Amazônia

Ricardo Noblat: Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa

Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo

Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.

Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.

O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.

Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.

Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.

Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.

Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.

Quando seus atos ou a sua omissão o tornam alvo de críticas, culpa os outros. A degradação da Amazônia cresceu nos seus primeiros dois anos de governo, mas ele nada tem a ver com isso, diz.

Como não tem? A máquina de fiscalização do Ibama foi desmantelada. Em fevereiro último, o instituto dispensou-se de ter que autorizar a exportação de madeira nativa brasileira.

Bolsonaro se opôs à destruição de equipamentos usados para pôr florestas abaixo. Tomou partido, portanto, dos que desmatam ao arrepio das leis. No mínimo, é cúmplice de crime.

Menos de 15% da madeira contrabandeada tem como destino outros países. O resto é para consumo interno. O transporte é feito a céu aberto. Se a fiscalização falha, se o governo faz vista grossa…

Uma operação da Polícia Federal, em dezembro de 2017, à época do governo Michel Temer, apreendeu 120 contêineres com 2.400 m³ de madeira extraída ilegalmente.

Ela seria vendida com base em certificados falsos expedidos pelo Ibama para empresas importadoras na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido.

A notícia é velha. Mas foi requentada, ontem, por Bolsonaro ao participar da cúpula virtual dos Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Bolsonaro prometeu revelar o nome das empresas importadoras. Fará isso com as americanas? Os governos desses países ficarão gratos pela informação que já lhes deveria ter sido repassada.

É mais uma bravata de um presidente acuado. Se for dada publicidade ao nome das empresas, elas poderão processar o governo brasileiro sob a alegação de que foram enganadas. E aí?


Raul Jungmann: Amazônia: decifra-me ou te devoro

Dependendo do olhar que se lance sobre a Amazônia Legal, ora ela parece um gigante, ora um anão. Geográfica e fisicamente ela é indiscutivelmente superlativa: 61% do território nacional, com mais de 5.2 milhões de Km2; um terço de todas as florestas tropicais do mundo, 20% da água potável do planeta, idem maior bacia hidrográfica, maior rio, maior banco genético e diversidade.

Se fosse um país, a Amazônia internacional seria o sexto maior em extensão, espalhando-se por nove países sul-americanos. Na outra face da moeda, a região detinha apenas 8% do PIB em 2018, e 12.3% da população total do país, algo como 23 milhões de habitantes – destes, 69% concentrados nas áreas urbanas.

Em 2007, as áreas protegidas (reservas indígenas + áreas ambientais + reservas militares) somavam 209 milhões de hectares, dos quais 53% em situação fundiária incerta, segundo o Imazon. Em resumo, a gigante Amazônia é um “vazio de poder”, em termos econômicos, populacionais e políticos. Historicamente, apenas em 1953, no segundo governo Vargas, foi criada a SPVEA – Secretaria Para a Valorização Econômica da Amazônia, antecessora da igualmente impotente SUDAM.

A Amazônia sempre foi para o Brasil um “outro” – longínquo, desconhecido, exótico, misterioso. Não sabemos o querer dela; inexiste um projeto nacional para a região. E sua voz, desde sempre, foi pouco audível. A região se caracteriza mais pelo olhar externo sobre ela, do que pela sua voz sobre si mesma.

E não por acaso vêm de fora os ventos da mudança. Globalização e alterações climáticas internacionalizaram definitivamente a região. Mais e mais, o mundo crê que a Amazônia está para o seu futuro como algo capital, em termos de equilíbrio ambiental e sobrevivência humana. A Amazônia é considerada um dos 15 “hot spots” do mundo com impacto no clima global. O que tende a exacerbar pressões que se chocam com nossa soberania sobre a região.

O desmatamento, queimadas e exploração mineral de terras indígenas no topo das mídias globais, são a expressão mais visível desse entrechoque, que ameaça setores exportadores, podendo levar à perda de mercados e sanções.

Não se iludam, a Amazônia, pela primeira vez estará na agenda presidencial de 2022. Afinal, ela está na agenda do mundo. Ergo, estará na nossa também, como atesta a criação da Coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura, integrada por mais de 250 empresas do agronegócio, grandes bancos, academia e ONGs.

Decifrar essa esfinge e solucionar a atual e antiga crise, requer um projeto nacional voltado para o desenvolvimento sustentável. Sem este, não há como alinhar a defesa da nossa soberania, a preservação do meio ambiente e as preocupações globais.
*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Maria Hermínia Tavares: Na defesa da Amazônia, apenas jogo de cena

Apego a ideias arcaicas impede que o país volte a ter relevância internacional nas questões ambientais

A vitória de Joe Biden abre uma fresta de esperança de que se possa evitar a catástrofe climática provocada pelo aquecimento do planeta. O esperado retorno dos EUA ao Acordo de Paris, a disposição da União Europeia a abraçar uma agenda de recuperação econômica verde e o compromisso unilateral da China com a descarbonização total até 2060 dão margem a moderado otimismo.

