Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Por que não haverá frente de esquerda para a sucessão de Temer

Cada um por si e o eleitor por quem quiser

Somente Lula, hoje condenado, encarcerado e impedido de se candidatar, seria capaz de liderar uma frente de partidos de esquerda para concorrer às eleições presidenciais de outubro próximo.

E como o PT não renunciará ao lançamento de candidato próprio à vaga de Michel Temer, não haverá frente. Outros partidos de esquerda terão seus próprios candidatos. Já os têm. Simples assim. E assim será.

Em nova carta do cárcere, divulgada ontem, Lula reafirmou que é candidato porque é inocente. E que não deixará de ser candidato. Tem razões de sobra para proceder assim até a véspera da eleição.

Se desde já abençoasse outro nome do PT, correria o risco de ser esquecido em Curitiba. A força de sua benção se diluiria até o início da campanha. E, com outras palavras, estaria admitindo ser culpado.

Lula entende que é vital para a sobrevivência do PT que o partido dispute as eleições com um candidato para chamar de seu. Outros partidos, não, preferem apostar na eleição de deputados federais.

No caso deles, ter candidato a presidente custaria muito caro. Melhor gastar o dinheiro do Fundo Partidário com a eleição para o Congresso. No caso do PT, um candidato a presidente puxará a eleição de parlamentares.

Por que o PT é de fato um partido, goste-se dele ou não. Tem militância. É organizado em todo o país. Tem discurso. E resultados positivos a mostrar dos seus quase 14 anos de governo.

Seu capital eleitoral, com Lula ou sem ele, é maior do que o capital dos demais partidos de esquerda. Por que então contentar-se em indicar um vice para Ciro Gomes, por exemplo, ou para qualquer outro?

Sem frente de esquerda, portanto. Só haverá frente no segundo turno.


Roberto Freire: Crédulos e oportunistas

Impressiona o número de pessoas intelectualizadas, vividas, que se recusam a enxergar a realidade, a corrupção sistêmica lulopetista

A mais recente denúncia da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge, sobre a propina de 40 milhões de dólares paga a Lula e seu entorno, no caso da ampliação da linha de crédito do BNDES para Angola, desmonta narrativas do lulopetismo.

Dessa feita não se pode alegar que se trata dos juízes Sérgio Moro ou Marcelo Bretas, ou do ativismo de algum membro do Ministério Público Federal do Paraná ou de qualquer estado brasileiro.

Impressiona o número de pessoas intelectualizadas, vividas, que se recusam a enxergar a realidade, a corrupção sistêmica engendrada por uma organização criminosa e profissional, como disse, no STF, o decano da Corte, ministro Celso de Mello.

Muitas pessoas, nas hostes lulopetistas, são tomadas por um fanatismo em defesa não de ideias ou ideais, mas na alegada inocência de Lula, transformado em divindade, visceralmente incapaz dos humanos atos do erro e da busca de vantagens indevidas para si e para os seus.

A credulidade é um fenômeno típico do culto à personalidade e do primarismo na política. Já aconteceu com Stalin, Hitler, Mao Tsé-tung e que também ocorre na dinastia hereditária que ainda reina na Coreia do Norte.

Na América Latina, temos em Peron e Chaves os mais lídimos exemplos. Muitos querem elevar Lula a essa categoria, de ícones populistas. O Brasil é mais complexo, nem Getúlio Vargas obteve este status.

Há também outro tipo de gente. São os oportunistas, aqueles que têm interesses contrariados e afetados pela derrocada do lulopetismo.

Falo dos milhares de contratados para cargos de confiança, nos diversos níveis da federação, sem qualificação, apenas para aparelhar a máquina governamental.

Refiro-me a parte expressiva da burocracia sindical que vê minguarem as generosas verbas anteriormente arrecadas pela máquina governamental, postas à disposição, sem qualquer controle.

Tenho de citar as inúmeras entidades com as quais os governos lulopetistas foram, no mínimo, fartamente generosos.

