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Correio Braziliense: Bolsonaro terá uma base consistente de 222 deputados e 23 senadores

Levantamento mostra que Jair Bolsonaro terá o apoio inicial de até 260 deputados e 39 senadores. Para aprovar a PEC da Previdência, o presidente eleito precisará negociar com o Congresso a fim de chegar, ao menos, aos 308 votos na Câmara e 54 no Senado

Por Rodolfo Costa, do Correio Braziliense

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), deve iniciar a gestão com o apoio de 222 deputados federais e 23 senadores, de acordo com a Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical. A consultoria Arko Advice coloca um cenário melhor, com 260 votos favoráveis na Câmara e 39 no Senado. De qualquer forma, os números apontam para muitos desafios que precisarão ser superados. Afinal, o pesselista ainda não dispõe de votos para aprovar nem um Projeto de Lei Complementar, que exige a maioria absoluta, ou seja, de 257 deputados e 41 senadores. O apoio também é insuficiente para aprovar Propostas de Emenda à Constituição (PEC), como a da reforma previdenciária, que necessitam de 60% dos congressistas em ambas as Casas.

A ampliação da base no Parlamento exigirá muito traquejo político. Afinal, a base calculada de 222 votos inclui deputados que foram eleitos propondo pautas que têm afinidade com o discurso de Bolsonaro durante a campanha, como defesa da segurança pública, combate à corrupção e resgate dos valores da “família tradicional” e dos “bons costumes”. A proximidade com a retórica bolsonarista, no entanto, não garante o embarque de todos os parlamentares à base.

Para consolidar a compatibilidade programática e ideológica de agendas entre governo e congressistas da chamada base de apoio consistente será fundamental apostar em uma boa capacidade de articulação. Para especialistas, Bolsonaro precisará entender que governar também é distribuir e descentralizar as tomadas de decisão, para que possa acomodar os diversos pontos de vista e interesses. É o que sustenta o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz. “Se quiser fazer reformas grandes, precisará ter capacidade de negociar e pensar em qual país vai propor e até onde pode ceder”, advertiu.

O alerta vale, sobretudo, para parlamentares do Centrão, bloco político composto pelos maiores partidos no Congresso que não estão na oposição: PP, DEM, PR, PRB e PSD. A afinidade e a adesão à pauta governista de políticos dessas legendas pode garantir votos contra ou a favor, a depender da articulação do Executivo. Deputados e senadores do MDB e do PSD, por sinal, podem compor a chamada base de apoio condicionada, que tem afinidade, mas tende a apoiar conforme o tema e a conveniência.

Prévia
A base condicionada aponta para um apoio de 105 deputados e 28 senadores. Na soma com a base consistente, garante votos suficientes para aprovar uma PEC. A margem, entretanto, é apertada. Para solidificar condições favoráveis de aprovar até emendas à Constituição com folga, será necessário articular com PSDB e Novo, no caso da Câmara. Ambos os partidos são considerados independentes.

Os primeiros sinais para construir uma boa relação com o Congresso foram dados. A articulação política do governo trabalha junto aos integrantes do PSL a abdicação da Presidência da Câmara e do Senado. Mas a chave para o namoro ser duradouro passa por negociações prévias com o Parlamento. O analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), alerta para o risco de encaminhar propostas sem dialogar anteriormente.

As apostas atuais de integrantes do próprio PSL apontam para a vitória do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e do senador Renan Calheiros (MDB-AL) na disputa pela Presidência de ambas as Casas. A perspectiva de sucesso dos dois sugere cuidado para o trato do governo com o Parlamento, uma vez que são pouco propensos a aceitar mandos e desmandos do Palácio do Planalto sem articulação prévia. “Não adianta hostilizar e ‘prensar’. Vai ter que saber que tem hora para negociar, recuar e não falar alto. E, antes de indicar uma prioridade, chamar não apenas frentes, mas também partidos”, alertou Queiroz.

O empenho dos responsáveis pela articulação política de Bolsonaro será primordial para o sucesso da aprovação de pelo menos 16 projetos de interesse do presidente eleito e equipe. Desses, quatro são mais complexos, sendo três projetos de lei complementar e uma PEC. O cientista político Cristiano Noronha, sócio e vice-presidente da consultoria Arko Advice, calcula um cenário mais favorável para a base de apoio no Congresso. Nas contas dele, são 260 votos favoráveis na Câmara e 39 no Senado.

Apesar da previsão de uma base mais robusta para o início de governo, Noronha admite que as conversas com os congressistas precisarão ser cirúrgicas, e as prioridades, objetivas. Para ele, não seria inteligente encaminhar pautas conservadoras no início do relacionamento com o Congresso. “Questões ideológicas, de valores e costumes podem ser mais difíceis de aprovar. Entre algumas pautas, não há consenso nem dentro da equipe ministerial. A agenda econômica é mais definida e tem respaldo dos próprios governadores”, ponderou.

Dupla articulação

No caso dos tucanos, o cientista político Enrico Ribeiro ressalta que o partido é rachado internamente, com alas que são oposição, neutras e outras de apoio. “E provavelmente o partido batalhará para ter um presidenciável em 2022. Os parlamentares votariam conforme o tema e os interesses próprios, independentemente de cargos e emendas”, justificou. Já os liberais do Novo são propensos a votar de acordo com pautas que apontem para as liberdades econômicas e individuais.

 


Luiz Carlos Azedo: Começa a folia

O Congresso voltou a funcionar ontem com a agenda previsível: nada acontecerá antes do carnaval.

O relator Arthur Maia (PPS-BA) advertiu que a reforma da Previdência precisa ser votada pela Câmara em fevereiro, ampliando o coro dos que querem ir para o tudo ou nada e decidir logo essa questão. O ministro da Casa Civil, Carlos Marun, reforça a pressão governista para que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), coloque a matéria em pauta mesmo sem garantia de maioria de votos para aprovação. A reforma precisa do apoio de pelo menos 308 deputados, em duas votações, mas, pelas contas do governo, ainda faltam 40 votos. A primeira votação estava prevista para 19 de fevereiro, mas não há garantia de que ocorra enquanto o governo estiver em minoria.