Nesse quadro, o Brasil poderia voltar a ser um ator internacional relevante, numa das poucas arenas nas quais tem trunfos consideráveis. Para tanto, porém, o governo teria de abandonar a sua tola atitude negacionista, munindo-se de ânimo e aptidão para conter o desmatamento, a fim de proteger a Amazônia e sua biodiversidade —o cerne de nossa questão ambiental.

Apesar da limitada capacidade estatal de fazer cumprir as regras existentes, o país tem um bom marco legal e bons instrumentos de monitoramento —ainda que deliberadamente debilitados pela dupla Bolsonaro-Salles. Obstáculo tão ou mais importante é a concepção de soberania nacional que enquadra o pensamento dos militares no governo em relação ao meio ambiente.

Há pouco, o Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice, Hamilton Mourão, ao lado de uma agenda de temas relevantes —combate aos ilícitos ambientais e estímulo à inovação e à bioeconomia—, debateu um documento revelador. O texto fala da gula das grandes potências e organizações internacionais pelo estoque de recursos hídricos do país e o suposto conluio entre entidades ambientalistas e governos europeus. No mesmo tom, durante a reunião se propôs o controle das ações das ONGs presentes na região, em nome do interesse nacional.

A fantasia de que toda pressão externa visa o acesso a nossos recursos estratégicos e que organizações não governamentais —ou mesmo populações indígenas— estão prontas a servir à ganância estrangeira cria uma linha de defesa contra inimigos imaginários e tolhe a capacidade de mobilização necessária para uma ação eficaz.

Há no Brasil forças valiosas —na opinião pública, na sociedade organizada, no empresariado e nos governos subnacionais— capazes de dar lastro a iniciativas comprometidas com a sustentabilidade, o que transformaria cobranças em apoio externo concreto. Mas, sem aposentar ideias arcaicas, fortalecer os meios de monitoramento e controle, incorporar a experiência das comunidades locais e das organizações ambientalistas enraizadas há décadas na região, e ainda sem recursos internacionais, as vistosas operações militares e os pronunciamentos do vice-presidente serão apenas jogo de cena, em prejuízo do país.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap


Luiz Carlos Azedo: O presidente dos maricas

As reações de Bolsonaro são típicas de quem tem uma grande perda, no caso, o colapso da sua aliança estratégica com Trump. É um processo que começa pela negação e evolui para a raiva

O presidente Jair Bolsonaro ainda não conseguiu processar a derrota de Donald Trump nas eleições para a Presidência dos Estados Unidos. Em parte, isso explica o fato de não ter manifestado, ainda, as congratulações devidas ao democrata Joe Biden, o novo presidente norte-americano, somando-se aos poucos chefes de Estado que ainda não o fizeram, entre os quais Vladimir Putin, da Rússia, e Xi Jinping, da China, que têm disputas estratégicas com os norte-americanos muito diferentes das nossas contradições com os EUA. No momento, a atitude de Bolsonaro situa o Brasil nesse quadrante político, mas isso não tem a menor aderência à realidade geopolítica da qual fazemos parte historicamente.

Para usar uma velha expressão popular, Bolsonaro está sem pai nem mãe na política internacional. Seu comportamento parece emocional, porém, politicamente, é muito semelhante ao de Vladimir Putin em relação ao então presidente norte-americano Barack Obama, e à primeira-ministra alemã, Angela Merkel. Ambos o decepcionaram por tratarem a Rússia como uma nação decadente e a ele, pessoalmente, como um líder de segunda classe. Putin deu as costas ao Ocidente e recorreu ao nacionalismo russo para se manter no poder, até hoje, com apoio dos militares, controle do Judiciário e da imprensa, e uma estreita aliança com a Igreja Ortodoxa Russa, para uma contrarreforma nos costumes.

Entretanto, na prática, uma conexão ideológica com Putin não faz o menor sentido em termos geopolíticos. As reações de Bolsonaro são típicas de quem está em dificuldades diante de uma grande perda, no caso, o colapso da sua aliança estratégica com Trump. É um processo que, psicologicamente, começa pela negação e evolui para a raiva. O presidente da República parece estar entre uma fase e outra. Num divã de psicanálise, suas declarações levariam a essa conclusão: “A minha vida aqui é uma desgraça, problema o tempo todo. Não tenho paz para absolutamente nada. Não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel. Quando eu saio, vem essa imprensa me perturbar. Pegar uma piada que eu faço com Guaraná Jesus para tentar me esculhambar”.

Bolsonaro disse, ontem, que o Brasil é um “país de maricas”, por duas vezes: “Tudo agora é pandemia. Tem de acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem de deixar de ser um país de maricas, pô. Olha que prato cheio para a imprensa, para a urubuzada que está ali atrás. Temos de lutar. Peito aberto, lutar. Que geração é essa nossa? A geração hoje em dia é toddynho, nutella, zap. É uma realidade”, disse.

