Amazônia

Situação da Amazônia pode contaminar relação entre Brasil e EUA, diz Rubens Barbosa

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, embaixador analisa reflexos de possível eleição de Joe Biden

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Diante de uma provável vitória de Joe Biden nas eleições dos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro está seguindo o conselho de John Bolton, ex-secretário de Segurança Nacional de Trump, que recomendou ao Brasil fazer pontes com o candidato democrata. “O desafio geopolítico talvez seja o dilema mais sério para o governo brasileiro, caso Trump seja derrotado”, analisa o presidente do Irice (Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior), o embaixador Rubens Barbosa, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de agosto.

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A revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da instituição. De acordo com Barbosa, “o tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais”.

No artigo publicado na revista Política Democrática Online, o embaixador diz que o Brasil vai ter de decidir se fará uma opção, evitada pela maioria dos países europeus e asiáticos, por um dos lados ou se preferirá permanecer equidistante nessa disputa.

Barbosa também questiona: “Eventual oposição à tecnologia chinesa no 5G e apoio à proposta dos EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio) sobre a participação apenas de países de economia de mercado – o que excluiria a China – indicariam que o Brasil teria escolhido seu lado. Os EUA convencerão o Brasil a ficar contra a China?”.

De acordo com o presidente do Irice, levando em conta que a disputa entre as duas potências está apenas começando e durará por muitas décadas, manter-se equidistante parece ser a melhor atitude na defesa do interesse nacional.

O alinhamento com os EUA, segundo Barbosa, nem sempre explicitado nas relações bilaterais, torna-se automático quando se trata de votações de resoluções sobre costumes, mulheres, direitos humanos, saúde e sobre o Oriente Médio nos organismos multilaterais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), OMS (Organização Mundial da Saúde) e OMC.

“Em muitos casos, o Brasil fica isolado com EUA e Israel e, na questão de costumes, apenas com países conservadores (Arábia Saudita, Líbia, Congo, Afeganistão)”, escreve o autor. “O tema da Amazônia, em vista da prioridade ambiental democrata, se sair do âmbito da burocracia e ganhar relevância na opinião pública, poderá contaminar a relação bilateral e afetar o financiamento e infraestrutura por parte de instituições públicas e privadas internacionais.

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Maria Hermínia Tavares: Mudou o clima

O debate sobre os rumos da recuperação econômica está posto

As reações desatinadas de Bolsonaro diante da destruição da floresta amazônica e da fragilização do Ibama e dos instrumentos de monitoramento da área —perpetrados pelo mesmo ministro Ricardo Salles que dá carona a garimpeiro ilegal em voo da FAB— e os vexames internacionais do despauterado colega Ernesto Araújo não produziram apenas o desastre que desejavam. Desencadearam reações que estão mudando os termos do debate no Brasil.

No ano passado, as queimadas alimentaram a grita no exterior não só de personalidades e organizações da sociedade civil mas de políticos e governantes, como o presidente da França, Emmanuel Macron. Neste ano, um grande fundo global de investimento deu a saber que o compromisso com a sustentabilidade é condição para fazer negócios com o país. De seu lado, a chanceler alemã Angela Merkel alertou que, pela mesma razão, o acordo Mercosul-União Europeia está em perigo.

O alarme externo parece ter dado força a importantes manifestações locais. Já não se trata apenas de proteger nosso patrimônio de florestas e biodiversidade, mas de associar sustentabilidade e crescimento econômico.

Em 2019, o cientista Carlos Nobre lançou a proposta "Amazonia 4.0", fornecendo uma alternativa à exploração predatória da região por meio da bioeconomia de alto conteúdo tecnológico. Agora, impulsionada pelo desafio da recuperação econômica pós-pandemia, a discussão se ampliou. Nessa linha, ex-ministros da Economia e ex-presidentes do Banco Central divulgaram documento intitulado "Convergência pelo Brasil". E presidentes de três grandes bancos comerciais anunciaram um plano para apoiar investimentos sustentáveis na Amazônia.

Ninguém foi mais longe do que o World Resources Institute WRI-Brasil, com o ambicioso texto "Uma nova economia para uma nova era", fruto da cooperação entre universidades públicas, organizações empresariais e o Ipea. Ali se propõe que a retomada da economia se assente em três pilares: infraestrutura resiliente a catástrofes climáticas; inovação industrial com abordagens e tecnologias verdes; agricultura sustentável. É notável o esforço por gerar alternativas e calcular custos.

Estudiosos de políticas públicas argumentam que grandes mudanças de rumo são sempre muito difíceis. Têm contra si ideias estabelecidas, legados institucionais e inércia burocrática. Nossas conhecidas limitações fiscais tampouco favorecem transformações de vulto.

Mas o debate sobre os rumos da recuperação econômica está posto. Não é bom que ignore os desafios da sustentabilidade. Afinal, o clima mudou lá fora e aqui.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Bernardo Mello Franco: O voo do garimpo nas asas da FAB

Num sábado de carnaval, um major e um capitão arrombaram o depósito de munições da Base Aérea dos Afonsos, no subúrbio do Rio. Os dois levaram armas e explosivos até um bimotor Beechcraft. Com o avião carregado, decolaram rumo ao sul do Pará para iniciar um levante contra o governo.

A dupla de aloprados queria derrubar o presidente Juscelino Kubitschek, que havia acabado de tomar posse. O plano era organizar um exército de índios e caboclos e articular o golpe a partir da selva amazônica. A Revolta de Jacareacanga teve vida curta: começou e terminou em fevereiro de 1956. Depois de 64 anos, a Aeronáutica volta a se enrolar na cidade paraense.

Na quinta-feira, o Ministério Público Federal abriu investigação por improbidade administrativa no uso de um avião da FAB. A aeronave pousou em Jacareacanga no último dia 5, a pretexto de apoiar o combate à mineração ilegal na terra indígena Munduruku. Na manhã seguinte, decolou para Brasília com sete garimpeiros a bordo.