Ontem, o presidente Michel Temer enviou sua mensagem ao Congresso na qual reafirma a posição do governo: “Nossas atenções estão voltadas para a tarefa urgente de consertar a Previdência. O atual sistema é socialmente injusto e financeiramente insustentável. É socialmente injusto porque transfere recursos de quem menos tem para quem menos precisa, concentrando renda. É financeiramente insustentável porque as contas simplesmente não fecham, pondo em risco as aposentadorias de hoje e de amanhã”. A mensagem presidencial foi entregue pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e lida pelo primeiro-secretário da Câmara, deputado Giacobo (PR-PR).

Maia é a favor da reforma da Previdência, mas não quer ser derrotado. Enquanto o Palácio do Planalto avalia que a manutenção do calendário de votação ajuda a formar a maioria, obrigando todos os que desejam permanecer na base do governo a descer do muro. Maia pensa exatamente o contrário, tem medo de pôr a reforma em votação e o governo sofrer uma derrota acachapante, o que seria um fator de desagregação ainda maior da base. Os deputados estão voltando dos estados com foco na própria sobrevivência eleitoral.

A Previdência seria uma “agenda positiva” do governo, digamos assim, que empunhou a bandeira do fim dos privilégios dos servidores públicos para tentar melhorar a aceitação popular da reforma. Mas a “agenda negativa” do governo se impõe, com destaque para o caso da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), cuja posse está suspensa por medida liminar da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia. Nomeada em 4 de janeiro, uma ação trabalhista de um ex-funcionário colocou em xeque seus atributos para o cargo. Ela mesma tem se encarregado de aumentar o fogo da frigideira com vídeos e declarações que somente servem para queimar ainda mais o seu filme com a opinião pública.

Em outras circunstâncias, um outro nome já teria sido indicado, mas o governo Temer precisa dramaticamente do apoio do PTB, presidido por Roberto Jefferson. O PTB não indica outro nome em seu lugar, nem o governo desiste de nomeá-la antes de uma decisão final do Supremo. Cristiane divulgou uma nota na qual pede à presidente do Supremo Tribunal Federal que tome uma decisão sobre o assunto “o mais rápido possível”. “Venho sofrendo uma campanha difamatória que busca impedir minha posse no Ministério do Trabalho. Peço, respeitosamente, à ministra Cármen Lúcia que julgue o mais rápido possível essa questão”, argumenta Cristiane Brasil.

Caixa dois
Fora do Congresso, segue seu curso inexorável mais um processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na 13ª Vara Federal de Curitiba, desta vez relativo ao sítio de Atibaia (SP). A publicitária Mônica Moura, mulher do marqueteiro João Santana, afirmou, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, que mais de a metade do valor cobrado pelo casal para a campanha de reeleição de Lula, em 2006, foi pago por meio de caixa dois. Segundo ela, a campanha custou cerca de R$ 18 milhões, e apenas R$ 8 milhões foram pagos pelo caixa oficial. Mônica Moura disse ainda que a decisão de como fazer os pagamentos foi do PT e que João Santana chegou a conversar com o ex-ministro Antônio Palocci sobre os riscos, já que a imagem do ex-presidente estava abalada pelo mensalão.

“A decisão era absolutamente deles, de receber por caixa dois. Para mim, (pagamento oficial) era menos risco, mais tranquilo, não tinha que carregar mala de dinheiro para lugar nenhum “, disse Mônica, que depôs na ação em que o ex-presidente Lula é acusado por ter recebido vantagens indevidas da Odebrecht com reformas no sítio de Atibaia (SP).

 

 

 


Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Ricardo Noblat: “Quero ser candidato a presidente da República”, diz Cristovam Buarque

O senhor é candidato a Presidente da República?

Cristovam: Quero ser. O momento exige que qualquer um de nós que está na política, e acha que tem o que dizer sobre o futuro do Brasil, ponha seu nome à disposição dos partidos. Ofereço o meu ao PPS.

Por que o senhor quer ser candidato?

Porque quando olho os candidatos que aí estão, não vejo nenhum deles refletir sobre duas coisas essenciais para o Brasil: o resgate da coesão nacional e a definição de um rumo de médio e longo prazo.

O senhor acha que terá o apoio do PPS?

Não sei ainda, mas vou tentar. Começo hoje.

O Presidente do seu partido, o deputado Roberto Freire (SP), disse que o senhor não tem voto para ser candidato à presidência da República.

Não vejo nenhum candidato que, hoje, tenha votos, salvo Lula e Bolsonaro que estão à frente das pesquisas. Os dois, que representam extremos, justificam a minha disposição para ser candidato. Bolsonaro tem saudades do autoritarismo. Lula, do populismo. São extremos antiquados, obsoletos.

Outro dia o senhor disse que não seria o João Doria de Roberto Freire...

Se Roberto for candidato a presidente pelo PPS, eu não serei. Ele tem uma cabeça moderna, pensa bem o país e acumula larga experiência política.

Mas a oposição dele ao seu nome não o inibe?

Não. Como posso desde já ter votos para presidente se é a primeira vez que digo com todas as letras que quero ser candidato? Fui candidato a presidente em 2006. Disputei com Lula no auge dele, com Geraldo Alckmin no auge do PSDB, e com Heloísa Helena no auge do charme da esquerda. Mesmo assim tive 2.5% dos votos.

O apresentador de televisão Luciano Huck pode entrar no PPS para ser candidato à sucessão de Temer.

A eventual entrada dele seria positiva para meu partido. Luciano goza de muita simpatia na opinião pública. Mas não estou convencido de que ele seria uma boa alternativa como candidato. Porque eu me pergunto: ‘Como seriam os primeiros dias de um governo Luciano Huck?’. O próximo presidente será o primeiro do terceiro centenário da nossa independência. Como que a gente vai construir uma economia eficiente? Uma educação eficiente e mais justa que não desperdice nenhum cérebro, nem de rico nem de pobre? O cérebro é o poço de petróleo do futuro. Não vejo ainda o Hulk apresentando propostas nesse sentido.