Há, também, gente do mundo da cultura e das artes, frequentadores assíduos de cerimônias palacianas e de listas de apoiamento, pessoas particularmente beneficiadas na repartição de incentivos oriundos de renúncias fiscais.

Os crédulos e oportunistas vivem dias cada vez mais difíceis. Além da denúncia recente da Procuradora Geral da República, há 5 processos em andamento. Não se vislumbra indicativo de que esse seja o número final.

Novas delações premiadas de figurões do lulopetismo e da máquina criminosa trarão à baila, tudo indica, partes volumosas do rombo causado ao país.

Para os crédulos, será mais do mesmo. Parte deles se fechará ainda mais em guetos fanatizados.

Oportunistas, enquanto interessar, manterão suas narrativas sobre a inocência do pai dos despossuídos, mas, ao sentir as novas direções dos ventos, saltarão do naufrágio lulopetista, sem rubor nas faces.

Não sem percalços e ziguezagues, avanços e recuos, o Brasil avança para se tornar de fato uma república democrática e contemporânea, a despeito e mesmo contra toda sorte de lulopetistas que se agarram à roda da história para puxá-la para trás, sem sucesso.


Ricardo Noblat: Temer e Alckmin, tudo a ver

Em gestação, o pacto Pindamonhangaba-Baixada Santista

Depois que se reuniu em São Paulo, na semana passada, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a qualquer momento o presidente Michel Temer deverá fazer o mesmo com o ex-governador Geraldo Alckmin, candidato do PSDB à sua sucessão.

Por mais que negue ter desistido de se candidatar à reeleição, Temer parece convencido que o melhor que tem a fazer é tentar costurar uma aliança entre o PMDB e o PSDB para evitar a fragmentação da centro-direita nas eleições de outubro. Só assim não perderá relevância.

Pode estar nascendo o pacto Pindamonhangaba (Alckmin)-Baixada Santista (Temer), para desgosto de Rodrigo Maia (DEM) e Henrique Meirelles (PMDB). Se o pacto sair, a candidatura de Alckmin ganhará robustez e tempo suficiente de propaganda no rádio e na televisão.

Temer não cobrará de Alckmin que defenda seu governo impopular. Ficará satisfeito se ele não o criticar. Alckmin poderá em público manter distância de Temer, desde que pregue a continuação de reformas que ficaram pela metade e a realização de outras que nem saíram do papel.

Até 5 de agosto, fim do prazo para que os partidos lancem candidatos às eleições de outubro, Alckmin procurará se compor também com o senador Álvaro Dias (PODEMOS-PR), que sonha com a vaga de Temer. Dias represa cerca de 5 milhões de votos que poderiam ser de Alckmin.

O DEM de Maia acabará naturalmente se aliando ao candidato do PSDB por afinidade de pontos de vista e falta de candidato viável à presidência da República. E a ele se renderão finalmente outras legendas como o PP de Ciro Nogueira e o PR do ex-mensaleiro Valdemar Costa Neto.

Só então o jogo começará para valer.


Murillo de Aragão: A Novidade da Vez

A pré-campanha eleitoral tem se caracterizado pelo surgimento de pré-candidatos que aparecem e desaparecem. São novidades de temporada. Alguns ficam, como Jair Bolsonaro e sua incírivel resiliência. Outros como João Dória e Luciano Huck passaram como cometas e desaparecerem no firmamento da sucessão presidencial.

A novidade da vez é Joaquim Barbosa. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal só não deve ser o candidato do PSB à Presidência da República se não quiser. Essa é a opinião de mais de uma dezena de parlamentares do partido ouvidos pela Arko Advice na última semana.

Hoje, entre os congressistas, praticamente não há vetos à sua candidatura. As resistências na legenda ao nome de Barbosa foram reduzidas sensivelmente após a divulgação de pesquisas de intenção de voto em que ele aparece bem posicionado (entre 8% e 10%, dependendo do cenário).

