A sucessão na Câmara dos Deputados está virando uma briga pessoal entre o deputado Rodrigo Maia e o presidente Bolsonaro, que não quer que Maia continue tendo influência política decisória. Atribui a Maia o fato de ter-se tornado uma espécie de refém dos deputados. Colocando um deputado do Centrão na presidência, com o apoio ao deputado Arthur Lyra, o presidente continuará refém, mas desta vez de um sequestrador escolhido por ele. Uma espécie de síndrome de Estocolmo antecipada.
Rodrigo Maia faz uma jogada inteligente, diz que o presidente quer colocar alguém de sua confiança na presidência da Casa para aprovar as pautas regressivas de costumes e meio ambiente. Pela economia, que é o principal no momento, não haveria problema de um deputado do grupo de Maia ser eleito, pois eles comungam das mesmas teses liberais que teoricamente levaram o ministro Paulo Guedes para o ministério da Economia.
É a maneira que ele tem de estabelecer a divisão entre os que vão apoiar o governo, e os que querem uma Câmara independente. Vale até mesmo para o PT, que está namorando Artur Lyra, candidato oficial do Planalto, pela promessa de acabar com a Ficha Limpa, o que agrada não só ao PT, mas também ao Centrão e a muita gente que está sendo investigada e pode ser condenada, e até ao próprio Bolsonaro, por causa dos filhos.
O PT alega que ter um lugar na Mesa Diretora é importante para guardar um posto institucional para o partido, mas isso Maia daria também. O compromisso contra a Lei da Ficha Limpa também não seria impossível de Maia aceitar, talvez não com tanto despudor. Para Lula, esse é um ponto fundamental na sua estratégia para chegar a disputar a presidência da República em 2022, e Maia e o DEM têm já lado nessa disputa, que pode ser o apresentador Luciano Huck, o governador de São Paulo João Dória, ou o ex-governador Ciro Gomes.
O PDT, por sinal, deve fechar com o grupo de Maia, assim como o PC do B. O PSB vai no mesmo caminho do PT, apoiar o candidato do Palácio do Planalto. Mas garante que continuará na oposição, como se houvesse lógica política nessa explicação estapafúrdia. Um governo que começou com o ex-juiz Sergio Moro no ministério da Justiça, como sinal de que apoiava o combate à corrupção, conforme defendeu na campanha que o levou ao Palácio do Planalto, no meio do mandato já aparelhou a Polícia Federal e outros órgãos de controle e investigação, tem um Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que estrangula as forças-tarefas de Curitiba e Rio de Janeiro com mudanças burocráticas que praticamente inviabiliza as investigações, e tem como promessa de seu candidato à presidência da Câmara acabar com a lei da Ficha Limpa. Terá nessa tarefa ajuda até mesmo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Um deles, Gilmar Mendes, já disse que a lei parece ter sido redigida por um bêbado.
Os dois grupos já lançados à campanha pela presidência da Câmara dos Deputados têm mais ou menos a mesma correlação de forças, com cerca de 160 deputados cada um, e a oposição, como era esperado, fica como fiel da balança. Maia tem mais apoios na esquerda, como no PC do B e no PDT.
O PSL, que tem a maior bancada na Câmara ainda em decorrência da eleição de Bolsonaro em 2018, está no grupo de Maia, mas rachado. Há muitos deputados que ainda querem apoiar Bolsonaro e, por conseguinte, votarão em Arthur Lyra. Podemos chegar à situação de o candidato do Planalto ser apoiado pelo PT e pelo PSB, que continuarão dizendo que não fazem parte da base bolsonarista, mas darão ao presidente uma de suas maiores vitórias políticas.
Só não será completa essa vitória porque vencer com o Centrão não é garantia de imunidade. Com a mesma ligeireza com que o grupo político aderiu a mais um governo, também o dispensará caso a economia nos leve a uma crise incontornável.
Com medo de que Rodrigo Maia pudesse retirar da gaveta um dos muito atos pedindo seu impeachment, Bolsonaro pode ter a desdita de ser impedido por uma ação do mesmo Arthur Lyra que está ajudando a chegar à presidência da Câmara. A política brasileira só tem a lógica do interesse pessoal, e não da política programática.