Como seriam os primeiros cem dias de um eventual governo do senhor?

O presidente e seus ministros devem ser os primeiros a dar bons exemplos. Um deles: austeridade. Ministros sem mordomias, comprometidos com o programa do governo, competentes. Presidente que não interfira no Banco Central, que logo comece a quebrar as amarras que dificultam os investimentos no Brasil. Presidente com prioridades sociais definidas - transferência de renda via o Bolsa Família, escolas de boa qualidade. Presidente que não seja demagogo. Que deixe claro que os principais problemas do país levarão mais de 20 anos para ser resolvidos.

A reforma da Previdência teria espaço no seu governo se ela não for feita antes ?

Lógico, quando nada por respeito à aritimética. Ainda não se descobriu como fazer dois mais dois virarem cinco. A Previdência quebrou.

Como seria sua relação com o Congresso?

Defendo que se faça um processo eleitoral plebiscitário. Não basta eleger um nome para presidente, mas um conjunto de propostas. Se for candidato como quero ser, apresentarei os primeiros decretos, os primeiros projetos de lei, as primeiras propostas da reforma da Constituição que assinaria se fosse eleito. Diante disso, acho que o futuro Congresso seria capaz, sim, de aprovar o que os eleitores já teriam aprovado antes.

E se não for candidato a presidente, concorrerá a mais um mandato de senador?

Pode até ser, mas isso, hoje, não está na minha cabeça. A presidência da República é que está.

 

 

 


Murillo de Aragão: Ainda vai levar um tempo

A Operação Lava-Jato parece o Rock in Rio. Ocorre simultaneamente em vários palcos. Oferece espetáculos para todos os gostos. Alguns palcos agradam o mais radical ativista jurídico, em especial aqueles que querem que tudo acabe logo em uma cena com um político na cadeia.

Outros shows, bem menos numerosos, empolgam aos garantistas. Garantistas são aqueles que seguem os ritos e as normas. Reconhecem o benefício da dúvida e que todo mundo é inocente até prova em contrário. Os ativistas não gostam disso. Acham que os garantistas usam as leis para proteger os cretinos.

O populacho, que gosta de drama e novela, torce o nariz para os garantistas. Eles são tachados de coniventes com “tudo isso de ruim que está por aí". Talvez para a maioria a vida política deveria ser jogada como um jogo de futebol, no qual com o cartão vermelho expulsaríamos todos os ladrões e desleais. De preferência, do time do adversário.

Para piorar, temos duas heranças perversas. O regime militar nos legou o desprezo pela autoridade. Que, lamentavelmente, confundimos com autoritarismo. Terminamos repelindo os dois. Já a redemocratização nos trouxe uma profunda ojeriza à política. Em geral, achamos que ela não presta, é coisa de corruptos. Também repelimos os dois.

A tendência à generalização ofusca nossa visão de mundo, desconsidera a importância daquilo que outras sociedades construiram, deixa de levar em conta as boas experiências. Ou seja, nega o próprio modelo de país que pusemos em prática num passado bem recente.

Eis o caminho do fracasso para um país: não acreditar nas leis, nos direitos, nas garantias, na autoridade e na política. Sobretudo, não participar conscientemente da política.

Lamentavelmente, trilhamos esse caminho sem perceber que ora a maré está a favor de nossos interesses e ora está contra. Não dá para ser a favor do foro privilegiado quando o STF condena José Dirceu e ser contra quando o tribunal alivia alguém de quem não gostamos.

Viver de torcida, em todos os sentidos, não é um bom caminho a seguir. Torcer faz parte, mas não deve ditar o ritmo das coisas. Deturpar os argumentos e estressar a lei para fazer justiça a qualquer preço, tampouco é uma alternativa.

O caminho do fracasso tem que ser evitado a partir de uma postura menos eloquente e mais racional, com base no legado que a humanidade nos deixou: ordem, autoridade, respeito às leis e honestidade.

Idealmente, caberia à sociedade buscar tais caminhos a partir de princípios e não de preferências nem de interesses. Porém, como disse, Lulu Santos, “ainda vai levar um tempo, para curar o que feriu por dentro".

* Murillo de Aragão é cientista político

- Blog do Noblat

 


Roberto Freire: São Paulo, potência científica  

Em meio a uma generalizada e justificada preocupação da comunidade científica brasileira em relação aos sucessivos cortes no orçamento destinado à área de pesquisa e inovação tecnológica, apresentei na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê a destinação mínima de 5% das receitas correntes da União, em igual proporção, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A proposta altera o Artigo 218 da Constituição Federal e garante o repasse de valores mínimos a serem administrados de forma privativa por ambas as instituições, com aplicação em custeio e capital, transferidos mensalmente a partir de percentual calculado sobre a arrecadação do mês de referência e a ser pago no mês subsequente.

É evidente que, no momento em que o Brasil ainda esboça uma leve recuperação da mais dramática crise econômica de sua história, compreendemos a necessidade do governo federal de reduzir custos. De todo modo, não podemos perder de vista que a área científica é determinante para a construção do futuro. Tenho afirmado que cortar investimentos de forma tão abrupta em um setor estratégico significa usar o remédio para matar o próprio paciente.

A área de ciência, tecnologia e inovação oferece resultados geralmente no médio ou no longo prazo – de modo que, se não houver uma reversão dos cortes orçamentários, serão necessários muitos anos para que recuperemos o tempo perdido. A ciência não representa um entrave para a recuperação da economia brasileira, muito pelo contrário. É essencial para o desenvolvimento do país e a superação da crise.

A PEC por mim apresentada teve como inspiração um modelo de financiamento utilizado com êxito em São Paulo, onde a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) recebe 1% da receita tributária do Estado, deduzida a parcela de transferência aos municípios, como renda para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico. A proposta amplia tal sistema para o âmbito nacional, prescindindo da criação de qualquer órgão do governo federal para administrar os recursos transferidos ao CNPq e à Finep.