“A lei proíbe o garimpo em terras indígenas. O avião da FAB foi usado para transportar criminosos”, resume o procurador Paulo de Tarso Moreira Oliveira. “Essa terra indígena já sofria com invasões. Agora há um avanço desenfreado, impulsionado pela valorização do ouro e pelo discurso de cumplicidade do governo”, acrescenta.

Na véspera do voo para Brasília, os garimpeiros se reuniram com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Após o encontro, o governo suspendeu a Operação Verde Brasil 2, que deveria reprimir os crimes ambientais na Amazônia.

Em ofício ao MPF, o Ministério da Defesa afirmou que a Aeronáutica transportou “lideranças indígenas” para “tratativas com o Ministério do Meio Ambiente”. A versão é contestada por associações que representam os munduruku. As entidades afirmam que o cacique-geral da etnia não autorizou a viagem e que o grupo não fala em nome dos povos locais.

“Os passageiros do voo não eram líderes indígenas, eram garimpeiros. Os índios estão frustrados com o fracasso da operação. Muitos deles já sofreram ameaças de morte”, conta o procurador Oliveira. Ele afirma que os donos das máquinas são brancos e aliciam parte dos locais com a distribuição de dinheiro e de cestas básicas.

O clima na região é tenso. Há duas semanas, a Polícia Federal apreendeu veículos e computadores usados pelos mineradores. Agentes do Ibama chegaram a destruir equipamentos da quadrilha. Em represália, garimpeiros ameaçaram derrubar um helicóptero usado pelos fiscais.

“Estamos falando de uma milícia que cooptou indígenas e se sente estimulada pelo governo”, diz o ambientalista Danicley de Aguiar, do Greenpeace. “O garimpo compromete o modo de vida dos povos tradicionais, destrói a floresta e contamina os rios da região. E tudo está sendo feito com a omissão do Estado brasileiro”, critica.

O presidente Jair Bolsonaro não disfarça. Já assinou projeto para abrir as terras indígenas à exploração mineral. Enquanto o Congresso faz cara de paisagem, o ministro Salles tenta passar sua boiada ao arrepio da lei. Falta explicar por que a Aeronáutica aceitou se misturar a essa agenda de destruição.


José Goldemberg: As teorias conspiratórias e o meio ambiente

Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia

Apelar para teorias conspiratórias é uma arma usada frequentemente para desacreditar adversários, até mesmo governos.
Alguns exemplos mais recentes de teorias conspiratórias são os seguintes:

• O governo americano oculta até hoje a existência de discos voadores que trouxeram seres extraterrestres para nosso planeta.

• O lançamento de astronautas à Lua em 1969 foi uma montagem de Hollywood e nunca houve voos espaciais.

• O atentado terrorista que destruiu as torres gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, foi orquestrado pelo serviço secreto americano para justificar a “guerra ao terror” e a invasão do Iraque e do Afeganistão.

• O assassinato de John F. Kennedy foi promovido pelo governo de Cuba ou por grupos políticos americanos preocupados com as políticas liberais do presidente, e não por um assassino isolado como Lee Oswald.

Característica comum de todas elas – por mais inverossímeis que pareçam – é que são baseadas em suposições que contrariam os fatos ou a compreensão dominante dos eventos históricos e são imunes a argumentos racionais: uma verdadeira questão de fé. Só para dar um exemplo, existem estimativas do número de pessoas que teriam de fazer parte da conspiração de que o homem não pousou na Lua: cerca de 400 mil, contando os cineastas envolvidos, técnicos da Nasa, jornalistas e políticos de todo tipo e outros.

As origens das teorias conspiratórias são predominantemente psicológicas ou políticas. As psicológicas decorrem do fato de que para algumas pessoas a insegurança diante de eventos catastróficos é tal que as leva a criar paranoias conspiratórias. As políticas são mais concretas e têm que ver com vantagens políticas ou econômicas.

Um problema de natureza ambiental que foi objeto de teorias conspiratórias é o uso da fluoretação da água para reduzir a carie dentária, que é adotada em todos os países, mas ainda é contestada por alguns grupos como uma trama para dominar o mundo, provocar esquizofrenia e outras doenças. Afora isso, proteção ambiental em nível local e regional (basicamente para garantir qualidade do ar e da água) nunca foi contestada por teorias conspiratórias. Lamentavelmente, porém, problemas ambientais globais como o aquecimento da Terra e a proteção das florestas tropicais têm sido vítimas frequentes desses ataques.

Os que nos afetam mais de perto são os que dizem respeito à Região Amazônica. Esse é um problema antigo, começou na década dos 70 do século 20, quando a “ocupação” da Amazônia por colonos vindos do sudeste do País se tornou a política pública dominante para garantir a soberania nacional sobre aquela área, o que levou ao desmatamento da floresta. “Ocupar para não entregar” era o mote vigente, que tinha componentes de paranoia.

Participei em 1991, como secretário especial de Meio Ambiente da Presidência da República, de reuniões com outros membros do governo (ministros do Exército e da Justiça) que manifestavam, na época, preocupações com propostas de criação de uma área protegida internacionalmente na Amazônia para assegurar a sobrevivência dos ianomâmis, no extremo norte do Brasil.

Perguntei qual era a origem dessa informação, que eu ignorava, apesar de participar intensamente de todos os preparativos internacionais da Conferência sobre o Clima que se realizaria em dezembro de 1992 no Rio de Janeiro.

A informação que recebi era baseada num panfleto distribuído aos passantes no aeroporto de Houston, nos Estados Unidos, preparado por alguma obscura organização ambientalista americana. No aeroporto de Houston distribuíam-se panfletos de toda espécie. A fragilidade da informação era tão óbvia que o assunto foi abandonado.