Saliva e pólvora
Depois, ao se referir às articulações envolvendo o apresentador Luciano Huck, o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria, revelou certo temor de que a oposição de centro se unifique em torno de um desses nomes: “Vem uma turminha falar ‘ah, queremos um centro: nem ódio para cá, nem ódio para lá’. Ódio é coisa de marica, pô. Meu tempo de bullying na escola era porrada. Agora, chamar o cara de gordo é bullying. Nós temos como mudar o destino do Brasil. Não terão outra oportunidade. O Macri, na Argentina, não conseguiu implementar as suas políticas. Começou a levar pancada dos seus seguidores, como eu levo, agora, também. Voltou a turma da Kirchner, Dilma, Maduro e Evo”.

Bolsonaro voltou a investir contra a urna eletrônica: “Não temos um sistema sólido de votação no Brasil, que é passível de fraudes, sim. Tudo pode mudar no futuro com fraude. Eu entendo que só me elegi presidente porque tive muitos votos, e não gastei nada, não: 2 milhões de reais, arrecadado por vaquinha”. Bolsonaro defende a volta do voto impresso, já rechaçada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, e endossa as acusações de Donald Trump de que a vitória de Biden está sob suspeita de fraude, o que, a essa altura do campeonato, é um desastre diplomático.

Mas o fato que assustou todo mundo, inclusive ministros do governo e os líderes governistas no Congresso, foi a declaração de Bolsonaro comemorando a morte de um dos voluntários que estão testando a vacina chinesa CoronaVac, em pesquisa do Instituto Butantan, que a Anvisa, indevidamente, suspendeu. Além da absurda falta de empatia, Bolsonaro mentiu, ao afirmar que a vacina foi a causa mortis, quando se trata de um caso de suicídio. Se o presidente da República continuar nessa rota, teremos um formidável caso de suicídio político.

Sua declaração de que pode defender a Amazônia com pólvora, contra a suposta interferência de Biden, é simplesmente insana: “Assistimos, há pouco, um grande candidato a chefia de Estado dizer que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele levanta barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas na diplomacia não dá, não é, Ernesto (Araújo)? Quando acaba a saliva, tem de ter pólvora, senão não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem de saber que tem. Esse é o mundo. Ninguém tem o que nós temos.”

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-presidente-dos-maricas/

Pedro Fernando Nery: Nosso norte

A Amazônia é fundamental para a economia, mas ganhos precisam ser compartilhados

Saindo de São Paulo, leva-se menos tempo para chegar em Tel-Aviv do que a Ipixuna – a cidade brasileira com o pior nível de desenvolvimento no índice Firjan. É localizada no Amazonas, mas o aeroporto de médio porte mais próximo fica no Acre, de onde partem barcos para a longa viagem para a cidade. A precariedade da infraestrutura no Norte do Brasil vai muito além da rede elétrica do Amapá, às escuras depois de um incêndio que chamou a atenção do resto do País nos últimos dias.

Na Região Norte, 1 milhão de brasileiros não correm risco de apagão: eles já não têm acesso a energia elétrica, segundo o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). Outros milhões estão em um sistema ainda vulnerável, como mostra o caso do Amapá, cuja solução definitiva levará dias e depende da chegada de balsas.

O País ainda tem um Estado inteiro – Roraima – desconectado do sistema elétrico nacional. A ligação é historicamente polêmica, pelas questões ambientais e indígenas envolvidas. Elas também aparecem na polêmica da pavimentação da BR-319, ligação de uma das maiores cidades brasileiras – Manaus – com o restante do País.

No Norte do Brasil, 40% dos cidadãos vivem abaixo da linha da pobreza – número quase igual à taxa do Nordeste. Mas a pobreza amazônica não ocupa ainda muito espaço no imaginário do Centro-Sul como a pobreza nordestina. É preciso admitir uma verdade inconveniente: esse baixo PIB per capita é um complicador para a preservação da floresta. A influente revista Science publicou este ano um artigo sobre as obras da BR-319: o título é “Estrada para o desmatamento”. Mas estamos falando de uma conexão terrestre com a 7.ª maior cidade do Brasil, ou a nossa Filadélfia.

E se a detestável política ambiental que temos tiver o apoio da população local? Nas eleições de 2018, somente quatro Estados entregaram votação para algum candidato acima de 70% (todos para Bolsonaro). À exceção de Santa Catarina, eles estão na Amazônia: Roraima, Rondônia e o Acre – este com a maior votação. Bolsonaro teve 77% no Estado de Marina Silva e Chico Mendes. Se tivéssemos um colégio eleitoral como o americano, esses não seriam battleground states.

Como convencer tantos brasileiros que devem ter aspirações menores e conviver com infraestrutura de país subdesenvolvido? A floresta de pé se justifica claramente pelos seus ganhos econômicos, seja por limitar a mudança climática que ameaça a atividade econômica de diversas regiões do planeta, seja pela biodiversidade da selva – que guarda informação valiosas geradas por milhões de anos de evolução. Mas quase todos esses potenciais benefícios, futuros e difusos, não são auferidos hoje pelos habitantes locais.