Nesse sentido, é importante destacar o papel exercido pelas universidades e institutos de pesquisa paulistas no fomento à inovação tecnológica. Trata-se, sem dúvida, de um exemplo a ser seguido para o avanço da ciência brasileira. Segundo o Ranking SIR 2010, divulgado em maio deste ano e produzido por uma consultoria espanhola, a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ocupam, respectivamente, a primeira e a terceira posições na lista de instituições acadêmicas que mais produziram artigos científicos entre todos os países ibero-americanos no período que vai de 2003 a 2008. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) figura na sexta colocação.

Outro dado relevante, este publicado em 2014 pela “Folha de S.Paulo” com base em uma tabulação da base de dados “Web of Science” feita pela Fapesp, mostra que as universidades de São Paulo responderam por quase 40% da produção científica anual no Brasil entre 2012 e 2013. Não é por acaso que costumo dizer, sem nenhum exagero, que o país seria muito mais desenvolvido se pudesse se tornar um imenso São Paulo – esse raciocínio vale também, e fundamentalmente, para o setor de ciência, tecnologia e inovação.

Historicamente, nossa preocupação com a ciência brasileira teve origem ainda com o saudoso Caio Prado Júnior, historiador, geógrafo, escritor e um dos mais destacados pensadores da realidade brasileira. Como membro da Assembleia Constituinte Paulista de 1947, então deputado pelo PCB, ele foi o responsável, ao lado de Mário Schenberg, por emendas que destinavam recursos para a área científica. A inclusão do Artigo 132, regulamentado em 1962, que previa que “o amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado por intermédio de uma fundação organizada em moldes a serem estabelecidos por lei", levou à criação da própria Fapesp.

A tradição do PPS em ter um olhar atento sobre as questões relacionadas à ciência e à tecnologia é amplamente reconhecida. Não foram poucos os momentos em que nos posicionamos no lado oposto ao de setores mais atrasados da esquerda, sobretudo durante os debates a respeito do desenvolvimento da indústria biotecnológica no Brasil – cujo avanço alguns tentavam impedir, especialmente em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados. Defendemos alterações em artigos da Lei de Biossegurança que criminalizavam a pesquisa e proibiam a utilização, a comercialização, o registro e o licenciamento das tecnologias genéticas de restrição de uso, por meio das quais há intervenção humana na geração ou multiplicação dos organismos geneticamente modificados. Entendemos que o futuro do país e a melhoria das condições de vida da população não podem ficar à mercê de forças reacionárias e obscurantistas.

Seguindo e honrando os exemplos de Caio Prado Júnior, Mário Schenberg e tantos outros, e estabelecendo como parâmetro a ser alcançado o nível de excelência das universidades e institutos de pesquisa de São Paulo, esperamos que a PEC de minha autoria ajude no fortalecimento da ciência em todo o país. Só seremos uma nação plenamente desenvolvida se valorizarmos a pesquisa, a inovação e os avanços proporcionados pela tecnologia. Temos, afinal, de ser contemporâneos do mundo do futuro. E o futuro é hoje, agora, não pode esperar.

 


Rubens Bueno: O preço da salvação

A Câmara dos Deputados volta a se tornar o centro das atenções dos meios político e econômico com o início da análise da nova denúncia contra o presidente Michel Temer, desta vez por organização criminosa e obstrução de Justiça.

E só foi o processo dar entrada na Casa que já começaram a se estabelecer nos bastidores da política condições para livrar o presidente da acusação e impedir que ele seja afastado do cargo para responder pela denúncia no Supremo Tribunal Federal (STF).

Os atores dessa negociação nem mais se preocupam em realizá-la “por baixo dos panos”. A barganha ocorre a céu aberto, com a exigência de cargos no governo, liberação de emendas e outras facilidades para deputados em troca do voto favorável a Temer e aos ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, e da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, também denunciados pela Procuradoria Geral da República.

Como membro da Comissão de Constituição e Justiça, que vai analisar a acusação, tenho plena consciência que a sociedade estará atenta para a evolução desse toma-lá-dá-cá. Se as barganhas forem adiante, a Câmara, que já conta com enorme desconfiança da sociedade, ficará ainda mais desmoralizada.

Ninguém é ingênuo de não entender que no jogo político sempre há pressão do governo pelo voto dos parlamentares. E no tabuleiro dessa guerra cada um usa as armas que tem. No entanto, no caso em questão, o arsenal de convencimento do Planalto é acionado não para aprovar matérias de interesse do Estado, do coletivo da sociedade, mas em prol do interesse pessoal de um presidente da República denunciado pela segunda vez em menos de um ano.

Teremos semanas de intensos debates sobre o envolvimento de Temer com a quadrilha desbaratada pela operação Lava Jato.

Desta vez será mais difícil ele escapar. Com uma base parlamentar enfraquecida e dividida diante da série de denúncias que pesam contra integrantes do governo, o presidente não deve encontrar na Câmara as mesmas facilidades que teve para barrar o prosseguimento da primeira denúncia. Naquela ocasião, ele usou de todos os artifícios para garantir votos. Agora, a conta de sua base fisiológica deve ser muito maior.

O fato é que as denúncias são graves e um presidente não pode comandar um país sendo alvo de denúncias de corrupção. O mais correto seria ele mesmo defender a remessa do caso ao STF para que o julgamento, com amplo direito de defesa, seja realizado.

Como isso não acontece, precisamos estar atentos a cada lance desse processo. Até porque o que está em jogo não é apenas o futuro do presidente Michel Temer, mas o preço que o país vai pagar pela sua salvação.

 

 


FHC: Uma candidatura agregadora

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro

Em sua fundação, em 1988, o PSDB se insurgira basicamente contra dois procedimentos: o compromisso de certas lideranças do PMDB com práticas de conduta reprováveis e a inconsistência, revelada durante a votação da Constituição, entre os objetivos proclamados pelo partido e o voto dado por muitos de seus membros. Mário Covas e eu então éramos líderes das bancadas do PMDB, respectivamente, na Constituinte e no Senado.