Os resultados incentivaram a pretensão da cúpula partidária de lançar a candidatura. Vários parlamentares veem grande potencial de crescimento futuro, a ponto de projetarem o candidato socialista já no segundo turno da eleição presidencial.

De acordo com alguns, há análises internas apontando que uma parcela significativa do eleitorado ainda não associa o nome de Barbosa à sua figura pública. Mas, ainda conforme essas análises, quando isso ocorrer e o ex-ministro assumir, de fato, a candidatura poderá deslanchar nas pesquisas.

A visão dos correligionários é de que Barbosa conjuga a imagem do homem ficha limpa, comprometido com o combate à corrupção e a seriedade na gestão pública, com a do cidadão negro de origem humilde que venceu na vida e está preocupado com as questões sociais no país.

As políticas de alianças regionais, principal argumento contrário à candidatura presidencial socialista, podem não ser ser empecilho. Há focos muitos pontuais de resistência. Em Pernambuco e na Paraíba, os governadores Paulo Câmara e Ricardo Coutinho trabalham para ter o PT em suas coligações, e uma candidatura nacional dificultaria essas costuras locais. O governador paulista Márcio França, contudo, já estaria avaliando apoiar Barbosa por entender que tal gesto poderia agregar mais a seu projeto de reeleição do que se apoiar Geraldo Alckmin (PSDB).

No entanto, apesar de o ambiente partidário ser altamente favorável, permanece a dúvida entre os socialistas sobre o futuro do projeto presidencial no PSB. Pois, além de Barbosa não ser assertivo quanto a assumir a candidatura, outras questões preocupam. Sua falta de familiaridade com o ambiente político é uma delas. Sua postura e seu temperamento, isto é, sua forma de reagir na fase mais aguda da campanha, quando ocorrerão embates com outros candidatos, são incógnitas.

Da mesma maneira, o aspecto programático da candidatura gera insegurança. Suas ideias para a economia ainda não foram tornadas públicas. A clareza de um programa econômico numa candidatura presidencial é fundamental para angariar apoio na opinião pública e nos meios de comunicação. Esse tipo de preocupação é partilhada pelos prováveis adversários, que avaliam que Barbosa é apenas uma figura simpática ao público, mas repleta de incertezas.

* Murillo de Aragão é cientista politico


Ricardo Noblat: Dilma deve sobrar em Minas

Pimentel aumenta sua oferta para ter o apoio do PMDB à reeleição

A interrupção do processo de impeachment contra o governador Fernando Pimentel (PT) tem a ver com a renovação de uma oferta feita por ele ao deputado Adalclever Lopes, presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e maior cacique do MDB.

Por meio de um advogado amigo dos dois, Pimentel prometeu a Lopes que a vaga de vice-governador em sua chapa e as duas de senador serão do MDB se o partido apoiar sua reeleição. E acrescentou mais um mimo: uma vaga para o MDB de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Quanto a Dilma Rousseff, que transferiu para Minas seu título de eleitora e quer ser candidata ao Senado, Pimentel mandou dizer a Lopes que dará um jeito de convencê-la a desistir da ideia. Dilma poderá, se muito, ser candidata a deputada federal, mas isso ela não quer.

Se candidata a deputada, ela ajudaria a eleger deputados do MDB. E Dilma não perdoa o partido por tê-la despejado da presidência da República. É pegar ou largar para Dilma. A não ser que o MDB prefira se aliar ao PSDB e apoiar a candidatura ao governo de Antônio Anastasia.

Nesse caso, a candidatura de Dilma ao Senado seria mantida. Ela até poderia virar candidata ao governo se o impeachment de Pimentel fosse aprovado, o que parece improvável. Lopes tem o controle da convenção do MDB, mas não dos votos dos 13 deputados estaduais e dos 5 federais.

A maioria dos deputados é a favor da aliança com Pimentel.