Passados 30 anos, esse tipo de paranoia volta a circular em altas esferas do governo, apesar de não haver nenhuma evidência concreta de interferência na soberania nacional sobre a Amazônia. O que há são governos interessados nos problemas ambientais mundiais, como a Noruega e a Alemanha, que se ofereceram para ajudar financeiramente na implementação de programas do governo brasileiro na região que protejam a floresta. Imaginar que isso faça parte de um complô para nos tirar a Amazônia está claramente na categoria de teoria conspiratória.

Não há nenhuma ameaça estrangeira à nossa soberania sobre a Amazônia. A ameaça vem daqueles que não obedecem às leis em vigor e enfraquecem o poder do Estado.

Somente recursos do exterior não resolveriam todos os problemas do desmatamento nessa região, onde a carência fundamental é a ausência do poder público, como ocorre também nas favelas da Baixada Fluminense e do Rio de Janeiro dominadas pelo tráfico.

O fortalecimento do Ibama e a implementação gradativa da legislação fundiária é que levariam a cercear a ação dos “grileiros” e desmatadores da região. A crescente produção agrícola e de carne no País não necessita desse desmatamento predatório e da retirada clandestina de madeira. Há melhores métodos de utilizar a floresta.

*Professor emérito da USP, foi ministro do Meio Ambiente


Bernardo Mello Franco: Mentiras amazônicas

Jair Bolsonaro não se contenta em contar pequenas lorotas. Suas mentiras são amazônicas. Têm o tamanho da maior floresta tropical do mundo.

Ontem o presidente declarou que o bioma não está em risco. “Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira”, disse. No mesmo discurso, ele fingiu ser um inimigo do desmatamento ilegal. “Nossa política é de tolerância zero”, afirmou.

As duas frases são tão verdadeiras quanto a conversão de Bolsonaro à democracia. Só em julho, o Inpe registrou 6.803 focos de incêndio na região. Uma alta de 28% em relação ao mesmo mês de 2019.

Dados preliminares indicam que a devastação anual aumentou 34%. Isso significa que o Brasil poderá registrar 13 mil quilômetros de perda florestal, o pior resultado em 14 anos.

Desde a posse do capitão, o governo faz vista grossa ao avanço das motosserras. O Ministério do Meio Ambiente foi entregue a um político condenado por fraude ambiental. Ele desmontou os órgãos de fiscalização, perseguiu servidores e tentou aproveitar a pandemia para “passar a boiada” na legislação do setor.

Um de seus primeiros atos foi afastar o fiscal do Ibama que multou Bolsonaro por pesca ilegal. O caso se repetiu com outros servidores que tentaram combater a exploração predatória da Amazônia.

O capitão é ousado. Não se limita a mentir em grupos de zap ou no curralzinho do Alvorada. Ontem ele recitou suas cascatas em reunião com presidentes de quatro países, além de representantes das Nações Unidas e do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Diante dessa plateia bem informada, disse que o Brasil é difamado por ser uma “potência no agronegócio”. “E lamentavelmente alguns poucos brasileiros trabalham contra nós”, emendou.

“Não faz sentido falar em complô contra o Brasil. Esse discurso não se sustenta em fatos”, contesta o engenheiro florestal Paulo Barreto, pesquisador associado do Imazon. Ele lembra que o país precisa proteger a Amazônia para segurar investidores. “Hoje os fundos internacionais estão preocupados com a sustentabilidade. Isso não é conversa de ambientalista, e sim de capitalista”.


O Estado de S. Paulo: Itamaraty reduz atuação em políticas ambientais

Ministério ‘rebaixou’ tema em sua estrutura interna e focou na luta contra ‘ambientalismo ideológico’; País perdeu recursos e importância no cenário mundial

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Itamaraty desmobilizou a frente diplomática brasileira que usava a preservação ambiental como trunfo para atrair recursos e influenciar decisões em fóruns econômicos internacionais. Numa sequência de mudanças políticas, o governo Jair Bolsonaro desistiu de sediar a Conferência do Clima (COP) 25, no ano passado, e rebaixou o tema na estrutura interna do Itamaraty. Agora, é alvo de ameaças de perda de investimentos externos e bloqueio a exportações, além da desconfiança de seu real empenho em levar adiante negociações preservacionistas.

Logo ao assumir o cargo, o chanceler Ernesto Araújo promoveu o que chamou de “agenda de luta contra o ambientalismo ideológico”. Reduziu a equipe dedicada a temas ambientais e rebaixou a chefia do setor na estrutura do ministério. A antiga Subsecretaria Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia foi extinta. O órgão tinha um Departamento de Sustentabilidade Ambiental e quatro  divisões dedicadas a Mudança do Clima, Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Mar, Antártida e Espaço. Ao todo, eram 10 diplomatas em cargos de confiança. No lugar, Araújo criou o Departamento de Meio Ambiente, sem o mesmo poder. Agora são seis diplomatas em funções comissionadas.

Além da mudança organizacional no Itamaraty, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, trocou em março um nome com experiência diplomática em organismos das Nações Unidas, Roberto Castelo Branco, pelo ruralista Eduardo Lunardelli Novaes, no posto de secretário das Relações Internacionais da pasta. A diretoria que cuida de Temas Globais e Organismos Multilaterais segue vaga.

Sem o poder econômico de países como Estados Unidos e China, o Brasil fazia do fato de concentrar a maior biodiversidade do mundo, com 20% da fauna e flora, uma arma de seu soft power (termo usado para descrever a capacidade de um país de influenciar os outros por meio de cultura ou ideologia). Liderava negociações multilaterais e formulava mecanismos para atrair verbas de países desenvolvidos – parte do dinheiro de livre alocação.

A delegação brasileira era consultada e seguida nas principais decisões globais por países em desenvolvimento, como vizinhos sul-americanos e nações africanas. A perda desse poderio ocorre em paralelo à alta no desmatamento, considerado no exterior como principal problema ambiental brasileiro.

A mudança na estrutura do Itamaraty é criticada pelo embaixador Everton Vieira Vargas. Em 43 anos de carreira, Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Teve participação direta nas tratativas para sediar a ECO-92, conferência histórica que ajudou a colocar o Brasil entre os protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o País era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em Berlim, Buenos Aires e Bruxelas.