É momento de discutir pagamentos à população nortista como compensação pelos serviços ambientais? Se aceitamos que a região não pode se urbanizar como o resto do País, devem receber recursos federais para que as famílias não sejam tão vulneráveis à pobreza? O PIB da área é tão incipiente que, apesar da crise severa deste ano, a arrecadação em quase todos os Estados da região cresceu – por conta dos efeitos no consumo do pagamento do auxílio temporário aos mais pobres.

Afinal, a ideia simpática de que a Região Norte pode se desenvolver normalmente apenas com empreendimentos verdes esbarra em uma dificuldade: ali moram 18 milhões de pessoas. É mais que a Pensilvânia e a Geórgia somadas.

A ciência pode orientar a política pública nas escolhas para desenvolvimento da região. Publicado na Nature Sustaintability em 2018, um estudo literalmente mapeia tanto as áreas da floresta de maior biodiversidade quanto aquelas em que sua conservação pode resultar em mais produtos (madeira, borracha, castanha) e serviços (como chuvas para hidrelétricas e agropecuária) – onde a necessidade de preservação é portanto mais inquestionável. O trabalho é assinado por pesquisadores brasileiros apoiados pelo Banco Mundial e pela Noruega (Strand et al.).

Enquanto os votos nos Estados Unidos indicavam a eleição de Joe Biden, o que pressionará para uma mudança dramática na nossa política ambiental, centenas de milhares de brasileiros não acompanhavam o resultado porque não havia como fazer chegar energia elétrica ao Amapá. A Amazônia preservada é fundamental para a economia do País e do planeta, mas ganhos precisam ser compartilhados com a população local – e não há clareza sobre solução inteligente e efetiva para fazer isso.

A agenda de conservação precisa do apoio de habitantes que ainda vivem com carências que não existem no resto do Brasil. Os eventos da última semana são alegóricos de uma tensão que deve existir nos próximos anos na definição sobre o nosso norte.

*Doutor em economia


Carlos Sampaio: Risco ambiental e econômico

Não podemos dar argumentos para países criarem barreiras para nossos produtos

O Brasil sempre atraiu a atenção do mundo na questão ambiental pela sua riqueza. E o fator econômico contribui para elevar as cobranças sobre o nosso país, um dos principais players no disputado mercado internacional de commodities. Ainda mais quando se discute o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado no ano passado, depois de 20 anos de negociação.

O acordo eliminará tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos, mas ainda precisa ser ratificado por cada um dos países-membros. Há, portanto, muitas resistências a vencer.

Assim, não podemos dar argumentos para países criarem dificuldades ao acordo ou barreiras para nossos produtos, alegando que o Brasil não protege o meio ambiente. A França, por exemplo, já expressou essa posição.

Neste momento, em nada ajudam iniciativas ou omissões que possam lançar desconfiança sobre a política ambiental brasileira. A revogação pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente de resoluções para a proteção de áreas de restinga, manguezais e outros sistemas sensíveis — derrubada depois pelo STF — é a polêmica mais recente.

A minimização de dados sobre o desmatamento na Amazônia ou de focos de incêndio no Pantanal e a precarização dos órgãos de fiscalização, como o Ibama, alimentam especulações contra o Brasil. Além disso, passam a mensagem de que as regras são abrandadas, o que estimula a prática de crimes.

Se não houver respostas mais objetivas e ações mais efetivas contra o desmatamento e de proteção ao meio ambiente, o Brasil continuará sendo criticado, podendo perder espaço no mercado. E, se o meio ambiente não for, de fato, protegido, as perdas serão incalculáveis para as gerações futuras.

O Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo. E, como se diz, o governo já ajuda quando não atrapalha. Ainda mais numa área tão sensível como essa.

*Carlos Sampaio é líder do PSDB na Câmara dos Deputados e procurador de Justiça licenciado


Míriam Leitão: Crimes no solo da Amazônia

Os grandes números impressionam, a descrição dos crimes encontrados no solo da Amazônia, também. A Operação Verde Brasil 2 aplicou de 11 maio até esta semana multas no valor total de R$ 1,696 bilhão. O Exército em solo e a Marinha nos rios apreenderam carregamentos de madeira suficientes para encher duas mil carretas. E isso foi até a última quarta-feira. Em apenas uma operação contra o garimpo ilegal foram encontrados 45 quilos de ouro. Ao todo nesses meses foram apreendidas oito mil toneladas de minerais ilegalmente extraídos, a maior parte manganês.

Os 45 quilos de ouro têm o valor de R$ 15 milhões. Foram encontrados dentro da Reserva Biológica de Maicuru, entre os municípios de Santarém e Itaituba, numa operação nos dias 9 e 13 de outubro. O local é definido pelos militares como “totalmente inóspito e de difícil acesso”. Foram por ar com a Força Aérea. Junto com os militares, a Polícia Federal e o Ibama. Lá, destruíram também 15 motores estacionários de garimpo.

Eles não saem assim às cegas. Em Brasília um grupo reúne todos os órgãos envolvidos com o tema. Um deles é o Inpe. Com imagens de satélite escolhe-se onde agir. Em videoconferências falam com os comandos militares na Amazônia. No resto é patrulha mesmo por terra, rio e ar.