Mary Zaidan: O Brasil refém do STF

Dilma continua a distribuir estragos.

Em 2008, sem conseguir avançar na ideia da trieleição, Lula, hoje preso por corrupção e lavagem de dinheiro, inventou Dilma Rousseff e, com ela, um tormento sem fim. A presidente deposta foi um pesadelo para o país – e para seu padrinho – durante os cinco anos e meio de mandato. E continua a distribuir estragos.

Não só além das fronteiras, em viagens pagas pelo governo, portanto pelos impostos dos brasileiros, para denegrir as instituições nacionais, incluindo o STF, que com ela foi para lá de generoso. Mas também internamente.

Desta vez, em Minas Gerais, domicílio que escolheu para disputar uma vaga ao Senado. Novamente, garante ela, ungida por Lula antes de ele iniciar o cumprimento de sua pena de 12 anos e um mês.

A candidatura da ex caiu como bomba por lá, detonando a aliança já acertada entre o PT e o MDB em torno da reeleição do governador petista Fernando Pimentel – seu amigo do peito. Como a composição reserva ao MDB as vagas ao Senado, simplesmente não cabe Dilma.

Tê-la na disputa foi o estopim para que o presidente da Assembleia mineira, o emedebista Adalclever Lopes, abrisse o processo de impeachment de Pimentel, que, em dezembro, já havia se tornado réu no STJ. Mesmo que não avance, o pedido de cassação revigora as baterias da oposição cinco meses antes do pleito.

Eleita com a popularidade do padrinho e os milhões acumulados em propinas – o marqueteiro João Santana e agora o ex-ministro Antonio Palocci que o digam -, Dilma age como se fosse imbatível e imprescindível ao partido que preferia não ter de lidar com ela.

No máximo, o PT imagina que ela poderia puxar votos como candidata a deputada. Ainda assim, com o incomodo de ter de explicar seus anos de desgoverno e o estado calamitoso em que deixou o país.

O pepino Dilma faz parte da decisão kafkiana de cassar o mandato e não penalizar o deposto com a inelegibilidade de oito anos prevista na Constituição. Uma trama urdida pelos então presidentes do STF, Ricardo Lewandowski, e do Senado, Renan Calheiros.

Um caso sui generis em que, com o aval da Suprema Corte, se alterou a Constituição sem os dois terços exigidos nas duas casas legislativas em dois turnos.

É o que ocorre quando o STF age por decisão monocrática, como a que devolveu elegibilidade ao senador cassado Demóstenes Torres, ou de colegiado reduzido, como o da trinca da Segunda Turma, que decidiu retirar da Lava-Jato os trechos da delação da Odebrecht que têm a ver com Lula.

No caso do político goiano, o STF passou por cima da decisão e da prerrogativa do Senado de cassar e punir seus integrantes. No outro, operou no sentido de obstruir a justiça, em absoluto contrassenso.

Absurdos assim dão ânimo às Dilmas da vida, embalam esperanças de corruptos e povoam os sonhos dos que estão na cadeia – Lula à frente.

* Mary Zaidan é jornalista.


Gaudêncio Torquato: A fadiga democrática

A democracia não tem cumprido suas tarefas básicas

O mundo padece de síndrome da fadiga democrática, observa o escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Nações atravessam um momento de saturação em seus sistemas democráticos. Alguns sintomas: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.

Arremata o belga: “a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto”. A análise está expressa no interessante livro Contra as Eleições, traduzido agora no Brasil. O título sinaliza para a hipótese de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfiança das elites, é o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria há 3.000 anos, quando inexistiam eleições e os cargos se repartiam por meio de uma combinação de sorteios e ações voluntárias. Ou seja, quando a política era missão e não profissão.

O fato é que a democracia, como já escreveu Norberto Bobbio, o grande cientista social e filósofo italiano, não tem cumprido suas tarefas básicas, como acesso de justiça para todos, educação para a cidadania, combate ao poder invisível, transparência nas ações de seus protagonistas.