Na formação do PSDB, nossa base social não provinha dos sindicatos, como no caso dos partidos social-democratas europeus. As questões sociais que nos preocupavam não se restringiam aos trabalhadores fabris, abrangiam “o povo em geral”, inclusive o setor agrário e os novos profissionais urbanos, como os empregados de call centers, os programadores, etc. Não esquecíamos, tampouco, as classes médias, de onde provínhamos.

O PSDB nasceu com uma chave ideológica clara: o republicanismo (luta contra as iniquidades causadas por privilégios e abusos corporativos e clientelistas) e o primado do interesse coletivo sobre o particular. Isso, entretanto, não equivalia à defesa cega das leis do mercado nem à crença no intervencionismo estatal.

A defesa dos interesses gerais requer responsabilidade fiscal e critérios de eficiência e justiça social na tributação e no gasto público.

O partido nasceu, portanto, com posição ideológica nova, que aliava a técnica à política e, aos poucos, tornou as posições social-democratas mais contemporâneas à globalização.

O programa do PSDB recentemente difundido na TV mostrou a mutação maligna sofrida pelo sistema de alianças decorrente da Constituição de 1988. A eleição do presidente da República com pelo menos 50% mais um de votos quando seu partido não alcança mais do que 20% das cadeiras na Câmara, como ocorreu até hoje, obriga o presidente eleito a compor alianças para governar.

Esse sistema, dito “presidencialismo de coalizão”, com o passar do tempo, degenerou-se no “presidencialismo de cooptação”. Juntaram-se grandes empresas e partidos políticos para a sucção ilegal de recursos públicos, gerando um fluxo financeiro que beneficiava os partidos e parlamentares que sustentavam os governos. Isso se deu graças à persistência de uma cultura política oligárquica e clientelista e graças, também, ao fortalecimento de um capitalismo de laços entre partidos e empresas (públicas e privadas).

No modelo de coalizão, a maioria no Congresso se forma, em tese, com base no acordo entre os partidos sobre uma agenda do Executivo.

No presidencialismo de cooptação, o apoio passa predominantemente pela oferta de vantagens financeiras a partidos, empresas cartelizadas e indivíduos. Esse novo arranjo ganhou força com a ascensão do PT ao poder, movido por objetivos de ocupação hegemônica do Estado.

Foi no presidencialismo de cooptação que se centrou a crítica do citado programa do PSDB, dando ouvidos à voz das ruas no repudio à corrupção.

O Brasil clama por mudanças e o partido deve apoiá-las, dentre as quais: a cláusula de barreira para conter a fragmentação partidária e para impedir a criação de não partidos com acesso aos recursos públicos; a proibição de coligações nas eleições proporcionais; e o barateamento do custo das campanhas.

É preciso devolver aos programas “gratuitos” de TV o formato de debates propositivos, sem o apoio de “marquetagem” . Fundamental também é criar distritos eleitorais menores para as eleições às Câmaras já na eleição municipal de 2020.

A doação empresarial, se for aprovada, deve dirigir-se apenas a um partido em cada modalidade de eleição (federal ou estadual). Os recursos devem ser doados ao Tribunal Eleitoral, que abrirá contas em nome de cada partido, para as despesas de campanha. A doação voluntária de pessoas físicas deve ser estimulada, com fixação de teto. Sem tais alterações, a começar pelo barateamento das campanhas, mais recursos públicos para as eleições devem ser recusados bem como a criação de novos fundos eleitorais.

O PSDB apoiou o governo Temer pelo interesse nacional na governabilidade e porque ele se comprometeu com reformas que o partido deve assumir e liderar, lutando para garantir a conformidade entre elas e seu ideário. É inegável que houve avanços nas áreas econômicas e nas da educação, da habitação e da infraestrutura, assim como na política externa.

Não há apoios políticos incondicionais, nem por causa deles se deve deixar de criticar o que parecer errado. Se existirem divergências mais profundas e substantivas, que sejam explicitadas antes de um eventual “desembarque”.

O importante agora será constituir um polo democrático e popular que olhe para as eleições de 2018 com visão de futuro. A globalização, da qual devemos participar com mais intensidade do que até agora, baseia-se em uma tecnologia que requer inovação constante e formação técnico-científica, tanto de executivos como dos empregados e trabalhadores em geral.

O crescimento da economia dependerá da aplicação eficiente do conhecimento à produção e de sua melhor integração às cadeias internacionais de produção e valor.

É preciso gerar crescimento econômico sem comprometer o meio ambiente, já ameaçado em escala global. O olhar social requer compromissos morais inescapáveis: a bandeira da igualdade ganha enorme força diante da desigualdade gritante prevalecente e deverá implicar em mais e melhor educação, saúde e segurança.

A moralidade pública e privada é um requisito para que as pessoas possam voltar a crer nos que governam.

O país necessita uma candidatura agregadora para 2018, que assuma essas bandeiras. Chances de vitória existem se tivermos competência para retomar uma narrativa que, valorizando o muito que o PSDB fez na área social (Fundef, bolsa-escola, avanços na reforma agrária, estruturação do SUS, implementação das LOAS, etc.), abra os horizontes do futuro e defenda os valores morais.

 

 

 


Míriam Leitão: Nó tributário 

O deputado Carlos Hauly, (PSDB-PR), relator da reforma tributária, diz que no dia 10 de outubro apresentará o projeto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e que a partir dessa data o texto estará pronto para ir à votação. Hauly está convencido de que este é o momento ideal para avançar com a reforma e avalia que é mais fácil para o país assimilar uma simplificação nos impostos do que mudanças na Previdência.

A grande dúvida é: por que desta vez o país vai conseguir aprovar uma reforma que vários governos tentaram sem sucesso? Hauly diz que há consenso no Congresso de que sem ela a economia não voltará a crescer fortemente, mesmo que resolva a crise fiscal. Explica que tem conseguido superar resistências e conflitos de interesses ao propor uma transição lenta para o novo modelo, com a garantia de manter por cinco anos o percentual de arrecadação atual.