Na manhã de 2 de setembro, as tropas das Forças Armadas chegaram numa fazenda que fica a leste da Terra Indígena Yanomami, ao norte da Estação Ecológica Niquiá, no município de Caracaraí. Estavam juntos técnicos do ICMBio, policiais militares de Roraima e fiscais ambientais do estado. Era uma atividade de combate ao garimpo ilegal. Eles apreenderam quatro aviões, mas havia outras aeronaves sendo consertadas e uma sendo montada. Havia uma pista de pouso e um hangar com espaço para cinco aviões.

As distâncias são enormes e só podem ser vencidas com o que eles chamam de “uma logística forte”, que apenas as Forças Armadas têm. Os militares dizem que precisam da cooperação dos órgãos ambientais. Na verdade, eles definem a Verde Brasil 2 como uma operação interagências. E a lista inclui, além das três forças, ICMBio e Ibama, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Incra, órgãos ambientais estaduais e polícias locais.

No dia 25 de junho, um navio patrulha da Marinha encontrou carregamento de madeira na foz do Rio Tocantins, no Pará. Havia três empurradores e quatro balsas levando ao todo mil toras de madeira ilegal. A carga era tanta que punha em risco a navegação. Dois dias depois aportaram em Belém e o material foi entregue às autoridades ambientais do Pará.

— Quando a gente não consegue evitar o desmatamento, a gente apreende o resultado do crime para dar um prejuízo ao malfeitor e desestimular a continuidade do crime — disse um militar.

Ao todo, foram 765 os equipamentos inutilizados ou destruídos este ano. São veículos, motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas. Isso, além das mais de mil embarcações apreendidas e 390 dragas. Em Humaitá, pegaram de uma só vez 64 dragas.

— Os garimpos são enormes, muitas vezes em áreas protegidas. Os servidores do Ibama e do ICMBio são poucos. Precisam ser levados, em geral pela Força Aérea. A multa é aplicada pelo Ibama e pelo ICMBio. O papel das Forças Armadas principal é logística, de levar esse fiscal para lugares que ele não conseguiria chegar, e ao mesmo tempo dar proteção a ele. Num garimpo enorme desses, o fiscal vai sozinho? É um perigo. É pouquinha gente (das agências ambientais) para umas coisas enormes e interesses muito grandes por trás — explica um oficial.

A Operação Verde Brasil 2 está prevista para terminar em 6 de novembro. Terão sido seis meses. As multas aplicadas foram muito maiores do que no ano passado.

— Até hoje foram combatidos 7.500 focos de incêndio e foram realizadas 44.900 inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas. É bastante. É o suficiente? Não. Isso tudo é emergencial. A gente está com um problema grande e está aqui combatendo os efeitos para tentar reduzir. É necessário ter uma política de empoderamento desses órgãos ambientais — explicou o oficial.

O discurso do governo confunde, mas a ação do Estado diante da grandeza da Amazônia só dá certo quando há cooperação entre seus vários braços e os objetivos são permanentes.

Com Álvaro Gribel


Ricardo Noblat: Bolsonaro mente enquanto a Amazônia pega fogo

O exercício permanente e obstinado do engodo

Por ignorância, estupidez ou conveniência, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a Amazônia foram de um extremo a outro nesses quase dois anos de (des)governo. Ainda no primeiro semestre do ano passado, ele disse que a Amazônia estava oquei e chamou de feia a mulher do presidente francês, preocupado com a destruição da maior floresta do planeta.

Em meados deste ano, ante o aumento do número de focos de incêndio por lá, Bolsonaro negou que a Amazônia pegasse fogo porque o clima, ali, é úmido. O que pegava fogo, segundo ele, era a periferia. Não disse que o fogo ateado na periferia deve-se à ação humana criminosa e ao desinteresse do Estado em detê-la. A omissão do Estado só fez crescer desde que ele tomou posse.

Na última quinta-feira, durante cerimônia de formatura de alunos do Instituto Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, Bolsonaro deu pelo não dito até então para afirmar que não há “nada queimado” na Amazônia, sequer “um hectare de selva devastada”. Sim, foi isso mesmo que você leu: nada queima na Amazônia e nenhum hectare de selva foi devastado.

Aproveitou a ocasião para anunciar que, em breve, vai convidar diplomas estrangeiros para um sobrevoo de uma hora e meia de parte da floresta entre Manaus e Boa Vista. Assim eles poderão constatar que a Amazônia não arde. Na verdade, o sucesso da viagem dependerá da rota traçada e da perícia do piloto para passar longe dos trechos em chama e desmatados.

Ainda faltam dois meses para 2020 acabar, mas na Amazônia o número de focos ativos de calor já ultrapassou o total registrado nos 12 meses de 2019, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O bioma Amazônia registrou este ano 89.734 focos. Em todo o ano passado, 89.176. Até anteontem, o número já era quase o dobro do visto no mês inteiro de outubro do ano passado.