Em seu Futuro da Democracia, Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na direção do amanhã, caracterizando o insucesso do Estado no combate às pragas da modernidade, a partir do poder invisível incrustado na administração pública. O poder visível, formal, está perdendo a batalha. Apesar dos aparatos tecnológicos que ancoram o Estado – Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais Eleitorais e outras instâncias do Judiciário – a corrupção grassa a torto e a direito.

Para termos uma ideia dessa crise, podemos inserir no debate outros eixos, como os de Roger-Gérard Scwartzenberg: arrefecimento das ideologias, declínio dos partidos, desmotivação das bases, perda de poder dos Parlamentos, refluxo das oposições.

A crítica evidencia o fato de que as eleições perpetuam a continuidade das elites no controle dos Poderes. A eleição de um governante pelo voto popular não seria suficiente para lhe dar legitimidade, pois será engolido pela ineficiência do Estado. Mas que outra solução haveria? Sortear os cargos entre o povo? Quem garante que essa modalidade não levaria ao caos?

Este ano teremos um pleito competitivo e de discurso contundente. Como fazer para darmos um passo mais avançado em nossa democracia de forma a garantir o compromisso da política junto ao povo? Deixo que o eleitor reflita sobre essa inquietante pergunta.

* Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Ricardo Noblat: Conivência com crime

Sobre nota do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo

Na tarde do sábado, em São Bernardo do Campo, no entorno da sede do Sindicato dos Metalúrgicos aonde Lula se refugiara para escapar à prisão, foram registrados pelo menos sete casos de hostilidade e agressões a repórteres e profissionais da imprensa que estavam por lá a serviço.

Em Fortaleza, manifestantes a favor de Lula quebraram as portas de vidro da sede da TV Verdes Mares, picharam muros e pintaram o prédio com tinta vermelha. Na noite do mesmo dia, equipes de televisão foram destratadas nas proximidades dos aeroportos de São Paulo e Curitiba.

Houve, como de hábito, notas de entidades e de associações de classes que condenaram “por inaceitável” o uso da força contra trabalhadores como quaisquer outros – é o que somos. Mas uma das notas, pelo seu conteúdo enviesado e pérfido, destacou-se das demais.

O Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), repudiou as agressões, como estava obrigado a fazê-lo. Mas disse que “essa situação lamentável” deveu-se também “à política das grandes empresas de comunicação que apoiam o golpe”.

Aproveitou para acusá-las de adotar “uma linha editorial de hostilidade contra as organizações populares”. E frisou: “Para impedir que casos de agressão e tentativas de censura se repitam, é preciso que se retome a democracia, o que só será possível com Lula livre (…)”.

Quer dizer: condenou as agressões e justificou-as ao mesmo tempo. Imputou a culpa por elas a agressores e a agredidos. E condicionou o fim dos ataques à mudança da linha editorial das empresas de comunicação, à retomada da democracia e à libertação de Lula.

Absurdo, extemporâneo, abusivo para dizer o mínimo. Para dizer o que de fato é: conivência com crime. Ou agressão deixou de ser crime, não importa contra quem?


Roberto Freire: A lei é para todos

O Estado Democrático de Direito saiu vitorioso com a decisão histórica tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento realizado na última quarta-feira (4) e que se estendeu até as primeiras horas da madrugada de quinta (5). Por 6 votos a 5, a máxima instância do Poder Judiciário rejeitou o pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, um criminoso condenado, para impedir a prisão do petista. Trata-se, evidentemente, de uma mensagem inequívoca: ninguém está acima da lei.

Durante o julgamento, o voto emblemático da ministra Rosa Weber sinalizou que a tese do relator, Luiz Edson Fachin, pela rejeição do habeas corpus, acabaria prevalecendo. Ao contrário do que especulavam os áulicos do lulopetismo, a ministra salientou a importância de o tribunal garantir a segurança jurídica no país, tão necessária no Brasil de hoje.