Vargas tinha voltado a Brasília para comandar a Subsecretaria de Meio Ambiente, mas acabou ficando sem função na gestão de Araújo. Foi cedido para assessorar o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que faz oposição a Bolsonaro. “A atual administração do Itamaraty não gosta muito de gente experiente e fiquei a ver navios”, disse o diplomata.

O embaixador aposentado Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, considera que o Brasil sofreu uma “perda total” de protagonismo na arena ambiental. “Até o governo passado, o Brasil era um dos players principais, claro que não no mesmo nível dos Estados Unidos e da China”, afirmou. “O Brasil se anulou internacionalmente, não tem mais nada a dizer.” Procurado, o Itamaraty não se manifestou.

Colômbia

No vácuo deixado pelo Brasil, a Colômbia se movimenta. O segundo país mais biodiverso do mundo assumiu um papel de articulação continental, quando o presidente Iván Duque promoveu um encontro com líderes de países vizinhos em Letícia, principal cidade da amazônia colombiana. Foi no auge das queimadas no Brasil, na Bolívia e no Paraguai.

Com apoio da Alemanha, a Colômbia sediou ainda o Dia Mundial do Meio Ambiente, em 5 de junho, e está envolvida na próxima COP 15 de Biodiversidade. Também recebeu US$ 360 milhões de países como Alemanha, Noruega, e Reino Unido – os dois primeiros financiavam o Fundo Amazônia e suspenderam repasses por divergências com Bolsonaro sobre a gestão dos recursos.


José de Souza Martins: Amazônia em transe

Das pranchetas do economismo ideológico nunca saiu nada socialmente inteligente

Dirigentes de três dos maiores bancos brasileiros apresentaram, ao vice-presidente da República, um plano para a Amazônia. Mas um plano que está muito longe de reconhecer e enfrentar os aspectos mais graves da problemática realidade econômica e social da região, de seus habitantes e do país, no que a Amazônia nele é ou pode ser.

Convém lembrar que, na perspectiva do que já foi chamada de Amazônia Legal, aquela região constitui bem mais da metade do território brasileiro. As personagens e os destinatários da proposta, no entanto, nela correspondem a muito menos do que é a população da Amazônia problemática e em crise.

Nada diz de significativo aos nossos compatriotas indígenas e aos desvalidos da economia tradicional e camponesa, cuja situação de risco e abandono é o que tem motivado as restrições econômicas ao que da Amazônia devastada e excludente buscam os mercados dos países ricos. Das pranchetas do economismo ideológico nunca saiu nada socialmente inteligente, embora lucrativo para poucos a curto prazo e destrutivo para a nação a prazo longo.

Num país como este, suas peculiares características sociais e humanas são muito diferentes do que se pode ver, compreender e interpretar desde as estreitezas neoliberais e monetaristas de Chicago. A boa vontade dos bancos ganharia sentido se temperasse o poder dos economistas dessa corrente com o bom senso investigativo e interpretativo dos cientistas sociais, que há mais de meio século têm estudado sistematicamente a Amazônia e os problemas sociais dos amazônidas.

São esses cientistas que podem apontar na realidade social e econômica o que de fato é problema para o país. Além do que, sem ouvir e compreender as vítimas, dificilmente se chegará a uma proposta que convença os inquietos e desconfiados lá fora e aqui dentro. O Brasil está sendo colocado diante do falso dilema de civilização ou lucro.

Os que dizem agora que querem salvar a Amazônia, com as ciências sociais enxergariam uma Amazônia também indígena, cuja cultura é estigmatizada pelos leigos e improvisadores que menosprezam os seres humanos e suas alternativas para as estreitezas mentais do primado do lucro e da lucratividade. Os que menosprezam porque pensam o mundo e a vida na perspectiva estéril da mentalidade das classes ociosas, como as definiu Thorstein Veblen (1857-1929).

A proposta apresentada é para acalmar os que, nos países desenvolvidos, inquietam-se com os desdobramentos políticos na opinião pública interna de restrições significativas, de natureza social e moral, à importação de produtos originários de uma economia suspeita porque delinquente e socialmente incorreta.

Faltou na proposta o remédio para as ilegalidades na realidade amazônica, da grilagem ao trabalho análogo ao do escravo. Os poderes das economias dominantes têm medo das consequências políticas da consciência social crítica comprometida com a primazia da condição humana.

O que os proponentes, aparentemente, não perceberam é que as objeções e restrições aos produtos da Amazônia não têm a ver somente com queimadas e com o modo de produzir de uma economia retrógrada, ainda que aparentemente moderna.

Fala-se na necessidade de uma boa propaganda que diga ao mundo que o Brasil cuida do ambiente e cuida dos indígenas. A fumaça da floresta queimada e o grito dos que padecem os efeitos da predação e da iniquidade lucrativas dizem que não. O interesse pela Amazônia tem sido, historicamente, limitado aos imediatismos do capitalismo rentista. Não se trata de usar a terra e a natureza, mas de consumi-las, o que é a negação do próprio capitalismo.

O problema da Amazônia já havia chegado à consciência das pessoas esclarecidas de diferentes países há meio século. A questão indígena, a da violência fundiária e a ambiental brasileiras já estavam em debate na Europa e mesmo nos anos 1970, quando a voracidade da economia neoliberal tentou impor-se com base na falsa premissa de que a Amazônia estava disponível para ser ocupada predatoriamente.

Há décadas, indígenas brasileiros têm comparecido a debates, conferências e manifestações na Europa para expor a situação em que se encontram. O eminente e lúcido cacique Raoni Metuktire, do grupo linguístico kaiapó, tem sido ali recebido como herói da humanidade, com seu imponente e belo diadema plumário e seu solene batoque labial e ritual, impondo respeito e acatamento. Coisa que o governo atual não consegue.