O que Bolsonaro diz não se escreve ou não deveria ser escrito. Mas o pior é que se escreve, quando nada porque não é normal que um presidente da República minta tanto ao seu país e ao mundo.


Desmonte de política ambiental respalda queimadas no país, mostra reportagem

Dimensão exata da destruição do Pantanal ainda é incerta diante da imensidão de incêndios, analisa revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Os impactos das queimadas no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são analisados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de outubro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de outubro!

De acordo com a reportagem, além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas deste ano no Pantanal são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia, conforme mostra a reportagem. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal.

O texto também lembra que, em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o "bombeiro do Pantanal" e, segunda ela, as queimadas e o "desastre" na região poderiam ter sido menores, se houvesse mais gado no bioma. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

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Luiz Carlos Azedo: Desinvestimento no futuro

“O governo não se convence de que a floresta em pé, com sua biodiversidade, é uma fonte inesgotável de riquezas. Houve uma mudança de paradigma na economia”

O presidente da República, Jair Bolsonaro, afirmou, ontem, que convidará diplomatas estrangeiros para visitar a floresta amazônica, que não verão “nada queimando ou sequer um hectare de selva devastada”. A afirmação foi feita na formatura dos novos diplomatas do Itamaraty, que aprenderam tudo ao contrário no Instituto Rio Branco e ficaram estupefatos. No fundo, essas declarações de Bolsonaro são pura contra-informação, uma tentativa de criar uma cortina de fumaça para encobrir a nossa crise ambiental, nos dois sentidos: de um lado, protege os predadores das florestas — grileiros, garimpeiros, madeireiros, pecuaristas e fazendeiros inescrupulosos —, que continuam fazendo queimadas e desmatando; de outro, tenta enganar a opinião pública mundial quanto à política antiambientalista de seu governo, o que já não cola mais nem no exterior.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro a setembro deste ano, foram registrados 76.030 pontos de fogo. A última vez em que houve registro de número superior foi em 2010 — 102.409, em igual período. No mesmo dia em que Bolsonaro deu a declaração, o Ibama determinou a interrupção do trabalho de todas as brigadas de incêndio, por falta de recursos financeiros, sendo que alguns contratos estão com pagamentos atrasados há três meses. Na verdade, a estratégia do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é inviabilizar o cumprimento da legislação ambiental ainda vigente, que, por enquanto, não teve força para derrubar, e desmantelar seus órgãos de controle, o Ibama e o ICMBio.

As declarações de Bolsonaro sobre a Amazônia estão em contraposição aos fatos. No exterior, isso passa a ideia de um governo descomprometido com a verdade, que tenta mascarar seus atos com uma narrativa insustentável. No plano internacional, é um desastre de grandes proporções, que pode ter a mesma consequência que sequestros, torturas e assassinatos de oposicionistas tiveram durante o regime militar: perda total de credibilidade junto às chancelarias e aos investidores. Com o agravante de que uma eventual derrota do presidente Donald Trump nas eleições norte-americanas, com a eleição do democrata Joe Biden, pode resultar numa invertida semelhante àquela que houve no governo do general Ernesto Geisel, com a eleição do democrata Jimmy Carter.

O Palácio do Planalto é prisioneiro dos velhos conceitos do regime militar sobre a ocupação e a exploração da Amazônia, que se baseavam no binômio integração e desenvolvimento e se traduziam na construção de rodovias, mineração e derrubada da mata para exploração comercial e produção agrícola. Hoje, tudo mudou, são outros os paradigmas, mas o governo não se convence de que a floresta em pé, com sua biodiversidade, é uma fonte inesgotável de riquezas. Além disso, não se dá conta de que houve uma mudança de paradigma na economia mundial, que já registra um grande desinvestimento na economia do carbono. Cada vez mais, as grandes empresas e fundos de investimentos submetem suas decisões ao crivo do politicamente correto do ponto de vista ambiental. E nós estamos fazendo tudo errado.

Mercado
Talvez, o melhor exemplo dessa mudança seja a estratégia adotada pelo Rockefeller Brothers Fund, que, em 2015, deixou de investir no mercado de petróleo e carvão e passou a apostar na economia verde. A fortuna da família Rockefeller foi construída com base no petróleo, mas, agora, está sendo direcionada para um movimento global de investidores interessados em descarbonizar a economia, como estratégia de reduzir os riscos de seus investimentos a médio e longo prazos. Mais de 500 instituições possuidoras de US$ 3,4 trilhões em ativos assumiram compromissos para ações de desinvestimento, ou seja, retirar a aplicação de seu capital de empresas e atividades econômicas intensivas em carbono. E os chamados Investimentos Sustentáveis e Responsáveis (ISR, ou SRI, na sigla em inglês), segundo a Global Sustainable Investment Review, realizados com critérios de sustentabilidade, entre eles, o de baixo carbono, representam mais de 30% dos ativos nos mercados de Europa, Estados Unidos, Canadá, Ásia, Japão, Austrália e África. São mais de US$ 60 trilhões que estão em jogo.