A decisão do STF segue, inclusive, a jurisprudência firmada recentemente pela própria Corte, que em fevereiro de 2016 determinou que os criminosos condenados em segundo grau de jurisdição já poderiam iniciar o cumprimento da pena. Lembremos que essa possibilidade sempre foi um entendimento pacificado desde a promulgação da Constituição de 1988 até 2009 – e novamente a partir da nova análise da matéria há pouco mais de dois anos, em consonância com uma interpretação mais avançada do Direito penal e de acordo com aquilo que se pratica nas grandes democracias. Qualquer mudança de entendimento neste momento se configuraria em um inaceitável casuísmo destinado a beneficiar Lula.

Para além de toda essa dimensão histórica, o posicionamento do STF fortalece o combate à impunidade no país, dando sequência a um processo que talvez tenha como grande símbolo a Operação Lava Jato, resultante do excelente trabalho desempenhado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelas diversas instâncias do Judiciário. Depois de muito tempo, o chamado crime do colarinho branco começa a não mais compensar no Brasil.

Daqui por diante, é chegada a hora de o país olhar para frente e mirar o futuro. Enfrentaremos um processo eleitoral em outubro próximo e, qualquer que seja o resultado das urnas – esperamos que com a ascensão de um governo que aglutine as forças democráticas e evite o desastre do populismo exacerbado e dos extremismos à esquerda e à direita, ambos descompromissados com a própria democracia –, o fundamental é que o país avance no caminho das reformas e da superação definitiva da crise.

Com o Estado Democrático de Direito reafirmado e as instituições em pleno funcionamento, como indica a decisão do Supremo sobre Lula, já demos os primeiros passos nesse sentido. No Brasil, a lei é para todos.

 


As chances de Bolsonaro e Lula

A fatura que a República tira de seus ismos - grupismo, mandonismo, caciquismo, nepotismo, individualismo, fisiologismo – cresce exponencialmente com o acirramento da crise política, propiciando especulações e versões sobre o campeonato eleitoral de 2018. Erigem-se espaços de protagonistas no pleito e, mais, com indicação de suas possibilidades de vitória, projeções que se fazem a partir do pesquisismo – essa mania desvairada de medir posições de pré-candidatos muito antes dos eventos eleitorais.

A essa altura, já há quem veja Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva na chegada ao pódio, quando ainda não se sabe se serão candidatos ou se as circunstâncias (jurídicas, políticas, econômicas e sociais) permitirão que o sejam.

Bolsonaro só será candidato em cenário de caos político, com expansão da insegurança coletiva e clamor social por ordem nas ruas, sob slogans do tipo: “bandido na cadeia”, “bandido bom é bandido morto”.

Abandonaria alternativas mais viáveis de uma candidatura majoritária no Rio de Janeiro (governo ou senado) e mesmo a continuidade como representante na Câmara Federal por uma opção cheia de riscos?

Admitamos, porém, que entre na canoa presidencial ante a insistência da turba exigindo “basta à bandidagem”. Pela hipótese mais benevolente, sejamos realistas: tem chances mínimas de alcançar vitória. A não ser que se admita uma reviravolta nos padrões culturais e na formação do pensamento de nossas classes sociais.

A força das classes médias
Os contingentes de visão conservadora – tendentes a perfilar ao lado de perfis populistas e identificados com o “poder da bala” – estão na base da pirâmide social e, admitamos, em segmentos do próprio topo, particularmente dos extratos que ainda sonham com a volta dos militares ao poder. São pequenos enclaves radicais.

O ciclo da redemocratização oxigenou os pulmões sociais, gerando movimentos de toda a ordem – em defesa de categorias profissionais, de gêneros e minorias. Esses núcleos são comprometidos com os fundamentos democráticos tão bem pontuados na Constituição de 88. A imensa maioria eleva ao alto a bandeira da cidadania, identificando-se com o ideário das liberdades.