Raoni é um dos melhores diplomatas populares brasileiros, porque entre os que têm poder tem o que falar e sabe falar a quem sabe ouvir O interlocutor do verdadeiro Brasil. Significativamente, foi depreciado pelo presidente brasileiro na assembleia-geral da ONU em 2019.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP, Simon Bolivar Professor (Cambridge, 1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de "Fronteira - A degradação do Outro nos Confins do Humano" (Contexto).


Luiz Carlos Azedo: Cai fora, cai fora!

“Passou da hora de o general Pazuello, interino na Saúde, voltar para o seu comando na 12ª Região Militar, que cuida dos suprimentos, embarcações e hospitais do Exército na Amazônia”

O pior acidente aéreo de todos os tempos aconteceu em 1977, na Ilha de Tenerife, na Espanha. No dia 27 de março daquele ano, uma bomba explodiu no aeroporto de Gran Canaria, umas das Ilhas Canárias, e todos os voos foram desviados para o aeroporto de Los Rodeos, na ilha de Tenerife. Por conta da confusão no controle de pousos e decolagens, dois Boeing 747, um da KLM Royal Dutch Airlines, holandesa, e outro da Pan América Word Airways, norte-americana, se chocaram próximo ao solo do aeroporto. Morreram 583 pessoas, 248 passageiros da KLM e 335 dos 396 passageiros da Pam Am, cujo copiloto sobreviveu. Da cabine de seu avião, enquanto taxiava para decolar, o comandante americano Victor Grubbs viu outra aeronave vindo em sua direção, acelerando para levantar voo, em meio às névoas que cobriam a pista. “Esse filho da mãe está vindo para cima da gente!”, disse. “Cai fora, cai foral!”, gritou Robert Bragg, o copiloto que escapou da tragédia, com mais 60 pessoas.

O Brasil registrou 1.261 mortes pela covid-19 nas últimas 24 horas, isso é mais do que dois acidentes de Tenerife juntos. Se formos considerar os acidentes ocorridos no Brasil, o número de mortos é seis vezes maior do que o da queda do Airbus A-320 da TAM em Congonhas, na noite chuvosa de 17 de julho de 2007. Vinda de Porto Alegre, a aeronave ultrapassou a pista principal do aeroporto durante o pouso, passou sobre a Avenida Washington Luís, colidiu com o prédio da TAM Express e explodiu, matando todos os 187 passageiros e tripulantes a bordo e mais 12 pessoas em solo. O total de 75.523 óbitos por coronavírus registrado na pandemia equivale a 403 acidentes de Congonhas, ou um avião caindo no Brasil a cada três dias, se considerarmos que a primeira morte ocorreu em 17 de março.

Esse tipo de comparação é um recurso jornalístico para evitar que as estatísticas sejam banalizadas em razão da frequência com que os fatos ocorrem. É o que está acontecendo com a pandemia de coronavírus, cujas mortes estão sendo naturalizadas pelo governo federal desde que o presidente Bolsonaro disse que “todos nós vamos morrer um dia”. Na ocasião, 25 de março, eram 139 mortes. Quando o Brasil passou a China, com 5 mil mortos, em 28 de abril, Bolsonaro disparou: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”. Agora, a média móvel de novas mortes no Brasil na última semana foi de 1.067 por dia, uma variação de 8% em relação aos óbitos registrados em 14 dias. Os últimos sete dias foram os mais letais no país. Com 39.705 casos registrados nas últimas 24 horas, chegamos a 1.970.909 de brasileiros infectados pelo novo coronavírus.

Desembarque
No Distrito Federal, no Paraná, em Santa Catarina, em Minas Gerais, em São Paulo, em Mato Grosso do Sul, em Mato Grosso, no Acre, em Rondônia, em Tocantins e no Piauí a pandemia continua seu avanço; o relaxamento do distanciamento social nesses estados está sendo desastroso, apesar de ter havido mais tempo para o sistema de saúde se preparar, o pessoal técnico ter mais conhecimento e experiência e os cuidados paliativos para reduzir o número de mortes também terem evoluído. O problema maior no combate à epidemia, porém, é que o Ministério da Saúde virou cabeça de camarão: não tem ministro, apesar dos elogios que o presidente Jair Bolsonaro faz ao general Eduardo Pazuello, que há 60 dias ocupa interinamente o cargo. “Predestinado” era o copiloto da Pam Am, que pulou da cabine do avião acidentado a quatro metros do solo, antes que ele explodisse, não Pazuello, como disse Bolsonaro.

Passou da hora de o general Pazuello voltar para o seu comando na 12ª Região Militar, na Amazônia, que cuida dos suprimentos, embarcações e hospitais do Exército no Pará, no Amazonas, no Acre, no Amapá, em Roraima e em Rondônia. Sua presença no ministério virou sinônimo de fracasso, porque o Sistema Único de Saúde (SUS) precisa de um líder, que coordene e oriente todos o pessoal da saúde pública no Brasil, como fazia o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, demitido por Bolsonaro no auge de seu prestígio. E também porque os dois meses de interinidade criam um problema para o próprio Exército, que mantém, interinamente, no comando da 12ª Região Militar, o coronel Luís Moisés de Oliveira Braga Otero.