No momento, a grande dor de cabeça do ministro da Economia, Paulo Guedes, é a alta vertiginosa dos juros futuros, que estão três vezes mais caros do que a taxa Selic. Isso significa que o governo está tendo de se endividar muito mais para que o Banco Central (BC) consiga vender os títulos da dívida pública, além de encurtar o prazo de resgate desses títulos de seis para dois anos, o que pode resultar numa crise financeira grave em 2022. Esse fenômeno está sendo atribuído aos gastos públicos com a pandemia do novo coronavírus, porém, não é somente consequência de a dívida pública ter chegado próximo a 100% do PIB, o que aumentou o poder de barganha dos compradores. O outro lado dessa moeda é a fuga crescente dos investimentos produtivos, entre outras razões, por causa da política ambiental.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-desinvestimento-no-futurox/

Valor: Salles “joga contra” ambiente, diz Jungmann

Para ex-ministro da Defesa, proposta de Joe Biden para Amazônia é “colonialista”

Por Rafael Rosas e Daniela Chiaretti, Valor Econômico

RIO E SÃO PAULO - A saída do ministro Ricardo Salles da pasta do Meio Ambiente é fundamental para que o Brasil seja “levado a sério” na área ambiental. A afirmação foi feita ontem pelo ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann durante sua participação na Live do Valor.

“Ele joga contra o projeto de desenvolvimento sustentável”, disse Jungmann, acrescentando que Salles também “joga contra” o que o ex-ministro do governo Michal Temer acredita ser o pensamento do segmento militar e daqueles “que querem o desenvolvimento sustentável da Amazônia”. “Ricardo Salles efetivamente não nos credencia externamente e internamente como tendo um projeto sério de desenvolvimento e defesa do meio ambiente do Brasil”, frisou Jungmann, que considerou ainda uma “estupidez” a decisão de derrubar os acordos fechados no âmbito do Fundo Amazônia.

Durante os mais de 40 minutos de conversa, Jungmann procurou demonstrar a necessidade de diálogo e entendimento entre diferentes setores nas questões relativas à defesa da soberania brasileira e na preservação do meio ambiente. Nesse sentido, fez uma dura crítica à postura do candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, que em debate com Donald Trump propôs uma ajuda de US$ 20 bilhões para preservação da Amazônia e ameaçou o Brasil de sanções caso o desmatamento continue a avançar. Para Jungmann, a postura de Biden “é cheia de boas intenções, mas é colonialista”.

“Ajuda à Amazônia tem que ser de acordo com nossos objetivos e com a nossa soberania”, ressaltou.

O ex-ministro demonstrou de que maneira o conceito da defesa da soberania acabou virando um sinônimo de luta exclusiva da ala militar da sociedade. Para Jungmann, a omissão da elite política civil em debater a questão acabou transformando os militares praticamente no único segmento organizado da sociedade a discutir o tema. Ele afirma que os integrantes das Forças Armadas são defensores da preservação ambiental e que o principal problema na região amazônica hoje passa pela falta de projeto nacional para o desenvolvimento sustentável e pela falta de diálogo entre militares, ambientalistas e outros atores da sociedade.

“Se a elite política civil não leva em conta os militares, também não será levada em conta [pelos militares]. Não cabe exclusivamente aos militares esse papel [de pensar a defesa do país e da Amazônia], que cabe à liderança política, que tem que estar à frente do processo, e não está”, disse.

Para o ex-ministro, o distanciamento entre militares e sociedade civil é um erro, uma vez que “o mundo militar é uma ferramenta da nossa soberania”, que não deve ser usada como o “bombril da República” sempre que há uma questão em que o governo precisa agir e acaba utilizando as Forças Armadas fora do seu escopo original.

Jungmann lembrou os temores dos militares com a existência de áreas indígenas e regiões de preservação próximas às fronteiras, o que, na visão deles, abre uma possibilidade futura de ameaça à soberania. “Esse é o entendimento militar”, frisou. “Preocupação que tem que ser reconhecida e tem que gerar diálogo”, acrescentou.

Jungmann fez questão de frisar que as organizações não governamentais “são importantíssimas” na Amazônia, embora haja o estereótipo de que elas não querem desenvolvimento da Amazônia. “A saída é dialogar e chegar a um consenso”, frisou. “Mas onde está o Estado?”, questionou, ressaltando que há a necessidade de convergir a preocupação de soberania dos militares com a preservação defendida por ambientalistas. “Enquanto não se construir isso e transformar isso em atividades sustentáveis, vamos estar queimando árvores. E isso é queimar dinheiro”, frisou.


Luiz Carlos Azedo: O peso da imprudência

Falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades

Num de seus ensaios sobre a França no século XX — O peso da responsabilidade (Objetiva) —, o historiador britânico Tony Judt, falecido em 2010, aos 62 anos, analisa a vida pública francesa entre a Primeira Guerra Mundial e os anos 1970. Como se sabe, o primeiro grande Estado-nação da Europa influenciou toda a história moderna do Ocidente, em razão da Revolução Francesa e da Comuna de Paris. Por essa razão, Judt não esconde seu espanto com “a incompetência, a ‘insoucience’ indiferença e a negligência injuriosa dos homens que governavam o país e representavam seus cidadãos” nesse período, e dedica o livro a Léo Brum, Albert Camus e Raymond Aron, intelectuais franceses que nadaram contra a maré e confrontaram seus pares.

