PEC Emergencial.

Será difícil que esses partidos consigam se posicionar contra projetos que já defendiam antes da eleição, mas há temas muito polêmicos dentro dessas propostas com os quais eles ainda não se comprometeram (como o fim da estabilidade no serviço público) e não se trata de derrotar a agenda toda, mas se unir à oposição em pontos fundamentais para imprimir derrotas a Bolsonaro.

Foi o que ocorreu com a exclusão das escolas filantrópicas da distribuição de verbas do Fundeb e na proibição de que o governo possa exigir um termo de consentimento para quem tomar a vacina contra a covid-19, para dar dois exemplos da última semana de votações da Câmara. A própria ampliação do Fundeb, em agosto, ainda bem longe da eleição no Congresso, já foi um indicativo de como essa aliança funcionará. Podem também oferecer as 40 assinaturas que faltam à oposição para comissões parlamentares de inquérito (CPI), por exemplo.

A estratégia de condicionar cargos no governo e a liberação de verbas em troca do apoio a Lira tem resistências entre parte dos aliados do presidente e é vista com muitas ressalvas por articuladores políticos mais experientes. A fatura não acabará na eleição da Câmara e será preciso negociar nos projetos mais importantes.

Não vai dar para desprezar os que ficaram ao lado de Baleia e é fácil imaginar a reação dos “aliados de primeira hora” se o governo atender só os preteridos agora com novas verbas ou cargos quando for preciso votar projetos mais importantes. Um aliado do presidente também destaca que faz pouco sentido oferecer dinheiro numa eleição que é secreta. Pode-se até desconfiar da traição, mas quem pula a cerca não sai por aí anunciando.

Lira é um político experiente. Em dez anos na Câmara, liderou seu partido em seis e presidiu as duas comissões mais importantes, a de Constituição e Justiça (CCJ) e a de Orçamento (CMO). Tem uma grande capacidade de articulação política e poderá driblar essas resistências para construir maiorias a favor do governo e dos projetos que achar relevantes. Mas não é o que ele tem prometido em público, ao refutar o papel de líder do governo, e, mesmo assim, não será algo fácil.

Rodrigo Maia venceu o “Centrão” liderado por Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa da presidência da Câmara em 2016 e reaglutinou o grupo em torno do si meses depois para viabilizar sua reeleição, mas demorou para quebrar resistências. A eleição de 2022 batendo as portas e afetando fortemente a agenda da Câmara e do governo no segundo semestre dificultará mais esse realinhamento.

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