O espaço habitado por imensos contingentes das classes médias (A, B e C), cuja forte expressão gera impactos para cima e para baixo, é o mais largo da pirâmide social. Sua influência equivale a da pedra jogada no meio da lagoa. Forma ondas que chegam até as margens.

O leque de profissionais liberais – médicos, advogados, empresários (dos meios rural e urbano) de médio e pequeno porte, comerciantes, profissionais da comunicação etc – se destaca por ser a maior tuba de ressonância do país.

Pois bem. Essa orquestra entoa o hino progressista. Pode, até, abrigar aqui e ali um ou outro nicho mais conservador, mas suas maiores fatias defendem os avanços civilizatórios e os valores democráticos. Essa é a interpretação que se extrai da fortaleza de onde sai o tiroteio que abate conservadores, demagogos e populistas. Não há hipótese de que esse poderoso grupamento seja atraído pela metralhadora que é Jair Bolsonaro.

As chances de Lula
Da mesma forma, o rolo compressor das classes médias vencerá o bastião de Luiz Inácio, onde os exércitos militantes serão em menor número do que portaram estandartes vermelhos em 2002 e 2006. O lulismo está em decadência, seja porque seu artífice está imerso na lama do petrolão, após ter resistido ao maremoto do mensalão, seja porque o legado por ele deixado desmoronar, após a débâcle na economia perpetrada pela ex-presidente Rousseff.

Não se pode dizer, porém, que o ex-metalúrgico está nocauteado. Continuará a receber a votação da militância e de camadas das margens sociais, principalmente na região Nordeste, onde chega a obter hoje o índice de 45%. Lula é exímio na arte de mistificar. Nos fundões, é visto como o “Pai dos Pobres”.

Comporta-se como Salvador da Pátria e começa a prometer que recolocará o país no altar da grandeza, sem reconhecer o buraco aberto na economia pela era lulista. Resistirá até o último minuto da batalha judicial que tem pela frente, devendo usar os recursos jurídicos (infringentes e de declaração), caso venha a ser condenado na 2ª instância.

A condição de vítima aumentará seu quinhão de votos, mas não a ponto de fazê-lo subir ao pódio. A rejeição ao seu nome subirá ao pico da montanha.

Portanto, toda prudência se faz necessária antes os cenários eleitorais do amanhã. É muito pouco viável o encontro dos extremos, Bolsonaro e Lula, na encruzilhada eleitoral de outubro de 2018. A crise certamente acirrará os ânimos. Mas não se pense que seus efeitos serão benéficos para candidatos localizados nas extremidades do arco ideológico.

A lógica aponta que perfis menos polêmicos, mais afeitos ao diálogo e, sobretudo, não flagrados em escândalos, devem ganhar a preferência do eleitorado. A questão é: quem? Há essa figura? O fato é que não existe, pelo menos ao alcance da vista, um perfil com tal identidade. Seria um empresário? Um profissional liberal de prestígio? Um juiz? Receberia apoio partidário? Difícil.

Como se sabe, há uma regrinha básica nas eleições: o nome deve ganhar apoio de grandes partidos. Só assim a aritmética eleitoral é arrumada. O tempo de mídia é mais longo, permitindo amplo conhecimento do candidato por todos os segmentos da população.

As estruturas partidárias tendem a escolher candidatos entre seus integrantes. Mas não há lideranças capazes de construir consensos. O que se vê é a formação de alas no PMDB, PSDB, PT e em siglas menores. O individualismo impera.

Algum consenso pode se dar na esfera de siglas como Rede Sustentabilidade e PDT. Mas os nomes que apresentam, Marina Silva e Ciro Gomes, têm centímetros abaixo da estatura que se exige para uma candidatura com reais chances.

Em suma, as águas que correrão em 2018 estão longe de desembocar no oceano. Gregos e troianos vão ter de esperar muito para saber que rumo tomará a pororoca.