Pazuello teve uma conversa amigável, por telefone, com o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), a propósito do contencioso provocado pelas declarações do magistrado sobre a presença do Exército no Ministério da Saúde. O imbróglio mostra que está tudo errado. O coronel Antônio Élcio Franco Filho, que anda com uma faca ensanguentada na lapela, é o secretário executivo do Ministério da Saúde. O secretário de Atenção Especializada à Saúde é Luiz Otávio Franco Duarte, outro coronel. O major Angelo Martins Denicoli ocupa o cargo diretor de monitoramento e avaliação do SUS, enquanto o tenente-coronel Reginaldo Machado Ramos comanda a Gestão Interfederativa e Participativa. Nenhum deles entende de saúde pública.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cai-fora-cai-forax/

Luiz Carlos Azedo: Cuidado com a palavra

“Na opinião pública mundial, os heróis não são os militares, são os índios, que têm suas terras invadidas e, agora, de novo, estariam ameaçados de extinção. Como? Pela covid-19”

A palavra genocídio, substantivo masculino, significa extermínio de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso (Houaiss). O maior de todos, no século passado, foi o Holocausto, o assassinato em massa de judeus pelos nazistas, que defendiam a superioridade racial dos arianos. Genocida era, por exemplo, o médico alemão Josef Menguele, que morreu em Bertioga (SP), em 1979, com o nome falso de Wolfgang Gerhard. Ele realizava experiências genéticas no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, na Polônia, durante a II Guerra Mundial. Estima-se que morreram no Holocausto 6 milhões de judeus, de um total de 21 milhões de prisioneiros assassinados pelos nazistas na II Guerra Mundial.

O genocídio foi tipificado como crime contra a humanidade em 1951, quando foi criada a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. A partir daí, assassinatos em massa como consequência de diferenças étnicas, nacionais, raciais e religiosas passaram a ser qualificados como tal, especialmente quando se trata de limpeza étnica. Houve genocídio na colonização das Américas e da África; no século passado, na Turquia (armênios), Camboja (oposição ao regime comunista), Timor Leste (nacionalistas), Kosovo (albaneses), Ruanda (tutsis), Bósnia (muçulmanos) e Iraque (curdos). O Brasil reconhece o genocídio como crime desde 1956.

Por isso mesmo, não foi gratuita a reação dos militares às declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que criticou duramente o general de divisão Eduardo Pazzuelo, um graduado oficial da ativa, por sua atuação à frente do Ministério da Saúde: “Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”, disse.

Povos indígenas

O Ministério da Defesa anunciou, em nota, que encaminhará uma representação na Procuradoria Geral da República (PGR) contra o ministro. O presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e o chefe do gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, manifestaram apoio à nota, no mais novo contencioso entre as Forças Armadas e um ministro da Corte. A nota foi assinada pelo ministro Fernando de Azevedo e Silva, que é general da reserva do Exército, e pelos comandantes do Exército, general Edson Leal Pujol; da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior; e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez.

Os bombeiros de sempre entraram no circuito para circunscrever a crise à nota dos militares, que o ministro Gilmar Mendes tirou por menos. No Twitter, disse que tem apreço pelas Forças Armadas, mas reiterou a crítica à presença de Pazuello no Ministério da Saúde, um assunto que também não é pacífico entre os militares da ativa. O general comanda a pasta interinamente. A pretexto de cuidar da logística do combate à epidemia, na prática, opera a “imunização de rebanho”.

É aí que mora o perigo. Estados Unidos e Brasil são responsáveis por metade dos novos casos de coronavírus registrados nas últimas 24 horas em todo mundo. Pazzuelo está perdendo a guerra, camuflado de burocrata no seu gabinete da Esplanada, por mais que a nota do Ministério da Defesa enalteça seu trabalho. No plano internacional, o Brasil virou um pária ambiental e sanitário. Na opinião pública mundial, os heróis nessa história não são os militares, são os índios, que têm suas terras invadidas e, agora, de novo, estariam ameaçados de extinção. Como? Pela covid-19. Bolsonaro é demonizado por seu desapreço pelas florestas e pelos índios.

A população indígena em 1500 era de aproximadamente 3 milhões, divididos entre 1.000 povos diferentes, sendo 2 milhões no litoral. Em 1650, esse número caiu para cerca de 700 mil indígenas, chegando a 70 mil em 1957. Cerca de 80 povos indígenas desapareceram no Brasil no século XX. Segundo o IBGE, atualmente, há no Brasil cerca de 817 mil indígenas. Desse total, 502 mil encontram-se na zona rural e 315 mil nos centros urbanos. Em apenas 10 das 505 reservas indígenas (12,5% do território brasileiro), somente dez apresentam uma população indígena maior do que 10 mil habitantes.

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Luiz Carlos Azedo: O exemplo de Rondon

“O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental”

Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney, ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92. Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de sobrevivência da humanidade.

Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas, negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas, como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a legislação existente no país servir de referência para políticas de sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).

A declarada intenção de burlar e desmontar essa legislação provocou uma forte reação de governos, investidores e personalidades de todo o mundo. O governo se viu obrigado a dar demonstrações de que vai mudar de postura em relação à Amazônia, o que resultou na reunião de ontem do vice-presidente Hamilton Mourão, que preside a Comissão da Amazônia, com investidores estrangeiros. O governo foi duramente cobrado. Ao lado do chanceler Ernesto Araújo, cuja gestão à frente do Itamaraty envergonha a diplomacia brasileira, e do próprio Ricardo Salles, Mourão anunciou a intenção de aumentar a fiscalização e proibir as queimadas na Amazônia Legal. No ano passado, a primeira grande crise do governo foi provocada pelo avanço do desmatamento e pelas queimadas na Amazônia. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro protagonizou um bate-boca com o presidente francês, Emmanuel Macron, no qual se destacou pelas grosserias contra a primeira-dama francesa.

Campanha mundial

Agora, estamos diante de uma nova crise, por causa da pandemia de coronavírus, que chegou às aldeias indígenas. As dimensões das reservas indígenas sempre foram muito contestada pelos militares que cercam o presidente Jair Bolsonaro, com destaque para o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que foi comandante militar da Amazônia. Entretanto, os estudos ambientais e as fotografias dos satélites mostram que os índios, com suas reservas, são os verdadeiros protetores da floresta. Mesmo do ponto de vista militar, o Exército não teria a menor possibilidade de êxito em suas tarefas sem a incorporação dos índios às tropas que guarnecem nossas fronteiras.