Segundo Judt, o problema da França era mais cultural do que político. Os deputados e senadores de todos os partidos, presidentes, primeiros-ministros, generais, funcionários públicos, prefeitos e dirigentes de partidos “exibiam uma assombrosa falta de entendimento de sua época e do seu lugar”. Para um país que no começo do século teve grandes líderes políticos, como o socialista Jean Jaurès, que tentou evitar a I Guerra Mundial e morreu assassinado num comício pela paz, e George Clemenceau, primeiro-ministro durante a guerra e um dos artífices do Tratado de Versalhes, chama atenção a petrificação das suas instituições políticas no período. Traumatizada pelo sangrento desastre que foi o conflito mundial, a França foi polarizada pela radicalização ideológica que antagonizava comunistas e socialistas, de um lado, liberais e fascistas, de outro, em toda a Europa, e imobilizava o país.

Dividida entre um anseio pela prosperidade, equivocadamente inspirada no passado, e pela estabilidade dos anos anteriores à guerra, de um lado, e as promessas de reforma e renovação a serem pagas com recursos financeiros da punição à Alemanha, de outro, a elite francesa não tinha a menor chance de acertar. Qualquer tentativa de mudança em favor de melhores condições de vida para os franceses era barrada por uma política polarizada entre esquerda e direita, toda reforma institucional ou econômica era tratada como um jogo de soma zero. O desfecho foi a ocupação alemã, período ainda mais traumático, do qual a França foi salva pela vitória dos aliados, sem embargo da heroica resistência dos maquis.

A crítica de Judt é duríssima: “Que a França tenha sido salva de seus líderes políticos, de um modo como não podia ser salvar década antes, se deu graças a grandes mudanças no pós-guerra nas relações internacionais. Membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), beneficiária do Plano Marshall e cada vez mais integrada à nascente comunidade europeia, a França não dependia de seus próprios recursos e decisões para ter segurança e prosperidade, e a incompetência e os erros de seus governantes lhe custaram muito menos do que ocorrera em anos anteriores”.

Um paralelo

A tradução literal de “insoucience” é imprudência. Essa é a palavra-chave do paralelo entre esse período da história francesa e a política brasileira atual. Talvez a maior imprudência visível seja a atual política ambiental, que está fadada ao desastre absoluto, porque assentada em base políticas e ideológicas com 50 anos de atraso, ou seja, que remontam à estratégia de ocupação e exploração econômica da Amazônia do regime militar. Suas consequências de curto prazo — perda de investimentos, dificuldades de comercialização de produtos e isolamento internacional —, apontam para um desastre muito maior, porque o mundo passa por uma mudança de padrão energético que está nos deixando muito para trás, como aconteceu na Segunda Revolução Industrial, à qual só viemos a nos incorporar na década de 1950.

A questão ambiental é apenas a ponta do iceberg: falta-nos um projeto capaz de construir consensos políticos majoritários e resgatar nossa coesão social, para uma grande reforma democrática do Estado e a redução das desigualdades, no espaço de uma ou duas gerações. Ninguém tem uma fórmula pronta e acabada para isso. A única certeza é que os velhos paradigmas, que alimentam a polarização ideológica atual, não são capazes de dar as respostas adequadas aos problemas brasileiros. O pior é que o velho nacional desenvolvimentismo e os populismos de direita e de esquerda rondam as instituições políticas, sem que nenhuma dessas vertentes tenha a menor capacidade de dar respostas adequadas às contradições atuais.

A Revolução Francesa inspirou nossas instituições políticas, assim como a Revolução Americana, matriz das nossas ideias federativas. Tanto a França como os Estados Unidos, porém, vivem novos dilemas, com a revolução tecnológica e a globalização, em que perdem protagonismo econômico e político, a primeira para Alemanha, os segundos para a China. Esses quatro países protagonizam as linhas de força do desenvolvimento mundial, no qual precisamos nos inserir de maneira mais proativa. Nenhum deles, porém, nos serve de modelo de desenvolvimento.

Os Estados Unidos não nos darão de bandeja um Plano Marshall, o Mercosul está cada vez mais na contramão da União Europeia e não nos interessa a militarização do Atlântico Sul. Precisamos traçar o nosso próprio rumo. Nossos gargalos econômicos e sociais têm raízes ibéricas (patrimonialismo, compadrio, clientelismo) e escravocratas (a exclusão social e o racismo estrutural). O xis da questão é produzir uma nova síntese sobre a realidade brasileira e, politicamente, desatar os nós institucionais que impedem o nosso desenvolvimento sustentável. Nossa elite política não tem se demonstrado capaz de cumprir essa tarefa.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-peso-da-imprudencia/