 


Roberto Freire: No ritmo do frevo

Como pernambucano, ao ouvir um frevo, em especial “Vassourinhas”, não consigo ficar parado. É assim desde a minha juventude, quando a música composta por Joana Batista Ramos e Mathias da Rocha já havia caído no gosto popular e era a mais tocada nos carnavais de Recife e Olinda. A canção surgiu ainda nos primeiros anos do século XX e era cantada inicialmente pelos foliões do Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas. Ela atravessou gerações e se transformou em um dos grandes símbolos do carnaval e do frevo pernambucano, um dos mais ricos e emblemáticos patrimônios culturais e imateriais do Brasil.

Neste 9 de fevereiro, Dia do Frevo, é importante reafirmar a importância dessa forma de expressão musical, coreográfica e poética que nos encanta há mais de 100 anos. Em 2017, o frevo completa uma década de reconhecimento formal como Patrimônio Cultural. Há exatamente dez anos, foi inscrito pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Livro de Registro das Formas de Expressão. Cinco anos depois, em 2012, foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A origem do frevo remete ao final do século XIX, um momento de efervescência social, com uma série de manifestações das classes populares como forma ocupar as ruas e praças, sobretudo em Olinda e Recife. Sua consolidação se deu em meio à participação dos escravos recém-libertos, dos capoeiristas e da nova classe operária, além da rivalidade entre as diversas bandas militares e do surgimento de novos espaços urbanos. Ao fim e ao cabo, o frevo era a expressão de um protesto político e de uma crítica social em forma de música, dança e poesia. Foi, ao mesmo tempo, um símbolo de resistência em Pernambuco e uma manifestação inequívoca da diversidade cultural do Brasil.

Produto de um contexto histórico singular, essa rica manifestação artística da cultura pernambucana é uma das principais raízes da música brasileira. A partir do eclético repertório das bandas de música, que integrava vários estilos musicais, resultaram três modalidades que perduram até os dias de hoje: o frevo de rua, o frevo de bloco e o frevo-canção.

Como parte da programação pelo Dia do Frevo e pelos dez anos do reconhecimento como Patrimônio Cultural, o Ministério da Cultura (MinC) e o Iphan entregarão uma placa em homenagem ao Centro de Referência Paço do Frevo, espaço dedicado à difusão de ações, projetos e atividades de documentação, transmissão, salvaguarda e valorização dessa importante expressão musical e cultural do país. Inaugurado definitivamente em 2014, o Paço é uma iniciativa da Prefeitura do Recife, com realização da Fundação Roberto Marinho, e contou com o apoio do MinC e do Iphan por meio da lei de incentivo à cultura.

Neste dia de comemorações, é oportuno lembrar que Pernambuco é um dos estados brasileiros com a maior quantidade de manifestações culturais reconhecidas como patrimônio imaterial. Apenas para citar alguns exemplos, além do frevo, temos a Feira de Caruaru, a encenação do Cavalo-Marinho, o maracatu em seus mais variados estilos, a dança folclórica de Caboclinhos, o teatro de bonecos e fantoches popularmente conhecido como mamulengo, entre tantos outros.

Desde muito jovem, sempre brinquei o carnaval e pulei o frevo, como se dizia naquela época. Como ministro da Cultura e pernambucano, para mim é uma honra, um privilégio e um enorme prazer participar dessa série de celebrações em torno de um patrimônio cultural brasileiro que transcendeu a condição de mero ritmo musical ou carnavalesco. O frevo está enraizado em nossa cultura, em especial na memória coletiva do povo pernambucano, e representa uma mescla de gêneros musicais e artísticos que diz muito sobre a diversidade e a inventividade dos brasileiros. Reverenciar o frevo é, afinal, valorizar a cultura do Brasil. (Blog do Noblat/O Globo – 09/02/2017)

Roberto Freire é ministro da Cultura


Fonte: pps.org.br