Acontece que o mundo está de olho na sobrevivência de nossos índios, principalmente das etnias ameaçadas de extinção. O premiado fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado lidera uma campanha internacional em sua defesa. Mineiro de Aimorés, ocupa a cadeira nº 1 da Academia de Belas Artes da França e mobiliza artistas, intelectuais e personalidades de todo o mundo. Bolsonaro não tem a dimensão do tamanho do problema que criou, inclusive para o agronegócio brasileiro, que deixou de ser o grande vilão, porque a moderna agricultura não precisa derrubar as florestas.

O arquétipo do herói de Bolsonaro na Amazônia é o ex-deputado e major reformado do Exército Sebastião Curió Rodrigues, que atuou como agente de informações na campanha contra a Guerrilha do Araguaia (PCdoB) e, depois, como coordenador do garimpo de Serra Pelada. Quão distante é do papel histórico do marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), que realizou uma saga sem paralelo nos sertões do Centro-Oeste e do Norte do país, instalando linhas telegráficas ao longo de 1.650km de cerrado e 1.980km de florestas amazônicas.

“Matar nunca, morrer se preciso for”, foi o lema que adotou para proteger os índios Bororo, Botocudo, Kaingang, Xokleng, Nambikuára, Xavante e Umotina (foto do Museu do Índio) ao implantar a ligação telegráfica entre Brasil, Paraguai e Bolívia nos sertões de Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Acre. Criador do Serviço de Proteção ao Índio, que deu origem à Funai, guiou o ex-presidente americano Theodore Roosevelt em sua expedição pelo Amazonas. De 1927 a 1930, inspecionou a fronteira brasileira desde as Guianas à Argentina. Em 1938, promoveu a paz entre Colômbia e Peru. O Parque Indígena do Xingu e o antigo Museu Nacional do Índio foram ideias suas. Não por acaso, o Congresso Nacional deu o nome de Rondônia ao território do Guaporé e lhe concedeu a patente de marechal.

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Luiz Carlos Azedo: Aposta na hidroxicloroquina

“Com covid-19, Bolsonaro tenta fazer do limão uma limonada, pois se iguala aos brasileiros que contraíram a doença; antes, era visto por eles como vilão da pandemia”

O presidente Jair Bolsonaro testou positivo para covid-19. Sentiu-se mal no domingo, teve febre e dores musculares na segunda-feira e, ontem, ele próprio confirmou o diagnóstico. Aproveitou a oportunidade para anunciar que está se tratando com hidroxicloroquina, desde a segunda-feira. Chegou, inclusive, a divulgar um vídeo no qual toma a terceira dose e incentiva a população a recorrer ao medicamento para se tratar da doença. Com um sorriso irônico, disse que está se sentindo muito bem. O exemplo do presidente da República não deve ser subestimado, para o cidadão comum é como se sua aparente melhora fosse a prova dos nove em relação à eficiência do medicamento, que, até agora, não tem nenhuma comprovação científica. O que têm comprovação são seus efeitos colaterais.

A hidroxicloroquina é um remédio muito utilizado na Região Norte do país, por causa da malária; nas demais regiões, em tratamentos para afecções reumáticas e dermatológicas; artrite reumatoide e lúpus. Seus efeitos colaterais mais comuns são: anorexia, porfiaria, labilidade emocional, cefaleia, visão borrada, arritmia, enjoo, dor abdominal, diarreia e vômito, erupção cutânea e prurido. Deve ser utilizado com muita precaução em pacientes que estejam recebendo medicamentos antiarrítmicos, antidepressivos, antipsicóticos e alguns anti-infecciosos, devido ao aumento do risco de arritmia ventricular. Drogas antiepilépticas podem ser prejudicadas pela hidroxicloroquina.

Como um jogador compulsivo, Bolsonaro se expôs permanentemente ao risco de contaminação, desobedecendo de todas as formas as recomendações de distanciamento social, até contrair a doença. Demitiu dois ministros da Saúde e nomeou um general da ativa para o cargo, Eduardo Pazuello, por causa da não-adoção do medicamento como política de governo. Ordenou ao Exército produzir em seus laboratórios uma quantidade imensa do medicamento, com um estoque suficiente para combater a malária por 18 anos.

O Ministério da Saúde passou a distribuir o medicamento em grande escala, para tratamento precoce, recomendado por médicos que adotam esse procedimento. A maioria dos estudos científicos realizados sob patrocínio da OMS não comprovou a eficácia do medicamento, mas apontou os riscos de seus efeitos colaterais. Mesmo assim a polêmica continuou; muita gente acha que se curou graças à hidroxicloroquina, associada a outros medicamentos. Agora, a polêmica foi novamente intensificada pelo presidente da República.

Limonada

Bolsonaro defende a “imunização de rebanho”, menospreza o isolamento social, critica governadores e prefeitos que adotaram a quarentena e naturaliza as mortes por covid-19, que já comparou a uma “gripezinha”. Ontem, disse que a pandemia é como uma chuva, todo mundo vai se molhar. Estava perdendo a batalha das narrativas sobre a doença na opinião pública, com seu prestígio em baixa nas pesquisas, mas começou uma lenta recuperação de imagem graças ao auxílio emergencial de R$ 600 distribuídos à população de baixa renda, principalmente no Nordeste.

Agora, acometido da covid-19, tenta fazer do limão uma limonada, pois se iguala a todos os brasileiros que contraíram a doença, quando antes era visto como uma espécie de vilão da pandemia. Já se apresenta como pioneiro na defesa do uso de hidroxicloroquina como medicamento eficaz no tratamento precoce. É uma posta de alto risco, que depende mais de suas condições físicas e resistência ao vírus do que da eficácia do remédio. Se a hidroxicloroquina fosse realmente a solução para evitar os casos graves, não haveria tanta letalidade na pandemia e ela já teria sido adotada em todo o mundo, inclusive, nos Estados Unidos, onde seu uso foi defendido pelo presidente Donald Trump, mas não pelas autoridades médicas.