— Ninguém perderá no curto prazo. A arrecadação média dos últimos três anos, tanto do governo federal, estados e municípios, ficará congelada para os próximos cinco anos. Depois, as mudanças serão graduais, por mais 10 anos, para acabar com o ICMS — afirmou.

A promessa é que não haverá redução da carga tributária, mas também não haverá aumento. O principal ganho para a economia será a queda do custo que as empresas têm para pagamento de impostos e do tempo que se perde para cumprir com as obrigações.

Dez impostos deixarão de existir e serão unificados em uma única cobrança, com incidência em todo o país. Assim, acabará o emaranhado tributário do ICMS, que promove a guerra fiscal e tem regras e alíquotas em cada um dos 27 estados. Esse tributo seguirá o modelo do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) europeu, com tributação no destino e sem dupla tributação. As renúncias terão que ser nacionais. O que for concedido para um, terá que ser dado para todos, segundo Hauly:

— O que isso muda? Em primeiro lugar, você acaba com desonerações que passam de R$ 500 bilhões por ano, incluindo governo federal, estados e municípios. Mantém apenas 30% da desoneração atual. E acaba com a guerra fiscal porque põe fim ao ICMS. Como a reforma não tem interesse em aumentar carga tributária, você desonera outros setores, como remédios, alimentos, máquinas e exportação.

Setores que precisam de maior regulação ganham um imposto próprio, que pode ter alíquotas maiores, como automóveis, energia, cigarros, telecomunicação, combustíveis, eletrodomésticos e bebidas. Um dos pontos incertos é o que fazer com a Zona Franca de Manaus, que custa R$ 26 bilhões por ano e tem garantia constitucional para continuar existindo. Hauly diz que as negociações começam na próxima semana.

O advogado tributarista Gustavo Brigadão, presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da IFA 2017, acredita que o projeto é uma das maiores oportunidades que o país já teve na área. Diz que as ideias vão na direção certa e que o momento é propício para mudanças, por causa da crise e da dificuldade de aprovar alterações na Previdência.

— O projeto avança em muitos pontos. A ideia de congelar a arrecadação é importante para superar resistências. Ao mesmo tempo cria-se um superfisco, um órgão central de arrecadação, com membros dos estados e municípios. Todos participam da fiscalização, arrecadação e cobrança — explicou Brigadão.

Hauly cita pesquisa do Ipea que mostra que quem ganha dois salários mínimos compromete 53% da renda com o pagamento de impostos, enquanto entre os que ganham 30 salários o percentual cai para 29%. Para acabar com essa disparidade, a ideia é diminuir o peso dos impostos sobre o consumo e aumentar a carga sobre o patrimônio e a renda.

O governo Temer tem deixado a reforma tributária de lado, para tentar avançar com a Previdência. Pode ser um bom momento para mudar de estratégia.

RECORDE HOJE?
Ações da Petrobras fecharam em alta de 1,45% ontem na bolsa americana. Se o Ibovespa subir 0,15% hoje, quebrará recorde.

VISÃO DE MERCADO.
Cenário externo favorável, corte de juros pelo Banco Central e mais o depoimento de Palocci devem impulsionar o índice.

TERMÔMETRO DO PIB.
Consumo de energia caiu 0,6% em agosto, sobre o mesmo mês de 2016, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

 

 


José Aníbal: A flechada contra a agenda de recuperação do Brasil

O Brasil é ainda jovem quando se pensa na comunidade internacional: neste 7 de setembro, completamos 195 anos como nação independente, sendo 128 como República, e o atual período democrático soma pouco mais de três décadas.

O regime constitucional em vigor chegará aos 30 anos no ano que vem, quando elegeremos o presidente que levará o país ao bicentenário de 2022.

Nesse curso da história, o quanto aprendemos a viver como nação? Quais as experiências e práticas institucionais que já estão consolidadas, e quais são as que ainda precisamos aprimorar?

São perguntas que naturalmente exigem reflexão e ganham mais densidade no mundo contemporâneo, quando estão em debate questões como as funções, a eficiência e musculatura do estado e o papel de suas instituições, a crise da representatividade política, os avanços e as limitações que a própria democracia propicia às sociedades.

No caso brasileiro, a complexidade torna-se maior, exigindo ainda mais discernimento, compromisso e responsabilidade dos agentes públicos.

Nesse sentido, causa assombro e indignação ver a repetição de distorções dos papéis a serem cumpridos pelos que abraçam a causa pública. Como bem disse nesta semana o governador Geraldo Alckmin, as novidades de que o Brasil precisa são a verdade e a defesa do interesse coletivo, para que este se sobreponha aos objetivos das corporações que tomaram conta tanto de setores estatais como privados.

A política no dia a dia do governo e do Congresso obviamente precisa ser exercida com mais responsabilidade, mais conectada com os anseios e exigências da sociedade. Mas também é preciso avançar – e muito – nos outros pilares fundamentais do estado: o Poder Judiciário e o Ministério Público.

Quando regras são desrespeitadas, interesses pessoais e corporativistas são colocados à frente dos deveres institucionais, joga-se o país em aventuras e incertezas. Coloca-se em xeque a credibilidade não só deste ou daquele agente público, mas da própria ideia de república e de nação civilizada e democrática.

O ímpeto com que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se lançou nos últimos meses a disparar denúncias e acusações aos cântaros com base numa delação premiada bastante questionável, promovendo uma tempestade institucional sem precedentes, revelou-se agora açodado, inconsistente e movido por motivações ainda a serem explicadas.

Sob o pretexto de combater a corrupção e defender os interesses coletivos, deixou livres a dupla de empresários enriquecida pelo mais nocivo “capitalismo de compadrio” do lulopetismo e provocou um abalo que trouxe prejuízos intangíveis e incalculáveis. Foi uma verdadeira flechada na agenda para a retomada do crescimento econômico e da reorganização do estado brasileiro.

Quando Janot apresentou pedido para investigar o presidente da República durante o exercício do mandato, uma situação inédita e grave na história republicana, o Congresso estava prestes a aprovar a mais fundamental das medidas de ajuste das contas públicas.

A reforma da Previdência vai colocar um ponto final definitivo nas benesses previdenciárias da elite da burocracia – da qual fazem parte políticos e assessores legislativos, mas principalmente juízes, desembargadores, promotores e procuradores – e garantiria a sustentabilidade das aposentadorias e pensões da imensa maioria dos brasileiros. Por isso despertam tão forte reação das corporações, auxiliadas pela turma do “quanto pior melhor” de sempre.

Coincidentemente, no mesmo dia em que o procurador-geral admitiu falhas na delação dos irmãos Batista, o Conselho Nacional de Justiça atualizou as estatísticas de um problema bastante conhecido: o Judiciário brasileiro resolve menos de 1 em cada 4 processos em tramitação e custa mais caro do que os equivalentes de países europeus ou dos Estados Unidos. Em média, um magistrado brasileiro custa quase R$ 48 mil mensais. O salário mínimo é R$ 937,00. O salário médio dos trabalhadores brasileiros gira em torno de R$ 2.000,00.

A eficiência da Justiça é tão importante quanto a do Congresso e do governo. Todos os poderes devem prestar um bom serviço ao cidadão, cumprir com suas tarefas e ter o interesse coletivo como prioritário. É assim que se tornarão fortes, e não com arroubos de justiçamento ou voluntarismo. É assim que, perto de seus 200 anos de independência, o Brasil poderá ser um país com instituições sólidas e um povo orgulhoso de sua República.

 

 

 


Bolívar Lamounier: Reforma política, muito barulho por quase nada

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas de eleição e de governo?

Confio em que Shakespeare não se amofinará por eu plagiar o título de sua celebrada comédia (Much ado about nothing). Creio, mesmo, que o bardo me concederá um duplo perdão, pois eu bem preferiria relembrar as peripécias dos amantes de Messina a discorrer sobre as frustrações que temos colhido, ano após ano, toda vez que o Congresso Nacional discute a chamada reforma política.

Para não parecer birrento, faço duas ressalvas iniciais. De um lado, minha eterna frustração se deve à timidez das propostas, ao chamado “fatiamento”, à falta de uma visão mais abrangente. Sabemos todos que o futuro econômico e social do Brasil está profundamente comprometido pela ruindade de nosso político. Quando vamos encarar a sério as deficiências de nossos sistemas eleitoral e de governo, o gigantismo paralisante do Congresso Nacional (três senadores por Estado!), as desproporções entre bancadas e populações estaduais e talvez, sobretudo, a necessidade de cortar a cabeça do nosso Estado-camarão, descentralizando e instituindo uma Federação viável e funcional?

Em segundo lugar, ressalvo – como é justo – a importância de uma das alterações cogitadas: o fim das coligações entre partidos nas eleições proporcionais (deputados federais e estaduais e vereadores). Devia ser um gênio o sujeito que pela primeira vez concordou com esse tipo de coligação, nele condensando uma notável coleção de falcatruas. Na quase totalidade dos casos, os partidos que recorrem a esse mecanismo o fazem apenas para somar seus votos com o intuito de atingir o chamado cociente eleitoral (a divisão do total de votos válidos pelo número de cadeiras a preencher em cada Estado). Como em todos os sistemas baseados na representação proporcional, só os partidos que atingem tal cociente (ou seja, que elegem pelo menos um parlamentar) participam das divisões sucessivas mediante as quais se dá a alocação de suas respectivas “sobras” de votos. E aí é que se dá o pulo do gato. Para o fim a que acabo de me referir, uma coligação é equiparada a um partido, por díspares que sejam suas ideologias, seus programas e objetivos políticos. Nada garante que se mantenham unidos após a eleição.

Outra falcatrua, à qual meus leitores talvez não tenham dado a devida atenção, é que os sistemas de representação proporcional foram inventados para permitir certo grau de diferenciação entre partidos, ou seja, a formação de identidades propriamente partidárias, ao contrário do que tende a ocorrer no chamado voto distrital puro, que personaliza muito mais a eleição, uma vez que a grande circunscrição nacional ou estadual é subdividida em circunscrições menores, cada uma elegendo apenas um candidato. Ciente da balbúrdia em que se transformou a nossa organização partidária, o leitor pode ficar com uma pulga atrás da orelha, pois já se acostumou a entendê-la como uma decorrência direta do método proporcional.

A pulga, quero dizer, a dúvida é compreensível, mas em termos históricos e teóricos o fato é indiscutível: a tendência mais partidária da representação proporcional contrapõe-se à mais individual do voto distrital (representação majoritária uninominal). Louvem-se, portanto, o fim das coligações e a adoção do salutar princípio do “cresça, depois apareça”: ou seja, a exigência de um lastro mais sólido dos partidos que se fazem presentes nos Legislativos, nos três níveis da Federação.

Não acolho com o mesmo entusiasmo as outras alterações propostas. Como registrei neste espaço poucos dias atrás, todo ano, quando nos pomos a discutir a reforma política, nosso Congresso permite entrever uma estranha inclinação a primeiro tentar agir, deixando para pensar depois. Esquiva-se, invariavelmente, de primeiro responder às questões-chave: reformar o quê, como, para quê? Em relação ao sistema eleitoral, por exemplo, em vez de responder a essas singelas indagações, a Câmara dos Deputados pôs sobre a mesa a esdrúxula ideia do “distritão”, como se substituir o vigente modelo de representação proporcional por uma fórmula plurimajoritária fosse a coisa mais simples do mundo. Graças aos céus, os nobres integrantes da Comissão da Reforma Política detonaram tal proposta com a mesma ligeireza que evidenciaram ao colocá-la em discussão.