Bolsonaro pretende despachar por videoconferência na residência oficial do Palácio da Alvorada e, talvez, receba auxiliares para assinar documentos. Cancelou as viagens que faria a Bahia e Minas Gerais. No Palácio do Planalto, todos os ministros e funcionários com quem teve contato estão sob observação, mas até agora ninguém testou positivo. Ao todo, 62 pessoas estão sendo monitoradas e rastreadas. Oito governadores e alguns prefeitos já contraíram a doença; nenhum havia se exposto tanto quanto Bolsonaro.

No momento, o caso mais grave é o do prefeito de Manaus (AM), Arthur Virgílio Netto, que está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Bolsonaro foi atendido no Hospital das Forças Armadas (HFA), em Brasília, e é acompanhado pelos médicos da Presidência da República. Pelo protocolo do Ministério da Saúde, o paciente que utiliza hidroxicloroquina precisa autorizar seu médico a adotar a prescrição e correr os riscos dos efeitos colaterais por sua própria conta. Ontem, o Brasil registrou mais de 66 mil mortes por coronavírus, com 1,643 milhão de casos.

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Rubens Barbosa: A Amazônia em tempos de globalização

Em ambiente e clima, o Brasil perdeu a voz e a visibilidade no mundo que teve desde a Rio-92

Destravando a Agenda da Bioeconomia na Amazônia foi tema do encontro live organizado pelo Instituto Escolhas e pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), na semana passada. Tivemos a oportunidade de tratar da questão da bioeconomia e da proteção da Floresta Amazônica como fator de projeção do Brasil no cenário internacional. Questões mais que nunca atuais e relevantes em vista da percepção externa do País extremamente negativa.

É indubitável que o meio ambiente entrou definitivamente na agenda global e um dos focos principais é a preservação da Floresta Amazônica. As imagens relacionadas a desmatamento, queimadas e garimpo ilegal na Amazônia em 2019 ganharam repercussão mundial. A retórica e algumas medidas e políticas governamentais contribuíram para a escalada da opinião pública internacional contra o Brasil, agravada agora pela maneira como é vista a condução das políticas em relação à pandemia e à confrontação política interna.

As preocupações com a preservação do meio ambiente e com a mudança do clima passaram a ter um impacto que vai além das sanções políticas, como no passado. Agora, com a entrada em cena da figura do consumidor e com a inclusão de políticas ambientais nas negociações de acordos comerciais, as consequências são econômicas e comerciais. Atraem restrições às exportações, boicotes e a inclusão de cláusulas específicas de desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais, como ocorreu nas negociações do Mercosul com a União Europeia (UE). E Parlamentos europeus já estão votando moções contra o acordo com o Mercosul. O plano de recuperação da UE, depois da covid-19, inclui uma política industrial e uma política ambiental (Green Deal), que preveem punição a empresas que importarem produtos provenientes de áreas de desmatamento florestal.

Desde a conferência sobre meio ambiente realizada no Rio em 1992 o Brasil se tornara um ator relevante, com grande influência nas discussões e na implementação de políticas de meio ambiente e mudança de clima, como resultado do trabalho coordenado do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente. O cenário atual mudou e o Brasil perdeu voz e a posição de visibilidade no mundo que ocupou nessa área nos últimos quase 30 anos.

O que fazer para transformar a percepção negativa do Brasil no exterior e evitar consequências contrárias aos interesses concretos do setor do agronegócio, o mais visado e prejudicado pela crescente importância que as exportações de produtos primários adquiriram no comércio exterior brasileiro? Nos primeiros cinco meses de 2020 mais de 65% das exportações brasileiras foram de commodities.

Restabelecer a credibilidade externa com o reconhecimento dos erros cometidos, recuperar a narrativa com resultados concretos de medidas e políticas adotadas e voltar a participar ativamente das discussões nos fóruns internacionais sobre a agenda de meio ambiente e mudança de clima são algumas das atitudes a tomar para que Brasil possa reverter essa percepção externa.

Vão na direção correta as recentes medidas do governo relacionadas ao restabelecimento em novas bases do Conselho da Amazônia, sob a coordenação do vice-presidente Hamilton Mourão, a abertura de negociações com a Noruega e a Alemanha para a volta da governança e do funcionamento original do Fundo Amazônia e a decisão de enviar o Exército para apoio ao Ibama e ao ICMbio no combate a ações ilegais de desmatamento, queimadas e garimpo ilegal na região. O Ministério da Economia está estudando um plano para o desenvolvimento econômico da região com o objetivo de discutir o regime de incentivos fiscais da União, inclusive no contexto da reforma tributária. A proposta de associar a Zona Franca de Manaus à biodiversidade da Floresta Amazônica poderia inicialmente complementar as atividades industriais hoje existentes.

De parte da sociedade civil, foi encaminhada ao governo, via presidência do Conselho da Amazônia, proposta do Instituto Escolhas e do Irice de um plano integrado da bioeconomia na Amazônia visando a utilizar os recursos naturais e humanos da região para estimular a economia e o emprego. O plano abre a possibilidade concreta de uma política consistente em curto, médio e longo prazos, com apoio de empresas nacionais e estrangeiras, além de governos e instituições financeiras internacionais. Estudo da OCDE mostra que até 2030 a contribuição da biotecnologia pode subir a mais de US$ 1 trilhão, distribuído entre os setores de saúde, produção primária e industrial. Por outro lado, a iniciativa da diplomacia ambiental que o Irice está desenvolvendo vai produzir um levantamento objetivo e transparente dos compromissos assumidos pelo Brasil em todos os acordos incluídos no capítulo de desenvolvimento sustentável do acordo Mercosul-União Europeia e o grau de cumprimento deles.

A defesa do interesse nacional aconselha, como defende o vice-presidente Mourão, uma narrativa transparente com a apresentação de resultados concretos e uma mudança de postura, com o abandono da atitude defensiva e com políticas e medidas para a defesa da Floresta Amazônica, acima de ideologias e partidos.

*Presidente do IRICE