Em seguida, quando se concentraram na chamada cláusula de barreira, deixei-me momentaneamente levar por um equivocado júbilo, querendo crer que os parlamentares se haviam finalmente convencido da necessidade de frear drasticamente a proliferação de siglas, simplificando e estabilizando a estrutura partidária, a exemplo do que fez a Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, onde um partido só tem acesso ao Bundestag se obtiver 5% da votação nacional (ou, desde 1957, três mandatos pessoais diretos, nos distritos uninominais). Começa que os nossos congressistas, a fim de tornarem o assunto mais simpático, evitaram a aspereza germânica de Sperr, que deve ser traduzido como barreira, mecanismo de exclusão, e rebatizaram o referido mínimo de votos como cláusula de desempenho. Mais importante, entretanto, é que a ideia de excluir nem lhes passou pela cabeça. Na verdade, o objetivo da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 282 é outro. É estabelecer que alguns partidos são mais iguais que outros. Teremos, de um lado, os partidos que, ao atingir a “barreira”, tornam-se membros plenos da Câmara, com direito ao funcionamento parlamentar e aos recursos financeiros do Fundo Partidário; e, do outro, aqueles que, não a tendo atingido, ficam com o direito de “funcionar”, mas sem acesso ao financiamento público e demais benesses. É fácil de prever a enxurrada de ações que vai inundar o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade dessa cláusula.

* BOLÍVAR LAMOUNIER É CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA E MEMBRO DAS ACADEMIAS BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E PAULISTA DE LETRAS


Roberto Freire: Memórias do impeachment e um olhar sobre o futuro

Há um ano, em 31 de agosto de 2016, com 61 votos favoráveis e apenas 20 contrários, o Senado Federal sacramentava o impeachment de Dilma Rousseff e colocava um ponto final no período de mais de 13 anos de desmantelo do lulopetismo, que tanto infelicitou o Brasil.

Quatro meses depois de a Câmara dos Deputados autorizar a abertura do processo contra a então presidente da República em decorrência dos crimes de responsabilidade por ela cometidos em uma desastrosa gestão, o que levou ao seu afastamento do cargo e à posse de Michel Temer, o país pôde finalmente virar uma das páginas mais tristes de sua história e seguir adiante.

Desde então, apesar de todos os problemas e percalços pelo caminho, não há dúvidas de que avançamos e o país retornou aos trilhos.

O segundo impeachment da história de nossa República começou a ser construído a partir de um encontro que tive com o jurista Hélio Bicudo e a advogada Janaína Paschoal, em São Paulo, ainda quando a cassação de Dilma era considerada improvável por muitos.

A esses importantes nomes do Direito brasileiro, se somou outro notável jurista, Miguel Reale Júnior, e os três foram os grandes responsáveis por viabilizar o pedido de impedimento da presidente e dar sustentação jurídica à peça, que chegou à Câmara com toda a densidade e o embasamento necessários para prosperar.

Em meio a dezenas de outras representações, aquela era certamente uma das mais robustas, detalhadas e bem formuladas – tecnicamente irrepreensível, tanto que foi a escolhida para tramitar na Casa.

Desde o início do processo, o PPS assumiu um papel de protagonista e talvez tenha sido o primeiro dos partidos que faziam oposição ao governo do PT a se manifestar favoravelmente ao impeachment, enquanto algumas forças políticas ainda titubeavam. Aliás, a queda de Dilma começou a se tornar realidade nas ruas, com as maiores mobilizações populares da história da democracia brasileira, que tomaram o Brasil entre 2015 e 2016.

Apenas em um segundo momento, quando o clamor pelo impeachment se tornou irrefreável, o Congresso Nacional assumiu sua posição institucional e cumpriu o papel de levar a questão adiante, atendendo aos anseios da imensa maioria da população.

Ao fim e ao cabo, é forçoso reconhecer que a troca de um presidente nunca é uma medida simples e, invariavelmente, deixa traumas e causa um enorme desgaste a todos. Este é um dos maiores problemas do presidencialismo.

Quando um governo perde a sustentação política ou mesmo descumpre a lei de tal forma que isso enseje a abertura de um processo de impeachment, como foi o caso, o que se tem é um processo demorado, tortuoso, que praticamente paralisa o país até o seu desfecho.

No parlamentarismo, sistema de governo que entendemos ser o ideal também para o Brasil, quanto mais aguda é a crise, mais radical é a solução – que se dá sem traumas institucionais e de forma muito mais célere.

Um ano depois do impeachment, o governo de transição pode apresentar à sociedade uma série de medidas que levaram o Brasil a um outro patamar, no rumo certo para superar a maior crise econômica de nossa história e o perverso legado deixado pelo lulopetismo, com mais de 14 milhões de desempregados.

Foram aprovadas a PEC do Teto dos Gastos Públicos, a MP do setor elétrico, o projeto que desobriga a Petrobras a participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal, a Lei de Governança das Estatais, a liberação de saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a MP que reformula o Ensino Médio, apenas para citar algumas delas.

Para alcançar tamanho êxito, o governo de transição conta com a sustentação das forças políticas responsáveis pelo impeachment e que se mantêm praticamente na totalidade apoiando a agenda das reformas. Inclusive o PPS, mesmo que o partido tenha decidido se afastar do governo desde o momento em que entreguei o cargo de ministro da Cultura – quando do confuso e obscuro episódio envolvendo a delação dos irmãos Wesley e Joesley Batista à Procuradoria-Geral da República –, mas deixando clara a nossa posição favorável à transição e às reformas.

Durante este ano, em uma quadra tumultuada da vida nacional, outro dado que merece ser ressaltado é a inequívoca força das nossas instituições e o avanço do combate à corrupção e às malfeitorias reveladas pela Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal, a Polícia Federal, o Poder Judiciário e os órgãos de fiscalização e controle estão em pleno funcionamento e com total independência para realizar seu trabalho, com acompanhamento cada vez mais assíduo por parte da própria sociedade. Não tenho dúvidas de que sairemos melhores da crise.

Já faz um ano que Dilma, Lula e o PT se tornaram página virada da história e ficaram para trás, embora continuem ensaiando narrativas e discursos vazios como se tivessem condições de retornar ao poder quando bem entendessem.

Apesar das dificuldades, a inflação despencou e hoje é a menor em décadas, a economia dá sinais de recuperação e reformas importantes foram aprovadas ou estão em andamento no Congresso. A responsabilidade pela transição existe e continuará, e ela é a maior segurança de que completaremos a travessia até 2018 e construiremos um país melhor.